I SÉRIE — NÚMERO 34
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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ficámos ontem a saber que o
Novo Banco se prepara para pedir ao Estado, através do Fundo de Resolução, uma nova injeção de capital no
montante de 1037 milhões de euros, que irá somar-se aos 23 800 milhões de euros de fundos públicos que,
segundo o Banco de Portugal, foram disponibilizados aos bancos portugueses entre 2007 e 2018.
Nesta interminável conta de somar, devem ainda ser consideradas as ajudas de Estado ao capital da banca
sob a forma de benefícios fiscais, que em 2018 ascendiam a 3800 milhões de euros.
A fatura passada aos contribuintes com o sistema financeiro ainda não parou de aumentar, mas os bancos
querem mais e exigem agora recuperar as suas taxas de lucro à custa de comissões exorbitantes cobradas aos
clientes, que são também, ao mesmo tempo, os contribuintes.
Os bancos não têm sequer pudor em ameaçar o Parlamento com uma vaga de despedimentos, com mais
encerramentos de balcões, ou com disrupções no financiamento da economia, caso as comissões bancárias
venham a ser limitadas.
Quero, por isso, começar este debate por recusar a chantagem dos bancos. Durante mais de uma década,
a banca viveu como quis, financiou os negócios que entendeu, deu crédito aos amigos para jogos de poder na
Bolsa portuguesa, lucrou, pagou bónus chorudos aos seus administradores e até se organizou em cartel para
manipular os spreads cobrados. Tudo isto, claro, com a complacência generalizada dos partidos do poder, mas
também do Banco de Portugal.
Quando tudo lhes correu a favor, o resultado foi menos economia, menos investimento, menos produção,
mas mais dívida, mais imobiliário, mais negociatas. E é inaceitável que, depois de terem tido a liberdade para
cometer tantos erros, os bancos venham agora clamar que o seu bom comportamento depende da liberdade
para esmifrar os clientes com comissões bancárias!
O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Entre 2007 e 2019, os cidadãos em Portugal pagaram em média 8,8
milhões de euros em comissões bancárias por dia, o equivalente a 40 000 milhões de euros. Em 2019, o valor
cobrado em comissões ascendeu a 1500 milhões de euros, mais 40 milhões de euros do que em 2018.
Estes números refletem duas realidades. A primeira é o aumento ou a criação de comissões associadas a
serviços bancários básicos: a manutenção de conta à ordem, transferências bancárias ou operações ao balcão.
Na maior parte dos bancos, as isenções em caso de domiciliação de ordenado ou aplicáveis a jovens e a
reformados foram substituídas por novos produtos, que são as chamadas «contas pacote», que são muito mais
difíceis de comparar entre elas e muito mais exigentes nas suas condições. Hoje, é necessário ter saldos médios
superiores para se ter uma isenção de conta ou, então, é necessário utilizar outros produtos financeiros, como
cartões de crédito, para se ter esse desconto nas comissões.
Os clientes que não cumprem estas exigências são atirados para preçários que podem facilmente atingir os
60 € anuais pelo acesso a serviços bancários básicos.
Esta estratégia afetou, desde logo, as pessoas com rendimentos mais baixos, mas também afetou as
pessoas com mais dificuldade em aceder a serviços online e que estavam mais dependentes das operações
aos balcões, como as pessoas mais idosas.
Mais recentemente, assistimos ainda à introdução de comissões nas operações efetuadas através de
plataformas digitais, como é o caso da MB Way, que anteriormente eram disponibilizadas de forma gratuita.
A segunda realidade do aumento das comissões é a cobrança por operações que não têm qualquer serviço
diretamente associado. São comissões absurdas ou bizarras, como lhes chamou a DECO (Associação
Portuguesa para a Defesa do Consumidor), e incluem, na verdade, a cobrança de mais de 50 € pela emissão
de uma declaração oficial sobre a conta bancária, incluindo o comprovativo pela extinção da dívida. Já ninguém
deve nada ao banco, mas ainda tem de pagar por uma declaração que ateste que essa dívida foi extinta! E
incluem também uma comissão de 30 € anuais pelo processamento da prestação de crédito. Ou seja, o banco
cobra uma taxa de cada vez que debita na conta do seu cliente a prestação de crédito que já deveria incluir
todos os encargos.
É verdade que a lei já impede, em teoria, os bancos de cobrarem comissões que não têm serviços
diretamente associados, mas para que esta norma geral tivesse consequências práticas seria necessário que o
Banco de Portugal fosse o que não é: um supervisor interventivo e disciplinador dos comportamentos da banca.