O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0740 | I Série - Número 020 | 08 de Novembro de 2001

 

Os valores para a despesa com pessoal inscritos no Orçamento, já com a dotação provisional, não vão além dos 3% de aumento para a massa salarial, significando que o que fica para o aumento nominal das remunerações dos trabalhadores da Administração Pública não vai além de pouco mais de 1,5%. Pelo terceiro ano consecutivo os trabalhadores vão perder poder de compra!

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo continua, com isto, a dizer que em Portugal se continua a apostar numa política de baixos salários, em vez de estimular as empresas a caminhar no sentido de melhorar a oferta (melhor gestão, melhores tecnologias, mais investigação, mais e melhor formação, novos mercados e, por conseguinte, melhor produtividade). Trata-se de uma orientação estrategicamente errada, dirigida a um tipo de empresariado avesso à iniciativa, ao risco e ao investimento, sempre pronto a penalizar o trabalho, exigindo menos salários e mais facilidades para despedir, mais precarização e mais flexibilidade, sempre a reclamar menos impostos, sempre a exigir menos Estado, mas sempre encostado aos apoios e aos subsídios desse mesmo Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ora, o País precisa exactamente do oposto. Além do mais, o Governo parece ignorar que a melhoria do poder de compra dos portugueses é também um forte estímulo para as empresas e para a economia.
Outro pecado não menor deste Orçamento tem que ver com o completo e voluntário irrealismo com que foi elaborado. Num quadro de generalizado abrandamento da economia, de contenção do comércio internacional, com uma mais que previsível diminuição da procura externa, de uma quebra continuada do índice de confiança dos consumidores, de recessão ou a caminho dela, o Governo propõe-nos para 2002 um crescimento idêntico ao deste ano, um mesmo nível de crescimento do consumo privado, um salto no investimento quase para o dobro, contrariando, aliás, o que ele próprio afirma no relatório do Orçamento. É claramente um Orçamento de ficção!
À falta de melhores argumentos, o Governo, nos últimos dias, socorreu-se desesperadamente dos dados do INE para o final do segundo trimestre, ignorando de forma deliberada a forte desaceleração que se produziu e se está a produzir neste último semestre, a qual vai agravar-se no próximo ano, em resultado conjugado da crise internacional, de uma crescente liberalização do comércio internacional em áreas de extrema sensibilidade para o nosso país, como os têxteis e o agroalimentar e de uma continuada perda de produtividade e competitividade da economia portuguesa por ausência de uma política sustentada de desenvolvimento dos nossos sectores produtivos.
Neste contexto, cada vez é mais incompreensível a insistência numa política de privatizações, que o Governo quer agora alargar aos estabelecimentos hospitalares,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - … feita por exclusivas razões de encaixe financeiro e que não tem conduzido a nenhuma reestruturação do nosso aparelho produtivo, bem pelo contrário.

Aplausos do PCP.

Tudo isto, Sr. Primeiro-Ministro, deveria conduzir a mais prudência na fixação dos cenários apontados no Orçamento, mas o Governo prefere transmitir sinais errados ao País e às actividades económicas por razões de mera engenharia estatística e de um perigoso jogo de «esconde-esconde» o défice por medo de Bruxelas, em vez de assumir, como o PCP propôs, a irrazoabilidade dos critérios de convergência impostos pelo Pacto de Convergência e pelo Programa de Estabilidade e Crescimento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A evidência maior do que afirmamos está nas projecções para as receitas fiscais e para a inflação. O IRC, em Setembro passado, apresentava uma quebra de receita cobrada em relação ao ano anterior de 9,6%. No entanto, o Orçamento afirma que em Dezembro essa quebra irá situar-se somente nos 0,3% e que, para 2002, apesar do reconhecido abrandamento da economia e da baixa da taxa do IRC, a sua receita crescerá mais 5,5% e o IVA mais 7,5%.
É, obviamente, um cenário sem qualquer credibilidade, que faz deste Orçamento um documento em que ninguém acredita, de tal modo que um destacado membro do Partido Socialista, ex-Ministro, já fala na previsibilidade de um rectificativo logo para os princípios de 2002. Da nossa parte, Sr. Primeiro-Ministro, estimamos que as previsões de arrecadação de receita fiscal, só para este ano, estejam sobreavaliadas em cerca de 109 milhões de contos.
Em relação à inflação, e tal como afirmámos no ano passado, o valor proposto pelo Governo tem um objectivo central: enganar os trabalhadores, procurando condicionar de maneira ilegítima as negociações salariais com a Administração Pública e, por extensão, as negociações da contratação colectiva geral no País.
A desorçamentação, Srs. Deputados, é outra das características deste Orçamento. Só no que se refere ao Serviço Nacional de Saúde a desorçamentação de despesas pelo recurso a autorizações de endividamento para pagar dívidas deste ano, logo despesa efectiva, e pelo desvio para activos financeiros a título de capital inicial visando aquilo a que o Governo chama de «empresarialização dos estabelecimentos hospitalares», monta a cerca de 168 milhões de contos.
Mas porventura mais grave do que isso é o facto de o Governo, como já afirmámos, numa atitude sem precedentes e absolutamente inaceitável, não ter entregue a discriminação do Orçamento do SNS (Serviço Nacional de Saúde) para 2002, enquanto os valores de previsão para 2001 revelam que se está a apostar deliberadamente na sua descredibilização para melhor poder justificar o seu desmantelamento e privatização.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, nestas condições não há apelo de ninguém, de nenhum órgão de soberania, nem nenhuma utilização abusiva pelo Governo dos trágicos acontecimentos de 11 de Setembro que possam salvar este Orçamento.
Se o Primeiro-Ministro entende que face à instável situação internacional seria útil que se gerasse um consenso em torno do Orçamento, deveria, então, à partida, ter feito ele próprio um esforço real e de boa-fé para que o Orçamento incorporasse medidas que pudessem suscitar essa convergência, questão que, aliás, o Sr. Presidente da República também devia ter presente.
Do nosso lado, como afirmámos, este deveria ser um Orçamento de verdade, que funcionasse como alavanca para ajudar a economia portuguesa a suportar a crise