0270 | II Série A - Número 014 | 13 de Janeiro de 2000
a exploração económica das obras no plano internacional, desse modo se assegurando o fácil acesso do público consumidor à fruição e utilização das obras beneficiando o desenvolvimento cultural.
Em Portugal o movimento da gestão colectiva é historicamente representado pelo surgimento da Sociedade Portuguesa de Autores e, mais recentemente, pela criação de outras entidades representativas dos interesses de outros titulares de direitos - artistas intérpretes ou executantes, produtores de fonogramas, radiodifusores, editores, etc.
2 - Apesar de existirem há muitos anos, nunca o legislador português regulamentou de modo específico as entidades de gestão colectiva, pelo que a estas se aplicam genericamente as disposições legais aplicáveis ao direito de associação e às cooperativas.
Esta situação é, porém, insatisfatória e insuficiente, pois não se atende à específica natureza deste tipo de instituições, ao conjunto dos seus direitos e obrigações e ao circunstancialismo próprio da sua actividade.
3 - O Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos prevê, no seu artigo 218.º, que o regime das entidades de gestão colectiva será regulamentado por lei. Decorridos mais de sete anos desde a data da publicação do código verifica-se que o legislador português ainda não deu cumprimento a esse comando jurídico. O presente projecto de lei visa dar finalmente cumprimento a essa determinação legal.
4 - A necessidade de uma regulamentação da matéria não deriva só de um imperativo legal. Existem razões sociais, culturais e jurídicas para se realizar este trabalho. Há que ter em conta que a legislação nacional e o ordenamento jurídico comunitário já prevêem a gestão colectiva de direitos, quer em termos facultativos quer mesmo como obrigatoriedade jurídica, em certos casos de modalidades de exploração económica e utilização das obras. É mesmo previsível o surgimento de iniciativas tendentes à criação de novos entes de gestão colectiva, a médio prazo, à semelhança do que ocorre noutras sociedades europeias. Essas novas entidades assumiram a gestão específica, e especializada, de certas modalidades de exploração das obras. Aliás, a emergência das modernas tecnologias da informação e o multimédia vão acarretar grandes transformações no próprio modo de gestão colectiva dos direitos, aspecto que está hoje no centro de apaixonados debates.
5 - A importância sócio-cultural e económica da gestão colectiva é evidente e enorme. Actuando quase sempre em regime de monopólios de facto ou mesmo como emanação da lei, as entidades de gestão colectiva exercem funções e poderes socialmente relevantes. A actividade destes entes colectivos coloca amíude a questão sempre espinhosa de resolver o modo adequado de garantir o equilíbrio na afirmação de dois direitos fundamentais, a saber: de um lado a defesa do direito de autor, e do outro lado a defesa do direito de acesso à informação e à cultura, incluindo a fruição das obras pelo público. Paralelamente, surgem com frequência problemas na relação dos associados com a pessoa colectiva, problemas na fixação de tarifas e comissões, na repartição equitativa dos rendimentos obtidos, na gestão administrativa destes, no controlo da exploração das obras, prestações ou direitos, na protecção de titulares de direitos não nacionais e no cumprimento de obrigações de administração e de controlo financeiro. Todo este conjunto de temas/problemas implica a existência de um enquadramento e regulamentação jurídicos próprios e eficazes, bem como um irrecusável papel fiscalizador por parte do Estado. A ausência de normas aplicáveis abre campo para o surgimento de experiências ilícitas, práticas injustas e arbitrárias.
6 - A presente proposta de lei tem em conta o facto de a matéria relativa à propriedade intelectual constituir reserva relativa de competência da Assembleia da República. Por outro lado, o já citado artigo 218.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos estipula que a regulamentação das entidades de gestão se fará mediante uma lei.
7 - Na análise das experiências de legislação estrangeira sobre a matéria teve-se especialmente em conta a legislação dos Estados membros da União Europeia e destes, em especial, os modelos que são diversos, de países como a Alemanha, a França, a Espanha e a Bélgica. Por outro lado, foi muito útil o estudo das análises e orientações que nos últimos 10 anos tem sido levado a cabo sobre esta matéria no seio da OMPI, em diversos seminários dedicados a este tema.
8 - As experiências estrangeiras não podem em qualquer caso ser neste domínio transpostas para a ordem jurídica portuguesa sem um prévio processo crítico - haja em vista as condicionantes da ordem constitucional portuguesa expressas no artigo 46.º da Constituição. Daí que a proposta de lei leve em conta essa tradição jurídica e constitucional, que, por exemplo, impede a adopção de mecanismos de forte condicionalismo e controlo à criação das pessoas colectivas de natureza associativa. Neste particular, a Constituição portuguesa é assaz liberal na matéria, pelo que o modelo proposto para Portugal não atinge o nível e a intensidade de controlos e exigências técnico-burocráticas existentes nos outros países europeus.
9 - O projecto enraíza-se na experiência portuguesa da legislação relativa às associações e cooperativas, optando-se por um regime de pessoa colectiva de direito privado, embora com um papel de tutela fiscalizadora do Estado que se entende necessária e razoável. O modelo proposto aproxima-se assim do estatuto vigente para as instituições particulares de solidariedade social.
10 - Sendo livre a constituição das entidades de gestão colectiva, de acordo com o princípio constitucional, respeita-se o princípio da não intervenção do Estado, embora se preveja a necessidade de um registo das pessoas colectivas, com efeitos de controlo necessário do exercício efectivo do início de actividade. De outro modo, poderia privar-se a administração pública dos mecanismos de conhecimento e intervenção das situações, quando estas evidenciam sinais de crise e de práticas sociais ilícitas. Daí que o regime de tutela inspectiva, com recurso aos tribunais, se afigure inteiramente adequado.
11 - O regime proposto visa salvaguardar a legítima independência das instituições de gestão colectiva, com a criação dos mecanismos de controlo indispensáveis à preservação do interesse público.
12 - Na linha do que acontece na generalidade dos países, e em resultado das exigências já contidas na legislação nacional e comunitária sobre a propriedade intelectual, prevê-se o recurso à arbitragem para resolução dos litígios. Nalguns casos, a lei dispõe já que a arbitragem é o recurso obrigatório para dirimir conflitos sobre o direito de autor e os direitos conexos na sua relação com os interesses dos vários titulares de direitos e o acesso e fruição das obras e prestações protegidas por parte dos diversos utentes e interessados. Ponderadas as formas de dar sentido útil à arbitragem, optou-se por instituir uma Comissão de Mediação e Arbitragem, que se entende admissível à luz do disposto na Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (Lei sobre a arbitragem voluntária, em especial o seu artigo 38.º) e, ainda, o Decreto-Lei n.º 425/86, de 27 de Dezembro (Arbitragem institucionalizada), atentas, em síntese, as seguintes razões:
a) O direito de autor constitui um ramo do direito, autónomo, progressivamente complexo e de elevada