I SÉRIE — NÚMERO 108
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Solicitou-nos, contudo, a direção da bancada do Grupo Parlamentar do PS que, em nome de uma coesão,
nos pudéssemos conter dentro da posição de abstenção adotada pela bancada. Fizemo-lo; atentos os
argumentos e a especial conjuntura. Não poderíamos, porém, deixar de expressar aqui estas nossas
profundas objeções e a vontade de ser outro o sentido de voto do PS.
Os Deputados do PS, Filipe Neto Brandão — Maria Antónia Almeida Santos.
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A revisão do Código do Trabalho, hoje votada, inclui alterações demasiado gravosas para os trabalhadores
portugueses, indo muito para além do Memorando de Entendimento do Programa de Assistência Económica e
Financeira (PAEF).
É minha convicção de que estamos perante um retrocesso dos direitos conquistados através da luta dos
trabalhadores que, com o tempo, nos atirará para patamares muito perigosos de atomização das relações.
É claro, para mim, que o Governo mais não está a fazer do que a aproveitar a crise em que o País se
encontra mergulhado e o PAEF, como escudos de defesa para a realização de um projeto ideológico de
fundamento ultraliberal.
Identifico-me com a responsabilidade que sempre foi assumida pelo meu partido no sentido do
cumprimento dos compromissos assumidos no Memorando de Entendimento.
No entanto, sinto-me desobrigada de qualquer compromisso e serei sempre contrária a qualquer proposta
que, indo além desse acordo, nos termos em que foi assinado pelo Governo do Partido Socialista, prejudique
os portugueses.
Assim acontece com este projeto de alteração do Código do Trabalho, em matérias tão importantes como:
a introdução do designado «banco individual de horas»; a extinção de feriados; o despedimento por
inadaptação; a fragilização dos mecanismos de intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho.
A proposta hoje votada representa, ainda, um rude golpe na contratação coletiva e leva a uma inaceitável
individualização das relações de trabalho, caminhando em sentido contrário àquele que tem sido o caminho
trilhado e defendido pelo Partido Socialista.
Tudo isto, sem que daqui se possa vislumbrar um caminho útil para a criação de mais e, muito menos, de
melhor emprego. Pelo contrário, o resultado da estratégia que tem vindo a ser seguida pelo Governo,
querendo ir muito além do PAEF, está a enredar o País numa teia recessiva para a qual não se vislumbra
saída.
Este Código do Trabalho apenas traz consigo mais desemprego, a acrescentar à taxa de 15% registada
neste momento, para além da descida dos salários. Mais desemprego e mais baixos salários podem ser
assumidos como a síntese daquilo que resultará da aplicação desta lei.
Centrar o combate pela competitividade e pela produtividade no aumento do tempo de trabalho e na
depreciação do valor mesmo, na atomização das relações laborais, fragilizando os laços contratuais, é, no
mínimo, fazer uma leitura míope dos problemas que enfrentamos nesta área e da solução para os mesmos. A
qual tem que passar, forçosamente, por uma aposta determinada na formação dos ativos, na inovação, na
investigação e desenvolvimento e, sublinho, por uma alteração profunda na esfera da organização do trabalho.
Por último, mas não menos importante, cabe-me aqui fazer uma referência particular à extinção do feriado
do 5 de Outubro, data fundadora da República.
Estou convencida de que não fora a má convivência de uma certa direita, cada vez mais povoada de
arrivistas, com a memória do projeto da 1.ª República em matéria de direitos sociais e políticos, de
democratização da cultura e da instrução e de afirmação de um Estado laico e não estaríamos diante desta
decisão.
E isto sem que até hoje o Governo tenha sido capaz de dizer, claramente, qual o impacto desta medida e
sem que se tenha promovido o debate que seria exigível sobre esta matéria.
Não tenho uma visão romântica sobre a mais-valia deste feriado. Tenho a consciência do caracter
eminentemente simbólico do mesmo. Mas não aceito de braços cruzados que se esteja a fazer de uma das
mais belas epopeias na defesa da construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária um jardim mítico.
Nem Salazar, no seu apogeu, se atreveu a ir tão longe.