1448 | II Série A - Número 039 | 11 de Maio de 2000
debruçou-se previamente sobre "a questão de saber se o regime eleitoral regional pode integrar os estatutos das regiões autónomas ou se, ao contrário, ali se faz valer a reserva de lei comum da Assembleia da República (Constituição da República Portuguesa, artigo 167.º, alínea f)".
A este respeito exarou-se no acórdão:
"É que não só os estatutos têm uma natureza marcadamente organizatória, como a sua aprovação (e alteração) no Parlamento depende da iniciativa exclusiva das assembleias legislativas regionais (Constituição da República Portuguesa, artigo 228.º, n.os 1 e 4).
As normas sobre eleições regionais, regulando a escolha e composição dos órgãos próprios regionais, apresentam uma vertente organizatória que afirma a sua conexão funcional com a matéria do estatuto.
A eventual objecção à inclusão das normas sobre eleições em lei estatutária residirá na recusa da identidade da sua força jurídica e do seu regime de aprovação e alteração..."
E continua-se no referido acórdão:
"Porém, a afirmação da possibilidade de os estatutos integrarem normas versando matéria eleitoral não implica necessariamente uma identidade de força jurídica e de regime de aprovação e alteração. Mas a resposta a este problema já não tem aqui oportunidade."
Em declaração de voto o Juiz Conselheiro António Vitorino criticaria a ambiguidade do acórdão nesta matéria.
Mais recentemente, e a respeito, aliás, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, o Tribunal Constitucional voltou a analisar esta questão.
Como pode ver-se do Acórdão n.º 630/99:
"O juízo que se acaba de formular, aliado ao facto de o requerente não suscitar outros fundamentos de inconstitucionalidade, dispensa o Tribunal de ponderar a questão da inconstitucionalidade formal das normas por excesso ou desvio de forma.
Poderia, na verdade, colocar-se a questão - já equacionada no Acórdão n.º 1/91 - relativa à constitucionalidade formal das normas em causa, enquanto inseridas em lei estatutária da Região Autónoma dos Açores.
Com efeito, tratando-se de regime eleitoral regional e integrando-se na reserva absoluta de competência da Assembleia da República legislar sobre eleições dos Deputados às Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira (artigo 164.º, alínea j), da CRP), poderia objectar-se à inclusão de tais normas em lei estatutária com o regime de iniciativa procedimental, aprovação e alteração a que esta está sujeita (artigo 226.º da CRP), conferindo-lhe um valor formal agravado. Afirmando-se no Acórdão n.º 1/91 a "natureza marcadamente organizatória" dos estatutos e uma "vertente organizatória" das normas sobre eleições regionais "que afirma a sua conexão funcional com a matéria do Estatuto", ele não responde - e nem era necessário no caso - à questão de saber qual a força jurídica e o regime de aprovação e alteração dessas normas, muito embora se deixe apontado que a inclusão das mesmas normas nos estatutos "não implica necessariamente uma identidade de força jurídica e de regime de aprovação e alteração".
A questão merecia, e merece ainda, respostas de sinal divergente (Jorge Miranda, funções, órgãos e actos do Estado, pp. 301 e segs., Manual de Direito Constitucional, t. V, pp. 364 e segs.; Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 3.ª ed., nota V ao artigo 228.º; Rui Medeiros, Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores Anotado, pp. 19 e 20; desenvolvidamente, Carlos Blanco de Morais, As Leis Reforçadas..., pp. 919 e segs.), sendo maioritária a tese de que a matéria eleitoral não é matéria de estatuto regional, mas dividindo-se quanto ao (des)valor de norma de estatuto que a inclua e aos efeitos desse (des)valor relativamente a posterior lei ordinária comum que a revogue.
Não se encerra esta nota final sem dar conta de que, posteriormente ao Acórdão n.º 1/91, já a nova 1.ª Secção deste Tribunal, de algum modo na esteira das posições mais recentes de Jorge Miranda (citado Manual..., t. V, p. 367), se pronunciou - aqui sem qualquer ambiguidade - no sentido de que a norma "em excedência de Estatuto" (que o legislador teria qualificado erradamente como norma estatutária) com valor ou força formalmente superior ao da norma incluída em apropriado acto legislativo comum, carece de valor formal agravado, não vinculando, assim, o legislador sucessivo competente, que não incorrerá em ilegalidade se dispuser em contrário (Acórdão n.º 460/99, de 13 de Julho de 1999, ainda inédito).
De todo o modo, e tendo até em conta o que sobre a forma dos actos se estabelece no artigo 166.º, n.º 2, da CRP relativamente às leis eleitorais para as assembleias legislativas regionais, esta é uma questão que se deixa aqui inteiramente em aberto."
O Acórdão n.º 460/99, da 1ª Secção do Tribunal Constitucional, então inédito, a que se refere o Acórdão anterior, foi entretanto tornado público.
E do mesmo se transcreve o seguinte:
"A temática do chamado "excesso de estatuto" não é estranha à jurisprudência constitucional. No Acórdão n.º 1/91, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18 vol., págs. 7 e segs., foi o Tribunal chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade de normas contidas em decreto da Assembleia da República de aprovação dos estatutos da Região Autónoma da Madeira, que regulavam matéria de direito eleitoral, designadamente número de Deputados a eleger por círculo eleitoral e capacidade eleitoral activa."
Previamente foi colocada nesse Acórdão a questão de "saber se o regime eleitoral regional pode integrar os estatutos das regiões autónomas...", acabando por lhe ser dada uma resposta, que alguns considerarão evasiva, em sentido implicitamente afirmativo: "...a afirmação da possibilidade dos estatutos integrarem normas versando matéria eleitoral não implica necessariamente uma identidade de força jurídica e de aprovação e alteração. Mas a resposta a este problema já não tem aqui oportunidade". Quer dizer: por um lado, as normas respeitantes ao regime eleitoral contidas em estatutos não terão "necessariamente" que ser aprovadas e alteradas nos termos da tramitação estatutária e não terão "necessariamente" a força jurídica própria dos estatutos; por outro, a apreciação da conformidade constitucional das normas questionadas foi toda ela conduzida sem tomar por parâmetro de validade as normas constitucionais com base nas quais se poderia apurar o âmbito das matérias estatutárias, tanto assim que o Tribunal acabou por se pronunciar pela não inconstitucionalidade de algumas das normas cuja apreciação tinha sido requerida. Em declaração de voto, o Conselheiro António Vitorino não deixou de tecer considerações sobre a questão, manifestando-se no sentido de que à mesma "o Tribunal deveria ter dedicado maior atenção" (cfr. loc. cit., pag. 40).