I SÉRIE — NÚMERO 82
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porque também aqui o tempo tem uma densidade e uma leitura próprios. Isso implica que todos os intervenientes
no processo legislativo assumam, neste momento, as responsabilidades que lhes cabem.
Concordaremos todos que a morosidade das decisões, a perceção da insuficiência das taxas de
esclarecimento do crime e a adequação e efetividade das sanções descredibilizam a reação do Estado a este
fenómeno.
As propostas que trazemos prosseguem quatro objetivos, todos identificados na Estratégia. Temos de sair
do plano das meras proclamações e passar à ação.
Basicamente, aquilo que nos propomos, em termos objetivos, é a: melhorar o tempo que medeia entre a
ocorrência do crime e o seu conhecimento pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei; quebrar o véu
de opacidade sob o qual se acobertam estes ambientes criminosos, rompendo os pactos de silêncio; aumentar
a tempestividade da resposta, tanto no inquérito, como nas fases processuais subsequentes; assegurar a
efetividade da sanção penal com o correspondente efeito dissuasor.
Com estes objetivos, a proposta introduz alterações em matérias tão diversas como: a prescrição do
procedimento criminal, harmonizando os prazos do Código Penal com a legislação extravagante; os institutos
da dispensa e da atenuação da pena; as penas acessórias; o conceito de funcionário; as penas aplicáveis às
sociedades comerciais; o regime penal das pessoas coletivas; as regras de conexão de processos; a valorização
da confissão integral e sem reservas.
Paralelamente, este conjunto de propostas visa também transpor a diretiva europeia relativa aos
denunciantes, que permite que aqueles que, tendo razões para crer, de boa-fé, que os factos que conhecem
constituem crimes, os participem às autoridades.
Não farei uma descrição exaustiva de todas as medidas. Trarei, no entanto, um apontamento muito breve de
institutos que, pela sua centralidade, poderão fazer a diferença entre a mudança e a estagnação.
Começaria pela dispensa da pena. A dispensa da pena, hoje já prevista na lei relativamente ao crime de
corrupção, é uma medida que, adequadamente configurada, não só assegura uma resposta adequada do
sistema às situações de arrependimento ativo, como pode favorecer a quebra dos chamados «pactos de
silêncio» que se formam entre corruptores e corrompidos.
Mais do que a perceção, temos a certeza de que a configuração desse instituto, em matéria de corrupção,
não permite atingir os fins visados com a sua criação.
A norma que hoje temos, apesar das sucessivas intervenções que conheceu, não tem aplicação na prática.
O seu desenho burocrático, marcado pela exigência de que o agente denuncie os factos nos 30 dias
subsequentes ao seu cometimento, mas sempre antes de instaurado o procedimento criminal, transforma-a
numa norma vazia, dificilmente suscetível de aplicação. Propomos mudá-la para lhe dar sentido útil e para
assegurar aos aplicadores da lei uma ferramenta que os auxilie na sua atividade, no quadro de um processo
justo e equitativo.
Por isso, propomos a eliminação do prazo de 30 dias e, também, o regresso ao regime de aplicação
obrigatória da dispensa da pena, sempre que a postura do agente se aproxime da do arrependimento ativo e
não haja lesão do interesse público, por não se terem verificado a ação ou a omissão ilícitas visadas pelo ato
corruptivo.
A diferença entre o outro modelo e este é a de que, atualmente, o agente fica a saber que, face a uma
tentativa de aliciamento ou a uma quebra momentânea de que se arrependa, pode contar com a proteção legal,
se decidir apresentar a denúncia.
Garante-se, também, que a dispensa, verificados os pressupostos legais, não fica presa na
discricionariedade das autoridades judiciárias, reduzindo a margem de aleatoriedade no tratamento das
situações e favorecendo a confiança do cidadão que se arrependa, na adequação das respostas do sistema
penal.
Mas vai-se mais longe e consente-se que a dispensa possa ainda ter lugar se o agente, no decurso do
inquérito, decidir retratar-se, confessar os factos e contribuir decisivamente para a busca da verdade e para a
obtenção da prova.
A dispensa tem sempre pressuposta a devolução ou a exigência da devolução da vantagem concedida. A
dispensa da pena é, para todos os efeitos, uma sentença condenatória, o que significa que não obsta à perda
do produto do crime e não obsta, também, à perda alargada, a favor do Estado, da diferença apurada entre o
património efetivo do agente e o seu rendimento e património declarados.