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3041 | I Série - Número 055 | 26 de Fevereiro de 2004

 

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Sempre que na sociedade portuguesa a questão controversa da descriminalização do aborto se reacende, quase como uma espécie de reflexo condicionado, os conservadores (actualmente a maioria) trazem um "trólei" de argumentos conhecidos e recorrentes, ou seja, como actuar na prevenção a gravidezes indesejadas, elencando um conjunto de medidas e de propostas. É exactamente sobre uma delas, que consta de um projecto de resolução do PSD e do CDS-PP presente a esta Câmara, que me ocuparia hoje, isto é, da educação sexual, não sem antes dizer - e sem qualquer pretensão de antecipar um debate que vamos ter - que são conhecidas propostas deste género em anteriores debates do mesmo jaez, utilizando-se sempre os argumentos recorrentes acerca da similitude da lei portuguesa com a espanhola, da dualidade de aplicação, da ideia de eventualmente poder haver um "alçapão" que permita a despenalização das mulheres que praticam o aborto sem que haja descriminalização. Todo este tipo de teses e de argumentos é recorrente, é frequente nestas circunstâncias.
Mas autonomizando o debate que vale a pena, o da educação sexual, vale por dizer que é uma questão pertinente, que tem sido levantada desde há muito tempo e que a maioria, os conservadores, vem hoje trazer-nos essa proposta de forma muito incisiva, defendendo a criação de uma disciplina no ensino público, eventualmente designada de promoção para a saúde, onde teria especial incidência o debate acerca das sexualidades, das relações afectivas, da comunicação sexual, mas também da informação científica acerca do corpo, do funcionamento biológico e também do funcionamento psicossocial dos alunos, das alunas, de nós enquanto cidadãos em formação.
É importante notar que há um conjunto de contradições nas intenções anunciadas pela direita: em primeiro lugar, não se entende que tal acto venha através de um projecto de resolução, que, como sabemos, não é vinculativo para a política governativa.
Se os conservadores, se a maioria conservadora quisesse assumir a responsabilidade da proposta, teria elaborado um projecto de lei e não meramente um projecto de resolução.
Além disso, há um défice de autoridade política e moral por parte dos conservadores e da direita em relação a esta matéria. Sabemos que há um projecto-piloto de educação para a saúde que está congelado há anos, e são apenas o frenesim e a inquietação que vêm da sociedade portuguesa acerca do aborto que levam a que a direita tire este projecto de resolução de uma "gaveta cheia de poeira".
Mas façamos algumas perguntas concretas: essa disciplina de educação para a saúde, onde se destacará a educação sexual e reprodutiva, é obrigatória ou não? É de avaliação ou não? É porque se é obrigatória, não se entende que sejam salvaguardadas as responsabilidades dos pais. É toda uma ambiguidade que defronta esta proposta.
Por exemplo, a expressão "salvaguardadas as responsabilidades dos pais" quer dizer exactamente o quê? Que os pais têm objecção? Que podem levantar um "veto" a essa disciplina dita obrigatória? Então, afinal a disciplina é obrigatória ou é "obrigatório-facultativa"? É de uma incoerência completa!…
Suponhamos que no respectivo programa a educação sexual e reprodutiva se traduza apenas nalguns módulos dessa disciplina. Será que os alunos e as alunas poderão ausentar-se desses módulos por objecção dos pais? E depois, como será feita a avaliação? Será uma avaliação pelo programa global para aqueles que não têm objecção de presença na disciplina e uma avaliação parcial para aqueles que a têm?… Isto não tem sentido!
Os conservadores também não nos explicam o que é o tutor, particularmente quando verificamos que na política educativa do actual Governo têm vindo a diminuir aquilo que são os apoios psico-sociais nas escolas, os gabinetes de acompanhamento. Mas supondo que agora e desta vez isso seria implementado, que perfil tem esse tutor? Como é que ele é encontrado? É um professor ad hoc, que é designado na escola? É uma carreira nova que é criada? Nada nos dizem sobre o perfil desse tutor! Mas também nada nos dizem sobre outra coisa elementar, isto é, se o acompanhamento à saúde sexual e reprodutiva nas escolas confere o direito e a possibilidade imediata em meio escolar de acesso à contracepção. Neste aspecto, o projecto de resolução da maioria, dos conservadores, é absolutamente vazio.
Nestas circunstâncias, é imperioso que o PSD e o CDS-PP nos venham dizer muito mais do que aquilo que nos querem dizer, e não meramente impor (e aqui lavro o nosso mais veemente protesto!), através de um qualquer golpe palaciano e utilizando o "rolo compressor" da maioria, que num debate sobre a descriminalização do aborto venha a ser agendado, contra a vontade do partido proponente, este mesmo projecto de resolução.
Mas a direita não esclareceu! A direita faz, pura e simplesmente, um arrolamento de situações para que, num intuito manipulatório, de algum modo, aos olhos da opinião pública, fique a impressão de que