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I SÉRIE — NÚMERO 73

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A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados:

Na semana em que mais um duro golpe de captura dos rendimentos que lhes são devidos se abate sobre os

pensionistas portugueses, é ajustado discutir a situação social a que chegámos e o que mais será necessário

acontecer para que as militantes políticas de empobrecimento vejam o seu fim.

Foram hoje, aqui, abundantemente citadas as estatísticas que nos interpelam, sejam elas a nível da

pobreza, do seu alargamento e do seu aprofundamento, a nível do desemprego e do subemprego ou a nível

da taxa de desencorajados, ou seja, aqueles que já desistiram e a quem a política seguida tem deixado cada

vez mais para trás.

Mas, perante a intervenção de abertura do Governo neste debate, é caso para perguntar: quanto mais têm

de crescer a pobreza e as desigualdades para que as taxas de juro baixem?

A pobreza e as desigualdades, em Portugal, mais do que uma interpelação à nossa sensibilidade,

constituem um desafio à nossa racionalidade, na medida em que tudo indica que prosseguir neste caminho

agravará as condições trágicas de que os portugueses já estão a sofrer as consequências. A política está a

falhar naquilo que lhe compete, ou seja, na elaboração de programas coletivos de ação que promovam o bem

e a justiça, princípios universais e imutáveis inerentes ao direito natural e, portanto, existentes antes de o

direito ser. Por isso, o bem, em política, só pode ser justiça, ou seja, o interesse comum. E o que está a ser

feito não pode ser interpretado, em circunstância alguma, como defensor ou promotor do interesse comum.

A pobreza e as desigualdades são sempre um mal em si mesmas, mas também são geradoras de outros

males. Não podem ser combatidas através de medidas isoladas, imediatistas e avulsas pois, sendo um

fenómeno multidimensional, requerem uma intervenção multidimensional também, coerente e integrada para

serem eficazes.

Aplausos do PS.

A noção da gravidade do que se passa é-nos transmitida por contactos diretos quer com as pessoas

atingidas quer com as organizações que atuam no terreno.

Ainda recentemente, a Caritas chamava a atenção para a gravidade da situação social no País, dizendo

que as estatísticas pecam por defeito e por desatualização, porque a periodicidade da recolha de dados sobre

a pobreza é muito desfasada temporalmente, o que significará que a situação real é bem pior do que a

retratada pelos dados que têm vindo a ser divulgados.

Também ainda esta semana, o novo Bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, dizia: «Cuidar é agir

sem demora, sem arrastar ou atrasar respostas sociais, porque os pobres não podem esperar!».

Vieram-me à memória as palavras do Bispo do Porto da minha infância, D. António Ferreira Gomes, que,

em carta dirigida a Salazar há mais de 50 anos, escrevia: «Um financismo à outrance invertido num

economismo despótico, atuando dentro de uma socialidade cujos erros venho procurando apontar, não podia

deixar de resultar e resultou efetivamente (…) em benefício dos grandes contra os pequenos e finalmente na

opressão dos pobres». Dolorosa atualidade para uma dolorosa realidade.

Não param de chegar, agora, os avisos de organizações internacionais de que o Governo foi longe demais

nos cortes e na redução dos apoios sociais, de entre os quais se destacam os relativos à proteção no

desemprego e às despesas de saúde.

Ainda há dias, Kenneth Rogoff, que este Governo tanto invocava para justificar a sua política autoritária

reforçada e militante, afirmava: «As economias capitalistas foram espetacularmente eficientes a conseguir o

aumento do consumo de bens privados. Mas quanto aos bens públicos — como a educação, o meio ambiente,

a proteção da saúde e a igualdade de oportunidades — a execução não é tão impressionante e, à medida que

se desenvolvem, parecem ter aumentado os obstáculos políticos».

O que é verdadeiramente dramático é que a situação de pobreza, para além de corresponder a uma

disrupção individual, interpessoal e social, compromete o desenvolvimento da personalidade.

A Organização Mundial de Saúde bem o diz: «O desemprego e o endividamento afetam a saúde mental

das populações». Existe hoje evidência científica de que a pobreza nas crianças produz stress crónico, o que

compromete o desenvolvimento da memória funcional, condição necessária para a aprendizagem ao longo da

vida. A pobreza vai direta ao cérebro e compromete-o. Por isso, é tão conhecida a transmissão vertical da

pobreza e a sua transmissão para as gerações futuras.

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