4 DE OUTUBRO DE 1996
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prévio do Tribunal de Contas, excepto nos casos de recrutamento de pessoal com vínculo à função pública, o direito a dispor do seu património, a gerir livremente as verbas que lhes sejam atribuídas nos Orçamentos do Estado, a transferir verbas entre as diferentes rubricas c capítulos orçamentais, a elaborar programas plurianuais, a obter receitas próprias e a geri-las, bem como a arrendar directamente edifícios indispensáveis ao seu •funcionamento.
'Não decorre portanto da Lei n.° 108/88, de 24 de Setembro, que a matéria relativa à determinação do número de vagas disponíveis em cada estabelecimento universitário público se inclua no âmbito da respectiva autonomia. Pelo contrário, o regime de acesso ao ensino superior e concretamente o número de vagas existente em cada estabelecimento de ensino universitário não é algo que se encontre apenas na disponibilidade do próprio, no âmbito da sua autonomia, sendo antes uma matéria objecto de regulação autónoma, por forma a salvaguardar princípios que a própria Constituição enumera no n.° 1 do artigo 76.°
A autonomia universitária, tal como se encontra desenhada nos termos constitucionais e legais, não contempla o direito das universidades a definir unilateralmente o número de vagas de que dispõem em cada ano, embora implique, indeclinavelmente, um direito de participação nessa definição.
A matéria relativa ao acesso ao ensino superior não é um assunto exclusivamente interno das instituições deste grau de ensino. Não é algo que se possa incluir no «núcleo essencial» da autonomia universitária. É a própria Constituição que dispõe, no n.° 1 do seu artigo 76.", que «o regime de acesso à universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País».
Assim, na definição do regime de acesso ao ensino superior hão-de contar não apenas critérios autónomos das instituições de ensino superior mas também critérios de política educativa constitucionalmente consagrados, cuja salvaguarda cabe fundamentalmente aos órgãos de soberania.
Por imperativo constitucional, a determinação legal do regime de acesso ao ensino superior deve, portanto, reportar-se aos objectivos de garantir a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades de quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e cienüTico do País. São, aliás, estes os objectivos que constam da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro), no seu artigo 12.°, n.° 3, que dispõe que «o acesso a cada curso do ensino superior deve ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País, podendo ainda ser condicionado» — acrescenta-se — «pela necessidade de garantir a qualidade de ensino».
Acrescenta ainda este diploma, no n.° 4 do artigo 12.°, que «o Estado deve criar as condições que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentar o ensino superior, de forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou de desvantagens sociais prévias».
Resulta claro do disposto que em matéria de acesso ao ensino superior, quer globalmente considerado quer no que
se refere a cada curso, estão em causa incumbências do Estado, cujo cumprimento deve ser assegurado em primeira linha pela Assembleia da República e pelo Governo, não sendo algo que se encontre na disponibilidade absoluta de cada estabelecimento de ensino.
O Decreto-Lei n.° 28-B/96, de 4 de Abril, que presentemente vigora em matéria de acesso ao ensino superior, estabelece um regime de determinação de vagas no ensino superior público sujeito a limitações quantitativas (artigo 3.°) decorrentes do número de vagas que são fixadas anualmente pelos órgãos de cada instituição e que são comunicadas ao Ministério da Educação, podendo o Ministro determinar a sua simples divulgação, ou aprovar as mesmas com alterações, se entender que tal se justifica, tendo em vista a respectiva adequação à política educativa. Caso em que, tal fixação se processa por portaria ministerial (v. artigo 5.°).
Pode questionar-se com fundadas razões a adequação à Constituição de regimes de acesso ao ensino superior assentes em limitações quantitativas globais (vulgo nume-rus clausus) determinadas, não tanto em função das necessidades em quadros qualificados ou da elevação do nível educativo, cultural e científico do País, mas, sobretudo, de acordo com disponibilidades físicas dos estabelecimentos de ensino. O que já não parece questionável do ponto de vista constitucional é que a determinação das vagas existentes seja estabelecida por proposta das instituições, sujeita embora a uma decisão governamental eventualmente correctiva que assegure a sua adequação à política educativa globalmente definida e inclusivamente ao cumprimento dos imperativos constitucionais em matéria de acesso ao ensino superior.
É mesmo a própria Lei n.° 108/88 (autonomia universitária) que estabelece no seu artigo 28." que o Governo exerce o poder de tutela sobre as universidades tendo em vista a salvaguarda dos interesses nacionais, a garantia da integração de cada universidade no sistema educativo e a correcta articulação com as políticas nacionais de educação, ciência e cultura, incluindo tal poder a competência para, nos termos da alínea b) do n.° 2, «aprovar, tendo em vista a respectiva adequação à política educativa e ao interesse nacional, o número máximo de matrículas anuais, sob proposta das universidades».
Sendo esta uma competência conferida ao Governo por acto legislativo da Assembleia da República, nada impede esta Assembleia, enquanto órgão de soberania que detém o primado da competência legislativa, que detém inclusivamente a reserva absoluta de competência legislativa em matéria de definição de bases dos sistema de ensino [artigo 167.°, alínea i), da Constituição da República Portuguesa] e que possui competência legislativa genérica em matérias não reservadas pela Constituição ao Governo [artigo 164.", alínea d), da Constituição da República Portuguesa], de determinar por via legislativa uma actuação governamental no sentido da criação eventual de vagas adicionais para acesso ao ensino superior por forma a reparar situações de injustiça geradas por erros imputáveis à Administração.
Tanto mais quanto a criação de vagas adicionais para o acesso ao ensino superior não é algo de estranho ao nosso ordenamento jurídico. Basta reparar no n.° 1 do artigo 41.° do Regulamento do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior Público para a Matrícula e Inscrição no Ano Lectivo de 1996-1997, aprovado pela Portaria n.° 241/96, de 4 de Julho, para verificar que, «quando, por erro não imputável directa ou indirectamente