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4 DE JULHO DE 1992

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manees em todos os projectos de alteração da lei de baldios contribuintes do decreto vetado, ou seja, a de dar cobertura legal à transferência de facto de poderes de gestão dos baldios que a prática quase sem excepção consagrou, das comunidades locais para as juntas de freguesia em cuja área os baldios se localizem.

Neste domínio, com efeito, a vida antecipou-se à lei. E em reconhecimento de que os órgãos eleitos pelos condóminos na prática se revelaram menos eficazes gestores do que as novas juntas de freguesia legitimadas pelo voto popular, transferiu para estas os poderes de administração daqueles. O fim da gestão paralela ensaiada após a restituição dos baldios às comunidades vem tendo expressão crescente e tem colhido generalizado consenso. Não obstante, remanescem excepções que não podem deixar de ser tomadas em conta.

Tudo isto para dizer que, sendo constitucionalmente possível, deve procurar-se uma cobertura legal para a situação criada, que, aliás, se não tem por de fácil recuo.

Um caminho possível, que teria o mérito, entre outros, de se traduzir numa opção dos condóminos, sendo pois casuista, seria o de virar do avesso o disposto no artigo 2.° do decreto vetado.

Assim: a administração dos baldios continuaria a competir às respectivas comunidades locais, e não às respectivas juntas de freguesia, e em vez de serem estas a poder delegar a sua gestão numa comissão eleita — como no decreto veiado — dos seus utentes, ou em organizações que o costume tiver fixado, seriam agora as comunidades locais, representadas por qualquer dos seus órgãos, a delegar nas juntas de freguesia na totalidade ou em parte, os respectivos poderes de gestão.

É isto inconstitucional? Tem-se por certo que sim. Por um lado, o n.u 2 do artigo 114.° da Constituição só veda a delegação dos poderes dos órgãos de soberania, de região autónoma ou de poder local noutros órgãos, não a delegação nas juntas de freguesia de poderes originariamente detidos por outros órgãos. E se é certo que a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição, o mesmo não acontece relativamente aos órgãos do poder local.

Acresce que, mesmo em relação às competências das juntas de freguesia, a Constituição permite a sua delegação em organizações de moradores.

Por último, é próprio do instituto da delegação de poderes a retenção na fonte da matriz dos poderes delegados, pelo que à fonte podem retornar a todo o tempo, pela via da livre revogação do mandato implícito no acto de delegar.

E é sabido que o mandatário exerce os poderes delegados em nome e em representação do mandante, tudo se passando como se fosse a própria entidade delegante a exercê-los.

A par da representação política que justifica a sua existência, a junta de freguesia exerceria assim uma forma de representação jurídica de titulares de direitos que em parte se confundem com os politicamente por ela representados. Nada, pois, de conflituante ou de abnorme.

Quanto aos actos de disposição, esses devem sem reserva permanecer não só na titularidade, mas na

disponibilidade dos compartes, e ser exercidos através dos respectivos órgãos representativos.

É claro que também nada impede que aqueles órgãos afectem às juntas de freguesia, no todo ou em parte, as receitas da exploração dos baldios. Nem que o façam por acto genérico, e não ano a ano ou caso a caso. Mas têm de ser eles a deliberar em qualquer dos casos.

Quer se diga expressamente quer não que a propriedade dos terrenos baldios pertencem às comunidades, ou em comunhão aos compartes, a Constituição já diz o bastante — aliás em confirmação de uma arreigada convicção de base consuetudinária — para se não poder ignorar a existência, o significado e a força desse vínculo dominial.

Daí que não seja nem pacífico nem porventura constitucional impor a formalização de uma nova instituição de baldios que têm séculos de existência consensual, ou mesmo a consagração de uma intervenção do Conselho de Ministros que não revista, quando muito, natureza meramente ratificativa.

O caso é este: se o baldio é dos compartes, se esse sector de propriedade tem os compartes por proprietários (ainda que em regime de comunhão indivisa), esse direito encontra garantia constitucional no artigo 62." da Constituição, pelo que dele não pode dispor o Estado, através do Conselho de Ministros, a menos que lance mão do instituto da expropriação por utilidade pública.

Não basta assim a proposta dos condóminos. Faz--se mister a sua decisão. [Deputado Almeida Santos, Diário da Assembleia da República, 2." série, n.° 12, de 3 de Dezembro de 1990.]

CAPÍTULO III Enquadramento constitucional

A) Os princípios gerais sobre a propriedade, a fruição e a gestão

A Constituição de 1976, no seu artigo 89.°, n." 2, refere, a propósito do sector público, a existência de um subsector comunitário: o dos «bens comunitários com posse úül e gestão das comunidades locais» [alínea c)].

No plano qualitativo e quantitativo, os bens comunitários quase se resumem aos baldios, dado que, além deles, apenas restam vestígios, sem significado de equipamentos comunitários cm zonas bem localizadas (eiras, fornos, moinhos, azenhas, etc), que são verdadeiras realidades marginais irrelevantes no plano económico. A existência dos baldios e a sua importância levou o legislador a constitucionalizar, no pós-25 de Abril, um subsector de bens comunitários, preocupando-se, no contexto histórico da formação da parte económica da Constituição, em garantir a sua existência (n.° 1 do artigo 89.°).

No entanto, os baldios aparecem no texto original da Constituição revestidos de uma linguagem que não parece clara: bens «comunitários» inseridos no «sector público».

Ainda na vigência deste texto, a Procuradoria-Geral da República veio considerar que «os baldios constituem propriedade comunal dos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas que exerçam a sua actividade no local, só por eles podendo ser usados ou fruídos» (parecer n.° 136778).