282
II SÉRIE-A — NÚMERO 18
correspondência, das comunicações postais e das telecomunicações) e, por outro, determina que os tribunais e as autoridades administrativas deverão coadjuvar as comissões de inquérito. O parágrafo 56 do Regulamento do Bundestag, também prevê esta figura, sem que seja definida a amplitude dos seus poderes.
A Constituição italiana determina, no seu artigo 82.°, que a comissão de inquérito procede às averiguações e aos exames com os mesmos poderes e os mesmos limites da autoridade judicial.
As commissions, que nos Estados Unidos da América levam a cabo as inquirias, gozam de poderes muito amplos, nomeadamente para inquirir qualquer pessoa, requerer a comparência de qualquer testemunha e produção de prova documental ou outra relacionada com o objecto do inquérito, proceder a interrogatórios sob juramento, pagar deslocações das testemunhas, tal como é feito nos tribunais dos EUA, e requerer aos tribunais que ordenem medidas necessárias à execução do inquérito. No entanto, não são excedidos os limites fundamentais que encontramos na maioria dos sistemas europeus.
Em França, porém, os poderes das comissões, não estando previstos na Constituição, são apenas regulados por lei ordinária, aliás de forma mais restritiva face ao poder judicial do que nos outros países que comentámos (artigo 6.° da Ordonnance relative au fonctionnement des assemblées parlementaires). Dispõe-se, claramente, que não podem ser constituídas quando esteja em curso inquérito judicial. No caso de já ter sido constituída uma comissão, esta deverá ser suspensa logo que se iniciem acções judiciais relativas aos factos que originaram a sua constituição.
V — Apreciação
Desde a sua constituição que a figura do inquérito parlamentar tem suscitado, no âmbito do direito parlamentar, grandes dúvidas quanto aos seus contornos, em particular no que se refere aos seus limites materiais e à fronteira com a investigação e acção penal. A questão da separação de poderes, quando corram em simultâneo um inquérito parlamentar e um processo criminal, nunca foi devidamente esclarecida, tendo culminado em diversas situações de conflito, apontadas pelos autores do projecto de lei em apreço, entre as autoridades judiciais e o Parlamento, quando este se vê obrigado a recorrer aos órgãos judicias para obtenção de informações.
Ao atribuir à Assembleia da República, no âmbito da sua competência de fiscalização, vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração [Constituição da República Portuguesa, artigo 165.°, alínea a)], a Constituição dotou o Parlamento de um meio de fiscalização (os inquéritos parlamentares) e de órgãos auxiliares dessa actividade (as comissões eventuais) — segundo parecer de Nuno Piçarra, publicado na revista Scientia Ivridica, sob o tema «Extensão e limites dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais», e ao contrário do que defendem alguns sectores da doutrina, os inquéritos parlamentares não têm de confinar-se à fiscalização dos órgãos e entidades ligados ao Parlamento por uma relação de responsabilidade política ou institucional, como o Governo e a Administração.
Sobre a extensão dos poderes que poderão ser atribuídos às comissões eventuais de inquérito para que. estas apurem a verdade dos factos, sem que por isso contrariem o sistema de repartição de poderes definido na Constituição, já se pronunciaram muitos Deputados e eminentes juristas.
Na reunião plenária de 21 de Janeiro de 1977, em que foi discutido o projecto de lei n.° 20/1, que veio a originar a Lei n.° 43/77, de 12 de Junho, o Deputado Sérvulo Correia exprimia-se da seguinte forma: «Prende-se o instituto do inquérito parlamentar com a existência de diversos sistemas de órgãos pelos quais se encontra repartido o exercício da soberania. Não consiste a essência da separação de poderes na repartição formalista das funções do Estado entre tais sistemas, visto que, no Estado contemporâneo, a cada um deles se tende a atribuir simultânea e cumulativamente o exercício das clássicas funções legislativa, executiva e judicial. Os inquéritos parlamentares constituem um dos métodos desse controlo por parte da Assembleia da República, no exercício do seu poder funcional de vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e de apreciar os actos do Governo e da Administração [...] Os Deputados membros das comissões de inquérito irão exercer uma função para jurisdicional [...]
O Deputado Lucas Pires, por seu lado, defendia que «[...] é por isso que nós entendemos que o controlo do sector público deve ter um carácter democrático, e não apenas um carácter judiciário, e menos ainda um carácter puramente hierárquico. E a esse controlo deve presidir a competência desta Assembleia [...]» —Diário da Assembleia da República de 22 de Janeiro de 1977, p. 2172.
No debate para discussão dos projectos de lei n.0516/VII (PS) e 24/VII. (PCP) —Diário da Assembleia da República, 1.* série, de 2 de Dezembro de 1995, p. 316—, o Deputado Guilherme Silva pronunciou-se da seguinte forma: «As questões que este instituto levanta [...] são questões de alguma delicadeza, designadamente a dos seus contornos relativamente ao poder judicial, e, portanto, a sua não jurisdicionalização, a do respeito pelo princípio da separação de poderes, a da sua abertura ou não ao público — e creio que a lei anterior encontrou uma solução equilibrada, mas estes projectos de lei pretendem alterá--la — a de este instituto ser um instrumento de fiscalização parlamentar ou, antes, um meio de habilitação informativa por parte do Parlamento. Para concluir direi que, primacialmente, é um instrumento de fiscalização políticaL.^ Quanto ao projecto do PCP, ele quer alterar uma norma que me parece também equilibrada quanto ao princípio dã separação de poderes: pretende-se agora que, no caso de cumulativamente com o inquérito parlamentar ocorrer processo crime, quando, nesse processo houver despacVio de pronúncia transitado em julgado, informada a Assembleia dessa circunstância e, em vez do regime actual [...] seja o Plenário da Assembleia a decidir se, mesmo nessa circunstância, o inquérito deverá ou não prosseguir.»
Em termos doutrinários, Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, pp. 719 e 720) afirmam que os limites materiais dos inquéritos parlamentares não decorrem directamente da Constituição, afigurando-se-lhes, no entanto, «não ser admissível que possa ser objecto directo de inquérito parlamentar qualquer pessoa ou organização privada [...] Afigura-se, igualmente, não serem admissíveis inquéritos parlamentares sobre assuntos pendentes de decisão judicial». No tocante aos poderes de investigação .das comissões parlamentares de inquérito, sublinham que a Constituição não é transparente quanto ao sentido do n.° 5 do artigo 181.°, sublinhando, porém, que «seguramente que os poderes das comissões de inquérito têm um limite naqueles direitos fundamentais dos cidadãos que, mesmo