12 DE MAIO DE 2017
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Lamento que já não tenha tempo para responder, mas era importante perceber-se até que ponto é que este
registo vai ser eficaz, porque, se ele funcionar apenas com base em comunicações obrigatórias, mas, até
determinado momento, voluntárias, arriscamo-nos a ter um registo de beneficiários efetivos que vai ser de tudo
menos de beneficiários efetivos. Vai ser de beneficiários intermediários, digamos assim.
O que eu queria perceber é se, do ponto de vista prático, vamos, de facto, chegar aos beneficiários efetivos
ou se vamos ter mais um registo que vai ser de beneficiários intermediários. Se for isto, também não servirá de
nada.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei
que cria o registo central do beneficiário efetivo e que o Governo apresenta hoje representa um passo pequenino
na marcha contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Um passo pequenino porque é
uma medida legislativa que se junta a tantas outras e cujo cumprimento nunca se verificou. Lembramos, por
exemplo, o caso Banif. Recordamos que o banco não cumpria muitas das suas obrigações, no que tocava ao
combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, mas isto só veio a ser exposto quando
já era demasiado tarde. O Banco de Portugal sabia, a auditora externa sabia, a administração do Banif sabia e
não consta que tenha acontecido coisa alguma. Referimos este caso apenas para demonstrar que, neste âmbito,
não basta legislar, é preciso retirar consequência da lei.
A identificação do beneficiário final de uma sociedade é importante para que, quer nos planos fiscal e da
supervisão, quer quando se verifique necessário no plano judicial, seja possível identificar os verdadeiros
titulares de uma sociedade.
O que não será resolvido com esta legislação, contudo, é a questão de fundo que está na origem e na base
do branqueamento de capitais: a economia especulativa, a maximização do lucro dos grandes grupos
económicos e dos grandes acionistas a todo o custo.
A criminalidade económica tem também desenvolvido meios muito eficazes e dispõe de recursos
praticamente inesgotáveis, muito superiores aos meios de que dispõem os supervisores, as autoridades
tributárias ou as forças policiais e judiciais. A desproporção de meios é gritante. As comissões de inquérito, na
Assembleia da República, já ouviram falar de milhões de euros pagos a uma só advogada para arquitetar um
esquema de offshore para poupar muito mais milhões em impostos.
Basta olharmos para os meios de que a República dispõe: o Banco de Portugal, se considerarmos que
defende a República, tem poucos, manda as auditorias serem feitas por empresas privadas; a CMVM (Comissão
de Mercado de Valores Mobiliários) poucos tem, realiza as auditorias com os seus próprios esforços; e a Polícia
Judiciária, enfim, sabemos com que meios consegue prosseguir a sua atividade no âmbito do combate ao
branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Ao mesmo tempo não resulta claro como será colocado em prática este registo no caso das grandes
sociedades, onde as participações sociais são dispersas e complexas, onde existem arquiteturas empresariais
mirabolantes, pensadas e realizadas por grandes sociedades de advogados para assegurar a melhor forma de
fugir à lei ou às responsabilidades fiscais. Vimos isto em praticamente todos os bancos falidos em Portugal e
nas suas relações com grupos económicos e, certamente, o veríamos num outro conjunto de grandes empresas
e de grandes grupos, se fossem submetidos ao escrutínio de um inquérito, como o inquérito parlamentar.
O branqueamento de capitais é um mundo diretamente ligado aos maiores negócios do mundo, desde o
tráfico de droga e armas ao tráfico de pessoas, mas também ligado ao crime económico e a lucros obtidos
indevidamente ou a financiamentos circulares. As práticas relativas ao branqueamento estão na origem de um
grande conjunto de problemas que acabam sempre por recair sobre os mesmos: os trabalhadores. Os
trabalhadores perdem empregos quando os administradores ou os donos desbaratam os bens de uma empresa
e a encerram ou têm de pagar as contas dos bancos que foram assaltados por administradores escondidos
atrás de offshore.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.