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I SÉRIE — NÚMERO 81

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clara prevalência ao primeiro, pelo que não faz uma ponderação maturada e equilibrada dos interesses em

causa.

Numa matéria tão sensível como a do Direito das Sucessões, qualquer alteração deve ser objeto de um

debate profundo e sustentada doutrinariamente, tanto mais que a alteração proposta visa, pela primeira vez, dar

predominância à autonomia da vontade sobre as regras imperativas em sede de sucessão legitimária, alterando

profundamente a filosofia do nosso regime sucessório, fortemente ancorado na proteção da família nuclear

(cônjuge e filhos).

É certo que o Direito das Sucessões deve refletir a evolução da sociedade e as novas realidades familiares.

Tal justificaria alterações ao sistema como um todo, incluindo, eventualmente, a eliminação da sucessão

legitimária a favor de um claro predomínio da autonomia da vontade, concretizada através da sucessão

testamentária. Mas tal implicaria uma outra filosofia do Direito das Sucessões, um sistema sucessório

diametralmente oposto, no qual as pessoas teriam o hábito de, por via do testamento, regular em vida a sua

sucessão, eventualmente com algumas restrições para proteção da família. É o que acontece em vários países,

como, por exemplo, na Alemanha, onde há uma intensa atividade neste domínio e é usual os cônjuges fazerem

o chamado «testamento de Berlim», através do qual se designam mutuamente como herdeiros, sendo os filhos

chamados à sucessão apenas em caso de morte do cônjuge sobrevivo (caso em que a autonomia da vontade

conduz a um regime mais protetor do cônjuge do que aquele que resulta das normas imperativas portuguesas

em sede de sucessão legitimária). Mas esta não é a realidade portuguesa, pelo que uma alteração na filosofia

do sistema como um todo deve ser profundamente ponderada e sujeita a um prévio debate público alargado.

Reconhecemos que as alterações agora propostas são limitadas, mas podem desvirtuar a estrutura do sistema,

de forma injustificada e com consequências sociais imprevisíveis.

A categoria de herdeiro legitimário do cônjuge, que concorre com os descendentes e, na falta destes, com

os ascendentes à sucessão e a sua proteção em sede de direito sucessório, foi motivada pela vontade do

legislador de 1977 de não deixar o cônjuge mulher (dependente economicamente do marido) numa insustentável

situação de desproteção social, em caso de viuvez. A sociedade, entretanto, evoluiu. A esperança média de

vida aumentou e existem novas formas familiares. As mulheres estão mais independentes, apesar de

continuarem predominantemente a desempenhar o papel de cuidadoras e, até por isso, a ser financeiramente

mais dependentes. Mas também os filhos perderam, em muito, a sua função social de cuidadores dos

progenitores na velhice, pelo que se pode legitimamente questionar a opção de dar prioridade aos filhos sobre

o cônjuge (que é, em regra, aquele que partilha diariamente a vida com o outro e é o seu suporte).

Por outro lado, este projeto de lei tem um alcance muito mais abrangente do que aquele que é explanado na

exposição de motivos, podendo criar assimetrias injustificadas no Direito das Sucessões. Com efeito, ao permitir

que os cônjuges renunciem por convenção antenupcial de forma recíproca à qualidade de «herdeiro legal»,

exclui o cônjuge não só da categoria de herdeiro legitimário (forçado), mas também legítimo. E isto

independentemente de existirem filhos de anteriores relações ou de estes sobreviverem ao progenitor, situação

em que não se vislumbra a razão para esta desvalorização do cônjuge como sucessível legitimário privilegiado.

O regime proposto pode conduzir a que, no limite, seja um irmão, um sobrinho ou até o Estado a herdar o

património do cônjuge falecido, que em Portugal, muitas vezes é apenas composto pela casa de morada de

família.

Por fim, e esta será porventura a razão mais determinante do voto contrário à iniciativa legislativa em apreço,

a possibilidade de renúncia à condição de herdeiro legal por convenção antenupcial não garante plenamente a

autonomia da vontade e pode ter consequências sociais indesejáveis. Em primeiro lugar, a vida é complexa e

nas relações sociais existe sempre, em maior ou menor grau, a ascendência de um sobre o outro, o que pode

constranger a expressão da vontade real de um dos intervenientes na convenção antenupcial. Em segundo

lugar, uma convenção antenupcial é imutável (artigo 1714.° do Código Civil), não permite o arrependimento,

pelo que uma opção voluntariamente tomada num certo momento, com uma determinada idade e em

circunstâncias próprias pode não corresponder à vontade real no momento da sucessão, passados vários anos

de vida em comum e em outras circunstâncias. Em terceiro lugar, a solução proposta abre uma brecha na

filosofia do nosso Direito das Sucessões com consequências sociais imprevisíveis. Em especial, pode conduzir

a uma injusta e socialmente inaceitável desproteção do(a) viúvo(a) na velhice, numa altura em que está

especialmente vulnerável, sem que o propósito do projeto de lei seja alcançado (basta que o cônjuge progenitor

sobreviva aos filhos) e em benefício de outras pessoas, que até podem não ter partilhado qualquer momento da

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