I SÉRIE — NÚMERO 62
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Foi isso que Aristides de Sousa Mendes afirmou e, por isso, o saudamos, apoiando a proposta da Deputada
não inscrita Joacine Katar Moreira.
Aplausos do BE, da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, antes de mais, queria também associar-me aos cumprimentos aos
familiares, amigos e admiradores de Aristides de Sousa Mendes presentes na galeria.
Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde logo, saudamos os familiares
de Aristides de Sousa Mendes presentes nas galerias.
Somos sempre demasiado pequenos quando falamos de Aristides e serão sempre poucas as vezes que
falarmos dele. Certamente, todos estaremos de acordo em que Aristides mais do que merece o Panteão
Nacional, mas faltará sempre discutir se o Panteão merece Aristides.
Parece extremamente longe, mas, afinal, está ainda tão perto, aconteceu somente há 80 anos. Na sequência
do avanço das tropas da Alemanha nazi na Europa, em Bordéus emergem pessoas refugiadas. Fugiam da
guerra, fugiam da opressão nazi, do antissemitismo, ou da tortura, exploração e morte certa nos campos de
concentração. A estas pessoas, bastar-lhes-ia um visto. Com essa esperança, batiam à porta de diversas
repartições diplomáticas.
Salazar havia emitido a famigerada Circular n.º 14. Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal, católico,
monárquico, viu-se num dilema ético profundo: ou cumpria Salazar ou desobedecia, para salvar. Escolheu a
desobediência à autoridade, em nome de valores éticos superiores. E citamo-lo: «tenho de salvar todas estas
pessoas, tantas quantas eu puder. Se tenho de desobedecer a ordens, prefiro estar com Deus contra os homens
do que com os homens contra Deus». Concedeu vistos a todos quantos o desejassem. Não descansou e passou
dezenas de milhares de vistos.
Quando soube que, por pressão das autoridades portuguesas, as autoridades da Espanha franquista
estavam a rejeitar os vistos, não hesitou em, corajosamente, acompanhar os refugiados à fronteira.
O gesto humanitário de Aristides salvou sem distinção, mas valeu-lhe, por parte da ditadura, um processo
disciplinar, a expulsão do corpo diplomático, a proibição do exercício da advocacia e a inexistência de qualquer
tipo de vencimento.
A democracia também não se portou bem, com processos desaparecidos e desculpas vãs para não honrar
Aristides.
Medeiros Ferreira, primeiro Ministro dos Negócios Estrangeiros após o 25 de Abril, pediu, repetidamente, o
processo de Aristides para o reabilitar, mas os seus serviços «nunca o encontravam».
Somente em 1987, pela voz de Mário Soares, Portugal pediu desculpas públicas pelas injustiças que teve
para com Aristides e esta Assembleia soube aprovar, a título póstumo, a sua reintegração na carreira
diplomática.
Aplausos do PS.
Mas Portugal nunca se desculpou devidamente.
Há que honrar a memória de Aristides de Sousa Mendes nas páginas da História de Portugal e abrir a Casa
Museu, em Cabanas de Viriato, neste 80.º aniversário do seu gesto heroico. O PAN, inclusivamente, já
questionou o Governo, em janeiro deste ano, sobre a data da abertura, mas ainda não obteve qualquer resposta.
É importante que, neste processo, se ouça a vontade da família e da população de Cabanas de Viriato.
Acima de tudo, Aristides inspira-nos e, hoje, vive um pedaço de Aristides em cada pessoa que,
desobedecendo a ordens, salva migrantes e refugiados nos Balcãs, no Mediterrâneo ou em qualquer outra
fronteira, em cada pessoa que quer derrubar os muros existentes, em cada pessoa que luta contra a opressão
e a discriminação. Inspira-nos a combater as forças de extrema-direita que proliferam pela Europa e pelo mundo.
Nada no percurso de Aristides fazia adivinhar o herói em que se tornou. Mas é isso mesmo que define a
essência de um herói: ser capaz de gestos excecionais em momentos excecionais.
Mais do que honrar Aristides, precisamos de honrar os valores pelos quais ele atuou.