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II Série — 4.º Suplemento ao número 108
Quinta-feira, 8 de Outubro de 1981
DIÁRIO
da Assembleia da República
II LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1980-1981)
SESSÃO SUPLEMENTAR
SUMÁRIO
Revisas constitucional:
Acta da reunião da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional de 29 de Julho.
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
««união de 29 de Julho da 1981
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: -Srs. Deputados, temos quórum. Está aberta a reunião.
Atendendo a que o expediente já foi distribuído, dispenso-me de o referir.
Iniciamos os nossos trabalhos de hoje com a discussão das alterações propostas para o artigo 7.° da Constituição.
A menção do «respeito dos direitos do homem» (referida no n.° 5 da parte do relatório da subcomissão referente a este artigo) obteve adesão generalizada, não tendo sido discutidas as outras alterações.
As alterações propostas pela AD constam do n.° 3 da parte do relatório da subcomissão referente a este artigo. A primeira é a substituição de «emancipação» por «dignificação» no n.° 1 do artigo.
Esta alteração diz respeito à última parte deste número:
[...] e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da Humanidade.
Algum senhor deputado deseja usar da palavra sobre esta alteração?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): — Nós entendemos que são coisas profundamente diversas «emancipar» a Humanidade e «dignificá-la»!
Emancipar já sabemos o que é. Dignificar é um conceito tão vago que, constitucionalmente, quase carece de significado.
Entendemos que a Constituição não ficará, de modo nenhum, mais enriquecida substituindo um conceito claro, que é o conceito de «emancipação da Humanidade», pelo conceito vago, indefinido, que é o conceito da sua «dignificação». Aliás, não se concebe uma «dignificação» sem «emancipação».
O conceito de «dignificação» pode dizer-se que é mais vago, mas é mais impreciso, e por isso nós seríamos contra a substituição proposta.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Mais algum senhor deputado deseja pronunciar-se sobre este assunto?
Pausa.
Portanto, não há acordo quanto a esta substituição. Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — É apenas para dizer —sem necessidade de repetir alguns dos argumentos já usados— que também não concordamos com a substituição proposta.
Parece-nos que se deve manter a palavra «emancipação» que figura no texto.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Aqui, como sempre, põe-se um problema de método.
Embora a minha posição já seja conhecida de todos, fo: deliberado que nesta 1." fase dos trabalhos do que se trataria essencialmente era de elencar as questões, procurando arrumá-las por sectores, distinguindo aquelas acerca das quais existe já um acordo (pelo menos enitre as forças políticas susceptíveis de chegarem à maioria de dois terço), depois aquelas em que, mesmo havendo divergências, se considera que elas são superáveis e, por outro lado, aquelas em que há divergências de fundo e que exigirão, no
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mínimo, uma análise mais aprofundada e que põem questões políticas das mais difíceis, pelo que deverão ser objecto de um tratamento especial, eventualmente por uma determinada subcomissão.
Esse é que tem sido o método seguido e por isso não penso que valha a pena estar aqui a desenvolver grandes argumentações. Podia fazê-lo, mas não penso que seja útil nem que seja este o momento mais .propício para o fazer. Aité porque estar agora a justificar a proposta da AD iria traçar enormememte os nossos trabalhos.
Registamos a discordância do PS e do PCP e aguardamos o momento oportuno — que será com certeza um trabalho aprofundado que vamos fazer sobre estas disposições, segundo penso, em subcomissões e depois novamente em plenário da Comissão— para fazer estes desenvolvimentos.
De momento, parece-me que não se deve ir mais longe do que isto, porque, se não estou em erro, depois do trabalho da subcomissão, do que se trata é de a Comissão, no fundo, alterar ou subscrever cs resultados do trabalho a que a subcomissão chegou e depois dizer qual há-de ser o método a seguir para o futuro. Muito' logicamente, penso que esse método será o de constituir subcomissões, por exemplo, para tratar de aspectos relacionados com direitos dos trabalhadores ou com problemas de organização judicial, ou coisa no estilo. E, portanto, não penso que este seja o momento propício para estar a aprofundar estas questões. Por isso, não respondo aos argumentos invocados, quer pela FRS, quer pelo PCP.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Sr. Deputado Amândio de Azevedo, nesse caso, devo entender que os senhores se opõem a que se aprofunde o relatório da subcomissão?
O Orador: — Não me oponho de maneira nenhuma, Sr. Presidente. Insiro-me é nas deliberações desta Comissão.
Esta Comissão determinou que se constituísse uma subcomissão para fazer aquele trabalho que eu há pouco referi. No primeiro relatório apresentado já foi explicado à Comissão qual foi o objectivo da subcomissão e o método de trabalho. Agora esta Comissão, em plenário, o que vai é debruçar-se sobre o trabalho da subcomissão e ratificá-lo ou alterá-lo.
Mas o Sr. Deputado Almeida Santos disse aqui que até ao fim de Setembro não havia qualquer hipótese de se entrar no domínio das tomadas de posição de fundo ou mesmo de deliberações, porque era necessário consultar os órgãos dos partidos, etc, etc.
Toda a gente sabe qual é a minha opinião — portanto, estou a falar inteiramente à vontade—, mas no pé em que as coisas estão nenhum partido procedeu a consultas e àquele trabalho que item de se fazer, se se quiser ir mais longe. Assim, penso que é completamente inútil estar a fazer este trabalho nesta Comissão, até porque, se fosse a Comissão, cm plenário, a fazer este trabalho, penso que nem em 1984 tínhamos a revisão feita.
Estas questões, depois de reconhecidas, nomeadamente no seu grau de dificuldade, têm, necessariamente, de ser abordadas em profundidade por grupos de trabalho, e não por um plenário de 30 membros, segundo penso.
O Sr. AJmenda Santos (PS): — Posso interrompê-lo? O Orador: — Com certeza.
O Sr. Almeida Santos (PS): — ... as alterações propostas, parece-me de menos. Gostaria que encontrasse a justa medida, do seu ponto de vista.
O Gradlcn — Em relação a algumas questões, penso que é possível. A própria subcomissão, em relação a algumas questões, entendeu que não tinha a mínima dificuldade em reconhecer que havia acordo, mesmo para além daquelas em que há coincidência de propostas. Aqui, de acordo com o relatório, pode acontecer que haja questões que não apresentem grandes dificuldades e que seja possível ir até mais Longe desde já.
Esta é uma das tais grandes questões que mexem com o grande problema da desideologização. Toda a gente compreende isso. Portanto, é uma questão de interesse político manifesto, e penso que é completamente inviável estar agora a aprofundá-la.
O Sr. Presidente [Borges dc Carvalho (PPM)]: — O Sr. Deputado Sousa Tavares tinha-se inscrito em relação a este ponto?
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Para já prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): — Claramente, ainda não estamos à procura do justo equilíbrio quanto ao método de trabalho entre a subcomissão, a Comissão e o que se seguirá. Em todo o caso, há duas coisas que, do nosso ponto de vista, importa acentuar.
Primeira: o Sr. Deputado Amândio de Azevedo vem insistindo na ideia das subcomissões. Para que o nosso silêncio não seja tomado, de modo algum, como concordância quanto a este método que ele tem por assente, devemos dizer que não vemos para já nenhuma possibilidade de isso vir a ter a nossa concordância.
Essa ideia de que as questões políticas fundamentais vão ser decididas por grupos de trabalho formados por técnicos não colhe o nosso apoio, não tem, a nosso ver, os mínimos pés para andar. A nosso ver, há uma completa discrepância entre aquilo que é, ao fim e ao cabo, o fundamental da revisão, que são decisões políticas a ser tratadas aqui, e, quando muito, apuramento de redacções. Então sim, pode ter vantagem ser assistido por pessoas particularmente versadas nos temas que venham a ser discutidos.
Não vemos como é que a proliferação de subcomissões (que parece estar subjacente a esta insistência nas subcomissões) é sequer compatível com o princípio da participação de todos os grupos políticos na revisão constitucional, desde logo sabendo-se que há grupos políticos que têm 1 deputado, 2, 5 deputados, boa parte deles não podendo dar a boa contribuição técnica nos tais grupos técnicos a que o Sr. Deputado Amândio de Azevedo se refere.
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Segunda: quanto à articulação entre a subcowiissão e a Comissão (esta que agora existe), creio que por um lado, há, obviamente, a possibilidade de a discussão na subcomissão ter propiciado aos grupos poli'icos avançar aqui um ou mais passos em relação àquilo que puderam dizer na subcomissão.
É o nosso caso. Estamos em condições de dizer alguma coisa em relação a assuntos sobre os quais não nos podemos pronunciar na subcomissão. Por oU''ro lado, há matérias que na subcomissão nem sequer foram discutidas. É o caso deste artigo, em que a maior parte destas questões nem sequer foram discutidas.
Da nossa parte, achamos útil e necessário que digamos alguma coisa sobre propostas de alteração
acerca das qua>fls não dissemos natda na subcomissão.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)] : — Vou expor o meu ponto de vista, que, creio, poderá ser subscrito pela mesa, que é o seguinte: independentemente da necessidade óbvia de guardar questões políticas de fundo para uma fase posterior, há algumas pistas do relatório da subcomissão que podem ser utilizadas para tornar útil a reunião do plenário. Se vamos, puramente, ratificar o trabalho da subcomissão, não vejo necessidade de o plenário da Comissão se reunir, a não ser para dizer que, sim senhor, o relatório está muito bem feito, vamos todos para casa.
A meu ver, no que respeita ao artigo 7.°, há uma ou duas coisas que poderão ser objecto de acordo, para além do que foi feito na subcomissão. Embora a subccm.rejão só se tenha 'debruçado sobre a menção do «respeito dos direitos do homem», o que se diz no relatório é que as outras alterações não foram discutidas.
Ora, das alterações apresentadas consta a da substituição de «língua portuguesa» por «expressão oficial portuguesa», que eu creio que será pacífica. Não seí se é ou se não. De qualquer maneira, julgo que são questões que podem ser objecto de discussão aqui.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Subscrevo pouco mais ou menos o que o Sr. Presidente acabou de dizer e também penso que a função desta Comissão é, tanto quanto possível, ir discutindo os assuntos e ver aquele em que possa haver acordo e aquele em que, realmente, haja divergências fundamentais.
Parece que a divergência fundamental que aqui se levantou é uma divergência entre as palavras «emancipação» e «dignificação».
Devo dizer que estou de acordo com as duas. Do meu ponió de vîs'a pessoal, a'é se podiam somar as duas: «emancipação» e «dignificação». Era-me indiferente. Se se atribui um significado político à substituição da palavra «emancipação» por «dignificação», creio que seria aldi'amtar um pouco o traibalho desta Comissão especificar de um lado e de outro quai] a diferença de significado que se aitribui, i's>to é, da parte da AD, explicar qual é o sentido que quer dar com a substituição da palavra «emancipação» pela palavra «dignificação» e, da parte da FRS e do PCP, especificarem exactamente as objecções que põem a essa mudança de sentido, se é que existe, porque é bastante subtil, embora eu compreenda que possa existir.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Queria.apenas lamentar que os discursos das pessoas fossem de-turpaidos. O Sr. Deputado Vital Moreira é que andou a falar para aí em técnicos ou coisa parecida. Nunca faJei em (técnicos. O método da abordagem das questões em pequenos grupos de trabalho é o método usado na Assembleia da República. Quem participa nesses grupos são deputados que se movem por critérios tão políticos como aqueles por que se norteiam nos plenários das comissões.
De resto, esta Comissão já deliberou, embora como posição de princípio, que seriam constituídas subcomissões. Além disso, eu não atribuí à Comissão essa deliberação. Limitei-me a prever aquilo que, em meu entender, viria a acontecer. Aquilo que eu disse está perfeitamente de acordo com o trabalho que se fez na anterior reunião do plenário da Comissão, que foi o de deixar sem discussão imediata uma série de questões que se podem considerar fundamentais, entre as quais se podem incluir estas questões, que têm a ver com conceitos que muitas vezes têm uma certa carga política e que, como toda a gente sabe, a Aliança Democrática, no seu projecto de revisão, procurou modificar.
Portanto, penso que não têm nenhuma razão de ser essas observações e, sobretudo, não subscrevo, em caso algum, que a revisão da Constituição seja feita per critérios técnicos. Tem de ser feita, evidentemente, por critérios políticos. Mas tão políticos são os deputados que participam nos plenários das comissões como aqueles que participam nas subcomissões. É uma questão de encontrar uma forma mais operacional de resolver o problema que temos à nossa frente.
De toda a maneira, o trabalho das subcomissões passa sempre pelo plenário da Comisãso, porque nunca é um trabalho definitivo. Ê um trabalho preparatório.
O Si. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): —Sr. Presidente, julgo que estamos talvez a perder tempo quando o que a mim, pessoalmente, como membro desta Comissão, interessaria saber neste momento é qual & razão por que a AD preconiza a substituição do termo «emancipação da Humanidade» por «dignificação da Humanidade».
Mesmo que não vamos agora avançar na discussão, tenho uma extrema curiosidade em saber as razões da emenda proposta. Por conseguinte, pediria a algum dos representantes da AD o favor de me esclarecer acerca do que se pretende com a substituição.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, vou abordar duas questões.
Uma para chamar a atenção dos Srs. Deputados para o facto de que, em relação ao artigo 7.n, a subcomissão, por razões claras, entendeu não se demorar numa série de propostas de alteração (e estão referidas no relatório). Só se debruçou sobre uma delas, tendo-se registado opiniões de adesão na generalidade.
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Portanto, o problema que se nos põe é o seguinte: a Comissão pode ou não neste momento registaT as opiniões sobre as outras propostas de alteração, mesmo sem grande aprofundamento?
A Comissão pode decildilr que sim senhor, que passarmos ainda uma vez adiante sobre as outras propostas de alteração. Nos registamos que elas não são discutidas, mantêm-se como não discutidas, passamos adiante. Esta é uma forma de resolver o problema.
Outra forma é fazer neste momento aquilo que temos fenito paira os outros pontos, que é manifestar opinião. Esta a questão processual.
Agora a questão de substância é outra: se a Comissão entender que as questões que não foram discutidas na subcomissão devem ser discutidas agora, ainda que liminarmente, então o que pediria — e reforçaria o pedido do Dr, Jorge Miranda— é que, antes de tudo, a AD explicasse o sentido das suas alterações. Isto porque é mais fácil, se se quiser seguir por esta via, que o proponente explique qual é o sentido das suas alterações.
U Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Penso que a palavra «emancipação» pode trazer consigo a ideia de que subscrevemos e apoiamos, por princípio, todo e qualquer movimento emancipalista, seja onde ele se produzir e sejam quais forem as suas características. E suponho que é isso que está na base da ideia da substituição da palavra «emancipação» pela palavra «dignificação», que talvez não seja suficientemente expressiva.
Sei que isso não é possível, mas proporia uma terceira palavra, que era a palavra «desalienação dos povos», porque não traria consigo a carga de termos de subscrever todo e qualquer movimento emancipalista. Creio que não está no pensamento de nenhum deputado aqui presente que tenhamos de apoiar, constitucionalmente todo e qualquer movimento de emancipação que se verifique em qualquer parte do Mundo, que por vezes pode nem sequer ser justificado.
Amanhã temos de subscrever um movimento da ETA, temos de subscrever um .movimento de emancipação da Bretanha, temos de apoiar toda e qualquer espécie de movimento de emancipação. É isso que a AD, evidentemente, rejeita, e penso que rejeita com uma cemta razão.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): — Penso que a interpretação que o Sr. Deputado Sousa Tavares faz do n.° 1 do actual artigo 7.° da Constituição não comporta os riscos que ele pretendeu sublinhar. Na realidade, neste número não se está a tomar nenhuma posição quanto àquilo que o Sr. Deputado designou por movimentos emancipalistas. Não se fala neste preceito em movimentos emancipalistas nem em luta de Libertação nacional — e aí poderia ter alguma razão algumas das questões que o Sr. Deputado acabou de levantar.
Aqui o que se está a tratar ..
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — É de uma questão de sibilitude lexicológica: emancipalista, emancipação?
O Orador: — Repare, aqui «emancipação e progresso da Humanidade» é uma consideração genérica— Humanidade considerada no seu conjunto. É uma expressão, aliás, considerada em diversos instrumentos jurídicos internacionais.
O Sr. Deputado Sousa Tavares, provavelmente, poderá levantar esta questão relacionada com o n.° 2 do artigo e considerar que, para a AD sendo mais importante a alteração que propõe ao n.° 2, pretendeu adaptar o n.° 1 em conjungação com o n.° 2. Então, nesse caso, vamos discutir a alteração que a AD propõe em relação ao n.° 2, porque, em relação ao a." 1, de facto os argumentos que o Sr. Deputado Sousa Tavares apresenta para substituir «emancipação» por «dignificação» ou ainda por «desalienação» —que ê uma expressão de um cunho marxista profundíssimo, que penso que é mais ideológico ainda do que «emancipação da Humanidade» — parece-me que não procedem.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Antes de ser marxista já era cristão e estou profundamente de acordo com o termo!
O Orador: — Antes de ser marxista quem, o ternv ou o Sr. Deputado?
Risos.
Uma voz: — Boa piada!
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, vamos evitar estes diálogos, embota sejam agradáveis.
Não posso deixar de assumir a minha posição de representante do PPM nesta Comissão e dizei por que é que aceitamos esta alteração. É que o termo «dignificação» é mais vasto do que o termo «emancipação». Não ascende a um plano de dignidade um povo que não está emancipado, mas a inversa não é igual. Portanto, é possível ser-se emancipado e não se ter a dignidade que achamos que um povo deve ter, mas a inversa já não é a mesma.
A dignificação de um povo pressupõe a sua emancipação em relação a outras formas de domínio.
Foi neste sentido que aceitámos e subscrevemos esta alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): — Queria só trazer aqui uma nota que me é sugerida pela leitura: é que todo o artigo 7.° tem um significado emancipador.
No n.° 1 fala-se nos princípios da independência nacional, do direito dos povos à autodeterminação e à independência e à igualdade.
No n." 2 fala-se na abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, no desarmamento simultâneo e controlado, na dissolução dos blocos político-militares, no estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, etc.
No n.° 3 fala-se no direito à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo, etc.
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Quer dizer, o artigo hoje tem uma unidade que é consagrar uma ideia geral de emancipação da Humanidade. Se vamos agora substituir uma palavra, deixando ficar o resto, por hipótese, perde sentido. Antes de mais, penso que não vale muito a pena estarmos agora a discutir se deve ser «emancipação», se deve ser «dignificação». Para mim «dignificação» é tão vago que começa a não ser coisa nenhuma. Mais vago seria «perfeição» ou «aperfeiçoamento», qualquer coisa no género. O que queria significar é isto: é que na economia deste texto está ínsita uma ideia de emancipação, de libertação de formas de opressão, etc, etc.
Portanto, o melhor é deixarmos esta discussão para depois de vermos se o texto subsiste ou não, porque, se o texto subsistir com a redacção actual (e eu, pessoalmente, seria um pouco propenso a isso), não tem sentido subsistir a palavra «emancipação» por qualquer outra. Se não subsistir (se viermos a substituí-lo por outro), então até se pode pôr o problema de devermos mesmo corrigi-io.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Bom, o problema, realmente, é este: ou fazemos discussão aprofundada de todos os preceitos, mesmo daqueles em relação aos quais é fácil reconhecer-se que não é este o momento adequado, e nessa altura proponho que voltemos ao artigo 1.°, porque já passámos alguns artigos sem discussão exactamente por reconhecermos que este momento não era propício ao aprofundamento destas questões — e parece-me que este artigo é dos tais—, ou então mantemo-nos fiéis ao anterior método e registamos estas diferenças, que são profundas e que têm a ver essencialmente com uma de-sideologização.
Da mesma maneira que o artigo 7.° actual tem uma certa coerência lógica, também a proposta da AD a tem. Há toda uma série de ideias e de conceitos que se encontram interligados na nova formulação da AD de maneira diferente do artigo atcual. Mas, no fundo, a alternativa é esta: penso que esta é das tais disposições que mexem com problemas de fundo da própria Constituição, sobretudo com o problema geral da desideologização da Constituição, que deve ser tratado em conjunto (e é preferível tratar uma série de artigos que se prendam com esta matéria em conjunto, julgo que é muito mais útil do que estar a fazê-lo agora), ou então mudamos de método e vamos passar a discutir já a fundo todos os artigos.
Mas gostaria de saber que é assim, porque, se fosse assim, até vinha para aqui com outra disposição.
Portanto, isto significa apenas que não pode ser imputado ao PSD o facto de não estar com grande disponibilidade para encetar uma discussão desta natureza. Mas, se a Comissão de todo em todo a quiser fazer, evidentemente que a faremos.
Para além das razões que já foram apontadas pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho, há as razões da própria concepção que a AD tem quanto à cooperação entre os povos. É preciso ver que inicialmente se afirma com toda a clareza o direito de todos os povos à autodeterminação e independência. E autodeterminação de um povo significa que a sua emancipação tem a ver, essencialmente, consigo próprio.
Não sou eu que emancipo outras pessoas. São as pessoas que se emancipam a si mesmas, que são senhoras dos seus destinos e que travam as suas lutas.
E, por outro lado, o conceito de dignificação é um conceito mutito mais amplo, como, aliás, acabou de referir o Sr. Deputado Borges de Carvalho, que envolve, inclusivamente, o próprio conceito de emancipação, além de que o conceito de emancipação, como, aliás, o conceito de desalienação, são conceitos que são apresentados como tendo uma certa carga ideológica. É preferível, a nosso ver, não manter na Constituição conceitos desta natureza.
No que respeita ao problema da utilização da «expressão oficial portuguesa», em vez de «língua portuguesa», esse problema já foi debatido na subcomissão e a conclusão a que se chegou é que era necessário fazer investigações mais aprofundadas, nomeadamente recorrendo a informações do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou até de outras vias, porque há até a informação de que terá sido a pedido dos próprios países de expressão portuguesa que se terá feito esta mudança de forma.
Penso também que não vale a pena neste momento pretendermos estar aqui a ultrapassar a dificuldade.
Estas foram as conclusões a que se chegou na subcomissão. Atendendo à natureza destes problemas, penso que não será muito útil neste momento estar a pretender levar mais longe a discussão, porque receio bem que os resultados não sejam positivos.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, não há mais inscrições relativamente a esta matéria.
Quanto à substituição de «língua portuguesa» por «expressão oficial portuguesa», não constam do relatório da subcomissão as considerações que ali terão sido feitas. Portanto, terei sido induzido em erro nesse aspecto.
De qualquer maneira, há pouco o Sr. Deputado Jorge Miranda, quando falou neste ponto, creio que queria pronunciar-se sobre ele.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Sr. Presidente, era apenas para dizer que, realmente, a respeito do artigo 7.°, não se discutiu este tema de substituição de «língua portuguesa» por «expressão oficial portuguesa», foi a respeito do artigo 15.°, n.° 3.
Uma voz não identificada nem gravada.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem V. Ex.° a palavra.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Penso, nesta questão da «língua portuguesa» e da «expressão oficial portuguesa», que não estamos a cobrir todo o leque de interesses que são comuns a todos os partidos. É que, por exemplo, neste momento Cabo Verde não tem «expressão oficial portuguesa». A língua oficial passou a ser o crioulo. E nós, evidentemente, queremos continuar a abranger Cabo Verde nesta expressão constitucional de interesses, de laços especiais de amizade e de cooperação.
Portanto, suponho que nos cabe a todos encontrar uma fórmula mais ampla, que não seja estrita à língua. Lembro só isto: Cabo Verde abandonou a língua portuguesa como expressão oficial ...
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Voz do Sr. Jorge Miranda (ASDl) não gravada.
Desculpe, Dr. Jorge Miranda, mas é verdade, não tenho culpa nenhuma disso.
Risos do orador.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Está bem, mas não foi o que se discutiu no tema. O relatório é fiel àquilo que se passou na subcomissão. Foi quanto ao artigo 15.°, n.° 3, que houve algumas dúvidas quanto à vantagem da substituição.
Uma voz não identificada nem gravada.
O Orador: — Mas, de qualquer forma, não foi discutido.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Os Srs. Deputados pensam que substituindo-se num artigo substituir-se-ia no outro ou há alguma diferença substancial que leva a adoptar critérios diferentes para um ou outro artigo?
Se de facto não é indiferente, passaremos então para o artigo 8.°, uma vez que ...
O Sr. Almeida Santos (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Isso consta do relatório, já estava adquirido. Julgo que no problema de «língua portuguesa» e «expressão oficial portuguesa» se .pode também dar por adquirido, que há da parte de todos os partidos uma mesma intenção de abranger, o mais possível, os países de língua portuguesa. Portanto, é só uma questão de encontrar a fórmula mais adequada para que não fique ninguém de fora (digamos assim). Creio que não há objecções nesse sentido. Os outros pontos deste artigo, em minha opinião, julgo que são de carácter mais difícil e, portanto, deveriam ser deixados para outra sede. Quanto ao ponto 4 do relatório da subcomissão relativo a este artigo, não sei se será possível obter já posições definitivas da parte da FRS e da AD. O PCP propõe um novo n.° 4, destinado a não permitir a instalação ou estacionamento ou trânsito de armas nucleares em território nacional. Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Almeida. 0 Sr. Nunes de Almeida (PS):—Sr. Presidente, o problema da proibição constitucional da instalação de armas nucleares em território nacional não se pode encarar da mesma forma como se poderia. eventualmente, encarar a proibição legal ou até uma decisão política de qualquer órgão quanto a esta matéria. Constitucionalizar a proibição do trânsito ou O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Julgo que, pela parte da AD, a posição será paralela e que, portanto, este ponto também se poderá dar por ultrapassado. Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira. O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — ó Sr. Presidente, eu só não percebo é por que é que, havendo, além do número (que já foi abordado) relativo à «emancipação» e em que se manifestaram opiniões, o número relativo à abolição de imperialismo, em que ninguém ainda falou, o número relativo ao «direito de todos os povos à insurreição contra todas as fornias de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo», sobre o qual também ninguém falou, & a questão da «língua portuguesa», que foi abordada, mas a sua discussão foi transferida expressamente com a indicação de que todos estariam áe acordo em buscar a solução para o problema real, que também é reconhecido por todos, mudamos para o n.c 4, porque o que não parece coerente é que se salte, a menos que se registe desde já qual é a opinião em relação aos outros números? Isto porque consta do fim da parte do relatório relativo ao artigo que, tirando a menção do «respeito dos direitos do homem», as outras alterações não foram discutidas. Portanto, se vamos levantar esta afirmação e substituí-la por uma outra que foi abordada, então que se abordem todas, porque não me parece coerente que se aborde só uma ou outra ou outra. O Sr. Presidente [Borges dé Carvalho (PPM)]: — Sr. Deputado, eu explico qual foi o meu critério. V. Ex.a tem razão em relação à última parte dc n.° 3 da parte do relatório relativa ao artigo 7.°, quando se refere «o aditamento da preferência à participação de Portugal na 'organização política, económica e social da Europa democrática'. Realmente, eu deveria ter referido este ponto. Os outros dois, que saltei (e saltei conscientemente), o Sr. Deputado pode não ter ouvido, mas, quando os saltei, disse que eles implicavam opções políticas e ideológicas de fundo, que, a meu ver, e julgando interpretar o sentimento da Comissão, não deveriam ser discutidas neste momento e nesta sede. Portanto, eu disse na altura em que saltei esses dois números por que os saltava, mas, inadvertidamente, saltei também o ponto referente à «organização política, económica e social da Europa democrática». Agora os outros dois foi propositadamente que os saltei e justifiquei-o na altura. Ê claro que, se os Srs. Deputados os quiserem discutir, voltamos atrás. No entanto, foi esse o meu critério.
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O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente,
nós estivemos de acordo com qualquer dos métodos, rnas deve ficar claro que não se discutiram os pontos tais e tais e que foram abordados os pontos tais, tais e tais. Isto para que não fique, por omissão, a ideia de que talvez não haja divergência, talvez haja um consenso onde não há ou, ao contrário, talvez haja divergências onde não as há. É só esta a questão.
Desde que fique claro no relatório que a questão do «colonialismo e do imperialismo», por exemplo, não foi abordado, que o ponto relativo a «expressão oficial portuguesa» foi transferido com aquela menção, que a abolição das «formas de imperialismo» não foi abordado, se ficar expresso «isto não foi abordado», então tudo bem, nós também não fazemos questão de abordar mais nada. Que não haja é confusão.
Aliás, como isto fica em acta, se ficar esta ideia «não são abordados porque não se acha conveniente», mas não são abordados, nós não insistimos para que sejam abordados.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Sr. Deputado, eu, na altura em que dei o salto, disse que estes pontos deveriam ser discutidos noutra altura. Admito perfeitamente que não tenha ficado bem claro, mas o meu espírito foi esse. Portanto, julgo que está ultrapassado este pequeno incidente.
O Sr. Vital Moreira (PCP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem V. Ex.° a palavra.
O Sr. Vital Moreira (PCP):—Sr. Presidente, talvez: houvesse vantagem metodológica em, perante cada problema, V. Ex.a perguntar: vai-se abordar, alguém quer abordar? Se houver silêncio, não se aborda, passa-se à frente. Isto para o presidente não ser acusado de uma selecção pouco explicável acerca dos temas que se propõe abordar.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Acho que é uma metodologia certa. Assim, voltaria atrás ao ponto 3.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Almeida.
O Sr.' Nunes de Almeida (PS): — Suponho que o Sr. Presidente se estava a refir, como já tinha há pouco dito, ao problema do aditamento da referência à participação de Portugal «na organização política, económica e social da Europa democrática».
A propósito do artigo 8.°, suscitam-se algumas questões que foi decidido remeter para momento futuro para se encontrar uma formulação. Eventualmente, a formulação que se vier a encontrar a propósito do artigo 7.° sobre esta matéria deverá ter em conta essa formulação. Até para não haver repetições ou discrepância, nós proporíamos que esta matéria fosse também remetida para momento posterior, isto é, para quando fosse encontrada a formulação para o artigo 8.°, que é, tecnicamente e politicamente, mais difícil de resolver.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Em relação ao ponto 3, há mais alguma intervenção?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): — Creio que o Sr. Deputado Nunes de Almeida tem razão quanto à questão de articular isso com as propostas relativas ao artigo 8.° e que têm a ver com a constitucionalização da referência constitucional à participação internacional de Portugal em «organizações internacionais».
A meu ver, a ser decidido nesse sentido, a Constituição carece de uma referência nesse campo. Não terá a nossa aprovação, mas creio que para quem preconiza essa adesão é necessário esse aditamento constitucional. Mas é óbvio que, compreendendo essa necessidade, não podemos de modo algum compartilhar de formulações como estas que aqui estão, sobretudo para quem defende a ideia de não acentuar a carga ideológica da Constituição.
Introduzir conceitos como o de «Europa democrática», que, como toda a gente sabe, é um conceito não isento de uma poderosa carga ideológica, é, enfim, desacreditar as pretensões de quem diz que um dos seus objectivos fundamentais é desideologizar a Constituição.
Independentemente, portanto, do propósito de fundo que aqui está —que é autorizar, constitucionalmente, a adesão ou a participação de Portugal em organizações supranacionais, nomeadamente nas comunidades económicas europeias—, há certas formulações que desde já importa distanciarmo-nos delas e, portanto, não poderiam de modo algum colher o nosso apoio, para além do nosso não acordo ao fundo da questão.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, se não houver mais inscrições quanto ao ponto 3 da parte do relatório da subcomissão ie-> ferente ao artigo 7.°, ...
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem V. Ex.° a palavra.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — É apenas para dizer que estou de acordo com o que disse o Sr. Deputado Nunes de Almeida. Discordo, aliás, do Sr. Deputado Vital Moreira quanto à carga ideológica política que tem a expressão «Europa democrática». Isto não tem carga ideológica nenhuma, & uma forma de identificar um conjunto de países. Se o Sr. Deputado encontrar outra melhor, estarei disposto a aceitar a alteração.
O Sr. Presiente [Borges de Carvalho (PPM)l: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD):—Também estou de acordo com o Sr. Deputado Nunes de Almeida, até porque me parece relativamente apressada a redac-
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ção do n.° 3 da emenda proposta pela AD de ser, de facto, ponderada uma obrigação constitucional de Portugal pertencer a isto ou àquilo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Sr. Presidente, parece-me que a expressão «Europa democrática», para lá de conotações políticas e ideológicas que pudesse ter, tem um sentido restritivo, que, a meu ver, poderia ser evitado. Isto porque penso que se no artigo 7.° se trata das relações internacionais e, para além dos países que têm determinados regimes políticos, regimes políticos democráticos, democracia pluralista, existem outros países na Europa— e poderá interessar a Portugal ter formas de participação em organizações em que estejam empenhados todos os países europeus, e não apenas aqueles que têm regime político democrático. Pode haver uma variedade de organizações para lá das comunidades europeias, mesmo organizações abrangendo regimes políticos sem democracia pluralista.
Por outro lado, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Sousa Tavares, não parece que na fórmula da AD se imponha propriamente uma obrigação. Não se trata de impor uma obrigação ao Estado Português de participar. Trata-se de definir um determinado vector da inserção internacional do Estado Português que é objectiva.
A meu ver, o que faltaria aqui pôr (e isso, sim, c que seria fundamental) era a obrigação de participar em igualdade.
Parece-me que qualquer forma de participação de Portugal com outros Estados em qualquer forma de organização deveria sempre ressalvar a igualdade de Portugal em relação a outros Estados. E nós sabemos que tem havido tendências para participações sem respeito pela igualdade dos diferentes Estados.
E uma manifestação particularmente importante da igualdade é o respeito e a defesa e promoção da língua portuguesa. Já me referi a isso em tempos no Plenário da Assembleia da República, mas julgo que nessa participação de Portugal em organizações a nível europeu devíamos ressalvar sempre o estatuto da língua portuguesa.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Peço desculpa ao Sr. Prof. Jorge Miranda —a quem reconheço uma grande autoridade constitucionalista, mas não sei se se conheço na mesma a linguística—, porque, de facto, o que aqui está escrito é que participa «na organização política, económica e social da Europa democrática».
Se participa, participa. Parece que, constitucionalmente, passou a participar.
Ora, a mim faz-me um bocadinho de confusão que participa numa coisa que nem sequer se sabe se nos querem lá ou não. Quer dizer, constitucionalmente, faz-me uma certa confusão a definição de que participa. Que se diga que pode participar, deve participar, poderá participar. Agora participa, linguisticamente, só que dizer uma coisa: é que participa. F eu, constitucionalmente, não aceito que participe.
Aceito que se diga que tem a intenção ou que pode participar ou que, portanto, a Constituição autoriza a que venha a participar.
Mas a Constituição dizer «participa» acho um bocado forte. Inclusivamente, é uma previsão histórica um bocadinho ousada.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Salvo o devido respeito, o Sr. Deputado Sousa Tavares não tem toda a razão pelo seguinte: quando se fez a Constituição de 1976, defendeu-se determinado sentido do princípio da independência nacional que excluiria esse tipo de participação. Trata-se, exactamente, aqui, não de uma obrigação, mas de uma autorização. Trata-se de compatibilizar a independência nacional com a participação em determinadas formas de organização. Trata-se de pôr fim às dúvidas que de certos quadrantes se puseram a tal participação. Tal é o sentido que poderá ter o n.° 3 do artigo 7.°
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Sr. Deputado Jorge Miranda, inteiramente de acordo, mas então que se ponha a língua de acordo com as ideias. Agora que se faça divergir entre a linguística e aquilo que se pretende dizer é que eu não estou de acordo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, mais uma vez peço que se evite este tipo de diálogo, por interessante que seja.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Almeida.
O Sr. Nunes de Almeida (PS): —Sr. Presidente, quando sugeri que se passasse à frente (para depois de se ter encontrado uma solução para o artigo 8.°), não foi por acaso. Tenho a perfeita noção das profundas dificuldades que implica este aditamento proposto pela AD, como se está, aliás, a ver pelas diversas interpretações que aqui sugeriu. Mas eu vou apenas acrescentar dois ou três pontos.
Em primeiro lugar, esta participação na organização política, económica e social da Europa democrática tem um sentido vago de enquadramento em determinada política de integração, já não de integração política, mas de participação na criação de um espaço geográfico, e aí poderá desde logo questionar-se o corte que é feito aqui entre «Europa democrática» ou outra que não seria democrática. Pode significar a participação em determinadas formas de organização comuns a certos países da Europa, que, pelo texto, diria que seriam os países de democracia pluralista.
Ora bem, não existe nenhuma organização comum a todos esses países, o que desde logo cria dificuldades.
Ou pode dar-se a interpretação (que me parece ser a interpretação dada pelo Sr. Deputado Sousa Tavares) de participação numa organização que seria aquela que o artigo 8.° pretende, de certa forma, resolver, ou sejam as comunidades europeias. Mas então 6 necessário que se diga que a formulação é errada, porque há muitos países democráticos na
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Europa cuja sistema democrático não é questionado por ninguém e que, efectivamente, não participam nessas comunidades, estão de fora. E não podem ser excluídos por esta via, como países democráticos.
Portanto, a formulação é dúbia ou, nalgumas interpretações, conduz a resultados errados.
Por outro lado, é questionável se para dar resposta aos problemas suscitados pelo Sr. Deputado Jorge Miranda se deve fazer referência expressa a organizações ou comunidades europeias (e nós já suscitámos a propósito do artigo 8." algumas objecções a esse respeito) ou se, pelo contrário, se devem encontrar fórmulas genéricas de participação em organizações do tipo das comunidades europeias.
Portanto, este aditamento proposto pela AD implica muitos problemas, e foi por isso que eu sugeri que neste momento se passasse à frente, se resolvessem os problemas a que o Dr. Jorge Miranda há pouco fez referência no artigo 8.° e depois então no artigo 7." se verificasse primeiro da necessidade de se fazer aditamento e, no caso de se chegar à conclusão de que ele era necessário ou conveniente, encontrar a melhor formulação, porque neste momento esta formulação suscita grandes dificuldades.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, há, portanto, uma proposta concreta, agora reafirmada, do Sr. Deputado Nunes de Almeida no sentido de se transferir a discussão deste problema para aquando da discussão do artigo 8.°
Chamo a atenção deste facto para os senhores deputados que estão inscritos sobre este assunto e que são 5. Portanto, se aceitam este pedido de transferência, seria talvez melhor primeiro vermos o relatório da subcomissão sobre o artigo 8.° e depois tomarem a palavra a seguir.
De qualquer maneira, deixo isso ao critério dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): — Penso que tanto faz, Sr. Presidente. De qualquer modo, acho que uma das demonstrações do trabalho útil desta Comissão 6 exactamente o aprofundamento das dificuldades, e vamos avançando, quer dizer, vamo-nos entendendo sobre o que é que cada um pensa sobre os problemas que teremos que resolver mais tarde.
Para mim põem-se vários problemas a respeito da frase «participa na organização».
O que é que se entende por organização? Temos um conceito dinâmico de organização ou um conceito estático de organização? Organização no sentido de organismo já constituído ou de processo em evolução?
Se é o processo, digamos que não é muito grave, pois Portugal acompanha, participa daquilo que se passa na Europa em matéria de organização política, económica e social.
Se é, na verdade, a organização já existente, não se pode dizer que Portugal participa. Pode-se, quando muito, admitir que venha a participar.
Mas, de qualquer modo, o que eu queria significar — e talvez isto seja um contributo com algum interesse— é que estranho já ligeiramente (sem entrar na discussão disso) que a proposta da AD relativa ao artigo 8.° também pressupõe uma adesão já exis-
tente. A proposta diz «decorrentes da sua adesão como membro de pleno direito às comunidades». Parece que já aderimos.
A proposta da FRS vai no sentido de dizer o mesmo por outras palavras, mas referindo-se às organizações de que Portugal seja parte ou no sentido de que venha a ser parte.
Este, no fundo, é o cerne da questão: Devemos deixar na Constituição a ideia de que já somos parte ou devemos apenas prever na Constituição as consequências de virmos a ser parte?
Para mim é óbvio que a segunda hiptóese é a única válida, Portanto, temos que admitir na Constituição alguma coisa. Porque estamos a fazer a revisão da Constituição nas vésperas provavelmente da nossa adesão ao Mercado Comum, às comunidades europeias, temos de admitir que venhamos a aderir.
A fórmula do artigo 8.° é mais feliz, porque é uma fórmula de recepção no direito interno das normas comunitárias.
Ora, dizermos que Portugal participa na organização política, económica e social da Europa, se é no sentido de uma organização que já existe, sou totalmente contra; se é no sentido de uma organização em movimento, então temos que dar mesmo outra redacção.
Isto tudo para significar que há uma certa coerência entre a proposta do n.° 3 do artigo 7.° da AD e a sua proposta do n.° 3 do artigo 8.° no sentido de se referir a um facto consumado. E isso é que nós, em nosso entender, não podemos aceitar.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): — Não vou repetir algumas das observações que já foram feitas, nomeadamente quando se coloca em contraponto a referência à Europa democrática enquanto perspectiva orgânica, E nesse aspecto não há uma organização da Europa democrática. Há diversas instâncias de construção de um espaço geo-estratégico, que é o espaço europeu, que se entrecruzam em diversas instâncias e organizações internacionais.
Seria dramático, com a expressão «Europa democrática» — e parece que está subjacente à proposta da AD numa perspectiva organicista—, reduzir a Europa, realidade europeia, à CEE, a uma organização de implicações políticas, económicas e sociais. E seria, portanto, dramático deixar de fora países, por exemplo, como os países membros do OCDE, que são igualmente parte integrante desse espaço geo--estratégico europeu.
Portanto, o que há é que saber se, em termos políticos, a Constituição da República deve reconhecer a existência desse espaço geo-estratégico e do facto de Portugal ser parte integrante desse mesmo espaço, independentemente das diversas organizações e das diversas instâncias em que a participação de Portugal possa traduzir-se ou não se traduzir.
Nesse sentido, penso que, de facto, é restritivo ter uma Europa democrática, não tanto pelas colorações ideológicas, que obviamente tem (é inegável), mas sobretudo pela circunstância de participar na organização política da Europa ou participar politicamente nesse espaço chamado Europa. Não pode
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ignorar que, por exemplo, uma proposta como a do ex-presidente francês Valérie Giscard d'Estaing na promoção de uma conferência europeia de segurança abrange, não, obviamente, apenas os países em que a AD está a pensar, que são os países da Europa Ocidental, mas tem que abranger, forçosamente, os países da Europa de Leste. O que significaria que, penso, uma conferência de segurança europeia não seria para garantir a França de qualquer invasão alemã ou a Alemanha de qulquer invasão francesa.
Nesse sentido, portanto, a participação política num espaço europeu não se pode restringir aos países em que a AD, implicitamente, está á pensar, como sejam os países da Europa Ocidental.
Por outro lado, a ligação do artigo 7.°, n.°, 3, com o artigo 8.°, n.° 3, é particularmente evidente.
Pela nossa parte, estamos de acordo com a introdução da norma constante do n.° 3 do artigo 8." do projecto da FRS no sentido da flexibilização do regime de recepção no direito interno do direito internacional, na medida em que essa norma não impõe nenhuma obrigação para o Estado Português, mas admite a possibilidade de, através dessa flexibilização, vir a vigorar no direito interno um ordenamento jurídico como aquele que existe nas comunidades económicas europeias.
Nesse sentido, para nós ,é inaceitável a fórmula da AD, que impõe uma obrigação constitucional. É perfeitamente aceitável a fórmula que consta do projecto da FRS, que flexibiliza o regime, admite que vigore na ordem jurídica interna o ordenamento jurídico comunitário, mas não impõe nenhuma obrigação taxativa.
Assim, pensamos que a modalidade que deve ser adoptada quanto à vigência na ordem jurídica interna do direito comunitário deve ser suficientemente prudente e cautelosa para que não tome, à partida, nenhuma opção definitiva sobre a relação hierárquica entre o direito comunitário e o direito interno, nomeadamente sobre o direito comunitário e o direito constitucional.
E nesse sentido também a fórmula da AD me parece demasiado capitulacionista: parece abrir em excesso as portas a uma interpretação, que é defendida por alguns sectores das comunidades europeias — mas que, de facto, não é, por exemplo, aquela que eu perfilho—, de que o direito comunitário vigora mesmo prevalecendo sobre o direito constitucional de cada um dos países membros.
Ora, isso não está de facto salvaguardado na fórmula adoptada pela AD.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Prescindo, Sr: Presidente.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Vou dizer, essencialmente, o seguinte: não versam sobre a mesma' matéria o n.° 3 do artigo 7.° e o artigo 8.° São campos completamente diferentes.
O n.° 3 do artigo 7.° tem que ver com a inserção de Portugal na Europa democrática, que não é, evidentemente, a Europa das comunidades europeias. São realidades completamente distintas.
A Europa organiza-se por diversas formas. Há organizações que abrangem todos os países democráticos da Europa, como seja o Conselho da Europa, que não tem ainda o desenvolvimento, a nível político, das comunidades europeias, mas tem uma acção política de tratamento dos problemas da Europa que interessa todos os 21 países democráticos da Europa, incluindo a Turquia, que neste momento não tem representantes na assembleia parlamentar, por ter suspensas as liberdade democráticas, e está a cumprir-se exactamente o disposto no estatuto, pois o problema está em debate e a seu tempo se tomará uma decisão sobre ele. De resto, nesse aspecto, a delegação portuguesa tem tomado posições unânimes no Conselho da Europa no que respeita ao problema da Turquia. Portanto, parece-me que as piadas não são, assim, muito justificadas.
O n.° 3 do artigo 7.° tem a ideia de que Portugal, no campo internacional, não está especialmente ligado aos países de língua portuguesa e está especialmente ligado aos países da Europa democrática. É isto que aqui se diz. Evidentemente, não são as comunidades europeias, vai-se muito para além disso.
No que respeita ao artigo 8.°, facilmente se aceitam, aliás de acordo com a discussão que já foi tta-vada na subcomissão, os reparos do Sr. Deputado Almeida Santos, mas também não vamos longe de mais.
Em primeiro lugar, o n.° 3 do artigo 8." proposto pela AD não tem que ser, necessariamente, interpretado nos termos em que o foi, sobretudo pelo Sr. Deputado António Vitorino.
O que se diz na nossa proposta é que Portugal aceita a vigência do direito comunal, nos termos decorrentes da sua adesão.
Portanto, há aqui um pressuposto que ainda não está preenchido. Pode-se aprovar uma norma destas, que vigora, naturalmente, quando estiver preenchido um dos seus pressupostos, que é haver um tratado de adesão, e nesses precisos termos.
Não se pode dizer que a norma, em si mesmo, seja um disparate. Não é, mas também não vou ao ponto de deixar de reconhecer que esta redacção pode ser melhorada, nomeadamente indo no sentido da observação feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos. Foi, aliás, isto mesmo que se concluiu na subcomissão.
Quanto à questão levantada pelo SY. Deputado António Vitorino, digo-lhe que é exactamente ao contrário. Quer dizer, a norma que resguarda mais o ordenamento jurídico português, nomeadamente no campo constitucional, é a da AD, porque a AD diz que Portugal a aceita nos termos decorrentes da sua adesão. E é no pressuposto da adesão que se devem resolver esses problemas de saber qual é a hierarquia das normas comunitárias relativamente ao ordenamento jurídico português, coisa que não está sequer apontada na proposta de redacção da FRS, que diz, pura e simplesmente, que as normas vigoram (e acabou), não diz em termos.
Penso que não vale a pena estarmos neste momento já a caminhar nesse sentido. Aliás, por orientação geral, fugirei sempre, tanto quanto possível, a
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críticas desse estilo às propostas dos outros partidos, porque penso que estamos numa fase ainda não definitiva. Enquanto os partidos não discutirem estes assuntos, não tomam uma posição definitiva, e por isso penso que as críticas são dispensáveis. A nossa posição política em relação às posições políticas dos outros será definida claramente, mas só no momento em que elas sejam conhecidas como definitivas.
Para já penso que é preferível não nos orientarmos muito no sentido de estarem a querer amarrar os diversos partidos às posições que aqui tomam e fazer--lhes essas críticas, sobretudo, quando estes estão dispostos a ouvir o que os outros têm a dizer e, eventualmente, a mudar de posição.
É exactamente o nosso caso. Aceitamos perfeitamente que, sendo comum a ideia da FRS e da AD no que respeita ao artigo 8.°, do que se tratará apenas é de encontrar uma redacção melhor do que qualquer destas duas ou uma destas duas, se for reconhecida a melhor, e que possa dar satisfação a todas as partes.
Insisto em que o problema do n.° 3 do artigo 7.° é um problema completamente diferente e tem até uma perspectiva completamente diferente.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Registo, portanto, que, em relação ao n.° 3 do artigo 8.°, há da parte da AD a vontade expressa de encontrar com a FRS uma solução que possa contemplar os desideratos de todas as partes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): — Fundamentalmente, o que eu queria dizer foi dito pelo meu colega Amândio de Azevedo. Concordo com a necessidade de se modificarem os termos dos verbos, pelo menos dar-lhes um conteúdo diferido para o momento em que sejamos efectivamente parte.
É um bocado ridículo estarmos já a considerar-nos dentro de um baptizado para o qual não fomos convidados. A seu tempo participaremos, quando lá estivermos.
À semelhança do que disse o meu colega Amândio de Azevedo, não posso deixar de não concordar com a acusação de capitulacionista do Sr. Deputado António Vitorino.
É evidente que a diferença entre a proposta da FRS e da AD neste ponto será entre capitulacionismo já ou capitulacionismo diferido. A única diferença será essa.
Portanto, se a proposta da AD, pelo facto de aceitar a vigência do direito comunitário na ordem interna, é capitulacionismo agora, a outra seria capitulacionismo diferido.
Não considero nenhuma das soluções como viável. Não se trata de capitulacionismo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): — Entretanto, mal ou bem, transitou-se para a questão do artigo 8.° e dos aditamentos propostos. Aí o relatório tem uma lacuna que é a da posição do PCP de, obviamente, completo distanciamento em relação a qualquer das propostas.
Em todo o caso, da minha parte, tenho a esclarecer duas coisas.
Se há uma consciência importante entre as propostas da AD e da FRS, e nisso colhem o nosso acordo uma e outra, ela é a de autorizarem as restrições de soberania resultantes da inserção em organizações supranacionais. E, nesse aspecto, o projecto do PPD de 1975 era bastante mais claro, bastante menos jurídico, do que qualquer destes projectos agora.
O que é claro é que há uma clara distinção secundária entre estas duas propostas, que já foi posta err. relevo e importa acentuá-la.
Em primeiro lugar, a proposta da FRS é uma proposta de autorização genérica e abstracta. A Constituição autoriza que Portugal venha a fazer parte de organizações supranacionais. Não se diz quais, não se diz quando, não se diz em que sentido.
A proposta da AD, não, pressupõe e exige, um presente imperativo, que Portugal faça parte das comunidades económicas europeias.
E esta distinção não é irrelevante. Ê que, no caso da proposta da FRS, Portugal poderia nunca vir a entrar na CEE ou em qualquer outra organização supranacional, sem se pôr qualquer problema de inconstitucional.
No caso da proposta da AD, a não entrada ou a inércia na inserção na CEE passaria a constituir uma inconstitucionalidade por omissão, porque aqui está pressuposto claramente, um presente imperativo, que Portugal faz parte da CEE.
Esta distinção é essencial, não pode ser escondida, e, portanto, para além da convergência essencial entre as duas propostas, é essa a divergência secundária importante.
Em segundo lugar, o problema já levantado pelo Sr. Deputado António Vitorino, que é o da questão da relevância do direito comunitário e da possibilidade que é definida por alguns amantes mais fogosos da comunidade económica, segunde a qual o direito comunitário prevalece sobre o direito constitucional dos Estados membros. Felizmente, são alguns (poucos) mais fogosos, mas que têm em Portugal alguns representantes já avant la lettre.
Ora bem, parece que a proposta da AD, de facto, está redigida de tal modo que dê algum pé para andar a esses fogosos casamenteiros do Mercado Comum. Importa que isso não tenha a mínima possibilidade de sequer ser especulado. O direito comunitário não pode de modo algum prevalecer sobre o direito constitucional português.
De outro modo, não era apenas admitir que a Constituição pudesse ser revista por uma minoria em Portugal. Ela poderia então ser revista por uma maioria no Parlamento Europeu ou no Conselho de Ministros em Bruxelas.
Maiorias por maiorias...
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Então, Srs. Deputados, como não há mais inscrições, podemos passar ao artigo 9.°
Parece ter-se verificado acordo quanto ao aditamento de uma nova alínea d) respeitante à preservação e valorização do património cultural do povo português e à defesa da Natureza e do ambiente. O projecto de revisão da AD fala também em recursos naturais, o da FRS não, mas penso que o facto não constituirá problema para qualquer uma das partes, de forma a chegar-se a uma redacção final.
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Temos também no ponto 2, que deveria ser o 3, do relatório da subcomissão a substituição da palavra «assegurem» por «promovam» na alínea a) do artigo 9."
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): — Parece-me que «assegurar» e «garantir», é praticamente, a mesma coisa. A ideia da garantia já está no início da alínea:
Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam.
Se, em vez de «promovam», se disser «assegurem», equivale a dizer: «garantir a independência [...] e criar as condições [...] que a garantam», o que, na verdade, é um pouco tautológico.
A palavra «promover» tem um significado; o verbo «assegurar» é uma substituição que me parece pouco feliz, que não enriquece e que é um bocadinho repetitiva da ideia que já está ínsita no verbo «garantir».
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Não penso que esta questão seja muito importante, mas, de qualquer maneira, a minha interpretação é oposta à do Sr. Deputado Almeida Santos.
«Ao Estado incumbe garantir a independência nacional»! Para se alcançar este objectivo é necessário criarem-se condições, e essas condições compete ao Estado, não promovê-las, mas assegurá-las. O Estado não vai agir através de uma terceira entidade, vai agir directamente. E penso que «assegurar» é mais forte do que simplesmente «promover». «Promover» é dar o pontapé de saída para outras pessoas fazerem uma determinada coisa.
Com a alteração por nós proposta, o Estado não se limita a promover, assegura também a criação de condições propícias à garantia da independência nacional. Penso que a ideia é esta e que é mais rica do que a formulação actual.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): — Também ainda numa fase inicial, e sem prejuízo de ulterior reconsideração sobre o assunto, inclinava-me para a manutenção da palavra «promovam» por uma razão extremamente simples.
É que, apesar de tudo, «assegurar» é mais exigente, do ponto de vista das coisas que há que fazer, do que «promover» e, portanto, pode criar-se, por tudo e por nada, um eventual estado de inconstitucionalidade, ao dizer-se que determinadas coisas foram destinadas a promover e, afinal, não asseguraram.
Apesar de tudo, parece-me que o Estado deve promover; assegurar é um pouco exigente de mais, e não sei até que ponto é que isto criará inconsti-tucionalidades a todo o momento.
Por isso, e salvo melhor consideração, pronuncio-me pela manutenção da palavra «promover».
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Para além das razões que acabam de ser apontadas pelo Sr. Deputado Costa Andrade, ainda há, quanto a mim, uma outra razão para que se mantenha o termo «promovam», em vez de «assegurem».
É que «promovam» tem uma acepção muito mais ampla do que «assegurem», particularmente no que diz respeito a entidades chamadas a intervir nesse processo de criação de condições para a independência nacional.
O Estado tem a tarefa de criar condições, mas não lhe cabe, sozinho, promover, garantir ou criar tais condições. O Estado deve fazê-lo em colaboração, designadamente com aquilo a que a Aliança Democrática chama a sociedade civil.
Julgo que a expressão constitucional agora consagrada é muito menos estatista, exige muito menos ao Estado, é muito mais favorável ao diálogo e à participação Estado-sociedade do que aquela que a Aliança Democrática neste momento preconiza.
Já agora gostaria de dizer que a alínea d) não vai, quanto ao património cultural, ao ambiente e à natureza, consagrar coisas novas, vai, sim, elevar a tarefa fundamental do Estado, obrigações que já hoje existem na Constituição Portuguesa.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): — Julgo que há aqui talvez um carácter obsessivo de defesa do proteccionismo do texto de 1976 e uma deficiente leitura da proposta da Aliança Democrática, porque é evidente que aquilo que consta do actual texto da Constituição é que as condições políticas, económicas e sociais se destinam a promover a independência nacional.
Ora, que eu saiba, Portugal é independente há oito séculos, não precisa de condições nenhumas para promover a sua própria independência.
O que se passa —e por isso mudamos para «assegurem» — é que as condições políticas, económicas, sociais e culturais a criar pelo Estado se destinam a assegurar uma independência já existente, e não propriamente a promovê-la. Ê diferente se fosse dito que essas condições seriam asseguradas para garantir essa independência.
O verbo «assegurara refere-se à independência, e não às condições, donde, em meu entender, é muito mais correcto estar «assegurar» do que «promover», porque «promover» é relativo às condições de garantia e «assegurar» significa assegurar a independência já existente.
- O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)): — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Peço desculpa aos Srs. Deputados, mas tenho a impressão de que se tem estado a discutir o «sexo dos anjos», e é inacredi-
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tável que esta Comissão se debruce tanto tempo na discussão se o verbo deve ser «assegurar» ou «promover».
A questão fundamental é outra: é se se deve dizer alguma coisa mais além de garantir a independência nacional. Tudo o resto é perfeitamente pleonástico, tudo o resto faz parte das missões normais do Estado: «promover as condições sociais, políticas, económicas, etc, além de que aqui se pode conter uma ideia perigosa que é a ideia cultural. Vamos por um nacionalismo cultural? Aí é que as ideias começam a ser perigosas.
Se queremos ser lógicos e discutir uma coisa útil, devemos pensar que esta alínea devia parar em «o Estado deve garantir a independência nacional».
Agora estar-se a discutir se o verbo deve ser «promover» ou «assegurar», desculpem que lhes diga, é estar-se a discutir o sexo dos anjos.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Em rigoi na lógica do que acaba de dizer o Sr. Deputado Sousa Tavares e do que disse há pouco o Sr. Deputado Azevedo Soares, nem sequer se deveria dizer «garantir a independência nacional», porque, se Portugal já é independente, existe, e não se compreende que seja o Estado a garantir a sua própria independência.
É que neste artigo não se trata da independência nacional no sentido jurídico-internacional do termo. Tratasse da independência nacional num sentido muito mais rico que abrange, para além dos aspectos jurí-dico-pohticos, os aspectos económicos, sociais e culturais. E é sobretudo em relação a esses que não parece que deva ser o Estado sozinho a criar condições, a promover, a assegurar, ou como quiserem, mas sim o Estado e a sociedade.
Não se trata de uma independência puramente ju-rídico-formal, mas, sim, de uma independência em termos materiais, de uma independência que tem a ver com aquilo a que muitas vezes se chama uma presença activa de Portugal, uma autodeterminação, uma emancipação de Portugal, se quiserem.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): — Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Então tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Eu queria voltar a a insistir no seguinte aspecto: a que é que o Sr. Deputado Jorge Miranda chama, por exemplo, «promover a independência económica de um Estado»?
Vamos regressar aos princípios hitlerianos da independência económica, do espaço vital da autonomia económica? É isso que se quer dizer na Constituição?
Parece-me absurdo! Não é esse, com certeza, o ptnsarfitrAo de nenhum senhor deputado.
«Promover a independência cultural» quererá dizer que nos vamos fechar sobre nós próprios, que vamos voltar à noção da filosofia portuguesa e de uma série de coisas desse género?
Tudo isto me parece ou tautológico ou perigoso. Portanto, insistia na minha ideia pura e simples de dizer que ao Estado compete garantir a independência nacional.
Eu penso que as telenovelas brasileiras são contrárias ao conceito nacional de independência e posso começar a lutar contra a constitucionalidade das telenovelas brasileiras apresentadas na televisão.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Eu gostaria de dizer que também não me parecia mal que a Constituição se limitasse a dizer que ao Estado compete garantir a independência nacional. Mas também não me repugna que se faça uma explicitação das formas por que se promove este objectivo.
Entretanto, queria dizer ao Sr. Deputado Jorge Miranda e a todos os senhores deputados que o desenvolvimento da sua ideia levaria a alterar, não o verbo «assegurar», mas sim o verbo «criar».
Que se diga que o Estado não tem a tarefa exclusiva de criar as condições polticas,' económicas, sociais e culturais, estou de acordo. Não tem mesmoí E aí, em vez de se dizer «criar», estaria mais correcto se se dissesse «promover a criação».
Agora no fim da alínea, de acordo com o que disse o Sr. Deputado Azevedo Soares, é que tem mesmo de ficar «assegurar», porque a garantia não se promove, mas sim tem de se assegurar. E as condições que facilitam a garantia da independência nacional é que têm de ser eventualmente promovidas, e não apenas criadas pelo Estado, porque há muitos outros factores que podem e devem contribuir para isso.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (TJEDS): — Aparentemente, o Sr. Deputado Sousa Tavares poderia ter razão, isto é, a questão talvez não se insira no domínio do direito constitucional, mas no domínio da sexologia atinente à parte que diz respeito aos anjos.
Mas esse problema, Sr. Deputado Sousa Tavares, é criado pela proposta da Aliança Democrática, porque essa, sim, parece-me mais tautológica do que aquela que existe já actualmente no texto constitucional.
Portanto, de facto, a sua posição de suprimir todas as demais considerações que a alínea a) actualmente contém é mais coerente do que a proposta da Aliança Democrática, que é verdadeiramente redundante.
O problema, de facto, talvez esteja aqui, e não apenas numa questão de sexo dos anjos, mas numa questão de interpretação desse conceito de independência nacional.
Devo dizer-lhe que, na minha interpretação, não se trata apenas de uma dimensão jurídica ou até mesmo político-militar, como parecia inferir-se da intervenção do Sr. Deputado Azevedo Soares, mas há uma verdadeira dimensão económica da defesa da
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independência nacional. Essa dimensão económica, por exemplo, é a da diversificação das dependências económicas. Vivemos num mundo particularmente dependente onde os conceitos mitológicos de independência nacional absoluta não existem, não podem existir.
A prova da discussão que tivemos há pouco sobre a insersão de Portugal nas comunidades económicas europeias é exactamente a confirmação desta realidade, da realidade de que vivemos num mundo de profundas dependências económicas.
Ora, a diversificação das dependências é uma forma de garantir a independência nacional. Criar condições que promovam a independência nacional no plano económico pode ser, na minha interpretação — pelo menos, entendo-o assim —, a diversificação das dependências económicas em que o País, com as suas características, se encontra face ao Mundo.
O mesmo se poderá dizer no plano cultural, isto é, criar as condições de uma presença activa e personalizada — personalizada no sentido de com características próprias— de Portugal no Mundo, o que é uma forma de garantir uma presença cultural que afirma a independência nacional. Não é apenas garantir a integridade do território nacional contra uma invasão espanhola ou contra uma invasão marroquina, mas é garantir também uma presença com especificidade de Portugal no Mundo.
Nesse sentido, faz lógica haver uma tarefa do Estado que consista em criar as condições que promovam a independência nacional nestes diversos domínios. O que me parece tautológico é assegurar a garantia.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira, após o que encerrarei este debate.
Pausa.
Srs. Deputados, de repente, perante esta minha ameaça, inscreveram-se mais dois oradores.
Evidentemente que aceitarei essas inscrições, mas agradeço que não se inscrevam mais senhores deputados, mesmo que a discussão o venha a merecer, antes do intervalo que faremos para o almoço.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): — Em princípio, julguei não necessitar de intervir nesta discussão, mas, em todo o caso, há duas coisas que, do meu ponto de vista, me parece ser útil dizer.
Surpreende-me, ao ler o projecto de revisão constitucional da AD, uma certa luxúria de revisão constitucional, mexendo em disposições que nunca ofereceram problemas de interpretação, cujo sentido tem sido pacífico, sendo o sentido da alteração, esse sim, problemático, questionável, dando lugar a problemas^ como, aliás, estamos a verificar.
Esta disposição da Constituição nunca deu lugar a qualquer problema. A proposta da AD dá, para já, lugar a esta discussão.
Portanto, de facto, não compreendo certo tipo de propostas da AD, qual o seu sentido, qual o seu objectivo. Aparentemente, foram postas apenas para a AD contar o número de propostas de alteração que faz, sem qualquer outro sentido senão o puro somar numérico de alterações feitas à Constituição.
Em todo o caso, a discussão e as tentativas de justificação por parte da AD, a meu ver, são preocupantes, porque, na realidade, esta ignora que nesta alínea da Constituição está contido um conceito de independência nacional que não tem nada a ver, por ser muito mais vasto, com o conceito jurídico-inter-nacionalista de independência. É se existe ou não existe. Não tenho medida e, portanto, não há condições nem meias condições, está ou não está.
O que aqui está é outro conceito, o de manter a capacidade de decisão de autogestão, se quiserem, e também a capacidade de manter a identidade nacional. E essa existe em maior ou menor medida, depende de condições económicas sociais ou culturais. Ê um conceito dinâmico, que se pode aumentar ou reduzir, e por isso é que a palavra «promovam», no sentido de aumentar, de somar, de potenciar, é a palavra exacta, é a palavra justa e é a palavra perfeita no lugar certo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Aümeida Santos (PS): — Não è muito impor-tanto o que tenho a dizer, mas, em todo o caso, ainda assim, digo-o.
O Sr. Deputado Sousa Tavares começou por dizer que a independência nacional existe, somos independentes. Depois disse que as telenovelas punham em causa a independência nacional. Quer isto dizer que temos de nos entender sobre o conceito de independência nacional.
Há múltiplos conceitos de independência nacional, desde dizer que já somos até dizer que nunca o seremos inteiramente. Não há nenhum país no Mundo que seja totalmente independente, segundo um certo conceito, com o qual estou de acordo; noutro sentido, poucos países, enquanto tais, serão independentes.
Nessa medida, parece-me que a substituição desta alínea, segundo a proposta em causa, não enriquece muito o seu texto. Tenho estado a pensar que entre «promover» e «assegurar» a diferença não é total, tudo depende de uma redacção que se encontre. Mas exactamente porque não é total é que não vejo necessidade nenhuma de se estar a mexer naquilo que nunca deu problemas, como ainda agora disse o Sr. Deputado Vital Moreira.
Poderíamos arranjar outras fórmulas, como, por exemplo, «promover as condições políticas e económicas, sociais e culturais que garantam a independência nacional». Mas para quê? Penso que o princípio da garantia da independência nacional é importante e penso que criar as condições políticas e económicas, sociais e culturais que a promovam também é importante.
Não vejo grande vantagem em estarmos a substituir este verbo por outro, como substituir «incentivar» por «assegurar». Valerá assim tanto a pena estarmos a substituir um verbo por outro quando essa alteração não se justifica de uma forma clara?
Penso, pois, que não há vantagem nenhuma em mudar por mudar. Poderíamos encontrar outras fórmulas equivalentes a estas, não muito afastadas, mas dá-me a impressão de que talvez não valesse a pena perdermos tanto tempo com esta questão.
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O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): — Em primeiro lugar, é evidente que as propostas apresentadas pela Aliança Democrática não são apenas quantitativas, tal como pensa o Sr. Deputado Vital Moreira, que gostava que não houvesse quantidade de alterações, designadamente não propondo sequer a eliminação do Conselho da Revolução. Mas esse é outro aspecto.
Aqui, em relação a esta alínea, julgo ter todo o sentido a proposta da Aliança Democrática, na «parte em que substitui o verbo «promover» por «assegurar». E não é indiferente que se diga uma coisa ou outra, nem está aqui em causa uma visão jurídico--intemacional da independência nacional.
É evidente que, no nosso conceito, cabe esta tarefa ao Estado, a de criar condições políticas e económicas, sociais e culturais, e, nesse aspecto, daria talvez alguma razão ao Sr. Deputado Sousa Tavares no sentido de que tudo isso está na parte inicial, ao dizer «garantir a independência nacional», e, portanto, o resto da alínea é uma especificação dessa mesma garantia de independência nacional. No artigo 273.° da Constituição também se diz que «as forças armadas garantem a independência nacional». Aqui, sim, há um sentido restrito de independência nacional.
Portanto, na nossa óptica, no caso em debate não há apenas uma visão militar, como depreende o Sr. Deputado António Vitorino, nem há apenas um sentido de assegurar as fronteiras, eventualmente com Olivença incluída.
A questão não é, pois, essa; a questão é que, tal como o artigo está redigido no actual texto da Constituição, é errado. E, se está errado, não é por uma questão de fetichismo da Constituição que o vamos modificar. Não é apenas porque o texto da Constituição é a Constituição de 2 de Abril de 1976 que nós vamos ficar agarrados a tudo o que esteja errado.
Não tenhamos ilusões. O que se fala aqui —e qualquer pessoa que leia vê que é assim—é que a promoção se refere à independência nacional. E a independência nacional não se promove, ou existe ou não existe. Podem-se é criar condições para um esforço da sua capacidade de afirmação internacional. E não é promover, mas sim assegurar, porque a independência nacional é, em si mesma, um conceito que tende para o absoluto.
Ora bem, se tende para o absoluto, não é preciso promover o absoluto, mas sim assegurar condições de que se possa caminhar nesse sentido. Donde o que se tem de fazer é assegurar essa independência nacional pela criação de condições económicas, políticas, sociais e culturais, porque tudo isso está incluído no conceito de garantia da própria independência.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, vamos agora fazer o nosso intervalo para almoço, recomeçando os nossos trabalhos cerca das 15 horas e 30 minutos.
Pausa.
Srs. Deputados, creio que estavam esgotadas as inscrições em relação ao terrível problema do ar-Ivjo 9.° «jcibre os verbos «assegurem* e «promovam».
Pessoalmente, propunha que se passasse adiante, pelo que teríamos a segunda parte do n.° 2, em que se referem as alterações relativas à alínea 6) do citado artigo.
Essas alterações aparecem numa ordem que não corresponde à do artigo, pelo que não sei se este facto diz respeito a alguma intenção da subcomissão.
Pausa.
Como não corresponde a essa intenção, proporia que começássemos por analisar as propostas da Aliança Democrática, iniciando por aquela que se refere a «incentivar a participação», em vez de «assegurar a participação».
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda,
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Sr. Presidente, realmente, vem no fim do relatório a referência à participação, porque isso corresponde à proposta da Aliança Democrática. Mas se os Srs. Deputados repararem no texto actual da Constituição aparece primeiro «assegurar a participação».
Esse, desde logo, seria, quanto a mim, um motivo de discordância relativamente à proposta da Aliança Democrática. Hoje a Constituição incumbe ao Estado, como tarefa fundamental, em primeiro lugar, assegurar a participação, e agora a Aliança Democrática propõe a referência à participação no fim.
Julgo que isso não terá uma importância excessiva, mas é revelador do intuito de diminuição do sentido da participação política, na mais ampla acepção, presentemente consagrada na Constituição, abrangendo não apenas a participação, que se traduz na democracia representativa, mas também a que se traduz naquilo a que as doutrinas portuguesa e estrangeira vêm chamando democracia participativa.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): —O Sr. Deputado Jorge Miranda resolveu fazer uma interpretação das intenções da Aliança Democrática que não corresponde minimamente à verdade, o que sempre aoon-tece quando por vezes se fazem interpretações precipitadas.
É evidente que eu compreendo o Sr. Deputado Jorge Miranda. Para si tudo o que está na Constituição está certo; simplesmente, faço-lhe notar que, se em 1975-1976 poderia constituir como prioritária tarefa fundamental do Estado a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais, porque era aí, nesse momento, que se estava na fase da criação da própria democracia e, portanto, essa era, sem dúvida nenhuma, uma questão prioritária, defender que ela continue a ser prioritária em 1981 é considerar que, ao fim e ao cabo, ainda não vivemos em regime democrático. Se vivemos, então passa a ser prioritária a de defender aquilo que existe. A democracia é garantir os direitos e liberdades fundamentais, porque são questões que se mantêm inalteradas ao longo do tempo, e então já não se trata agora, finalmente, de assegurar a participação organizada, mas sim de incentivar uma participação que já existe. E então, sim, partindo do mínimo que era necessário para se poder
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falar com autenticidade em regime democrático, agora é necessário incentivar essa forma de participação, mas não é já uma tarefa que surja no horizonte das prioridades do Estado como (primeira das prioridades.
Daí que tenha perfeita razão de ser a alteração proposta pela Aliança Democrática em relação à alínea b) do artigo 9.° do actual texto da Constituição.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): — É também para, fundamentalmente, dizer qualquer coisa semelhante ao que acaba de ser dito.
Não me parece que as ilações do Sr. Deputado Jorge Miranda estejam correctas. De resto, essas ilações, tão profundas no que toca ao alcance das intenções da Aliança Democrática, têm apenas como base a troca da ordem do lugar das coisas.
Parece-me que a Constituição —e o Sr. Deputado estará melhor preparado do que eu para aceitar isto— é toda ela muitíssimo importante. Não há possibilidade de pôr tudo ao mesmo tempo ou de pôr tudo à frente ou atrás. Parece-me que tudo o que está na Constituição é extremamente importante, mas, pelo facto de eu preferir uma ordem ou outra, penso que não se devem logo tirar essas ilações tão fundas de significado.
Por outro lado, aproveito para expressar desde já uma certa ideia: penso que o projecto da Aliança Democrática suprimiu, o que numa primeira apreciação não me parece ser correcto, a referência à democracia política. Penso que neste artigo, onde a actual Constituição mantém a ideia de defender a democracia política, é de manter, neste contexto, este qualificativo de democracia.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a .palavra o Sr. Deputado Nunes de Almeida.
O Sr. Nunes de Almeida (PS): — A primeira questão que gostaria de colocar é a de que é muito mais importante a interpretação que resulta do texto da proposta em apreço do que a interpretação que os seus autores lhe fazem.
Isto não significa que os autores de cada proposta não devam explicitar o sentido das suas alterações para se poderem conhecer os seus objectivos e eventualmente se poder encontrar um texto que corresponda melhor àquilo que se pretende quando as interpretações objectivas que decorrem daquilo que está escrito não coincidem exactamente com a interpretação subjectiva dos respectivos autores.
Todavia, não se pode considerar qualquer interpretação que se faça de um texto como ilegítima pelo simples facto de não corresponder exactamente àquilo que se pretendeu dizer quando foi redigido.
Ora, devo começar por dizer que fico algo surpreendido e não percebo muito bem a justificação que foi dada pelo Sr. Deputado Azevedo Soares relativamente não apenas à transposição do local onde se encontra a frase em questão, mas também quanto à alteração do verbo «assegurar» por «incentivar».
Não quero aqui refazer a discussão a que o Sr. Deputado Sousa Tavares há pouco chamava de
discussão sobre o sexo dos anjos. Mas recordo-me de que há bocadinho, quando se discutiu se se deveria dizer «assegurar» ou «promover», o Sr. Deputado Azevedo Soares entendia que se devia dizer «assegurar», e não «promover», porque independência nacional já existe e, portanto, não se promove uma coisa que já existe. Quando uma coisa existe, assegura-se.
Ora, agora o Sr. Deputado Azevedo Soares, a propósito da participação organizada do povo, vem dizer exactamente o contrário, ou seja, que, como já existe e já estamos em democracia, não se assegura, mas incentiva-se, porque só se assegura quando ainda não existe, quando é necessário promover.
Na realidade, é que entre «assegurar» e «incentivar» lexiste uma diferença qualitativa importante, qual seja a de saber se o Estado deve promover todos os meios no sentido de garantir, efectivamente, que essa participação exista ou se, pelo contrário, deve apenas colaborar ou praticar determinados actos favoráveis a essa participação.
São" coisas distintas, não são idênticas, não vemos, por isso, razão para se alterar a terminologia.
Mas, independentemente disso, nesta alínea ô) existe uma diferença de âmbito entre aquilo que cá estava e aquilo que passaria a estar pela nova redacção que a Aliança Democrática lhe pretende dar.
A alínea o), na sua redacção inicial, era fundamentalmente virada —e ainda há pouco, de certa forma, o Sr. Deputado Costa Andrade chamou a atenção para isso— para a defesa de certo tipo de organização política, para a defesa da democracia política. Toda a alínea está virada para isso. É a participação organizada do povo, é a democracia política, é a legalidade democrática. Isto com uma certa sequência e uma certa lógica.
Quando se retira o qualificativo «política» a democracia e se acrescentam na mesma alínea — não estou agora a discutir se se devem ou não aceitar algumas das contribuições das propostas de alteração que a Aliança Democrática aqui propõe— os direitos e as liberdades fundamentais e, por outro lado, se substitui a legalidade democrática pelo conceito de Estado de direito democrático, que tem um conteúdo substancial, altera-se profundamente o sentido desta alínea.
O reforço, o «finca-pé», que aqui é feito na defesa de certas formas de organização política e na defesa de democracia política perde força no novo contexto que a Aliança Democrática lhe dá.
Não estou neste momento a discutir se se deve acolher alguma destas contribuições no sentido de poder, eventualmente, aparecer a defesa dos direitos e liberdades fundamentais do Estado e, eventualmente, uma nova alínea. O que me parece é que a mistura destas diversas questões na alínea b) diminui a força que o preceito tem hoje no que diz respeito à defesa da democracia política e de um certo conceito de organização política do Estado Português.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD):—Eu penso que a ordenação da proposta da AD está mais rigorosa do que a ordenação constitucional. Quer dizer, penso que, numa certa hierarquização de valores, o primeiro
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elemento fundamental é a democracia política, o segundo são os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, o terceiro é o Estado de direito e o quarto é a participação progressiva do povo.
Simplesmente, estou de acordo em que o verbo «incentivar» devia ser substituído pelo verbo «garantir» e não gosto da fórmula «garantir a participação do povo na resolução dos problemas nacionais». IssO; de certa forma, é redundante e tautológico, porque a democracia já é isso, teoricamente.
A expressão que está na Constituição quer dizer outra coisa. Quer dizer, no fundo, uma democrata zação de estruturas progressiva, e é isso que nós deveríamos, tanto quanto possível, consagrar.
Portanto, na minha opinião, seria de manter a estrutura da emenda proposta pela AD, defender a democracia política ou a democracia —não vejo grande diferença—, garantir os direitos e liberdades fundamentas dos cidadãos, fazer respeitar os princípios do Estado de direito democrático e garantir a democratização das estruturas sociais e políticas pela progressiva participação do povo. Esta seria a fórmula que, quanto a mim, estaria perfeitamente correcta, quer em teoria política, quer nas verdadeiras intenções que nós queremos obter.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI):—Em primeiro lugar, no que toca ao que foi dito pelo Sr. Deputado Azevedo Soares, quereria repetir que não estive a apreciar intenções, estive apenas a apreciar, objectivamente, as mudanças operadas na alínea b) do artigo 9.°
Quanto a eu defender a Constituição tal como está, julgo que tenho dado provas de uma perspectiva dinâmica e crítica relativamente ao texto constitucional, sem prejuízo da necessidade de preservação do seu conteúdo essencial.
Bastaria dizer que publiquei um projecto de revisão integral da Constituição, o que é, quanto a mim, suficientemente abonatório da minha vontade de melhorar e aperfeiçoar a Constituição.
No tocante à questão em causa, o que é certo 6 que hoje a Constituição fala primeiro, na alínea b), em assegurar a participação e a Aliança Democrática preconiza que se fale primeiro em defender a democracia. Quer dizer, hoje a Constituição tem uma perspectiva de construção da democracia que é algo que se vai fazendo; a AUança Democrática tem uma perspectiva defensiva e conservadora em relação £> democracia que resultaria do texto constitucional e que preconiza, com a agravante de ter retirado o adjectivo «político», o que reduz muito o alcance preciso do termo. Isto porque democracia política todos neste país sabemos o que é; é a democracia representativa e pluralista que, com tanto custo, temos vindo a erguer. Democracia sem democracia política é um substantivo que pode ser conjugado com adjectivos dos mais diversos.
Não me parece, pois, de modo alguma feliz a emenda sustentada pela Aliança Democrática, Também não me parece feliz a emenda respeitante à substituição de «legalidade democrática» por «Estado de direito democrático». Não é que eu seja contra uma reterènc\a constitucional de Estado de direito
democrático, antes pelo contrário, sempre a defendi, mas, em termos de tarefas fundamentais do Estado, é muito mais preciso falar em legalidade democrática, define muito mais as finalidades e também os limites da acção do Estado —e não podemos deixar de tomar em conta que legalidade democrática é, simultaneamente, um fundamento e um limite— do que a referência algo vaga a princípios de Estado de direito democrático, com o subjectivismo que a esses princípios poderão estar ligados.
Finalmente, quanto a assegurar a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais, essa fórmula, realmente, não é muito boa. Cá está o exemplo de uma fórmula que poderia ser melhorada. Por mim, preferiria que se dissesse «assegurar a participação dos cidadãos na vida colectiva», na linha dessa democratização de estruturas de que falava o Sr. Deputado Sousa Tavares, porque não se trata apenas de problemas regionais, locais e sectoriais. Mas julgo eu que só por isso não se justificaria a modificação.
Quanto à referência a «direitos e liberdades fundamentais», a entender-se justificada, então deveria ser uma alínea autónoma e, na minha perspectiva personalista, deveria ser mesmo anterior a independência nacional.
A primeira tarefa do Estado deveria ser defender ou fazer respeitar os direitos e liberdades fundamentais e só depois a independência nacional, se se vir algum interesse em aqui se falar em direitos e liberdades fundamentais.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): — Em primeiro lugar, quanto à questão da democracia política, admito que seja preferível, dado o contexto do artigo e, designadamente, da própria alínea, manter o qualificativo «política», muito embora eu julgue que aqui se tinha em vista a defesa da democracia nos seus vários aspectos —político, económico e sociai—, e não apenas no aspecto político. Portanto, qualificar-se de democracia política será restritivo quanto a essa parte das intenções, mas aí reconheço que, objectivamente, e numa comparação objectiva com o actual texto da Constituição, terão eventualmente razão.
Já quanto à outra interpretação, peço desculpa, quer ao Sr. Deputado Jorge Miranda, quer ao Sr. Deputado Nunes de Almeida; não se tratou de uma interpretação objectiva, mas sim puramente subjectiva.
Querer dizer que resulta do texto da proposta da Aliança Democrática uma alteração quanto ao sentido da participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais é profundamente subjectivo e não tem nada a ver com o que aqui está.
É evidente que esta ordenação tem uma determinada lógica, como referiu o Sr. Deputado Sousa Tavares, e penso que a redacção final que sugeriu tem algum interesse.
É evidente que, ao dizer-se «incentivar a participação)), não há aqui qualquer contradição com o que referi hoje de manhã acerca do artigo 7.°, porque aqui trata-se, exactamente, de desenvolver uma coisa recém-nascida a democracia, recente como é, e a
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participação do povo, também recente como é, desde que alcançado o mínimo que lhe dê a possibilidade de a qualificar enquanto tal. Do que se trata agora é de a incentivar, de a desenvolver no sentido referido pelo Sr. Deputado Sousa Tavares.
Portanto, o que está certo não é assegurar isso, é assegurar aquilo que é permanente —a democracia —, é garantir a democracia como elemento de permanência e então, sim, dar-lhe o carácter dinâmico a que se refere o Sr. Deputado Jorge Miranda quanto às formas de realização dessa mesma permanência. Donde é através desse aumento progressivo de participação do povo na própria vida política, económica e social que se consegue uma maior e mais dinâmica realização da democracia. Isto é incentivar, não é assegurar aquilo que existe. Ê uma coisa, a meu ver, completamente diferente e que não tem nada a ver com a perspectiva diferente, em relação ao artigo 7.°, quanto à questão da independência nacional.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Almeida.
O Sr. Numes êe Almeida (PS): — Começo por me congratular com aquiüo que me paTCoe começar a ser ligeiramente adquirido, que é o manter o qualificativo «politica», que me pareceria altamente desvantajoso eliminar desta alínea.
Quanto ao resto, continuo a supor que a referência aos direitos e liberdades fundamentais não esteja mal fora deste artigo. Pelo contrário, suponho que até ficasse bem erigir em tarefa fundamental do Estado a defesa dos direitos e liberdades fundamentais. Suponho que ficaria completamente deslocada nesta alínea —e insisto neste ponto—, porque retiraria força ao objectivo essencial da alínea b) do artigo 9.°, que é, de facto, garantir ou assegurar, como quiserem, um certo tipo de organização do poder político, certos princípios fundamentais, que, embora interligados, têm alguma autonomia relativamente à questão da defesa dos direitos e liberdades fundamentais.
Por ouiwo lado, suponho que a mudança de ordem não é tão secundária como pode parecer. O que, no fundo, se aponta aqui como objectivo inicial —não cronologicamente, mas com o grande objectivo de fundo— é aquilo a que se poderia chamar uma democracia plena, de plena participação de todos e do povo organizadamente na resolução dos problemas nacionais.
Mas para que não se tire daqui uma interpretação de que a democracia que se defende ou de que esta forma de participação poderia ser uma quaíquer forma inorgânica —ou orgânica, se quiserem— acrescenta-se «defender a democracia política», isto é, diz-se que essa participação se há-de fazer nos quadros da democracia política, com o sentido que o Sr. Deputado Jorge Miranda há pouco apontou.
Por isso, parecer-me-ia importante manter «assegurar a participação organizada», como um objectivo final, e acrescentar «defender a democracia política», com o qualificativo a seguir, como uma forma de conseguir alcançar essa mesma finalidade, que é a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais, como o grande objectivo da democracia em Portugal.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga áe 035veira (PCP): — Em primeiro lugar, queria dizer que, em relação ao artigo 9.°, e na economia do relatório que foi presente à Comissão, se teve, como em relação aos artigos 7.° e 8.°, a ideia de só consagrar aquilo em que tinha havido luzes de consenso ou luzes de acordo. Por isso, se repararem, é que vem a referência final, dizendo que houve consenso quanto à proscrição de uma nova alínea sobre património cultural, ambiente e Natureza; quanto ao resto, entendeu-se que reportava opções globais de revisão.
A discussão que tem estado a traivar-se parece-me não ter em conta esta conclusão da subcomissão.
Devo dizer que, pela nossa parte, podíamos repetir alguns dos argumentos já expendidos, nomeadamente pelos Srs. Deputados Nunes de Almeida e Jorge Miranda Pensamos que, por exemplo, em relação a esta questão da alínea b), ela seria completamente descaracterizada nos seus objectivos e que o que se alcançaria com a proposta da AD seria demolir os efeitos ou descaracterizar os seus objectivos.
Parece que valia a pena chamar a atenção, o que, repetidamente, tem sido feito pelo Sr. Deputado Amândio de Azevedo, para a conclusão da subcomissão. Não sei bem se ganharemos em estarmos aqui a massacrar-ncs uns aos outros com discussões pouco proveitosas, em vista da própria conclusão da subcomissão, que dizia que se entende que se reportavam a opções globais de revisão.
Efectivamnete, parece que assim é, ainda ninguém o desdisse, e nós mantemos a nossa opinião. Em todo c caso, se simplesmente se pretende registar uma posição dos diversos membros da Comissão, pelo nosso lado, diremos que não podemos aceitar nenhuma das propostas da AD relativas à alínea b).
Mais: pensamos que, a fazer-se a introdução da referência à defesa dos direitos e liberdades fundamentais, nunca deveria ser nesta alínea, porque iria descaracterizar os seus objectivos. Também temos o entendimento de que a substituição de «assegurar» por «incentivar» não vem senão diminuir o objectivo neste caso concreto e que é extremamente nocivo substituir o conceito de democracia por um conceito de democracia, porque, enfim enquanto «democracia política», é bem definida e «democracia» é uma coisa que nunca se sabe muito bem o que é.
Temos de entender tudo isto à luz daquilo que está escrito, isto é, o que será interpretado em relação àquilo que lá estava, e, neste caso, é nitidamente negativo substituir «democracia política.» por simplesmente «democracia», em relação ao que até já se referiram alguns deputados da AD favoravelmente (a esta ideia).
Naturalmente, supomos que ainda mais grave será suprimir ou substituir o conceito de legalidade democrática, que é bem preciso — dizer-se «fazer respeitar a legalidade democrática» é uma coisa que todos nós entendemos com bastante rigor—, por um conceito bastante mais vago, bastante mais indefinido, que é o dos princípios do Estado de direito democrático.
Por tudo isto, nós, naturalmente, não apoiaremos as propostas que visam, quanto a nós, descaracterizar os objectivos da alínea b) e diminuir alguns deles.
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Em todo o caso, insisto, não sei se estaremos na boa linha, pelo menos na linha que defende o Sr. Deputado Amândio de Azevedo, senão não valia a pena que a Comissão se debruçasse sobre a conclusão da subcomissão, que diz que se entendeu que tudo o resto, que não era motivo de um acordo possível, deveria ficar para depois, porque correspondia a opções globais.
Pelo menos, penso que valia a pena que a Comissão julgasse que isto era bom e que não ò fizéssemos para não perdermos muito tempo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Sr. Depurado, dainido-ihe o meu ponto de vista em relação à primeira e à última parte da sua intervenção, gostaria de ihe dizer que o relatório que foi dOorrJbuído aos Sns. Depuitaidos e o simples facto de os Srs. DepuCaidos terem querido discutir o que se tem estado a debater é suficiente, quanto a mim, para, digamos, com manifestação de vontade, não transformarmos este plenário numa simples câmara de ressonância das conclusões da subcomissão e, nessa medida, creio até que já se avançou algo. Por pouco que seja, já justifica a discussão que se fez.
Se simplesmente vamos passar adiante de tudo quanto aqui se diz e chegar ao ponto 3 e dizer que o resto se reportava a opção globais, não vejo utilidade em continuarmos a reunir o plenário. Nessa altura bastará —mais uma vez o digo— aprovar os relatórios da subcomissão e esperar por melhores dias.
O Sr. Veiga «Ee Oliveira (PCP): — Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, se me dá licença, direi que não pretendi isso. Pretendi que todos nós 'tomássemos consciência de que a subcomissão nos fez uma proposta e que nós temos toda a autoridade e devemos usá-la para dizer: «A proposta da subcomissão não vaie.»
Nós entendemos que isto já pode ser discutido, mas que não o façamos por inércia, porque a ideia que eu tenho é a de que se foi entrando nesta discussão um bocado por inércia. Ê claro que, se esta ideia está errada, obviamente, o que eu disse não tem sentido.
Mas a ideia que eu tenho é a de que ninguém se preocupou em saber se sim ou não concordava com aquela conclusão, pois, se se concordava, fazíamos a discussão que estamos a fazer.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: -Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Cosia Amttirade (PSD): — Muito brevemente para assinalar da nossa parte, pelo menos da minha pessoa, o consenso que se verificou quanto à conveniência em manter o qualificativo «política». Também me parece que se verificou um consenso, pelo menes ninguém se opôs formalmente, relativo à necessidade de incluir nas tarefas fundamentais do Espado a referência aos direitos, liberdades e garantias
dos cidadãos. Naturalmente que noutra alínea, antes ou depois, talvez até numa alínea b), passando esta a alínea c).
Quanto à manutenção da actual alínea b), confesso que, pessoalmente, também não vejo nenhum inconveniente em que ela se mantenha. Só me permito exprimir um certo espanto pela opinião do Sr. Deputado Jorge Miranda. Penso que o Sr. Deputado terá imensas oportunidades, ao longo desta discussão, de nos chamar conservadores. Por outras razões lá iremos. Haverá alturas em que a AD, naturalmente, se afastará um pouco da FRS, designadamente da ASDI, quanto a certos pontos que mereçam o qualificativo.
Agora dizer que «defender a democracia» à frente de incentivar a participação do povo na resolução dos problemas nacionais é menos dinâmico e é mais estático, confesso que não compreendo como é que, juridicamente, isso possa ser assim. De resto, defender a democracia é condição de toda a dinâmica possível de um povo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Apenas para efeito de registo, e como me parece não haver oposição, poderei dizer que se concordou em manter o qualificativo «política» para democracia e que, embora com a reserva feita pelo Partido Socialista de que seria numa outra alínea, se concordou também em manter como tarefa fundamental do Estado a defesa dos direitos e liberdades fundamentais.
Tem a palavra a Sr." Deputada Helena Roseta.
A Sr.a HeJena Roseta (PSD): — Queria dizer que me congratulo em se ter chegado a este consenso acerca da expressão «democracia política».
Em todo o caso, estranho que sejam os partidos do lado de lá da sala que estejam a fazer finca-pé nisto, porque o conceito de democracia que está expresso no projecto da Aliança Democrática é muito mais amplo do que apenas o de «democracia política».
Compreendo que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira veja confusão nisto, porque, realmente, V. Ex." aplica a palavra «democracia» em relação a coisas que para nós «aida üêm de democráifico. Nós sabemos que é assim.
Agora, quando o Sr. Deputado Jorge Miranda diz que a democracia é assrtm e não se compreende muito bem, e quando o Sr. Deputado Nunes de Almeida diz que «democracia plena» é a expressão certa, congratulo-me imenso. De facto, essa era a expressão usada por Sá Carneiro.
Mas é tão simples como isto: aquilo que está no projecto da Aliança Democrática é nada mais nada menos do que a transcrição constitucional do conceito de democracia plena, ou seja, política, económica, social e cultural. Não sei se já repararam que a alínea b) se refere a democracia política, a alínea c) a democracia económica e social e a alínea d) a democracia cultural. E a constituição nem sequer se refere a democracia cultural, tanto assim que a FRS também apresentou uma alínea para a democracia cultural, da qual se haviam esquecido os constituintes de 1975.
De fa.o!o, o conceito de democracia que defendemos no nosso projecto é um conceito global, é um conceito de democracia plena.
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Não tenho qualquer problema em que na alínea b) fique «democracia política», mas queria dizer que, na minha opinião, ficar apenas «democracia» era mais bonito, era mais amplo, era mais correcto.
E devo também dizer que estranho que o Sr. Deputado Jorge Miranda tenha dificuldades em relação à expressão «Estado de direito democrático». O Sr. Deputado deve lembrar-se tão bem como eu de que essa expressão não figura na Constituição de 1976 porque nessa altura foi defendido pelo então PPD, e até por si, que lá ficasse «Estado de direito democrático», tendo sido rejeitado pela maioria de deputados da Assembleia Constituinte por razões que foram explicadas na altura pelo Partido Socialista. Em declaração de voto, o Partido Socialista então explicou que não devia ficar «Estado de direito democrático», porque a Constituição de 1976 estava a ser feita na sequência de um pacto entre as forças armadas e os partidos políticos. Assim, a expressão «Estado de direito democrático» não era muito consentânea com a forma como a Constituição estava a ser feita.
Agora eu penso que o Sr. Deputado Jorge Miranda está inteiramente de acordo connosco em que nesta revisão constitucional não há pactos com as forças armadas, pelo que não vejo qual é a objecção que o Sr. Deputado pode pôr a que fique consagrada a expressão normal, que é «Estado de direito democrático».
Ó Sr. Deputado Jorge Miranda, se fosse o engenheiro Veiga de Oliveira a pôr essa objecção, eu compreendia perfeitamente, mas em relação a si tenho dificuldade em compreender, porque não foi isso que defendeu em 1975!
Finalmente, queria dizer que, quando as pessoas aqui estão todas — parece-me a mim — a encontrar diferenças entre a alínea b) do texto da Aliança Democrática e a alínea b) do actual texto da Constituição, saber se o que vai à frente é a democracia e a participação do povo ou se é a participação do povo e a democracia, penso que isto é perfeitamente bizantino, porque uma coisa implica a outra, e vice-versa. E não tenho sensibilidade jurídica para dizer o que deve ficar em primeiro lugar.
O que a mim me parecia ser opção global de revisão — e daria razão ao engenheiro Veiga de Oliveira — é a questão entre a alínea c) do texto actual da Constituição e a alínea c) proposta pela Aliança Democrática. Aí, sim, é que já se põem questões de fundo, sobre se se socializam os meios de produção ou se apenas os principais meios de produção, ou apenas promover o bem-estar. Aí é que já entramos em opções globais: quais são as tarefas fundamentais do Estado para se garantir a democTaica económica. É evidente que a FRS tem uma posição, a AD tem outra, o Partido Comunista terá outra e por aí fora.
Que me digam que é opção global da revisão saber se é a participação organizada do povo que vem à frente da democracia política ou se é a democracia política que vem à frente da participação organizada dc povo, desculpem, meus senhores, mas isso é fruta de mais para o meu cesto.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho fPPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): —Em grande parte, concordo com o que a Sr.a Deputada Helena Roseta
acaba de dizer, que aité, em parte, me esgotou o que queria düzer.
Mas insisto em determinados pontos de vista e gostava de chamar a atenção do Sr. Deputado Nunes de Almeida para que, ao contrário do que me pareceu ser o seu raciocínio, penso que, quando em primeiro lugar se diz «defender a democracia política», se explicita depois que essa democracia é um determinado tipo de democracia política, tão participante quanto possível, quando se diz a seguir «incentivan) ou, segundo a minha fórmula, «garantir a democratização das estruturas pela progressiva participação do povo».
Penso que isto é explicitar que tipo de democracia nós temos, ao passo que o contrário —pôr o povo à cabeça e depois a democracia—, desculpe-me o Sr. Deputado Nunes de Almeida, mas não me parece muito curial, mesmo em teoria política.
Nós sabemos perfeitamente que a participação do povo pode ser conduzida e induzida em termos atentatórios do sistema da democracia. Aliás, tivemos esse exemplo em Portugal, e, portanto, parece-me que é fundamental e primário dizer, primeiro que tudo, que o que queremos é uma democracia política, um Estado de direito e um respeito pela legalidade democrática ou, como queiram, pelas liberdades fundamentais dos cidadãos. Isto é uma hierarquia que está completamente integrada no conceito de democracia. A seguir explicitamos que, além disso, queremos uma democracia económica e social em todos os seus aspectos, na medida em que queremos que seja garantida a participação do povo nas várias estruturas económicas e sociais, e que isso é uma função do Estado.
Parece-me que isto não pode deixar de ser visto pela FRS num sentido construtivo. Nós, realmente, estamos a ir de encontro a uma democracia que está na ambição de todos nós e na da própria FRS.
Não me parece haver aqui nenhuma inversão de conceitos, parece que o contrário é que o poderia ser.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Almeida.
O Sr. Nunes de Almeida (PS): — Começaria pela observação feita pela Sr." Deputada Helena Roseta, dizendo que não ignoro e admito que, quando na alínea b) proposita pela AD se fala em defender a democracia tout court, e independentemente das eventuais interpretações que possam ser dadas de saber que tipo de democracia é, o que aqui se pretendia era alargar a democracia política à democracia económica, social e cultural. Não pus isso em causa.
Foi mesmo nessa base que fiz a minha observação inicial: a de que, independentemente do facto de, com certeza, sermos a favor da democracia económica, social e cultural, me parecia que não se deveria diluir a questão da democracia política, que aparecia como uma tarefa fundamental na alínea b) do artigo 9.°, e que há outras alíneas deste artigo que, exactamente, se destinam à salvaguarda da democracia económica, social e cuíturai, digamos agora por acrescento.
Se temos a alínea c) para tratar desses aspectos, parecer-me-ía incorrecto que fôssemos diluir essa matéria na alínea b), deixando a democracia política
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como um objectivo próprio, como uma tarefa fundamental do Estado ipor si mesma, como hoje aparece na alínea b) do artigo 9.°
Suponho que isto não tem nada de contraditório em relação a este lado da mesa, pelos menos naquilo que nos toca, iporque sempre fomos a favor da democracia política, e por isso não há que estranhar que se defenda que, de facto, a democracia política apareça como uma tarefa fundamental do Estado não diluída no resto da democracia económica, social e cultural, que tem o seu lugar próprio na alínea c). E aí aparecerão as divergências com certeza, Sr." Deputada.
Mas porquê irmos agora misturar duas questões distintas, deixando a democracia política de ter o papel que desempenha hoje aqui nesta alínea b)l
Quanto ao problema posto pelo Sr. Deputado Sousa Tavares, direi que fui eu que na minha intervenção de há pouco exactamente suscitei o problema de que a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais, se aparecesse desgarrada da defesa da democracia política, poderia eventualmente conduzir a interpretações do tipo daquelas a que o Sr. Deputado se referiu.
Só que a democracia política é uma forma que nós consideramos como limite e como uma forma que deve ser respeitada dentro de um objectivo essencial, que é o de assegurar a participação organizada do; povo na resolução dos problemas nacionais.
Essa participação organizada do povo não é acessória em relação à democracia política. É a democracia política que é uma forma necessária para se alcançar o objectivo final de assegurar a participação organizada do povo.
O Sr. Presideüitc [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSP): — Quero apenas dar um breve esclarecimento. Parece-me que estamos, praticamente, a tombar num acordo e que apenas há uma questão de ordenamento lógico de pensamento em que talvez não coincida completamente.
Penso que o conceito de democracia é mais amplo que o conceito de participação organizada do povo. Isto é, a democracia tem que ser completada ou tem que ser vivida ou integrada pela participação do povo nas estruturas sociais. Acho fundamental que isso fique constitucionalmente consagrado, mas não penso que devamos pôr a democracia como um limite, que é exactamente a expressão do Sr. Deputado Nunes de Almeida.
A democracia não é um limite, é também uma finalidade em si própria. Há elementos formais da democracia a que nós ligamos extraordinária importância. Esses elementos formais da democracia podem ser, e têm sido, historicamente, utilizados por uma deformação da própria democracia, na medida em que não são integrados pela participação do povo. Nós temos esse exemplo até na história nacional.
Por isso, é fundamental que no mesmo artigo ou na mesma disposição em que se fale de que o Estado tem obrigação de defender a democracia política se diga que tem de assegurar a participação do povo nas estruturas sociais, políticas e económicas. Agora não me parece que a ordem deva ser ao contrário. Eu
continuo a sustentar que a ordem deve ser «assegurar a democracia» e depois a («participação organizada do povo», como elemento integrante.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, esta intervenção foi feita a título de interrupção. Agradeço que o direito de interrupção seja utilizado com maior economia de tempo para não prejudicar os outros senhores deputados inscritos.
Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Nunes de Almeida.
O Orador: — Dizia eu que esta participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais — e não se trata da participação em estruturas económicas ou quaisquer outras, porque o que cá está é a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais— é um objectivo material, substancial, final.
A democracia política é a forma que nós entendemos que deve assumir desde logo essa participação. Por isso, o objectivo substancial há-de aparecer antes da forma do objectivo formal, da forma como essa participação se faz. É por isso que eu entendo que a ordem deve ser a que está hoje no actual texto da Constituição, e não aquela que é proposta. Não se trata de uma participação complementar da democracia política, porque não é isso que aqui está. Não são as formas participativas que se pretendem na alínea b) do artigo 9.°; trata-se de uma finalidade e depois da forma como se entende que essa finalidade deve ser alcançada, que é nos quadros da democracia política.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Sr. Presidente, pedi a palavra para responder à Sr." Deputada Helena Roseta. Lamentavelmente, ela não está presente, mas, respeitando a ordem, para que não fique registada somente a sua intervenção e para que não fique sem resposta, gostaria de dizer alguma coisa.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Sr. Deputado, se quiser, podemos alterar a ordem das inscrições.
O Orador: — Preferiria então esperar que a Sr.a Deputada regresse, porque ela tem estado muito distraída e já se esqueceu de que nós consagrámos «Estado de direito» no artigo 2.°
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Com certeza, Sr. Deputado, inscrevê-lo-ei imediatamente após a chegada da Sr.° Deputada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, em relação a uma parcela daquilo que a Sr." Deputada Helena Roseta disse, eu gostaria também que ela estivesse presente, já que se referiu claramente à minha intervenção. Em todo o caso, há uma parte da intervenção que posso fazer, pois, embora preferisse que estivesse presente, não é obrigatório que isso sc verifique.
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Quanto a nós, a questão que se coloca não é uma questão bizantina, como aqui já foi dito. Se o é, então a questão bizantina é a da proposta da AD. Isto é, se as diferenças que se pretendem não existem, se, de facto, as proposta da AD —aceites e inscritas — corresponderão a uma questão bizantina, a AD lá o saberá, mas então não vale a pena estarmos a discutir.
A alínea b), tal qual está no texto da Constituição, tem um significado muito preciso e as propostas de alteração apresentadas pela AD levariam a que a alínea se transformasse numa coisa muito diferente; se não, vejamos (mas eu esperaria que os Srs. Deputados acabassem de beber o café ou que fizessem um pouco mais de silêncio) ...
Pausa.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, não sei se ouviram, no meio da vossa interessantíssima conversa, o remoque que acaba de ser feito pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, com carradas de razão.
Se quiserem, fazemos um intervalo de 5 minutos para tomar café, mas, se pretendem continuar a conversar, terei então de interromper a reunião até que os Srs. Deputados acabem a vossa conversa.
Pausa.
Sr. Deputado Veiga de Oliveira, quer ter a bondade de recomeçar?
O Orador:—... Ia eu dizendo que a alínea b), tal como existe neste momento, tem um significado muito preciso e que nem deve ser estranho que nós, pela nossa parte, defendamos que fique tal qual está, independentemente de se considerar a hipótese de se vir a acrescentar neste artigo a referenda à defesa dos direitos e liberdades fundamentais do cidadão.
A alínea b), em nosso entender, e uma forma muito feliz para expressar o que lá se diz, isto é, diz-se primeiro que importa assegurar a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais, que é, dentro de certos limites — já veremos quais —, uma questão essencial à democracia, isto é, uma questão básica para que exista democracia. E logo se acrescenta o que condiciona que esta fórmula seja efectivamente a questão básica da democracia. E qual é essa fórmula? É a afirmação de que é defender a democracia política, isto é, que esta participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais se deve confinar, limitar e realizar com o respeito dos direitos e liberdades dos cidadãos. É o que se quer dizer com democracia política. Por isso é que retirar daqui o qualificativo de «política» seria misturar tudo, diluir tudo e acabar por não dizer o que se pretende. Assegurar a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais, defender a democracia política —tudo isto nos marcos do respeito dos direitos e liberdades dos cidadãos—, é a democracia política. E não se estranhe que nós os defendamos, porque passámos muitos anos, antes do 25 de Abril, a defender justamente a conquista da liberdade política ou, se quiserem, os direitos e liberdades dos cidadãos, a democracia política. Passámos muitos anos a defender e a lutar por essa conquista.
A seguir diz-se «fazer respeitar a legalidade democrática». É que este conceito de Estado democrático e de democracia fica, finalmente, delimitado pelo respeito pela legalidade democrática, porque se trata dos marcos que dizem respeito não só aos cidadãos, mas também aos próprios órgãos de soberania, ao Estado no seu conjunto. (É isto que está na alínea b).
Se nós quisermos alterá-lo, muito bem, que se diga o que se pretende. Até agora, e até com opinião da Sr." Deputada Helena Roseta, parece que o que se pretende ou são questões bizantinas, segundo ela, ou então não se diz o que se quer. Isto porque argumentar com a ordem, para dizer outra coisa, é, efectivamente, não dizer o que se pretende.
Quanto a nós, a única parcela aceitável das propostas da AD que vem a esta alínea, e já o dissemos, não cabe nela e iria também perturbar o seu sentido, incluindo aí, por acréscimo, a referência aos direitos e liberdades fundamentais, que já fazem parte da democracia política.
Repeti-lo aqui talvez não fosse útil, porque descaracterizava o objectivo da alínea, que era o preciso conceito de democracia que nós estamos a defender e que a Constituição consagra. Quanto à questão, muito ventilada, da parte da democracia económica, social e cultural — já aqui foi dito, mas convém que o repitamos, porque é essa a nossa ideia—, isso diz respeito já hoje à alínea c) e diz respeito também a uma alínea que foi proposta pela AD e que recebeu consenso, que seria a futura alínea d), que fala da parte da democracia cultural. São coisas distintas, convém que assim se mantenham e que se não perturbe o sentido preciso e a forma raramente feliz que actualmente existe na Constituição para definir a democracia, o Estado democrático, que nós tcxíos pretendemos defender e manter como está consagrado na Constituição.
Quanto à resposta que pretendo dar à Sr.0 Deputada Helena Roseta, quando ela chegar, eu pedirei para o Sr. Presidente me dar a palavra por 2 minutos, se tanto.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Com certeza, Sr. Deputado.
Espero que da viva discussão havida no seio da FRS tenha surgido alguma proposta que nos possa fazer avançar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): — É apenas uma proposta para arquivo, uma vez que ainda não estamos na fase das deliberações. Realmente, tinha aqui uma proposta conciliatória, que era esta: a alínea b) seria «garantir os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito peios princípios do Estado de direito democrático» —no fundo, era a recuperação da parte que nos parece válida da proposta da AD quanto a esta alínea — e a alínea c) teria a redacção da actual alínea b).
Penso que seria uma forma de conciliar os nossos pontos de vista —se bem apreendi as vossas posições—, seria uma forma de aproveitar o que havia, quanto a nós, de bom na vossa proposta, sem sacrificarmos aquilo que, quanto a nós, há de bom no actual texto da Constituição.
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O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Queria dizer que, embora isto não se insira muito no método previsto, é, realmente, já um passo significativo, é uma maneira de avançar, reconheço isso e queria assinalá-lo. Já agora, e adiantando um pouco, a discussão levou a que talvez seja possível eliminar também algumas discordâncias que subsistem relativamente à actual alínea b). Parecia importante pôr em primeiro lugar a democracia política, de acordo com o que disse o Sr. Deputado Sousa Tavares, e dapois assegurar a participação. Pela nossa parte, não simpatizamos nada com a expressão «legalidade democrática» e do que está aqui dito, a ideia é expressada de uma forma talvez mais correcta: incentivar a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais. No fundo, é antepor a democracia política e arranjar uma expressão que possa substituir-se à legalidade democrática. Se isto fica em duas alíneas ou numa só, já é um problema de somenos, mas já se verifica uma certa convergência que talvez deva ser acertada num ambiente um bocado mais restrito, mas penso que já é um passo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga dc Oíivetra (PCP):—Sr. Presidente, suponho que houve uma proposta conciliatória do Sr. Dr. Almeida Santos, que seria, por um lado, manter, tal qual, a actual alínea b), embora passando a chamar-se c), e, por outro, acrescentar uma alínea b) nova, que conteria a parcela atendível da proposta da AD, isto é, passaria a dizer: «garantir os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e fazer respeitar os princípios de Estado de direito democrático». Foi isto que entendi. Se agora sobre isto fazemos mais dez propostas conciliatórias do conciliatório, eu acabo por não me entender. O que supunha era que: ou esta proposta é atendida ou não é e passamos adiante, porque não vamos ficar aqui eternamente a discutir isto, suponho eu. Pela nossa parte, estamos dispostos a considerar a proposta conciliatória do Dr. Almeida Santos, mas não nos esquecemos de que ela encerra uma questão extremamente importante: é que a actual alínea b), embora mudando de ordem e passando a alínea c), fica tal e qual, porque sem esta afirmação peremptória suponho que o Dr. Almeida Santos não fez nenhuma proposta. Isto para que, enfim, quando se dá a mão, não nos tomem o braço inteiro ou o resto do corpo.
Quanto à questão da Sr.° Deputada Helena Roseta, gostava de perguntar se alguém do PSD sabe dizer se ela volta. Se não volta, eu queria fazer registar a resposta ao que ela disse. Se volta, eu espero, mas gostaria de ter essa garantia.
O Sr. Presidente ÍBorges de Carvalho (PPM)l: — Sr. Deputado Veiga de Oliveira, creio que a Sr.0 Deputada Helena Roseta voltará, uma vez que deixou aqui todos os papéis, mas é o único indício de que dispomos neste momento. Presume-se, não se garante.
Queria ainda acrescentar que em relação à proposta do Sr. Deputado Almeida Santos houve, e julgo
que isso não pode ser qualificado de ilegítimo, uma contraproposta do Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
Agradeço que o Sr. Deputado Amândio de Azevedo me corrija, se eu não disser bem, mas entendi que o Sr. Deputado achava que, em princípio, poderia aceitar a proposta do Dr. Almeida Santos, se se mantivesse a alteração da ordem, aparecendo primeiro «defender a democracia política» antes de «assegurar a participação organizada do povo». Julgo ser esta a ideia. É assim, Sr. Deputado?
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Poderei repetir, talvez de uma maneira mais organizada, visto que há pouco ainda estava a pensar nela e a expressá--la, mas agora já pensei um pouco mais. No fundo, seria a alínea b) a proposta do Sr. Deputado Almeida Santos: «garantir os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e fazer respeitar os princípios do Estado de direito democrático». A outra alínea seria: «defender a democracia política e incentivar a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais». Defender a democracia política — aliás tinha unidade— e, dentro desse objectivo, incentivar a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais. Eu já nem punha a defesa da legalidade democrática, porque a considero implícita na nova alínea b) proposta.
Esta é a nossa contraproposta. Já sei que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira não gosta que mais ninguém faça propostas senão o Sr. Deputado Almeida Santos, mas, tenha paciência, eu também faço as propostas que entender.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Sr. Presidente, como, ao que parece, não há certeza do regresso da Sr.a Deputada Helena Roseta, e para que fique resgis-tado que ela fez afirmações que tiveram resposta, eu, muito rapidamente, queria fazê-lo.
Quanto à questão da democracia política ou democracia, a proposta da Aliança T^mocraDca. tem o grave inconveniente já apontado pelo Sr. Deputado Nunes de Almeida.
A fórmula actual da Constituição é muito mais clara e muito mais precisa, porque coloca numa determinada alínea a democracia política e noutra a democracia económica, social e cultural. Notaria que a Constituição apenas fala em democracia política. Hoje a Constituição, quando fala em democracia, qualifica-se como «democracia política». No texto actual da Constituição não existem os adjectivos: «económica» e «social» para a democracia. Isto mostra o apreço que «. Constituição de 1976 tem pela democracia, entendida como democracia política. E o sentido do artigo 9.°, alíneas b) e c), é, exactamente, mostrar que não pode haver democracia económica, social e cultural senão a partir da democracia política. O sentido do texto actual da Constituição, apontando o qualificativo «político» à democracia, é salientar que é a democracia política o meio e o quadro institucional de construção da democracia económica, social e cultural.
Por outro lado, também tem sentido o facto de hoje a Constituição falar primeiro no povo e depois
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na democracia, porque, afinal, quem faz a democracia é o povo, não é a democracia que faz o povo. Por isso, é lógico que se fale primeiro, na alínea b), no povo e depois na democracia.
E o que se quer dizer, como salientou também o Sr. Deputado Nunes de Almeida, é que a única maneira institucional de o povo participar é a democracia 'política, isto é, a democracia representativa e pluralista.
Quanto ao Estado de direito —já disse há pouco à Sr." Deputada Helena Roseta, que tem participado pouco nos trabalhos desta Comissão e até não sabe isso—, no artigo 2.° já ficou consagrada expressamente essa referência, A Sr." Deputada também se esqueceu de que no texto actual da Constituição há uma referência a Estado de direito no preâmbulo. Não se trata, portanto, de nenhuma pretensa mudança de pensamento meu, como a Sr.° Deputada sugeriu; trata-se apenas de, relativamente a determinado contexto de determinada alteração, considerar conveniente ou não falar em Estado de direito ou em legalidade democrática. É disso que se trata.
A proposta apresentada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, na medida em que postula a conservação do termo «legalidade democrática» na alínea b), que passaria a c), parece-me extremamente feliz, e não vejo como é que o Sr. Deputado Amândio de Azevedo pode sugerir uma proposta diferente, que, no fundo, seria o desdobramento do texto proposto pela Aliança Democrática em duas alíneas. No fundo, o que o Sr. Deputado Amândio de Azevedo sugere é que se desdobre o texto da Aliança Democrática em duas alíneas, com a eliminação da actual alínea b).
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados creio que, independentemente da consideração que vamos ter pelos senhores deputados que ainda estão inscritos, estamos um pouco a patinar neste assunto. Já há um progresso notável e talvez fosse de nos contentarmos com ele agora Isto é uma opinião pessoal que não queria deixar de exprimir.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Srs. Deputados, o Sr. Deputado Amândio de Azevedo, em resposta a uma contraproposta feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos, insurgiu-se a certa altura contra gestos e palavras que ouvia de mim, dizendo que certamente o Sr. Deputado Veiga de Oliveira não queria que fizesse contrapropostas, mas que tinha direito de fazer as propostas que entendesse.
É óbvio, Sr. Deputado, que o senhor tem o direito de fazer as propostas que entender, mas não todas. E vou dizer-lhe porquê: é que o que o Sr. Deputado propôs, devido à boa vontade do Dr. Almeida Santos, que repescou a parcela da proposta da AD que era aceitável, e já foi dito por todos, embora colocada de outra forma, retoma, na íntegra, a inicial proposta da AD, que foi rejeitada, mas divide-se em duas alíneas.
O que o Sr. Deputado propõe é que, uma vez conquistada a concessão que consiste em acrescentar uma alínea b), onde se diz «garantir os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito dos princípios do Estado de direito democrático» —que era uma parcela da vossa proposta inicial—, a nova
alínea c) diga que se defende a democracia e que se incentive a participação do povo na resolução dos problemas nacionais. Isto é exactamente a proposta inicia] da AD e é isto que não é aceitável. Ou antes, aceitável é sempre, porque o Sr. Deputado fará as propostas que entender, mesmo aquelas que não tenham acordo ou aceitação aqui nesta Comissão, mas o que parece um pouco menos razoável, para os que estão aqui também, é fazer-se uma contraproposta que, no fundo, é cizer: agora eu, habilidosamente, retomo a minha proposta inicial e os senhores ficam todos convencidos de que nós fizemos uma concessão e não fizemos nenhuma, porque ganhámos por inteiro aquilo que nos queriam negar. Isto é que não é lícito, isto não é razoável. Mas foi esta proposta que o Sr. Dr. Amândio de Azevedo fez. Em todo o caso, devo dizer que nós estamos dispostos a considerar de forma positiva a contraproposta do Sr. Dr. Almeida Santos, entendendo que ela mantém integralmente a actual alínea b), passando-a para c), mas não estaremos de forma nenhuma dispostos a aceitar a contraproposta do Dr. Amândio de Azevedo, que, no fundo, é o retomar da proposta inicial, que já tinha sido rejeitada.
Já agora, aproveitando o uso da palavra —e porque a Sr." Deputada Helena Roseta voltou, finalmente, ao plenário da Comissão, se me desse uns segundos de atenção..., a mim não, mas à Comissão—, gostaria de responder à Sr.1 Deputada.
A Sr." Deputada Helena Roseta fez umas referências que merecem reparo.
Quanto ao sentido da nossa proposta, de manter «democracia política», em vez de ademocracia», no texto da Constituição, diz a Sr.a Deputada que não se admirava, porque nós tínhamos um entendimento muito esquisito de democracia, que pensávamos ser democracia coisas que para vós não eram democráticas.
Bom, Sr.° Deputada, há pouco disse em off, mas quero que fique registado, que eu diria vice-versa. A Sr.a Deputada também usa muitas vezes os termos «democrático» e ademocracia» em sentidos que nós consideramos não democráticos e até mesmo antidemocráticos. Mas isto mesmo é importante que se registe, já que então a democracia política parece ser melhor entendível, sobretudo no contexto em que está inscrita. Já há pouco expliquei, e não vou repetir, a Sr." Deputada perdor-me-á, mas já está na acta, mas devo dizer-lhe que a democracia política, na alínea b), é justamente a definição do marco preciso em que a participação organizada dos cidadãos está. É o mesmo que dizer «participação organizada dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais», com o respeito dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. É isso que ali está, quando se diz «democracia política», e, se se puser só «democracia», não se sabe o que se está a dizer.
Devo lembrar à Sr.0 Deputada — a Sr." Deputada, aliás, sabe-o — que nós lutámos durante muito tempo pela conquista da liberdade política, pela conquista justamente desta democracia política, que nós estamos a querer que se mantenha referida como está. Isto porque a estimamos como fundamental e básica para todo o resto da democracia, para a económica, social e cultural.
Quanto à outra questão que referiu, em relação à questão do bizantinismo de certas discussões, Sr.° De-
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putada, estarei de acordo consigo, se quiser, isto é, estou disposto a pôr-me de acordo consigo, mas o seu argumento demonstra de mais.
O bizantinismo, se existe, foi introduzido pelas vossas propostas de alteração, e não por nenhum dos outros partidos, que não têm propostas a este respeito e a esta alínea do artigo 9." da Constituição.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Sr. Deputado Veiga de Oliveira, não queria deixar passar em claro as suas apreciações à legitimidade ou à licitude das propostas do Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
Entendo que à mesa deve emitir um parecer quanto a isso. É evidente para nós que é legítimo e lícito a qualquer senhor deputado fazer as propostas que entender, como também o será se outros senhores deputados as quiserem discutir, mas isto não em termos de legitimidade ou de licitude.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidcnie [Borges de Carvalho (PPM)]: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, as palavras têm de ser entendidas no seu contexto. Suponho que, se formos ouvir o que está gravado, verificaremos que, quando digo que não é legítimo ou que não é lícito, ou que não é razoável, como também disse, o que quero dizer é que todas as propostas são possíveis, como também acabei por dizer, mesmo aquelas que não tenham acordo ou aceitação sequer, mas o que não é razoável — e o que disse, mesmo por acréscimo, não me parece legítimo— é que, à laia de contraproposta, se volte à proposta inicial, como se tivesse feito uma concessão. É por esta pequena subtileza, de parecer fazer-se uma concessão quando se não faz, que digo não ser razoável e que, por força de expressão, disse não ser legítimo. Mas é evidente que. nós consideramos que todas as propostas são legítimas enquanto forem feitas pelos senhores deputados que têm poder para as fazer.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Bom, ficando cada um de nós na sua, dou por encerrado este incidente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): — Eu pedi para usar da palavra porque acho que posso dizer com razão que me preocupo bastante por fazer a política de uma maneira muito honesta e não gosto de ouvir remoques desta natureza.
A proposta que fiz foi extremamente clara e fi-la na sequência, exactamente, da que foi feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos. Ele baseou-se na discussão e disse que dela poderia resultar a proposta que iria fazer. Eu disse também que desta discussão, sobretudo baseando-me na intervenção do Sr. Deputado Sousa Tavares, parecia ter resultado que era aceitável que a «democracia política» fosse a primeira coisa a pôr na alínea b) e que se seguisse depois «participação do povo na resolução dos problemas
nacionais». E, se isso, efectivamente, acaba por vir a traduzir toda a alínea b) da Aliança Democrática, não é problema nenhum, porque não está excluído que depois de uma concordância parcial se possa chegar a uma concordância total.
Isto é perfeitamente lícito, não tem nada de imoral, é uma proposta que é construtiva e não merece de maneira nenhuma os qualificativos que foram invocados pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira. Aliás, lamento que tenhamos que perder tempo com estas coisas, pois, como já disse esta manhã, evitarei, tanto quanto possível, fazer críticas não só a pessoas — da maneira como falam, como fazem propostas—, mas até também às posições políticas que assumem, porque as considero ainda em mutação, e reservar-me-es, na altura e em nome do meu partido, para, quando em definitivo, fazer então as críticas que entender às posições dos outros partidos. Tudo que não seja isto, insisto, só nos faz perder tempo e prejudicar o andamento dos trabalhos.
O Sr. Prssidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, resolvi intervir, sobre este assunto precisamente para evitar o que, afinal, não consegui, que foi esta troca de intervenções, de galhardetes,, entre o Sr. Deputado Veiga de Oliveira e o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): —Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — O Sr. Deputado pede de novo a palavra, mas não lha darei por mais de 1 minuto.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP):—Sr. Presidente, admiro muito o seu poder discricionário e aceito o seu minuto.
Quero só dizer que, de facto, quando faiei das propostas e da proposta, em nada, mas em nada mesmo, nem no mais íntimo do meu pensamento, fiz qualquer apreciação ao proponente, às suas qualidades imorais, à sua honestidade, como é óbvio. Isso está fora de causa, Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
Não se trata aqui de moralidade ou imoralidade, de honestidade ou desonestidade, e muito menos do autor.
Sr. Deputado, o que quis dizer foi só em relação à proposta, e não a quaisquer intenções maldosas ou bondosas do Sr. Deputado. Também toda a gente percebeu que o Sr. Deputado, estando, como está, a defender a sua proposta inicial, possa chegar aos resultados a que chegou. Não há dúvida nenhuma, simplesmente o que eu disse é que isso é notável, mas não envolve, de forma nenhuma, repito, qualquer afronta para o Sr. Deputado, pelo menos, nunca esteve isso no meu espírito, nem estará. Eu só falei da proposta, e não do proponente.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, talvez discricionariamente, fica encerrado o incidente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS):—Sr. Presidente, muito brevemente, não queria referir as características que este artigo e as propostas de alteração a ele refe-
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rentes contêm no sentido de uma concepção profundamente estatista da vida política. Não queria também referir o carácter repetitivo deste artigo e das propostas de alteração em relação aos artigos 1.°, 2.° e 3.°, nem o estilo tautológico em que ele está redigido, visto que se limita a dizer que são tarefas fundamentais do Estado ser o Estado. Queria apenas chamar a atenção dos deputados que integram a Comissão —e aproveito para, porventura, prestar uma homenagem ao Sr. Presidente no dia do casamento do príncipe Carlos— para o tom eminentemente plebeísta da expressão «são tarefas fundamentais do Estado». Penso que a Comissão deveria encontrar uma expressão mais condigna para exprimir aquilo que no artigo e nas propostas de alteração se pretende quanto a esta noção.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Sr. Presidente, queria apenas ver se ultrapassávamos isto e dávamos como adquirido que houve uma proposta conciliatória do Dr. Almeida Santos, que está em exame, como a contraproposta do Sr. Deputado Amândio de Azevedo, que aproxima as duas posições. Devo dizer que, a admitir a proposta do Dr. Almeida Santos, fica como única dificuldade saber se se deve ou não alterar a ordem do que está na actual alínea b). Devo dizer que a última intervenção do Sr. Deputado Nunes de Almeida chamou a minha atenção para um pormenor que eu talvez não estivesse a ver com a mesma claridade: é que nesta alínea b) se contemplam, fundamentalmente, a organização e a legitimidade dos partidos políticos, e eu estava a ver, inclusivamente, mais o aspecto da democracia alargada, da participação do povo em todas as estruturas. A partir daí, devo dizer que pôr primeiro a democracia ou primeiro a participação do povo, sobretudo com os últimos raciocínios do Sr. Dr. Jorge Miranda, parece-me que já estamos a cair na discussão da galinha e do ovo, do nabo e da couve, de saber qual apareceu primeiro. Não sei optar, não sei se foi o ovo primeiro, se a galinha, se será primeiro o povo ou a democracia. Portanto, retiro qualquer objecção á ordem, pois acho-a perfeitamente indiferente, não estou para discutir o ovo e a galinha!
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Damos por encerrada esta parte da nossa discussão.
A terceira parte do relatório da Comissão, a que se acrescenta referência a direitos e liberdades fundamentais, está ultrapassada pela proposta do Sr. Deputado Almeida Santos...
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Não, não, Sr. Presi-sidente, a sugestão do Sr. Deputado Jaime Gama parece-me de atender e retirar «tarefas» e pôr «missões».
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Desculpe, tem razão. Havia uma proposta do Sr. Deputado Jaime Gama quanto a substituir a expressão «tarefas fundamentais» por outra. O Sr. Deputado laime Gama não referiu qualquer outro tempo ...
O Sr. Sousa Tavares (PSD): —Eu sugiro «missões».
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — O Sr. Deputado Sousa Tavares sugere «missões»...
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Ou «funções».
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — A FRS prefere guardar isso para uma redacção posterior.
Creio que a posição da Aliança Democrática, do PCP e do MDP/CDE será idêntica. Portanto, passaremos adiante.
Ainda dentro das propostas da AD, aparece-nos a seguir que se substitua toda a alínea c), salvo no tocante ao bem-estar e qualidade de vida, passando a estabelecer-se: «Promover o bem-estar e qualidade de vida do povo, a igualdade real entre os Portugueses, mediante a transformação das estruturas económicas e sociais, designadamente para a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos.»
É uma proposta de substituição global da alínea c). Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): — Bem, penso que esta alteração proposta pela AD não é de aceitar, visto que muda completamente o conteúdo da alínea.
Quando a AD refere «mediante a transformação das estruturas económicas e sociais, designadamente para a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos», utiliza uma expressão sem conteúdo prático, uma expressão extremamente vaga, não diz qual o sentido dessas transformações. Por exemplo, a AD quer fazer transformações económicas, sociais e culturais, neste momento, como modo de delimitação do sector público e do sector privado. Portanto, as transformações económicas, sociais e culturais que, no concreto, pretende fazer são contrárias ao espírito deste artigo, que é um espírito de socialização dos principais meios de produção. Por isso, é para nós totalmente inaceitável.
Quanto à expressão que propomos — «socializar os meios de produção e a riqueza» — fazemos uma proposta de alteração, onde se introduz a expressão «principais». Isto por uma visão sistemática da Constituição. Realmente, nos artigos seguintes, em que se refere a organização económica, fala-se sempre em principais meios de produção, e não, ilimitada e indefinitivamente, em todos os meios de produção. Isso dá, assim, também um conteúdo concreto e específico a esta expressão. São os principais meios de produção e de riqueza que são socializados. Naturalmente que a socialização não se esgota para nós nesta socialização dos grandes meios de produção. A socialização é muito mais ampla, é muito mais vasta, tem outras formas, mas esta parece-nos ser uma reforma concreta e evidente para aqui figurar.
Quanto à eliminação da expressão «através das formas adequadas às características do presente período histórico», que nós também propomos, parece-nos que é correcto eliminá-la, pois que ela pSLreciz, de certa maneira, apontar para uma concepção em que se esperava que amadurecessem as condições para uma outra etapa de novas socializações ou na-
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cionalizações. É uma concepção do sentido da marcha da história que nós não podemos, de forma nenhuma, subscrever. Por conseguinte, parece-nos que tal expressão deve ser eliminada.
Com estas duas correcções, fica o conteúdo essencial da alínea c) do artigo 9.°, que não foge ao espírito da elaboração deste artigo, penso eu, pelos constituintes. Já agora queria fazer uma observação: quando há pouco se disse que os constituintes erraram, falharam e não foram tão longe para introduzirem a alínea sobre a valorização do património cultural do povo português, naturalmente que os constituintes tinham que deixar matéria para os revisionistas da Constituição poderem também aperfeiçoá-la e introduzir-lhe algumas melhorias.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra a Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): — Bom, em complemento do meu colega Carlos Lage, eu queria dizer que consideramos positivo na proposta da alínea c) da AD a referência à igualdade real entre os Portugueses. Consideramos também positiva a referência à efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos, só que não estamos preparados — neste momento sobretudo, e não sei se viremos a estar em algum momento — para considerarmos estes apports em substituição dos actuais dizeres da alínea c). Como se trata de uma daquelas alíneas sobre as quais apetece fazer uma «ponte», eu sugeria que — sob pena de estarmos aqui a discutir intermi-namente sem chegarmos a nenhuma conclusão—, se estiverem de acordo, déssemos por válidas as referências que mencionei e passássemos a discussão deste tema para mais tarde, pois que neste momento não estamos preparados para isso.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Se não houver oposição dos Srs. Deputados, a mesa aceita a sugestão do Sr. Deputado Almeida Santos.
Estão inscritos os Srs. Deputados Sousa Tavares, Costa Andrade, Herberto Goulart e Veiga de Oliveira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Ora, como disse o Sr. Deputado Almeida Santos, e com uma certa razão, estamos aqui num ponto fulcral. Nós estamos preparados para discutir e enfrentar este ponto. Considera-se um ponto de vista fundamental da AD e de todos os partidos que a integram, e suponho que todos os deputados que a representam nesta Comissão desejam que os aspectos partidários da Constituição desapareçam. É indiscutível que aqui se contém uma ideia de partidarização, é mais um programa político do que uma constituição; sobretudo, a expressão «socialização» poderia ser aceite no seu significado vago de «socialização». Aliás, esse significado vago está contido nas fórmulas de substituição que a AD propõe, infelizmente, no contexto geral da Constituição, o termo que aqui está, «socializar os meios de produção e riqueza» —aliás, na interpretação nítida que lhe foi dada também pelo Sr. Deputado Carlos Lage—, isso tem outro significado, tem-lhe sido dado outro significado, e é esse que nós acei-
tamos, porque o consideramos nitidamente partidário. Quer dizer, nós estamos de acordo com a finalidade da igualização, da promoção do bem-estar generalizado e da riqueza, tanto quanto possível, a todas as classes, o que não estamos é, de maneira nenhuma, dispostos a aceitar que para isso seja proposto um único processo. E esse processo é o que está definido na Constituição. Portanto, consideramos que o processo está partidarizado e nós não aceitamos, de forma nenhuma, que a Constituição imponha um processo partidarizado para atingir uma determinada finalidade, que nós consideramos, ainda para mais, errada. Por isso, é para nós um ponto fundamental, vital, e pensamos que só à luz de uma verdadeira concepção do que é a democracia, do que é a vontade da maioria e do que é que pode ser interpretado ou não como programa de governo e como programa de sociedade é que tem que ser visto. Se for visto simplesmente por uma óptica partidária, não há, de facto, acordo possível. Se for visto para além disso, se puder ir além de uma óptica partidária para atingir, de facto, o verdadeiro conceito de democracia e, inclusivamente, vontade política variada, eu penso que o artigo poderá vir a ser discutido e a atingir uma base de encontro, porque, como digo, nós não estamos contra as finalidades, o que estamos é contra a definição constitucional do processo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): — Tomando em conta a sugestão do Sr. Deputado Almeida Santos, que acho prudente, eu prescindiria. No entanto, se a discussão se voltar a reanimar ou a reincidir sobre o tema —é evidente que a responsabilidade não é do Sr. Deputado Almeida Santos—, não queria ficar privado do direito de usar da palavra e oportunamente me inscreverei. Era só esta explicação que queria dar.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Sr. Deputado, julgo que o facto de prescindir da palavra terá significado se os outros senhores deputados prescindirem também e se, de facto, se adiar a discussão deste ponto. Como não vejo por parte dos senhores deputados inscritos essa vontade, sinto-me na obrigação de o prevenir. Se quiser usar da palavra, faça favor, uma vez que, afinal, está em discussão.
O Sr. Costa Andrade (PSD): — Dado que o Sr. Presidente ainda não encerrou as inscrições, poderei eventualmente vir a fazê-lo. Então para já prescindo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Com certeza. Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sem prejuízo de considerar que esta alínea, como várias outras, carece de uma discussão posterior e que agora não é altura oportuna para a sua discussão aprofundada, gostaria só de chamar a atenção para o facto de que este artigo 9.° tem uma lógica, todo ele, lógica essa, inclusive, que será enriquecida, se for aprovada a inclusão desta nova alínea d), que consta
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dos projectos da FRS e da AD. Penso que neste sentido a proposta da AD, em relação a esta alínea c), é uma completa descaracterização dos objectivos socializantes da nossa Constituição, sem prejuízo de reconhecer que na actual alínea c) há aspectos positivos a considerar e que podem ser modificados relativamente à parte final da proposta da AD. Quero assentar que, pela nossa parte, consideramos que retirar esta ideia de socializar —não os meios de produção e riqueza, como aqui está, mas aquele acrescente, que nós consideramos extremamente positivo, da proposta da FRS—, em termos de coerência com todo o resto da Constituição, isto é, introduzir a palavra «socializar os principais», é, de facto, descaracterizar o projecto constitucional, nos termos em que ele se encontra de momento.
Portanto, opor-nos-emos a esta proposta que a AD faz relativamente a esta alínea c).
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): —Neste simples avaliar de posições —que é o que se está a passar, suponho eu —, nós diríamos que estamos dispostos a considerar a proposta da FRS, que introduz antes de «meios de produção» a expressão «principais». Consideramos positiva, embora não tenhamos ainda uma posição definitiva, a proposta da FRS no sentido de se suprimir uma parte da frase que diz respeito às formas adequadas, às características, por exemplo, do período histórico —o que lá está tem também um valor histórico —, mas nós sobre isto não temos ainda uma posição definitiva.
Quanto à proposta da AD, consideramo-la inaceitável. Para além de ter algumas referências que, extraídas do conteúdo em que estão inseridas, podem ter valimento, podem ser recuperadas — o Sr. Dr. Almeida Santos já referiu uma ou duas—, é possível que algumas das expressões que lá estão, designadamente a igualdade, etc, tenham interesse, mas a verdade é que o que se retira do conteúdo da proposta da nova alínea c) da AD é a total supressão do que existia na Constituição e a sua substituição por qualquer coisa de muito diferente. Não digo que esse qualquer coisa de muito diferente não tenha partes objectivamente aproveitáveis, mas o que está em causa para nós é se se mantém ou não, no essencial, a alínea c).
Quanto a nós, deve manter-se, e por isso consideramos positivas as propostas da FRS, mas não podemos aceitar, de forma nenhuma, a proposta da AD, visto que o que ela faz é suprimir a actual alínea c) e acrescentar uma nova com conteúdo completamente diverso. O conteúdo da proposta da AD é contra todo o conteúdo da actual Constituição, e até —se formos a analisar e tivermos em conta que se trata de suprimir o que está na alínea c)— pensamos que isto viola alguns dos limites materiais da revisão. Daí não podermos estar de acordo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luis Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): — Queria dar a minha inteira concordância à proposta que foi feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos.
Parece-me, de facto, que esta alína não pode ser discutida neste momento, mas sim conjuntamente com muitos outros artigos da Constituição onde, no fundo, se trata de problemas e de opções semelhantes. Queria, no entanto, dizer, em relação às palavras do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, que não posso de maneira nenhuma concordar que a formulação da Aliança Democrática seja a eliminação da actual alínea c) da Constituição e a substituição por outra totalmente diferente. O que se trata, efectivamente, é de que a Aliança Democrática mantém o princípio da intervenção do Estado na vida económica; só que os processos dessa intervenção, que na actual alínea c) são rígidos, passarão a ficar na disponibilidade do legislador.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr Jairae Gama (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a discussão deste artigo está, obviamente, a revelar as suas características tautológicas em relação a artigos anteriores da Constituição e em relação a si próprio. A ideia de na Constituição de 1976 se ter incluído um artigo sobre as tarefas fundamentais do Estado era um pouco inspirada na ideia da Constituição anterior, quando essa referia os fins fundamentais do Estado, mas a ideia central do artigo 9.° era a de atribuir ao Estado responsabilidades na área da independência nacional, de participação popular na vida política e de lhe fixar responsabilidades naquilo que se refere à própria economia e ao desenvolvimento económico, e não é ideia do Partido Socialista fazer veicular através dos próprios preceitos constitucionais programas de governo. A ideia central da Constituição deve ser a de possibilitar a existência de programas governativos alternativos e, portanto, o essencial de um artigo referente às metas do Estado no terreno do desenvolvimento económico deve ser o de esse artigo comportar a possibildade de esses princípios serem desenvolvidos governamental e legislativamente de maneiras plurais e distintas. Parece-me que esta discussão foi útil, permitiu uma abordagem primeira desta temática, e penso, como disse o meu colega Almeida Santos, que mais à frente estaremos em condições mais adequadas para fixar aquilo que foi aqui dito.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga ás Oliveira (PCP): — Quero só fazer uma curta referência ao que disse o Sr. Deputado Luís Beiroco. Naturalmente que ele não está de acordo comigo, mas suponho que algum de nós estará errado quando estivermos ambos de acordo, pelo menos nestas matérias.
Devo dizer ao Sr. Deputado que, de facto, o que se contém na alínea c) são as obrigações, ou pretendem ser as tarefas ou obrigações do Estado no domínio económico —esencialmente no domínio económico e social—, e que um dos limites materiais da revisão é a alínea f) do artigo 290.°, justameníe alguma coisa que tem que ver com a socialização dos principais meios de produção e de riqueza, através etc.
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Quanto ao que está adiante, não é o que estava em discussão. Mas, realmente, isto tem que ver com um dos limites materiais da revisão. Disse e mantenho que a alínea f) do artigo 290.° diz que um dos limites materiais é o principio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais, e a eliminação dos monopólios e dos latifundios. Aqui não se está a tratar de tudo isto com tanto pormenor, mas de uma parte. Daí que a proposta da FRS venha até concordar mais precisamente com os limites materiais, indicando que são os principais meios de produção, e não os meios de produção em geral. Mas esta socialização dos meios de produção é, de facto, um dos limites materiais da revisão. Nese aspecto, Sr. Deputado, espero que me dê razão. Pode não estar de acordo com a existência do limite material, mas que ele existe é um facto.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, sem prejuízo do inegável interesse que esta discussão está a ter, eu chamo a atenção para o facto de, no fundo, todos os senhores deputados concordarem com a proposta do Sr. Deputado Almeida Santos e, afinal, continuarmos uma discussão que todos concordámos em adiar.
Feito este pequeno reparo, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): — O Sr. Deputado Sousa Tavares fez algumas considerações com as quais não estou de acordo e por isso volto a intervir para dizer que a alínea c), tal como está formulada, é susceptível de algumas das críticas que lhe foram feitas, mas, com as emendas por nós propostas, fica perfeitamente claro qual o sentido dessa alínea. Onde se diz «socializar os meios de produção» diz-se os «principais meios de produção e riqueza». Aliás, também há outro artigo sobre a organização económica que diz «apropriar os principais meios de produção e de riqueza». Por conseguinte, não aparece aqui como um objectivo isolado. Quanto à eliminação da expressão «formas adequadas ao presente período histórico», elimina-se, assim, o carácter transitório do preceito e uma determinada concepção da história, como eu já disse.
Relativamente à alteração proposta pela AD, embora o conjunto do artigo, como já foi dito pelo Sr. Deputado Almeida Santos, tenha uma outra expressão aceitável, na minha opinião, pode ser contraditório com a alínea c), visto que apenas aponta transformações económicas, sociais e culturais e efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais. Não diz qual o sentido destas transformações. Eliminado o carácter socializante da alínea c), estas transformações podem ser antagónicas com o carácter socializante actual do artigo, como, aliás, se revela pela própria prática da AD, em que para realizar as transformações económicas, sociais e culturais que entende deverem ser realizadas — não estou a discutir isso — já fez algumas propostas que me parecem contrariar o sentido socializante do texto constitucional, e o Partido Socialista, julgo, não quererá ver eliminado este aspecto socializante— que não se confunde com estatismo, também já o acentuei —, e para nós socializar não significa, não se restringe, nem privilegia, apenas o aspecto económico e social.
Nessa medida, olho com muita reserva para a alteração proposta pela AD, embora aceite, tal como propôs o Sr. Deputado Almeida Santos, que haja uma análise global destes diversos preceitos.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Quero apenas que fique registada uma sugestão que poderia eventualmente ser considerada num momento posterior. Sugeriria que a alínea c) pudesse ter uma redacção come esta: «São tarefas fundamentais do Estado [...] promover a igualdade efectiva entre os cidadãos o bem--estar e a qualidade de vida do povo, especialmente as classes trabalhadoras, através da socialização dos principais meios de produção e da transformação das estruturas económicas, sociais e culturais.
Iria ao encontro de algumas preocupações da Aliança Democrática e não deixaria de conter a referência à socialização dos principais meios de produção, entendida não como um objectivo fixo, imobi-lista e absoluto, mas como um certo número de balizas que a organização económica teria de aceitar.
Aliás, socialização dos principais meios de produção, neste sentido, é uma fórmula que se encontra na Constituição Alemã-Ocidental, no preâmbulo da Constituição Francesa de 1946 —em vigor por virtude do preâmbulo da Constituição de 1958—, de certa maneira, na Constituição Italiana e, de certa maneira ainda, na Constituição Espanhola
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): —Sr. Presidente, todos estamos de acordo em deixar amadurecer mais as coisas, mas a verdade é que já fomos adiantando alguns contributos para esse amadurecimento.
Gostaria de dizer que subscrevo inteiramente a intervenção que o Sr. Deputado Jaime Gama acaba de fazer. Desde logo, também concordo que há aqui um certo logicismo neste artigo 9.°, designadamente no que toca ao corpo do artigo, onde se refere a tarefas do Estado e depois começa com o aspecto de socializar. Enfim, socializar é um meio em relação a fins fundamentais, como sejam o de promover o bem-estar, a igualdade económica e os direitos económico-sociais.
Portanto, quando muito, socializar pode ser um meio em relação a determinadas tarefas que estão para além deste meio de socializar. Penso que ninguém quer socializar por socializar, mas só na medida em que socializar, de acordo com as suas concepções, aponta para melhorias reais e efectivas nas condições de vida reais e na qualidade de vida.
Penso também que o Sr. Deputado tem razão quando afirma que o fundamental que aqui se deve assegurar nesta matéria é que o Estado assegure o pluralismo da organização política, a possibilidade de diferentes partidos que aceitem a organização constitucional concorrerem às eleições, a possibilidade de as ganhar e de pôr em prática os seus programas, programas esses que não são necessariamente socialistas— pode havê-los e pode não os haver.
A mim o que me repugna nem é a expressão «socializar os principais meios de produção», o que subscreveria inteiramente. No entanto, parece-me que há
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uma certa violência em pôr isto constitucionalmente, a menos que pudéssemos «socializar» ou «social-demo-cratizar» ou «cristã-democratizar», também para permitir todos os meios possíveis de realizar o bem-estar e o progresso dos Portugueses, o que todos nós, na prática, aceitamos.
O Partido Socialista aceita perfeitamente que o CDS ou o PSD ganhem as eleições, governem e ponham em prática os seus programas. Então por que é que há-de exigir que socializem os principais meios de produção, se o Partido Socialista — e com razão — ataca o CDS, dizendo que ele não quer socializar os principais meios de produção?
Portanto, creio que há aqui uma certa obrigação de impor um processo de promover o progresso através da socialização. Isso é que me parece que não é, constitucionalmente, oorrecto. Nós devíamos deixar às forças políticas a possibilidade de promoverem o bem--estar e a igualdade real por processos que, ideologicamente, fossem os seus.
Quanto à proposta do Sr. Deputado Jorge Miranda — salvo melhor exame —, parece-me que agrava os inconvenientes deste. E que traz para a primeira fila os objectivos, o progresso, o bem-estar, e diz «através da socialização», como que se vinculasse apenas que esses fins só podiam ser realizados através da socialização. Quer dizer, promover o bem-estar e a qualidade de vida, socializando os principais meios do texto. Isso faz-me lembrar aqueles tipos legais de crimes onde se proíbe um determinado resultado, mas apenas por uma acção típica; só se preenche por aquele caminho. Quem conseguir realizar o mesmo resultado fora do caminho já não preenche o modelo típico. Aqui também os partidos ou as forças políticas que concorressem às eleições eram obrigados a promover o bem-estar e a qualidade de vida através da socialização; qualquer outro caminho era inconstitucional.
Creio que isso não é realista, mas talvez possamos deixar isto para um melhor amadurecimento, sendo certo que, pelo nosso lado, defendemos com grande convicção a necessidade de asegurar o pluralismo. O Estado tem tarefas neste domínio, que é assegurar o pluralismo real e o pluralismo efectivo, e não obrigar qualquer partido a promover o bem-estar segundo os processos que outrem entende que são os bons, mas que não são os seus.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Sr. Deputado Jaime Gama, endossando ao povo britânico as homenagens que, pessoalmente, teve a bondade de fazer, tenha a palavra.
O Sr. Jaime Cama (PS): — Apenas gostaria de prestar um esclarecimento ao Sr. Deputado Costa Andrade, não tanto pela incidência deste problema na questão constitucional, mas para lhe lembrar que a expressão «socialização» não se encontra na Constituição por um capricho do Partido Socialista.
Constitui hoje um património ideológico dos partidos sociais-democratas e dos partidos democratas-cris-tãos, é um termo ultra-utilizado em todos os documentos da doutrina social da Igreja e — tal como certamente o Sr. Deputado recorda— constitui há dois anos uma das grandes expressões da ofensiva ideológica do PSD.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Sr. Deputado Costa Andrade, queria fazer uma interrupção?
O Sr. Cosia Andrade (PSD): — É só para esclarecer o que, afinal de contas, está esclarecido.
Também concordei inteiramente com isso. No entanto, do que eu tenho dúvidas é de que possamos nós, os que nos reivindicamos, e eu próprio me reivindico, da necessidade de socializar, impô-lo aos outros constitucionalmente.
Não sei se está excluída a possibilidade de um partido liberal, qua talis, se constituir, de concorrer em Portugal e ganhar as eleições — penso que ninguém o negaria.
Por mim, no programa do governo eu subscreveria isto. Agora na Constituição parece-me que é um pouco...
Voz do Sr. Almeida Santos (PS) não audível.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, esta última parte ficou registada em off, porque foram discursos introduzidos de forma selvagem e, portanto, não houve tempo de os legalizar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Tenho a impressão de que a discussão voltou ao princípio e está um pouco colocada tal como eu a pus. Quer dizer, eu comecei por dizer que não tinha nenhuma objecção de princípio ao termo «socialização». Esse termo é extremamente vago, tem muitas acepções e o deputado Jaime Gama acabou de lhe dar o significado que hoje tem na cultura política vulgar.
Simplesmente, o que eu disse é que na Constituição
— se virmos bem o contexto de toda a Constituição — ele não está empregado nessa acepção vaga e larga; está mais ou menos empregado numa acepção muito mais precisa e estrita.
Ora, é exactamente por isso que agora é perigosa
— porque tem sido interpretado e defendido nessa acepção estrita — qualquer conservação do termo, porque continuamos a prestar-nos a equívocos. Quer dizer, estamos todos os acordo com as finalidades sociais e não estamos de acordo com um determinado processo que a Constituição parece querer impor para atingir essas finalidades sociais.
Por isso, subscrevo inteiramente aquilo que o Sr. Deputado Jaime Gama disse: é necessário que a Constituição dê liberdade programática aos diversos partidos de se poderem exprimir na vida política. Portanto, o facto de termos uma constituição impregnada de sentido social é uma vantagem adquirida e é uma coisa com a qual todos nós estamos de acordo. Mas que imponham um processo de realização dessas finalidades sociais, isso não estamos de acordo.
Por outro lado, é evidente que, quando se fala de socialização dos principais meios de produção, rela-cionando-os com os limites materiais de que fala o deputado Veiga de Oliveira, relacionando-os com várias outras disposições da Constituição... por exemplo qual é um dos principais meios de produção? E, sem dúvida, a terra. Portanto, chegamos à necessidade da socialização da terra. O que é que quer dizer a socialização da terra? Por exemplo, para mim quer
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dizer que a propriedade absoluta da terra não deve ser reconhecida. Já tenho proposto essa ideia e há aqui um partido dentro da AD que também defende esa ideia — o PPM já tem posto restrições à existência da propriedade absoluta da terra; a terra deve ser expropriada sempre que não for utilizada como deve de ser.
Portanto, aí encontramos plataforma de entendimento. Contudo, já não encontramos com certeza uma plataforma de entendimento se se quiser impor através destas disposições uma colectivização da agricultura, o que não aceitamos.
Assim, parece-me que isto é sobretudo uma questão de medição das expressões para que elas não se prestem a entendimentos equívocos. E bom que se torne claro que as finalidades sociais da Constituição podem ser atingidas por vários processos e que a socialização não pode ser entendida unicamente como uma apropriação colectiva dos meios de produção, que é aquilo que até aqui tem sido constitucionalmente entendido, ou na melhor interpretação da Constituição, ou pelo menos numa grande interpretação vulgarmente defendida publicamente por muitos partidos. Até na Assembleia da República isso tem sido muitas vezes defendido mesmo pelo próprio Partido Socialista.
Portanto, não queremos que esse equívoco se possa manter e entendemos que o desfazer esse equívoco será um benefício nacional, ou seja que a socialização, ou a obtenção das finalidades sociais e económicas, não se obtém exclusivamente pela colectivização — ainda por cima, usando uma expressão vaga e perigosa — dos principais meios de produção. O que é que são os principais meios de produção?
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Almeida.
O Sr. Nunes de Almeida (PS):—Sr. Presidente, vou ser muito rápido. Gostava de dar uma pequena nota, porque suponho que também há outros equívocos que temos que resolver.
Já aqui foi apontado pelo deputado Jaime Gama que o Partido Socialista não pretende impedir quer o pluralismo, quer a aplicação de programas distintos. Contudo, temos que nos entender sobre uma questão essencial: é o próprio conceito e prática da alternância do Poder que implica a existência de limites, no que respeita ao pluralismo e à alternância. E isto porque a inexistência de limites, de balizas, implica a inexistência ou a ímpossi'biída'de da própria alternância. E isto porque não há alternância possível se o que estiver em confronto forem dois sistemas ou dois modelos totalmente opostos, incompatíveis e inconciliáveis, porque não é possível prever ou praticar-se uma alternância no Poder quando o que está em causa é mudar de quatro em quatro anos e de cima a baixo todo o modelo de sociedade.
Se de quatro em quatro anos, com a mudança de Governo ou da maioria política, se tratasse de se nacionalizar tudo, colectivizar tudo, ou de descolectivizar e desnacionalizar tudo, não havia alternância possível, haveria o caos. Por isso, quando falamos em alternância no Poder, referimo-nos a uma alternância que tem que admitir a existência de certos limites e de certas batizas.
Por isso, o que está em causa não é o facto de se saber se têm que existir ou se existem essas balizas e esses limites, mas sim saber quem determina esses limites e onde é que eles se encontram vazados. Essa é que é a questão de fundo: é saber se eles se devem encontrar na Constituição ou fora da Constituição, ou seja numa prática conservadora de um certo modelo preexistente.
Nós podemos discutir se os limites devem estar um pouco mais para aqui ou um pouco mais para ali, mas temos que assentar —e aí é que tem de haver um consenso num determinado momento — sobre um mínimo de princípios que todos se propõem respeiter. E isto, que é válido no que respeita a uma certa organização económica, também é válido em matéria de organização do poder político.
Se pretendêssemos essa inexistência de Iimites ou esse puratilamo global, não poderíamos qualificar Portugal como uma república, porque isso excluiria o PPM, ou não poderíamos sequer estabelecer aqui a garantia dos direitos e das liberdades fundamentais, porque há portugueses que são contra a democracia política.
Temos que assentar num determinado sistema de organização do poder político, com a exclusão de projectos que, de facto, não são os projectos constitucionais da democracia política. E, quando estamos a discutir a matéria da organização económica, temos também que estabelecer limites e balizas e saber que há determinados projectos que têm que ficar de fora, sob pena de estarmos a inviabilizar a própria democracia e o próprio conceito de alternância no Poder.
Portanto, a questão não se pode colocar nos termos absolutos que, de certa forma, me pareceu resultarem da intervenção inicial do deputado Sousa Tavares. Temos, sim, que encontrar esse consenso constitucional, não só como já o encontrámos, e não é posto em causa em matéria da organização do poder político, mas temos taimbém que o encowirar em maitéria de organização económica, sob pena de estarmos apenas a jogar com palavras.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)j: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): —Sr. Presidente, uma parte daquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Nunes de Almeida item o nosso acordo. Efeotivamen te, do que se trata é de saber que a Constituição fixa limites à organização do poder económico, do poder político, à estrutura económica em que devemos viver constitucionalmente e ao próprio princípio constitucional, que poderia ser posto em causa, se não quiséssemos nenhuns limites.
É olaro que percebemos perfeitamente, ou julgamos perceber, que, quando alguns pretendem retirar limites, o que pretendem é colocar outros limites. Portanto, nem consciente nem inconscientemente, aqui ninguém engana ninguém: quando se pretende retirar daqui a socialização, pretende-se, de facto, colocar um outro limite, que é a não socialização.
Contudo, a questão que eu queria levantar dizia mais respeito às observações ultimamente feitas pelo Sr. Deputado Sousa Tavares. Neste sentido, gostaria de saber se a questão que o Sr. Deputado levantou, e que é uma questão concreta, que é a socialização
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da terra, tem de facto já uma experiência em Portugal. Ora, que eu saiba, nenhuma força politica responsável, nem nenhum deputado responsável, nunca pediu para ir nacionalizar as pequenas, as médias e até as grandes propriedades que há no País.
Tudo aquilo que se propôs e que muitos defenderam em relação a essa área foi, de certa forma, aquilo que o senhor diz defender, ou seja socializar as terras que estão a ser mal utilizadas ou até não utilizadas, e isto porque, quando se fala em latifúndio na Constituição, é o que está subjacente a isso: é eliminar a possibilidade de obtenção da terra com fins que só podem ser anti-sociais, porque não é para a produção dos bens a que ela deveria destinar-se nem para a realização de outros fins recreativos, culturais ou outros para o povo, mas sim para desfrute individual de alguns, e ás vezes nem isso.
Portanto, a questão que eu coloco é a seguinte: é que, em concreto, está demonstrado que esta fórmula que aqui está na Constituição não gera nenhuma daquelas consequências terríveis que o Sr. Deputado quis levantar com a eventual coleotivi-zação, nacionaiiização ou expropriação de todas as terras, etc., visto que se tratava de um dos principais meios de produção. ¿
O que cá está tem de se ler de acordo com todo o resto da Constituição, e, ao ler-se todo o resto, verifica-se que o que está em causa, aqui como nos outros lados, nos outros sectores, são os principais, portanto, são, de facto, os latifúndios, no caso da terra, e não outra qualquer propriedade da terra. E o que está em causa é também uma parte da ideia que o Sr. Deputado expendeu.
Isto para dizer que a fórmula que hoje existe na Constituição não gerou nenhuma espécie de equívocos e se manifestou como um limite preciso compreendido por todos. Pode estar em acordo ou em desacordo com ele. No entanto, o que não se podem \evantar é fantasmas da eventual não delimitação do que cá está, está bem delimitado, não só por ter limites precisos, mas porque são os limites justos e aqueles que servem aos interesses nacionais.
O Sr. ¡Presidente [Borges de Carvalho (PPM)): — Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Cosia Andrade (PSD): — Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pequena intervenção para aclarar um pouco as coisas do nosso lado, pelo menos do meu.
No que toca à intervenção do Sr. Deputado Nunes de Almeida, concordamos com a necessidade de esconjurar os fantasmas que ele também esconjurou. Simplesmente, o que me parece é que não é rigorosamente através de socializar ou deixar de socializar constitucionalmente um imposto que se esconjurem esses fantasmas. O Sr. Deputado tem plena razão em ter medo das potencialidades a que o pluralismo pode levar se ele permitir que circulem nele forças antidemocráticas.
Contudo, isso não é através de socializar ou deixar de socializar. É noutras sedes que temos que nos opor a isto, porque senão 'teríamos forças que sociar lizassem e fossem antidemocráticas, porque a socialização é perfeitamente compatível com a antidemocracia e com os limites dos direitos fundamentais.
Portanto, não é socializar ou deixar de socializar que tolhe o caminho às forças antidemocráticas.
O Sr. Ntunes de Almeida (PS): — Sr. Deputado Costa Andrade, desculpe a interrupção, mas não foi isso o que eu disse.
O que eu disse foi que, tal como há limites ao nível do poder político e das concepções sobre o poder político e sobre os direitos fundamentais, evidentemente que a Constituição tem que tomar uma opção sobre isso, e essa opção, necessariamente, deixa de fora aqueles que são contra. Ora, também em matéria de ordenação económica — e não estava a interligar as duas questões —tem que haver limites, sob pena — tal com há bocado eu disse — de haver projectos de modelo de sociedade inconciliáveis e de a própria alternância se inviabilizar, porque ela nêo pode funcionar quando as alternativas em presença são modelos inconciliáveis. E isto porque não é possível mudar de modelo de sociedade de quatro em quatro anos, ao sabor de cada eleição.
Portanto, também aí tem que haver limites. E eles existem sempre: ou existem na Constituição ou na realidade dos factos. Ora, o que podemos discutir ê se queremos que eles, de facto, estejam na Constituição ou se os deixamos ao sabor da realidade dos factos.
Foi isto o que eu disse, e não aquilo que me pareceu poder ürar-se da sua intervenção, Sr. Deputado.
O Oradon — Confesso que interpretei mal e portanto o seu esclarecimento retira completamente o sentido às objecções que eu iria formular.
Mas, reposto correctamente o sentido da sua intervenção, chegamos àquilo que os Srs. Deputados Jaime Gama e Almeida Santos há pouco disseram: já não há partidos liberais desses, no fundo, todas as forças políticas aceitam isso, e esses limites naturais decorrem — enfim, para usar um chavão— da natureza das coisas políticas. Portanto, volta a repor-se o problema, mas talvez seja melhor deixar este assunto para outro dia.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sausa Tavares (PSD): — Srs. Deputados, antes de mais nada, queria sublinhar a minha inteira concordância com a intervenção do deputado Nunes de Almeida, que, de certa maneira, foi altamente esclarecedora.
O Sr. Deputado introduziu aqui um princípio de que nunca se fala e que eu gosto muitas vezes de referir e que é a questão da distinção entre a meta-política e a política. Quer dizer, uma constituição tem que assentar numa rr.etapolítica, mas dentro dessa metapolítica tem que ser possível uma determinada variedade ou variação de políticas. Nesse aspecto, estamos todos de acordo.
Portanto, a criação de limites dessa metapolítica ou daquilo em que as variedades das políticas se podem exercer está perfeitamente correcta. Ê um principio fundamental sem o qual nenhuma constituiçãD pode existir. Aliás, isso normalmente estabelece-se mais pela tradição e peia prática dos países do que pela constituição escrita.
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Contudo, como princípio, não tenho nada a opor a que á nossa Constituição tente um esboço meta-político ou um esboço de limites dentro dos quais a variabilidade política se pode exercer.
O que eu penso é que, ou na interpretação vulgar — e nós temos que sair daqui para a praça pública—, ou numa determinada concepção que tem sido dada a esta Constituição — tenho ouvido sobre esta Constituição, desde um dos seus pais ou mães, o Dr. Jorge Miranda dizer que dentro desta Constituição qualquer política pode ser feita ou que ...
Voz do Sr. Jorge Miranda (ASDI) não audível.
Aguente a piada, que não tem mal nenhum!
Como estava dizendo, até outras interpretações mais fechadas, que dizem que a Constituição define um modelo de sociedade. Portanto, tudo quanto contrarie esse modelo de sociedade é inconstitucional.
Ora, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que qualquer destas interpretações tem sido defendida. Ora, a sua interpretação é um bocado elástica e, por vezes, força a letra da Constituição, devo dizer-lhe, porque eu sou daqueles que reconhecem que a Constituição impões, de certa maneira, um determinado modelo de sociedade e que tudo quanto tem sido feito tem sido um pouco inconstitucional desde 1976 para cá, e tenho-o escrito. Pelo menos, desde a subida ao Poder do Paititío SociaiHisita em 1976, a política teim sido, de certa maneira, exercida por uma forma um pouco inconstitucional, na medida em que tem forçado a letra da Constituição para a adaptar à realidade social portuguesa.
Ora, é isso que nós queremos tornar cristalino e claro: é que não queremos continuar a navegar em equívocos, dentro dos quais ps próprios partidos se sentem mal, e o Partido Socialista é um daqueles que pior se pode sentir dentro desse equívoco.
Portanto, penso que devemos tornar perfeitamente cristalino que a tal metapolítica em que a Constituição assenta tem que ser interpretada, não como impondo um modelo de sociedade, mas sim como impondo apenas determinado tipo de limites sociais, que todos .nós desejamos —pelo menos, eu desejo-o, profundamente—, e que dentro desses se podem exercer as várias políticas portidárias, com um determinado leque de escolhas.
O Dr. Veiga de Oliveira diz-me que ninguém quer, ou ninguém interpretou, mas, nos limites materiais da Constituição, está lá a apropriação colectiva dos solos: «o princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos». Ora, isto, interpretado à letra, quer dizer que todos os solos deviam ser colectivizados, socializados. Isso é evidente. Mas claro que ninguém quer isso, nem os senhores. No entanto, que isso lá se encontra é verdade; está absurdamente, mas está: «o princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos». Quer dizer, distingue os principais meios de produção dos solos.
Vozes não identificadas nem audíveis.
Peço desculpa, mas isto não tem adjectivação. Vamos a uma interpretação literal, e, quer queiram, quer não, o que aqui se encontra é o princípio da apropriação' colectiva dos solos.
Está bem, honra lhes seja feita. Os senhores querem fazer uma interpretação habilidosa e estou de acordo com ela. Aliás, estará de acordo com os meus princípios.
Risos.
Contudo, isso é fugir com «o rabo à seringa», na medida em que ...
O Sr. Almeida Santos (PS): — Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: — Faça favor.
O Sr. Almeida Santos (PS): — Tencionava propor o Sr. Deputado Sousa Tavares para membro do futuro tribunal constitucional. Acabo de rever a minha opinião e a minha posição a esse respeito; se tudo o que se passou desde 1976 é inconstitucional, já não posso designá-lo de maneira nenhuma.
O Oradon — Eu não disse que foi tudo quanto se passou; eu disse que, de uma forma geral, a orien-taição política ide 1976 para cá tinha forçado o entendimento da Constituição; tinha sido, de certa maneira, inconstitucional.
Mas, resumindo e concluindo, queria dizer ao Dr. Veiga de Oliiveilra que, quanito aos 'limites ma'íeriai'S da Constituição, realmente, eu ponho sérias reservas e coloco-me mais na linha do Dr. Nunes1 de Almeida. Os limites materiais da Constituição devem existir mais no espírito das pessoas do que na própria Constituição, porque senão estamos sempre a cair na mesma coisa, que é o querer fixar uma constituição ad aeternum. Ora, nem na Constituição Norte-Americana, que é a mais antiga que existe no Mundo e que já tem neste momento quase duzentos anos, nem nessa se fixaram limites materiais. Não é possível fixar limites materiais à Constituição, sobretudo quando esses limites materiais são demasiadamente específicos.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Deputado, esta é uma discussão que já tivemos até diante dos microfones. Tive ocasião de lhe dizer... nesses materiais, em todas as constituições, e até os mais fortes nem são os que são escritos. No entanto, quando eu digo que os mais fortes nem são os que são escritos, ou podem nem ser os que são escritos, isso não impede que não haja limites materiais escritos.
O Oradon — Mas repare que esta discussão é muito importante neste momento, porque estamos a iniciar uma revisão constitucional. Ora, se sempre que isto vier a propósito vamos passar a apanhar com o problema dos limites materiais, é melhor começar por enírenJCaT essa dificuíltíaide logo ao princípio e discuti-la já do que deixá-la para quando chegarmos ao artigo 280.° da Constituição. Como o artigo 280.° é no fim, toda a nossa discussão poderá ser inútil, se o problema dos limites materiais não for desde já enfrentado.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Evidentemente que eu aguento com todo o gosto as piadas do Sr. Depu-
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tado Sousa Tavares, até porque não correspondera à realidade histórica. Já tenho dito várias vezes que eu fui apenas um dos intervenientes: um entre vários.
Em relação ao que o Sr. Deputado disse, gostaria de salientar que V. Ex.° tem uma visão extremamente positivista e literalista do- que seja o direito e, particularmente, a Constituição. O direito em geral, particularmente a constituição de um qualquer país, quer no caso português, quer no caso de qualquer outro Estado, não pode ser visto da maneira como o Sr. Deputado Sousa Tavares o vê. Tem de ser encarado olhando à conjugação com a realidade social, olhando à conjugação com determinados pressupostos políticos e tendo em conta a interpretação que os órgãos com/pefíenites de fiscalização da constitucionalidade têm feito.
Pode haver muitas interpretações da Constituição de 1976, mas aquela interpretação que é historicamente válida é a que os órgãos de fiscalização da constitucionalidade têm feito.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Os órgãos de fiscalização estão em contradição.
O Orador — Portanto, é em relação a essa interpretação que nos temos de mover, e não na base de quaisquer lucubrações teóricas que possamos fazer.
Quanto à questão dos limites materiais, receio que, se formos agora entrar nessa questão, nunca mais façamos revisão.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, vamos agora passar à última parte do relatório da subcomissão à nova alínea d), em que há uma proposta da FRS e outra da Aliança Democrática, ambas referindo-se à preservação do património cultural e conservação da Natureza e do ambiente, acrescentando a proposta da Aliança Democrática «apoiar a capacidade criativa dos cidadãos e a defesa dos recursos naturais».
Julgo que, neste aspecto, será fácil encontrar consenso e que não valerá muito a pena discutirmos este ponto, uma vez que ambos os artigos se referem ao mesmo assunto.
Da minha parte, gostaria de acrescentar uma exigência pessoal na manutenção da defesa dos recursos naturais. E isto antes da própria Natureza e do ambiente. Defender a natureza, antes de mais nada, é um pouco lírico; quer dizer, o que a espécie humana tem que defender, antes de mais nada, são os recursos naturais, que são um suporte físico da sua vida. Portanto, terá de defender a Natureza, transformando-a e adaptando-a à utilização das suas necessidades.
Assim, o que tem que defender, antes de mais nada, são os recursos que lhe petmitem viver. O ambiente vem como uma das facetas e a defesa dos recursos será a defesa da qualidade do ambiente. Portanto, creio que aqui a hierarquia seria defender os recursos naturais, ou seja geri-los —o que julgo que será a expresão mais correcta—, a Natureza e a qualidadô do ambiente.
Não sei se há algum dos senhores deputados que se queira inscrever para se pronunciar sobre esta alínea d). No entanto, julgo que se poderá considerar
adquirido um acordo de princípio sobre estas alterações e que se tratará apenas de pormenores de redacção.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): — Tal como o Sr. Presidente disse, aqui as divergências serão, a meu ver, de redacção final. Parece-me que está adquirida a inclusão da alínea d); aliás, creio que ninguém está contra isso.
Ouvi como toda a atenção o Sr. Presidente e parece-me que uma referência aos recursos naturais poderá ser uma precisão, mas parece-me incluída na Natureza. Não vejo bem como é que defender a Natureza não seja desde já defender os recursos naturais, mas também serei contra essa precisão.
Quanto à referência ao apoio à capacidade criativa dos cidadãos, creio que as construções não devem ser nem muito repetitivas, nem de muito pormenor, e parece-me que o património cultural do povo já incluiria o apoio à capacidade criativa dos cidadãos, mas, em princípio, também não seremos contra isso.
Portanto, como neste momento não estamos a procurar formulações finais, acho que devíamos considerar que, em geral, há consenso quanto à alínea d), sem prejuízo de não fixarmos desde já uma formulação definitiva.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, este asunto já foi algo debatido na subcomissão e gostaria de recordar a nossa posição.
Nós já tínhamos dado o nosso apoio à inclusão de tudo o que se reporta ao património cultural, à sua defesa e valorização e também ao que se reporta à Natureza, aos recursos naturais e ao ambiente. Tínhamos também objectado em relação à inclusão do apoio à capacidade criativa dos cidadãos, porque este é um assunto que cabe mais adiante, quando se tratar das questões culturais e das obrigações do Estado nesse domínio, pois creio que aqui fica desfocado. Até suponho que isto tinha chegado a receber um acordo dos partidos da AD.
Portanto, com este resumo, parece-me que deveríamos deixar isto no substancial adquirido, mas não remeter agora para a comissão de redacção para não estarmos aqui a perder muito tempo.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Então fica adquirida a expressão que eu tinha dito e que os Srs. Deputados Almeida Santos e Veiga de Oliveira tiveram a amabilidade de reiterar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. íotrge Miranda (ASDI). — Gostaria de lançar uma fórmula, como sugestão, e que poderia ser «valorizar o património cultural do povo português, defender a Natureza e o ambiente e preservar os recursos naturais». Quanto à capacidade criativa, isso, realmente, deve ser considerado em termos de direitos mais do que em termos de incumbência do Estado.
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Pelo menos na minha perspectiva, aquilo que é personalista e fundamental é a criação cultural dos cidadãos por eles, e não através do Estado.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)] : — Sr. Deputado, importa-se de repetir a sua formulação para que possamos tomar nota ?
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Isto é só uma sugestão, nada mais: «valorizar o património cultural do povo português, defender a Natureza e o ambiente e preservar os recursos naturais».
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)] : — Srs. Deputados, vamos agora passar ao artigo 10.° Neste artigo há quatro posições, que são as seguintes: o PCP, que não propõe modificações; o MDP/CDE, que propõe algumas alterações ao actual artigo 9.°; a AD, que o suprime, e a FRS, que propõe a formulação de um artigo de substituição referido ao sufrágio universal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Gostaria de salientar que uma das lacunas, a meu ver, d'as mais graves, deixadas pelos autores da Constituição aos revisionistas — para empregar a expressão do Sr. Deputado Carlos Lage— é a omissão em sede de princípios fundamentais de um instituto básico da democracia representativa que é o sufrágio universal. Portanto, é para colmatar essa lacuna que a FRS propõe este artigo 10.°, n.° 1.
Por outro lado, teria um grande significado histórico que se substituísse um artigo em que se fala em processo revolucionário por um artigo em que se fala em sufrágio universal. Isso significará que, afinal, o processo revolucionário iniciado em 25 de Abril era um processo revolucionário democrático que culminou no sufrágio universal.
Finalmente, o n.° 2, respeitante a partidos políticos, seria transposto para aqui, dada a conexão íntima entre sufrágio universal e partidos políticos e até por se entender que não há razão para que se fale em partidos políticos num artigo como o 3.°, que trata de soberania e de legalidade. Parece que estaria muito melhor falar em partidos políticos ao mesmo tempo que se fala em sufrágio universal. Assim, seriam descritas as duas figuras primaciais da democracia representativa, que são, por um lado, o sufrágio universal e, por outro, os partidos políticos.
Tal é a razão de ser da fórmula apresentada pela FRS.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)] : — Portanto, julgo que o problema do artigo 10.° ficaria solucionado se a Aliança Democrática aceitasse a substituição ou a referência ao sufrágio universal e a transposição do n.° 3 do artigo 3.° para este artigo 10.°, com o n.° 2.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): — Sr. Presidente, parece-me que ainda não estamos na fase de aceitar ou não já com esse grau de concretização, pois estamos numa primeira abordagem às coisas. Portanto, nesse plano de abordagem, quase que prescindiria da
palavra para dizer que subscreveria inteiramente o bem fundado da intervenção do Sr. Deputado Jorge Miranda.
Penso que isso se justifica plenamente e que a solução adoptada pela FRS —que, no fundo, tem uma parte coincidente com a nossa, que é a de eliminar o artigo 10.° — é uma proposta de subscrever numa primeira abordagem. Portanto, quanto ao conteúdo material, há o nosso acordo total.
Quanto à tomada da decisão de tirarmos o n.° 3 do artigo 3.°, penso que isso é uma questão de somenos, que para já podemos deixar. No entanto, nesta altura damos a nossa concordância à solução — pelo menos, a concordância pela minha parte é total.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — Parece-me que estão em causa duas questões: uma, que é a eliminação do actual artigo 10.°, e outra, que é a proposta de um novo artigo 10.° feita pela FRS.
A nossa posição é conhecida em relação à eliminação do actual artigo 10.°: pensamos que isto é uma das partes do nascimento desta Constituição, tem algum valor emblemático e, por isso, não propusemos que fosse retirado.
Mas teremos que nos pronunciar em relação a outro aspecto, que não tem que ver com a eliminação, sobre a qual já nos pronunciámos, ao não propormos a eliminação deste artigo, que é sobre a proposta do novo artigo 10.° da FRS.
Nesse sentido —em relação à proposta do novo artigo 10.°, e não à eliminação do actual—, apreciamos positivamente a proposta da FRS, ou seja, a de colocar aqui em matéria de princípios fundamentais a questão do sufrágio universal e as questões ligadas aos partidos políticos, tudo no mesmo artigo.
Portanto, sobre a segunda parte a nossa apreciação é favorável, mas, quanto à primeira parte, que é a proposta de eliminação, a nossa posição é desfavorável.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE):—A FRS utilizou uma expressão de substituição do artigo, mas, em boa verdade, pratica duas acções: elimina o artigo 10.° e inclui um artigo 10.°-A.
Estamos de acordo com o novo artigo da FRS, pois parece-nos importante. No entanto, julgamos que o anterior artigo 10.° tem factores positivos que deveriam continuar consignados na Constituição. Não estamos de acordo em que ele se mantenha como um preceito histórico. Parece-nos a parte histórica da Constituição, há que limitá-la apenas ao seu preâmbulo.
Portanto, é um artigo sem conteúdo real e, inclusivamente, é um artigo que se refere a uma entidade inexistente. Mas parece-nos que há aqui um princípio importante neste artigo 10.° —não fazendo referência a toda a terminologia do processo revolucionário, pois, de facto, não tem correspondência com a realidade do nosso país nos nossos dias—, que é o princípio da cooperação entre organizações democráticas e partidos políticos, que, pela própria defi-
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II SÉRIE — NÚMERO 108
nição, correspondem para a definição de uma vontade nacional, e parece-nos que, no plano dos princípios fundamentais, esta ideia rica da cooperação no sentido de aprofundar e avançar um caminho iniciado pelo 25 de Abril, portanto, um caminho de aprofundamento de uma democracia económica, social, cultural, etc, devia ficar consignada no plano dos princípios fundamentais.
Independentemente de virmos, eventualmente, a votar sozinhos a nossa proposta de alteração em relação ao artigo 10.°, é esta a razão pela qual propusemos alterações ao actual artigo 10.° da Constituição.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): — Embora a título pessoal, julgo que inserir nos princípios fundamentais a regra básica ou a regra que, em princípio, se traduz no exercício da democracia política tem indiscutível vantagem.
Muito embora levante algumas questões, pessoalmente, parece-me ser de aceitar este n.° 1 proposto pela FRS. Já o n.° 2, que é uma transposição do artigo 3.° para aqui, é uma questão de inserção sistemática, que me parece não ser muito importante para discutir neste momento. Mas gostaria de, a título pessoal, deixar esta posição quanto ao n.° 1.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Queria só sublinhar, também em meu nome pessoal, embora creia que é o pensamento de todo o PSD, que estou de acordo com a posição que o deputado Costa Andrade tomou.
Quer dizer, estamos de acordo com a eliminação do artigo 10." e não podemos, de maneira nenhuma, concordar com o artigo proposto pelo MDP/CDE, pois bastaria o n.° 2 que lá vinha, de apropriação colectiva dos principais meios de produção, e aí já com a especificação de socialização traduzida pela apropriação colectiva.
Estamos também de acordo com a fórmula proposta pela FRS, pois parece-me útil uma referência ao sufrágio universal, como fundamento do sistema democrático, e, além disso, creio que a referência constituciona/ aos partidos políticos neste momento, como intérpretes privilegiados do sufrágio universal, é uma metodologia correcta.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): — Esqueci-me de referir um aspecto que esta intervenção do deputado Sousa Tavares agora me faz retomar e que me parece que talvez ele, na defesa desta posição, não tenha pensado em todas as suas implicações.
Julgo que aqui não é só uma questão essencialmente sistemática, porque, ao colocar-se no mesmo artigo a regra de ouro do funcionamento da democracia política, ou seja o exercício do sufrágio universal como regra, e juntar a isso o privilégio ou a predominância dos partidos políticos na organização
e na expressão da vontade popular, faz com que essa mesma participação vá, de certo modo, consagrar-se, em termos constitucionais, naquilo que, sendo necessário nesta fase para consolidação dos mesmos partidos, no entanto, em termos de metapolítica, é um pouco contraditório com uma certa reestruturação e com formas de participação democrática, que não são, designadamente a nível de autarquias locais, de eleições onde se poderão aceitar outras formas, que não através da participação ou com o exclusivo da participação dos partidos políticos.
As dúvidas que eu levantei eram estas. Parece-me que o transferir para aqui vem dar uma maior carga ao absolutismo de detenção de participação que neste momento têm os partidos políticos.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): — Com todo o devido respeito, julgo que não é isso o que resulta deste artigo. Se alguma coisa pode resultar, é que os partidos têm de participar na vida política através do sufrágio universal; não é dizer que o sufrágio universal se exerce através dos partidos. Hoje, pelo contrário, uma vez que se colocam os partidos no artigo 3.°, a seguir à soberania, é que quase os partidos seriam elevados a órgãos de soberania.
Portanto, há uma certa diferença.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): — Apenas posso considerar bem-vindas as preocupações do deputado Azevedo Soares, porque, sendo essa uma das minhas expressões públicas mais repetidas, a minha preocupação sobre o absolutismo, ou uma certa acaparação da vida política portuguesa pelos partidos políticos, até aqui ainda nunca tinha encontrado eco em responsáveis partidários, pelo menos do nível do deputado Azevedo Soares, que já foi porta-voz do seu partido no parlamento.
Contudo, o que eu acho é que isso não veio precisamente a propósito deste artigo, porque até a forma como está redigido — «os partidos políticos concorrem»— quer dizer «não esgotam» — nesse exercício do sufrágio universal não se esgotam os partidos. Portanto, até a forma é feliz, na medida em que emprega o verbo «concorrem».
E acho mais natural que, a propósito do sufrágio, se diga que os partidos políticos são um elemento importante para o exercício desse poder popular do sufrágio universal e que concorrem para o seu exercício do que no artigo 3.°, em que possam nem ser um bocadinho assimilados a órgãos de soberania, que não devem ser, e que parece que estão esgotando a fórmula da soberania popular por sufrágio universal.
De resto, quanto às suas considerações, Sr. Deputado, bem-vindas elas sejam, e muito folgo em começar a encontrar pessoas que, realmente, queiram que as autarquias não sejam eleitas por listas partidárias, que os partidos não exerçam o seu absolutismo em todos os aspectos e que, inclusivamente, amanhã possa haver apresentação de listas independentes para deputados, etc, etc.
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8 DE OUTUBRO DE 1981
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O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): — Gostava de exprimir que a preocupação do Sr. Deputado Azevedo Soares também encontra eco por parte da UEDS; nomeadamente, penso que o projecto de revisão constitucional da FRS também tem desde já partido de elementos que contemplam a sua preocupação.
Claro que o sufrágio a que o Sr. Deputado Azevedo Soares se referia não se restringe aos partidos políticos. Por exemplo, o projecto da FRS prevê a possibilidade de consultas populares a nível local de uma forma de manifestação da vontade popular exterior aos partidos políticos; o projecto da AD até contempla outras expressões, como sendo o referendo e até o próprio referendo de revisão constitucional.
Portanto, aí estão exemplos concretos em que os partidos políticos não absorvem em exclusivo a expressão da vontade popular. Simplesmente, essas preocupações são legítimas e comungam também da preocupação, pelos vistos já ancestral, do Sr. Deputado Sousa Tavares de que seja possível alargar o âmbito de apresentação de candidaturas para além dos partidos políticos não só nos domínios das assembleias de freguesia, mas também noutros órgãos das autarquias locais e, pelos vistos, também à própria Assembleia da República, preocupação essa que encontra eco por parte da UEDS, até por uma questão de filosofia política. Talvez não sejam totalmente coincidentes são as formas pelas quais o Sr. Deputado Azevedo Soares estaria a pensar que essa expressão da vontade popular poderia ser assumida.
Queria apenas dizer que pensamos que, pelo facto de o artigo 10.° consagrar o sufrágio universal no n.° 1 e uma referência aos partidos políticos no n.° 2, isso não invalida o exercício do poder político através do sufrágio por outras formas, que não apenas os partidos políticos.
Mas o que nos parecia importante era que se mantivesse no domínio dos princípios fundamentais uma referência aos partidos políticos, porque, no conjunto da sistemática da Constituição da República, são, de facto, a expressão máxima e suprema do exercício do poder político.
Portanto, creio que, nesse sentido, é de manter nos princípios fundamentais uma referência explícita e taxativa aos partidos políticos.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): — Gostaria de declarar que me considero satisfeito, atendendo a que há gravação, e, quanto julgo entender, servirá de matéria interpretativa quando se discutir a Constituição na sua aplicação prática.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Srs. Deputados, creio que em relação ao artigo 10.° foi encontrado consenso quanto à introdução do artigo proposto pela FRS, tanto para o ponto n.° 1 como para o n.° 2. Julgo interpretar bem as suas palavras, Sr. Deputado Azevedo Soares ? Foi salvaguardada a posição do Partido Comunista em relação à sua proposta de manutenção do artigo actual, embora aceitando o artigo 10.° proposto pela FRS, ele não seria o 10.°, mas sim um novo artigo na posição
do PCP, uma vez que manteria o artigo 10.° actual. O MDP/CDE fez ressalva da sua posição, nos mesmos termos de aceitação da proposta da FRS, mantendo, no entanto, o actual artigo 10.°, com as alterações que propôs. Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): — Sempre se tem aqui raciocinado em termos de que a FRS propõe a eliminação do artigo 10.° De facto, isso é assim, mas com a ressalva clarificadora de que recuperamos, em parte, o n.° 2 do artigo 10.° na proposta que fazemos para o artigo 80.°
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): — De facto, uma parte daquilo que o Sr. Presidente disse a respeito do artigo 10.° da Constituição era a nossa posição.
Em relação à proposta da FRS, o que eu disse, e desligando esta segunda parte da primeira, é que nós encaramos favoravelmente a constituição da proposta. Não fui mais longe, porque neste momento não posso ir mais longe; isto obriga a análise profunda e política dos órgãos do partido, e eu ainda não tenho o resultado dessa análise.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Feita esta ressalva, encerramos a discussão do artigo 10.°
Quanto ao artigo 11.°, não houve consideração na Comissão, por ter sido, com certeza, considerado pacífico.
No entanto, não queria deixar de fazer uma observação pessoal em relação a este artigo 11.°: é que a forma como ele está redigido tem dado azo a interpretações malévolas. Com certeza que haverá aqui quem saiba mais do que eu da história da República, mas a verdade é que a Revolução de 5 de Outubro não instaurou a actual Bandeira Nacional, ela foi só adoptada muito mais tarde.
Portanto, pode-se interpretar este artigos de forma malévola, dizendo que a bandeira de 5 de Outubro era azul e branca, o que eu não queria que ficasse.
Assim, deixo ao vosso cuidado uma redacção mais feliz para este artigo 11.°
O Sr. Sousa Tavares (PSD): —Sr. Presidente, eu propunha que fosse a referência exacta à data em que a bandeira foi adoptada, que eu não sei qual é.
O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: — Compreendo perfeitamente a redacção do artigo e por isso é que falei em interpretações malévolas que a redacção do artigo pode provocar, embora sejam malévolas e de má-fé.
Portanto, feita esta observação, que faço a título pessoal e jocoso, uma vez que estamos no fim dos nossos trabalhos de hoje, tenho a dizer que amanhã iniciaríamos os nossos trabalhos pelas 10 horas da manhã.
Principalmente aos deputados que hoje chegaram extremamente atrasados, peço autorização para fazer um reparo, com muito empenho da minha parte, pana que amanhã possamos começar os nossos trabalhos mais cedo.
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