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12 | I Série - Número: 111 | 10 de Setembro de 2008

todas e quaisquer contribuições dadas para a vida em comum.
10 — Mesmo a admitir-se a adopção deste novo modelo de casamento, não pode deixar de se salientar o paradoxo que emerge desta visão ‘contabilística’ do matrimónio, uma vez que a filosofia global do casamento gizada pelo novo regime do divórcio corresponde a uma concepção do casamento como espaço de afecto.
Sempre que um dos cônjuges entenda que desapareceu esse afecto, permite-se agora que unilateralmente ponha termo à relação conjugal, sem qualquer avaliação da culpa ou de eventuais violações de deveres conjugais. Ora, a par desta visão ‘afectiva’ do casamento, pretende-se que a seu lado conviva uma outra, dirse-ia ‘contabilística’, em que cada um dos cônjuges é estimulado a manter uma ‘conta-corrente’ das suas contribuições, e apenas a prática poderá dizer qual delas irá prevalecer. Existe uma forte probabilidade de aquela ‘visão contabilística’ ser interiorizada pelos cônjuges, gerando-se situações de desconfiança algo desconformes à comunhão de vida que o casamento idealmente deve projectar.
11 — É ainda possível afirmar, com algum grau de certeza, que o desaparecimento da culpa como causa de divórcio não fará diminuir a litigiosidade conjugal e pós-conjugal, existindo boas razões para crer que se irá processar exactamente o inverso, até pelo aumento dos focos de conflito que o legislador proporcionou, quer no que se refere aos aspectos patrimoniais, quer no que se refere às responsabilidades parentais e aos inúmeros conceitos indeterminados que as fundamentam (v.g. ‘orientações educativas mais relevantes’). Não é de excluir uma diminuição do número de divórcios por mútuo consentimento e um correlativo aumento dos divórcios não consensuais. O aumento da litigância em tribunal poderá levar a grandes demoras no ressarcimento dos danos, de novo em claro prejuízo da parte mais débil.
12 — Por último, é também extremamente controverso, por aquilo que implica de restrição à autonomia privada e à liberdade contratual, o disposto no artigo 1790.º, segundo o qual ‘em caso de divórcio nenhum dos cônjuges pode, na partilha, receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos’. A circunstância de, mesmo contra a vontade manifestada por ambos os nubentes no momento do casamento, se impor agora na partilha um regime diverso daquele que foi escolhido (a saber, o da comunhão geral de bens), consubstancia, por assim dizer, uma ‘revogação retroactiva’ de uma opção livre. E, mais do que isso, consubstancia uma limitação que sempre virá beneficiar um dos cônjuges em detrimento do outro, impondo no momento da partilha de bens um regime distinto daquele que foi estabelecido de comum acordo. Por exemplo, o cônjuge violador dos deveres conjugais que deu causa ao divórcio pode prevalecer-se desta disposição, requerendo unilateralmente o divórcio e conseguindo que na partilha o outro receba menos do que aquilo a que teria direito nos termos do regime de bens em que ambos escolheram casar.
Nestes termos, decidi, de acordo com o n.º 1 do artigo 136.º da Constituição da República Portuguesa, solicitar nova apreciação do Decreto n.º 232/X, devolvendo-o para esse efeito à Assembleia da República.
Com elevada consideração, Palácio de Belém, 20 de Agosto de 2008.
O Presidente da República Aníbal Cavaco Silva».
Para uma intervenção, dispondo de 3 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista tem, a este propósito, com o veto que foi suscitado, uma segunda oportunidade. Uma segunda oportunidade, em boa verdade, para transformar um diploma mal redigido, com erros técnicos grosseiros e soluções substantivas que não reflectem sequer a realidade sociológica da maioria do País numa lei um bocadinho melhor. Só resta saber se o Partido Socialista vai aproveitar essa oportunidade.
Nem sequer é preciso recordar, quando o diploma saiu da Assembleia para promulgação, as críticas feitas, muito para além da avaliação político-partidária que este Parlamento reflecte. Por exemplo, de muitos dos magistrados que foram chamados, como destinatários, a aplicar esta lei que o Partido Socialista agora quer para o País, mas que enquanto seus intérpretes afirmaram a litigância desnecessária e, principalmente, injustificada que esta solução legislativa traria para o País.
Devo dizer, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que, no início, a publicidade enganosa desta dita «lei do divórcio» produziu algum efeito. Foram as odes preambulares — indevidas, devo dizê-lo! — à 1.ª República, no exemplo bom que o Partido Socialista encontrou; a ideia falsa de um conceito de culpa, que nunca foi