80 | I Série - Número: 108 | 20 de Julho de 2007
Marques. 
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Votei contra o texto final do projecto de regimento, apresentado pela Comissão de Assuntos 
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, porque pese embora reconhecer que do seu conteúdo 
poderão resultar melhoramentos ao nível do funcionamento da Assembleia da República — mormente ao 
nível dos debates sobre o processo legislativo comum e capacidade fiscalizadora do Governo —, entendo 
que em vários outros aspectos as medidas preconizadas no projecto e as regras estabelecidas na sua 
redacção final conduzem a uma indesejável funcionalização do exercício dos Deputados como titulares dum 
órgão de soberania e criarão outras tantas dificuldades no funcionamento do Parlamento. 
Desde logo, considero que este Regimento é demasiado regulamentador porquanto invade áreas que 
julgo deviam depender das decisões, seja dos Deputados individualmente considerados, seja dos grupos 
parlamentares. A este propósito veja-se a regra (artigo 30.º) de imposição do Deputado poder pertencer, por 
regra, apenas a uma comissão. Não está em causa sequer avaliar o mérito da norma (já de si discutível), 
mas esta situação contempla uma ingerência na gestão dos recursos humanos e do trabalho parlamentar 
que devia caber aos Deputados e, sobretudo a cada grupo parlamentar. 
Ou, atente-se também como exemplo, o ambíguo preceito sobre as votações cuja formatação, tal como 
se apresenta, mais valia remeter a questão para a calendarização dos trabalhos parlamentares definida em 
Conferência de Líderes. 
No que concerne à actividade das comissões, é claramente excessiva e desproporcionada (face ao 
Plenário) a exigência prevista para o quórum de funcionamento e deliberação (artigo 58.º), que criará 
bloqueios desnecessários ao normal desenrolar dos trabalhos. 
Do mesmo modo, discordo do voluntarismo, senão mesmo da irresponsabilidade, das faltas dos 
Deputados e respectivas justificações serem publicadas no portal da Assembleia da República, na Internet. 
De facto, é um dever constitucional do Deputado participar nos trabalhos parlamentares. Porém, o exercício 
duma função de soberania (política e legislativa) num sistema representativo como o nosso impõe que seja 
o próprio órgão detentor dessa função e legitimidade a garantir o cumprimento desse dever, evitando – e 
resguardando – que os seus titulares sejam avaliados e fiscalizados não pelos resultados políticos e 
legislativos da sua acção mas pelas faltas e respectivas justificações. 
Ademais, a esta confusão entre a essencialidade da função parlamentar e a pretensa transparência do 
seu exercício, acresce que o perigo real (de dificílimo controlo) da utilização abusiva desses elementos na 
Internet poder potenciar intromissões (muitas vezes anónimas) na esfera de privacidade dos Deputados. 
Veja-se, a título exemplificativo, o que poderá suceder se a justificação duma falta advier da comunicação 
de um dado de saúde ou de uma informação clínica (protegidas e regulamentadas por lei). 
No que respeita à organização dos trabalhos parlamentares (artigo 57.º), continua a haver pouco espaço 
para a reflexão e preparação dos Deputados e dos grupos parlamentares, bem como para o seu contacto 
com as pessoas e instituições no Parlamento. As audições individuais ou do grupo parlamentar não têm um 
espaço próprio. Ainda neste domínio, teria sido mais eficaz (ao nível da planificação dos trabalhos) prever 
que o espaço para as reuniões dos grupos parlamentares ocorresse não entre duas sessões plenárias mas 
antes da primeira reunião plenária de cada semana. 
Nas matérias atinentes aos debates políticos, a proposta ora votada enferma de dois erros. 
Em primeiro lugar, porque ao consagrar mecanismos de agendamento automático não atende à 
proporcionalidade dos grupos parlamentares e potencia a perversão que constitui o facto de alguns 
daqueles, pura e simplesmente, repetirem inusitadamente dezenas de iniciativas legislativas (anteriormente 
rejeitadas) em todas as sessões legislativas, entorpecendo o curso dos trabalhos do Plenário para 
promover discussões «já feitas». 
Por outro lado, a formulação do n.º 7 do artigo 224.º consagra uma solução que não respeita a 
representatividade que pelo voto popular cabe ao maior partido da oposição (aliás, aceite noutros 
instrumentos legislativos recentes como as regras do protocolo de Estado). De facto, permitir que a 
confrontação com o Primeiro-Ministro seja efectuada de forma rotativa, chegando ao absurdo de poder ser 
o partido que suporta o Governo o primeiro a fazê-lo, é uma inovação que não dignifica a democracia e o 
contraditório político e não atende à vontade popular expressa pelo voto. 
Relativamente à audição dos candidatos a titulares de cargos exteriores à Assembleia, suscita-me 
alguma apreensão o alargamento promovido no artigo 257.º. 
Finalmente, algumas questões que a prática demonstra não serem coerentes ficaram por resolver. É o 
caso da figura da reacção contra ofensas à honra ou consideração. Não faz sentido que haja uma 
disparidade de tratamento entre a defesa da honra individual e a defesa da consideração do grupo 
parlamentar. Esta ocorre de imediato, aquela duas ou três horas depois. Não é compreensível, não valoriza 
uma questão essencial (a honra do orador) e desprestigia o próprio instituto. Coisa diversa é controlar o seu 
uso abusivo. 
Em conclusão, considero que este projecto não resistiu à tentação populista de funcionalização dos 
parlamentares, não dignifica os Deputados como titulares dum órgão de soberania, construiu soluções que