I SÉRIE — NÚMERO 62
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propostas aqui em discussão. Não faz sentido que seja esta Assembleia a impor um enquadramento único
para o teletrabalho, que todas as empresas, de todos os setores e de todas as regiões do País, seriam
obrigadas a seguir.
Certamente que as empresas, os trabalhadores e os seus representantes legítimos estarão bem mais
preparados para decidir a melhor forma de adaptar o teletrabalho às suas necessidades.
O atual Código do Trabalho tem mais de 560 artigos e já vai em 18 alterações desde 2009. É altura de
conter a pulsão reguladora e respeitar a vontade das partes e dos parceiros sociais. Só assim se poderá
aproveitar as oportunidades abertas pelo teletrabalho e também evitar as suas armadilhas e injustiças.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr.ª Presidente. Só um Estado controlador, que não confia, nem na capacidade de os parceiros sociais chegarem a bons
acordos, nem na expressão da vontade livre das pessoas, é que tem esta ânsia de regular tudo e de sufocar
tudo. Deixem o País respirar. Deixem o País teletrabalhar.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto, do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita.
Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto, do Trabalho e da Formação Profissional (Miguel Cabrita): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No dia em que são discutidas diferentes propostas legislativas relativas ao
teletrabalho e a matérias conexas, da iniciativa de vários partidos e Deputados, quero, em primeiro lugar,
naturalmente, saudar as propostas, exprimir a posição, aliás conhecida, do Governo sobre várias das matérias
nelas plasmadas e hoje trazidas ao Plenário, e exprimir, também, as nossas preocupações sobre este debate,
debate parlamentar, mas, acima de tudo, um debate que percorre toda a sociedade portuguesa e no qual se
jogam dimensões de grande sensibilidade para os trabalhadores e para as empresas.
Permitam-me, por isso, que aqui deixe algumas notas.
Em primeiro lugar, e como já aqui foi dito, este debate ocorre num momento muito particular do tempo. O
teletrabalho conheceu, ao longo do último ano, uma expansão sem precedentes. Há dez anos, apenas cerca
de 5% das pessoas, em Portugal, tinham tido qualquer experiência de trabalhar com alguma regularidade fora
do local de trabalho, a partir de casa, e em 2019, antes da pandemia, essa percentagem tinha subido para
pouco mais de 14% de pessoas que alguma vez tinham tido essa experiência.
Pelo contrário, no segundo trimestre de 2020, em plena pandemia, a proporção de trabalhadores que
trabalhou sempre ou quase sempre em casa ultrapassou os 23%, mais de um milhão de pessoas, e nalgumas
regiões, como em Lisboa, chegou mesmo a ultrapassar os 35%.
Mas sabemos — já aqui foi dito — que esta expansão ocorreu num quadro de absoluta excecionalidade, a
pandemia, que deu origem, desde logo, a um quadro legal todo ele excecional, por necessidade, já aqui
reconhecida por vários partidos, de agir no quadro da saúde pública.
Esse quadro rompeu com o princípio basilar do acordo entre empregador e trabalhador, tornou o
teletrabalho, em diferentes momentos, ou isento de acordo ou mesmo obrigatório, como sucedeu no último
confinamento, e sabemos, também, que foi operacionalizado com a urgência exigida pelas circunstâncias.
Portanto, neste quadro de saúde pública, em que houve períodos de confinamento, setores encerrados,
escolas encerradas, um quadro que motivou muitas empresas e trabalhadores a optarem transitoriamente pelo
teletrabalho, total ou parcial, para proteção própria e dos outros, a expressão que o teletrabalho ganhou tem
duas características que, neste momento, nos devem fazer ter a maior cautela ao debater o tema, em
particular para fins legislativos.
A primeira característica é que, sim, o teletrabalho foi experimentado por um número sem precedentes de
trabalhadores e de empresas e que esse alargamento da experiência agudizou a nossa consciência coletiva e
individual sobre as potencialidades e os riscos do teletrabalho.
Mas há uma segunda característica: essa experiência e consciência não ocorreram num quadro de
normalidade, nem sequer replicável. Pelo contrário, incluíram pessoas e empresas que nunca teriam optado