I SÉRIE — NÚMERO 54
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na taxa de resolução, na taxa de recuperação, nos índices de descongestionamento e no tempo médio de
agendamento e decisão».
É justo dizer que tais resultados se deverão, em primeira linha, à generalidade dos juízes e funcionários
judiciais e demais agentes da justiça, que, muitas vezes em sobre-esforço, vêm dando o melhor de si para tal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De algumas das propostas hoje apresentadas parece poder retirar-
se a ideia de que a prossecução de um caminho de supressão da possibilidade de recursos nos conduzirá a
uma justiça mais célere e, por isso, mais eficaz. A experiência deveria, porém, levar-nos a reponderar a valia de
um tal entendimento.
É, nomeadamente, hoje indisfarçável que a criação sucessiva, nos últimos anos, de mecanismos de filtragem
do recurso para os nossos tribunais superiores tem transferido, quiçá demasiadas vezes, para os tribunais de
segunda instância a função de última instância.
Teremos, em consciência, de nos interrogar sobre o acerto da prossecução desse caminho. Teremos, aliás,
em bom rigor, de saber responder, enquanto legislador, ao repto daqueles — como é o caso do Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça — que, repetidas vezes, vêm alertando em intervenções públicas para a
necessidade de se repensar o regime dos recursos, profundamente modificado a partir da segunda metade da
década de 2000.
Não precisaria aqui sequer evocar a perplexidade nacional — e internacional, já agora — a propósito da
infeliz fundamentação de um aresto que recentemente ocupou o espaço mediático, senão para recordar a
constatação, que acompanhou o seu público conhecimento, de ser o mesmo insuscetível de recurso, dando
assim razão aos que, desassombradamente, tinham já vindo sugerir que o legislador teria ido longe demais na
limitação do direito ao recurso.
A constatação, expressa pelo Presidente do próprio, de que o nosso Supremo Tribunal está hoje, mercê de
alterações legislativas sucessivas, afastado da possibilidade de intervir e decidir em matérias onde possa estar
em causa o respeito por direitos fundamentais, é algo que só pode instar-nos à revisitação desse regime.
Do mesmo modo, não poderemos ignorar que propostas de transformação da competência dos julgados de
paz, conferindo-lhes competência exclusiva onde hoje a têm alternativa, além de lhes transmutar a sua natureza
de meios de resolução alternativa de litígios e, com isso, os fazer integrar na área de competência e
especialização dos tribunais judiciais, prevista no artigo 211.º da Constituição — onde aqueles, manifestamente,
hoje se não integram —, poderia conduzir também, eventualmente, à colocação em crise de legitimidade
constitucional do seu órgão de gestão, o Conselho dos Julgados de Paz, separado que está do Conselho
Superior da Magistratura, a quem constitucionalmente incumbe a gestão do corpo único de magistrados judiciais.
Também sobre propostas que alegadamente procurariam imprimir celeridade através da subtração de litígios
aos tribunais estaduais, fazendo-os transferir ope legis para tribunais arbitrais, ou seja, transferindo processos
da jurisdição pública para a jurisdição privada, convirá não esquecer o que o Tribunal Constitucional sobre essa
matéria já sentenciou, nomeadamente quando fez recordar que «ainda que os tribunais arbitrais constituam uma
categoria de tribunais e exerçam a função jurisdicional, não pode perder-se de vista que essa é uma forma de
jurisdição privada (...). Ora, o direito fundamental de acesso aos tribunais constitui tendencialmente uma garantia
de acesso a tribunais estaduais em resultado da necessária conexão entre esse direito e a reserva de jurisdição,
que apenas poderá caracterizar uma reserva de jurisdição arbitral quando o acesso ao tribunal arbitral seja livre
e voluntário». Impor essa jurisdição a qualquer uma das partes, abandonando o seu caráter voluntário, seria,
assim, colocar a norma que tal previsse sob o risco de declaração de inconstitucionalidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estas observações são apenas algumas das que nos recomendam
maior ponderação sobre várias das propostas hoje apresentadas. A audição — já aprazada nesta Casa — dos
agentes da justiça servirá seguramente para o sucesso dessa ponderação.
Pela nossa parte, estaremos disponíveis para, procurando obter junto dos demais agentes políticos os
consensos necessários, contribuir para o reforço do prestígio da justiça e, com isso, o reforço do Estado de
direito democrático.
Porque hoje, como sempre, o principal desafio continua a ser o da democratização do sistema de justiça,
entendido na sua tríplice vertente de prestação de serviço público de justiça, proteção dos direitos, liberdades e
garantias e políticas constituintes do poder judicial, instituir mecanismos eficazes de prestação de contas e
escrutínio será aqui, como em todas as demais políticas públicas, essencial.