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10 DE ABRIL DE 1991

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Pode dizer-se ainda que, no que respeita às alterações de conteúdo, de entre os princípios cm que assenta a ortografia portuguesa se privilegiou o critério fonético (ou da pronúncia) com um certo detrimento para o critério etimológico.

É o critério da pronúncia que determina, aliás, a supressão gráfica das consoantes mudas ou não articuladas, que se têm conservado na ortografia lusitana essencialmente por razões de ordem etimológica.

É também o critério da pronúncia que nos leva a manter um certo número de grafias duplas do tipo dc caráter e carácter, facto e fato, sumptuoso e suntuoso, etc.

É ainda o critério da pronúncia que conduz à manutenção da dupla acentuação gráfica do tipo de económico e econômico, efémero e efêmero, género c gênero, génio e gênio, ou de bónus e bônus, sémen e sêmen, ténis e tênis, ou ainda de bebé e bebê, ou metro e metrô, etc.

Explicitam-se em seguida as principais alterações introduzidas no novo texto de unificação ortográfica, assim com a respectiva justificação.

4 — Conservação ou supressão das consoantes c, p, b, gr, melem certas sequências consonanticas (base iv)

4.1 — Estado da questão

Como é sabido, uma das principais dificuldades na unificação da ortografia da língua portuguesa reside na solução a adoptar para a grafia das consoantes c. e p, em certas sequências consonanticas interiores, já que existem fortes divergências na sua articulação.

Assim, umas vezes, estas consoantes são invariavelmente proferidas em todo o espaço geográfico da língua portuguesa, conforme sucede em casos como compacto, ficção, pacto; adepto, aptidão, núpcias; etc.

Neste caso, não existe qualquer problema ortográfico, já que tais consoantes não podem deixar dc grafar-se [v. base iv, l.B, o)].

Noutros casos, porém, dá-se a situação inversa da anterior, ou seja, tais consoantes não são proferidas em nenhuma pronúncia culta da língua, como acontece cm acção, afectivo, direcção; adopção, exacto, óptimo; etc. Neste caso existe um problema. E que na norma gráfica brasileira há muito estas consoantes foram abolidas, ao contrário do que sucede na norma gráfica lusitana, em que tais consoantes se conservam. A solução que agora se adopta [v. base tv, l.9, b)] é a de as suprimir, por uma questão de coerência e de uniformização de critérios (vejam-se as razões dc tal supressão adiante, em 4.2).

As palavras afectadas por tal supressão representam 0,54 % do vocabulário geral da língua, o que é pouco significativo em termos quantitativos (pouco mais dc 600 palavras em cerca de 110000). Este número é, no entanto, qualitativamente importante, já que compreende vocábulos de uso muito frequente (como, por exemplo, acção, actor, actual, colecção, colectivo, correcção, direcção, director, electricidade, factor, factura, inspector, lectivo, óptimo, etc).

O terceiro caso que se verifica relativamente às consoantes c e p diz respeito à oscilação dc pronúncia, a qual ocorre umas vezes no interior da mesma norma culta (cf., por exemplo, cacto ou cato, dicção ou dição, sector ou setor, etc.), outras vezes entre normas cultas distintas (cf., por exemplo, facto, receção em Portugal, mas fato, recepção no Brasil).

A solução que se propõe para estes casos, no novo texto ortográfico, consagra a dupla grafia [v. base iv, l.9, c)].

A estes casos de grafia dupla devem acrescentar-se as poucas variantes do tipo de súbdito e súdito, subtil e sutil, amígdala e amídala, amnistia e anistia, aritmética c arimética, nas quais a oscilação da pronúncia se verifica quanto às consoantes b, g, m e t (v. base iv, 2.9).

O número de palavras abrangidas pela dupla grafia é de cerca de 0,5 % do vocabulário geral da língua, o que é pouco significativo (ou seja, pouco mais de 575 palavras em cerca de 110000), embora nele se incluam também alguns vocábulos de uso muito frequente.

4.2 — Justincaçâo da supressão de consoantes não articuladas [base iv, I.», b)]

As razões que levaram à supressão das consoantes mudas ou não articuladas em palavras como ação (acção), ativo (activo), diretor (director), ótimo (óptimo) foram essencialmente as seguintes:

a) O argumento de que a manutenção de tais consoantes se justifica por motivos de ordem etimológica, permitindo assinalar melhor a similaridade com as palavras congéneres das outras línguas românicas, não tem consistência. Por um lado, várias consoantes etimológicas se foram perdendo na evolução das palavras ao longo da história da língua portuguesa. Vários são, por outro lado, os exemplos de palavras deste tipo pertencentes a diferentes línguas românicas que, embora provenientes do mesmo étimo latino, revelam incongruências quanto à conservação ou não das referidas consoantes.

É o caso, por exemplo, da palavra objecto, proveniente do latim objectu-, que até agora conservava o c, ao contrário do que sucede em francês (cf. objei) ou em espanhol (cf. objeto). Do mesmo modo projecto (de projectu-) mantinha até agora a grafia com c, tal como acontece em espanhol (cf. proyecto), mas não em francês (cf. projei). Nestes casos o italiano dobra a consoante, por assimilação (cf. oggetto e progetto). A palavra vitória há muito se grafa sem c, apesar do espanhol Victoria, do francês victoire ou do italiano vittoria. Muitos outros exemplos se poderiam citar. Aliás, não tem qualquer consistência a ideia de que a similaridade do português com as outras línguas românicas passa pela manutenção de consoantes etimológicas do tipo mencionado. Confrontem-se, por exemplo, formas como as seguintes: port. acidente (do lat. acci-dente-), esp. accidente, fr. accident, it accidente; port. dicionário (do lat. dictionariu-), esp. dic-cionario, fr. dictionnaire, iL dizionario; port. ditar (do lat. dictare), esp. dictar, fr. dicter, iL dettare; port. estrutura (de structura-), esp. estructura, fr. slructure, iL struttura; etc.

Em conclusão, as divergências entre as línguas românicas, neste domínio, são evidentes, o que não impede, aliás, o imediato reconhecimento da similaridade entre tais formas. Tais divergências levantam dificuldades à memorização da norma gráfica, na aprendizagem destas línguas, mas não é com certeza a manutenção de consoantes não articuladas em português que vai facilitar aquela tarefa;