20 DE MAIO DE 1999
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A segunda «deve confinar-se aos casos em que o Estado se encontra legitimado para educar o menor, mesmo contra a vontade de quem está investido do poder paternal, ou seja, quando se tenha manifestado uma situação desviante que torne clara a ruptura com elementos nucleares da ordem jurídica».
Os autores da presente proposta de lei definem, depois, o tipo de respostas que consideram adequado no âmbito de intervenção da lei tutelar educativa.
Assim, embora essa intervenção não deva realizar-se nos moldes estritos do direito penal, não deixa de encontrar inspiração nesse sistema, desde logo pela identificação de um núcleo de valores cujo desrespeito legitima a intervenção do Estado, núcleo esse que é representado pelas normas criminais. A proposta de lei refere, em seguida, os princípios e pressupostos da intervenção tutelar educativa.
O primeiro princípio é o da mínima intervenção, tendo em vista o respeito pelo direito do menor à liberdade e à autodeterminação, sem constrangimentos por parte de outrem, ou do Estado.
O primeiro pressuposto «é o da existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais, traduzido na prática de facto considerado por lei como crime», e o segundo é o de que, sendo finalidade da intervenção tutelar a «educação do menor para o direito e não a retribuição pelo crime, não poderá aplicar-se medida tutelar sem que se conclua, em concreto, pela necessidade de corrigir a personalidade do menor no plano do dever-ser jurídico manifestada na prática do facto». A medida tutelar não pretende constituir um sucedâneo do direito penal. E, essencialmente, ordenada pelo interesse do menor, fundado no seu direito à realização de condições que lhe rjermitam desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável. Em suma, a intervenção tutelar educativa não visa a punição, pelo que só deve ocorrer quando a necessidade de correcção da personalidade subsistir no momento da aplicação da medida. Fora desses casos, a autonomia individual prevalecerá sobre a defesa dos bens jurídicos e as expectativas da comunidade.
Ainda no plano dos princípios, fixa-se como idade mínima para a intervenção tutelar os 12 anos. Considera-se que abaixo dessa idade as condições psicobiológicas do menor exigem uma intervenção não consentânea com o sistema da justiça.
Os subscritores da proposta de lei ora em apreço referem que o modelo nele apresentado não pretende ser uma colagem excessiva ao direito penal, como acontece com a actual organização tutelar de menores.
Pese embora o facto de ser este um domínio em que impera o princípio da tipicidade, a enumeração das medidas tutelares é feita com alguma flexibilidade quanto ao conteúdo e às modalidades de execução.
Entre as medidas aplicáveis o tribunal escolhe a menos grave, só aplicando outra quando esta se revelar inadequada ou insuficiente.
Determinada a medida, o tribunal fixa o tipo de execução que represente a menor interferência na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja susceptível de suscitar a sua maior adesão e a de seus pais, representantes legais ou pessoas que tenham a sua guarda de facto.
No campo das medidas não institucionais, incluem-se comportamentos, regras de conduta ou obrigações que pretendem reforçar o sentido de auto-estima e de responsabilidade ou representem formas naturais de reintegração social, sem que qua/quer delas se revista do sentido de expiação.
A medida de internamento só se aplica a menores de idade superior a 14 anos que pratiquem factos que indiciem
uma especial necessidade de educação para o direito. Excluem-se do sistema tutelar situações de perigosidade criminal fundadas em anomalia psíquica, casos em que o processo é arquivado e o menor encaminhado para os serviços de saúde mental.
O processo tutelar reflecte a nova perspectiva por que se encara a legitimação e os fins da intervenção tutelar educativa e a sua semelhança com o processo penal.
De acordo com os subscritores da proposta de lei, «o processo penal serve de fonte ao processo tutelar por constituir um ordenamento que realiza de forma particularmente activa as garantias constitucionais da pessoa, face à intervenção do Estado, na esfera dos direitos fundamentais». Essa proximidade ressalta em matérias como as relativas ao princípio da legalidade processual, ao direito de audição, ao princípio do contraditório ou ao princípio da judi-cialidade.
Uma vez desencadeado o processo tutelar, adopta-se uma orientação em que a formalidade e o consenso se combinam na procura de uma eficácia sempre ligada à noção de dignidade do menor, tempo processual e à inter-corrência entre exigências de educação e necessidade de protecção.
A adopção do princípio do contraditório é uma das principais rupturas com o modelo anterior. O princípio da obtenção da verdade material constitui outro dos fundamentos do processo tutelar, intimamente ligado ao princípio da livre apreciação da prova. Aos meios de obtenção de prova previstos no processo penal junta-se o relatório social, justificado pela natureza da prova e pela conveniência em não se dispersarem as fontes e em rodeá-las da necessária discrição.
Outro princípio que sofre reajustamento é o da publicidade, em que são admitidas excepções, baseadas no interesse do menor ou do próprio funcionamento do tribunal.
No contexto dos princípios enunciados surge a assistência por defensor, por forma a garantir a defesa e que tem incidências semelhantes, em vários aspectos, com as que se verificam no processo penal, que não teve acolhimento na actual organização tutelar de menores, razão pela qual o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do seu artigo 41.°
As medidas cautelares previstas na proposta de lei organizam-se no interesse do menor, sem abstrair do facto de que se está perante um facto qualificado pela lei como crime.
Regem-se pelos princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da tipicidade. São aplicados pelo juiz e têm como pressuposto a existência de indícios de facto, a previsão de aplicação de medida tutelar e a existência fundada de perigo de fuga ou de cometimento de outros factos qualificados por lei como crime.
O processo tutelar organiza-se em dois momentos: o inquérito, presidido pelo Ministério Público, e a fase jurisdicional, presidida pelo juiz.
Aberto o inquérito, admite-se o seu arquivamento liminar quando, não sendo o facto qualificado como crime punível com pena superior a um ano, se revelar desnecessária a aplicação da medida tutelar, face à reduzida gravidade dos factos, a conduta anterior ou posterior do menor e à sua inserção familiar, educativa e social.
Se o facto se referir ao crime de consumo de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, o Ministério Público procede ao arquivamento liminar do inquérito, se não tiver notícia do cometimento ou do perigo de cometimento de