2 DE MARÇO DE 2018
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que, atenta a sua natureza estruturante do Estado de direito, não pode deixar de ter reflexos na qualidade da
nossa democracia.
É certo que não pode nem deve ser escamoteada a circunstância de, nestas quatro décadas, o nosso sistema
de justiça ter logrado atravessar com assinalável sucesso várias etapas, desde logo aquela que, como muitos
autores delimitam, se desenvolveu entre 1974 e 1976 e que correspondeu ao desenho das linhas de rotura —
e também de continuidade — com o sistema de justiça herdado do Estado Novo.
A essa, uma outra, balizada entre 1976 e 1987, subsequente à aprovação da Constituição, caracterizou-se
pela concretização dos princípios constitucionais e, de algum modo, se pode dizer que correspondeu à
construção do edifício jurídico do nosso sistema de justiça.
Daí, até ao início da década de 2000, sucederam-se permanentes ajustamentos incrementais que
procederam à consolidação daquele edifício, na sequência, aliás, da revisão constitucional de 1997.
Temos, porém, hoje, uma geração de portugueses — aos quais estará, nas próximas eleições legislativas,
pela primeira vez, aberta a possibilidade de exercer o seu direito de voto — que formaram a sua consciência
cívica integralmente num período que pode ser designado, e é-o amiúde, de crise da justiça. Um clima
generalizado de deceção, fundada ou não, com o sistema, em que a perceção pública é a de que a justiça
responde mal, ou deficientemente, às solicitações, clima entretanto acompanhado pela emergência de uma
opinião pública alimentada por casos mediáticos
A verdade é que, nestas quase duas décadas, ao coro de vozes qualificadas que protestam a necessidade
da construção de um compromisso, se tem sobreposto amiúde um imediatismo e resistências várias que
invariavelmente fizeram soçobrar os entendimentos que efemeramente se lograram alcançar ou propalar.
Ora, há apenas mês e meio, o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por inerência presidente do
órgão de gestão da magistratura judicial, teve a oportunidade de se pronunciar, na cerimónia de abertura do ano
judicial, sobre o documento recentemente construído pelos diversos agentes da justiça, elaborado em resposta
à convocatória que o Presidente da República, um ano antes, lhes dirigira. Exortando à necessidade de uma
resposta política que se impõe às questões de política suscitadas por tal documento, teve, porém, a sageza de,
ao mesmo tempo que invocou a necessidade dessa intervenção, ter alertado para a imprescindibilidade de,
sobre esse mesmo documento, ser feito um prévio olhar sobre o seu conjunto, que permita, e cito, vislumbrar
para «além das ideias avulsas ou de sugestões pragmáticas que nascem da circunstância e na circunstância
têm de ser resolvidas».
Por outras palavras, avisou aquele prestigiado jurista que seria um erro procurar retirar de uma leitura
atomística do acordo sobre questões de justiça um qualquer conjunto de propostas para as transformar em
propostas de lei, entrando os agentes políticos numa espécie de compita para ver qual deles faz suas mais
propostas ou qual deles as faz mais celeremente.
Preferiu o CDS ignorar tais avisados conselhos, optando por uma tentativa de marcação de agenda numa
área onde recentes alterações de protagonistas no principal partido da oposição poderiam, na sua ótica, abrir-
lhe espaço de manobra.
É certo que não nos envolveremos nesse campeonato da direita parlamentar. Pela nossa parte, reafirmamos
a nossa concordância com a necessidade de, previamente a quaisquer soluções legislativas, procedermos a
uma análise cuidada e ponderada, que permita dar a todas as propostas uma coerência intra-sistémica.
É por isso que o Partido Socialista requereu já a audição parlamentar de todos os agentes subscritores dos
acordos para o sistema de justiça e, bem assim, dos órgãos de gestão das magistraturas e da titular da pasta
governamental da justiça para, no final dessas audições, podermos convergir num conjunto coerente de
propostas que permitam, não a satisfação de quaisquer egos partidários mas, sim, a melhoria do nosso sistema
de justiça. Esse, sim, é um propósito que professamos e que o povo português certamente corroborará.
Para tal, importa não ceder a quaisquer pulsões populistas nem assumir como ponto de partida uma perceção
inquinada por processos que não representem, em si, o sistema e que, em rigor, contribuem apenas para
alimentar discursos fáceis mas que em nada ajudam para a construção das respostas que se impõem.
Há reformas que, seguramente, se imporão, mas não é menos verdade que para o sucesso da sua
implementação há que partir, não de erróneas perceções, que «não mudam nunca, mesmo quando confrontadas
com a evidência» — para novamente citarmos o Conselheiro Henriques Gaspar — mas, sim, do retrato que
resulta do conjunto dos relatórios de todas as comarcas e que, nas palavras do primeiro responsável do
Conselho Superior da Magistratura, revelam, e cito, «bons resultados em todos os indicadores de desempenho: