20 DE NOVEMBRO DE 2021
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Não obstante, o PSD discorda no que respeita ao alargamento do crime de ocultação de riqueza à omissão
intencional do dever de declarar o facto que originou o aumento do ativo patrimonial, da redução do passivo ou
do aumento de vantagens patrimoniais futuras de valor superior a 50 vezes o salário mínimo nacional, por
considerar que esta solução poderá consubstanciar uma violação de princípios constitucionais estruturantes,
designadamente do princípio da presunção da inocência, com a proibição da inversão do ónus da prova e do
direito ao silêncio e a não autoincriminação.
Não será despiciendo recordar que, anteriormente, em 2012 e 2015, o PSD pretendeu criminalizar o
«enriquecimento ilícito» e o «enriquecimento injustificado», de modo a punir quem adquirisse, possuísse ou
detivesse património incongruente com os seus rendimentos e bens legítimos e, que, de ambas as vezes, o
Tribunal Constitucional se pronunciou pela inconstitucionalidade de normas constantes nos respetivos Decretos
da Assembleia da República (Acórdãos n.os 179/2012 e 377/2015) por violação de princípios constitucionalmente
consagrados, a saber, os princípios da proporcionalidade, por ausência de um concreto bem jurídico a proteger
(artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), da legalidade, por não identificar a ação ou omissão proibida (artigo 29.º,
n.º1, da Constituição), da presunção de inocência sacrificando o «tríptico garantístico» dele decorrente, da
proibição da inversão do ónus da prova, do indubio pro reo e do direito ao silêncio (e à não autoincriminação —
nemo tenetur se ipsum accusare).
Ao fim e ao cabo, entendeu o Tribunal Constitucional que, a ser assim, a incongruência entre o património
e o rendimento passaria a ser criminalmente punível (como crime de enriquecimento ilícito ou injustificado) sem
que se demonstrasse positivamente um evento anterior ilícito. Sendo certo que, como disse o Tribunal
Constitucional, não se pode punir um «estado de coisas», conceito este que não se pode confundir com uma
ação ou uma omissão voluntárias, sendo que só estas são ou podem ser puníveis (artigo 29.º, n.º 1, da
Constituição).
Na verdade, entendeu o Tribunal Constitucional não poder presumir-se a violação de um qualquer bem
jurídico não definido, como sucede quando os eventuais crimes anteriormente punidos não se mostram
processualmente esclarecidos. E, citando Figueiredo Dias, concluiu o Tribunal Constitucional que «toda a norma
incriminatória na base da qual não seja suscetível de se divisar um bem jurídico-penal claramente definido é
nula, porque materialmente inconstitucional».
Desta posição inequívoca do Tribunal Constitucional resulta que não deverá persistir-se na criminalização
dos denominados «enriquecimento ilícito» ou «enriquecimento injustificado», ainda que, de forma mais ou
menos hábil, se lhe emprestem outras e diversas denominações como «ocultação de património» ou «ocultação
de riqueza».
Cremos estar, assim, ampla e decididamente demonstrado que este tipo de criminalização não passará no
crivo do Tribunal Constitucional por indubitavelmente resultar inequívoca a violação de princípios constitucionais
há muitos consagrados e consolidados.
Por esse motivo, o Projeto de Lei n.º 877/XIV/2.ª, apresentado pelo PSD, não insistiu neste tipo de
criminalização.
Assim, por um lado, o PSD optou por agravar os limites mínimos e máximos da pena de prisão aplicável a
quem, com intenção de os ocultar, omitir da declaração apresentada elementos patrimoniais ou rendimentos
que estava obrigado a declarar e desde que de valor superior a 50 salários mínimos nacionais mensais, bem
como a quem, com a mesma intenção, omitir de tal declaração o aumento dos rendimentos, do ativo patrimonial
ou a redução do passivo, de valor superior a 50 salários mínimos nacionais mensais.
Por outro lado, sempre que naquelas declarações não sejam indicados os factos que deram origem ao
aumento dos rendimentos e do ativo patrimonial ou à redução do passivo, em valor superior a 50 salários
mínimos nacionais mensais, o PSD optou por não criminalizar nem punir ali essa conduta, por entender que
essa criminalização não passaria, novamente, no crivo do Tribunal Constitucional.
Com efeito, de novo se incorreria na violação dos acima citados princípios constitucionais, nomeadamente
da presunção de inocência e dos princípios dele decorrentes como o da não autoincriminação (e direito ao
silêncio), da proibição da inversão do ónus da prova, do in dubio pro reo, bem como da indefinição de um
concreto bem jurídico a proteger.
Daí que, nesses casos de aumento dos rendimentos, do ativo patrimonial ou de redução do passivo sem
indicação pelo seu titular dos factos que os originaram, o PSD tenha optado pela imposição da comunicação