I SÉRIE — NÚMERO 50
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em Portugal, o Estado é um interveniente de características únicas
no setor imobiliário. Ele é um significativo proprietário, é o maior proprietário do País. Ele é um importante
utilizador. Ele é um expressivo inquilino. Ele é um senhorio, diga-se um senhorio rico. Ele consegue,
simultaneamente, ser senhorio e inquilino do mesmo imóvel. Ele consegue, simultaneamente, ser vendedor e
comprador do mesmo imóvel.
Mas, apesar desta sua singularidade, apesar de todos os esforços, o Estado nunca foi capaz de gerir
eficientemente o seu património imobiliário, subsistindo milhares de imóveis devolutos, subutilizados, muitos
deles abandonados, degradados e sistematicamente vandalizados.
Portugal não pode dar-se ao luxo de perder este património e nós podemos pôr termo a este desperdício de
recursos, a este, não raras vezes, atentado à identidade histórica, cultural e social do País.
A nossa proposta é muito simples. Ela assenta na descentralização que, ao longo destas quatro décadas de
democracia, já provou ser uma política correta e um instrumento eficaz do nosso desenvolvimento coletivo.
Assenta na confiança, na capacidade de iniciativa, na proximidade, na eficiência da ação das autarquias e das
entidades intermunicipais. Assenta, basicamente, num programa de parcerias entre o Estado e as entidades
locais, possibilitando às autarquias fazer aquilo que o Estado não tem conseguido fazer, que é deixar as
autarquias fazer, e fazer bem, aquilo que o Estado tem feito menos bem, que é valorizar o património público
inativo.
Aplausos do PSD.
Esta é, por isso, a melhor resposta às insuficiências do Estado e é aquela que melhores condições oferece
para a prossecução do interesse público, afinal aquilo que, única e verdadeiramente, interessa aos portugueses.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, muito bom dia.
Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado João Vasconcelos.
O Sr. João Vasconcelos (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 280/2007 tinha
por objetivo a reforma do regime do património imobiliário público através da eficiência e da racionalização dos
recursos públicos, adequando-se à organização do Estado. Não obstante esta disposição legislativa, são
inúmeros os imóveis devolutos ou em ruínas por incúria ou inação da administração central.
Perante tal cenário, torna-se premente tomar medidas adicionais positivas através da intervenção das
autarquias locais nesta área, mas sem alienar os imóveis públicos do Estado. Esta é a proposta que o Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda apresenta nesta Câmara, um projeto de lei que estabelece mecanismos de
alerta do património imobiliário do Estado devoluto e em ruína e permite a sua utilização pelas autarquias locais,
exatamente ao contrário do que estipula o projeto do PSD.
O projeto de lei do PSD, de uma forma sub-reptícia e manhosa, a pretexto de que se trata de um «programa
de cooperação entre o Estado e as autarquias locais para o aproveitamento do património imobiliário público»,
abre a porta à privatização de solos e edifícios públicos, numa lógica de negociatas e de lucros para os privados.
Isto é o que se infere, e de uma forma clara, quando o PSD propõe o «apoio da entidade local no processo de
alienação ou cedência onerosa do imóvel a terceiros». No fundo, o que o PSD pretende é transformar as
autarquias numa espécie de agências imobiliárias do Estado e depois chama-lhe descentralização!
Qual é o princípio que o PSD preconiza como contrapartida pela cedência do imóvel? É o princípio da
onerosidade, onde se incluem os pagamentos pecuniários, entre outros. É meio caminho andado para a
delapidação do património imobiliário público, mesmo classificado e entregue a privados.
Temos tido, nos últimos tempos, algumas ameaças e um triste exemplo em torno da Fortaleza de Peniche,
um dos monumentos mais importantes e que faz parte da memória coletiva do povo português como um símbolo
da resistência ao Estado Novo.