1449 | II Série A - Número 039 | 11 de Maio de 2000
Como quer que seja, embora sem expressamente se pronunciar pela não inconstitucionalidade da opção legislativa então tomada de tratar matéria não estatutária em lei com a dignidade formalmente acrescida de estatuto de região autónoma, o Tribunal não moveu censuras de inconstitucionalidade à inclusão em leis desse tipo de normas sobre matéria que, pelo menos a uma primeira vista, não seria própria de lei estatutária.
Entre nós a doutrina mais recente vem debatendo a questão do "excesso de estatuto" em sentido que, não tendo sido sempre inteiramente coincidente, se vai aproximando. Assim, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. revista, Coimbra, 1993, pag. 847, nota V ao artigo 228.º, referem que "a inserção no estatuto de matérias alheias ao âmbito material estatutário (....) implica inconstitucionalidade formal - excesso de estatuto - de modo que nessas áreas as normas constitucionais não compartilham da natureza de lei reforçada, podendo ser livremente substituídas por lei comum da República, ou lei regional, conforme os casos".
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, T. V - Actividade Constitucional do Estado, Coimbra, 1997, pág. 364 a 368, alarga a perspectiva às leis reforçadas em geral e sublinha que "a qualificação de uma lei como reforçada não depende da qualificação que o legislador lhe confira", sendo que "as disposições inseridas numa lei reforçada fora do seu objecto ou sem conexão objectiva ou estruturante com ele (...) não poderão beneficiar da consistência e da protecção inerentes às restantes disposições". O excesso de forma, para este autor, gerará situações de mera irrelevância. Na óptica que adopta, a irrelevância consistirá na natureza não vinculativa para o legislador futuro da errada qualificação a que tenha procedido o legislador reforçado, com a consequência de que "O Parlamento agirá como tal, simplesmente legislando, por sua conta e risco - sobre eleições, como sobre qualquer outra matéria - e quem irá decidir, em última análise, da constitucionalidade e da legalidade de todas as normas será o Tribunal Constitucional". Carlos Blanco de Morais, que alude a "enclaves de direito legislativo comum nas leis reforçadas pelo procedimento", porém, considera inconstitucional por excesso de forma a "lei reforçada silente que fora do pressuposto da conexão objectiva disponha sobre matérias da reserva comum", sendo que "qualquer lei ordinária comum que procure, unilateralmente, recuperar o hipotético espaço subtraído à reserva correspondente, através da derrogação de normas insertas na lei reforçada que estime como ilegítimas, será ilegal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 281.º" (cfr. As leis reforçadas - As leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos, Coimbra, 1998, pág. 927).
A doutrina que defende a tese da irrelevância preocupa-se, certamente, com as consequências da adopção de um entendimento que privilegie exclusivamente os elementos estritamente formais, só por si, sem ter em conta os valores que, nestas situações, se pretende que sejam tutelados. O legislador reforçado, sob o manto de qualificações não mais que formais, porque externas ao conteúdo do acto legislativo e, portanto, desprovidas de correspondência objectiva ou material com este, a coberto de formas e procedimentos agravados, introduziria no ordenamento factores de rigidificação que se poderiam vir a mostrar desadequados, tanto do ponto de vista material, face à menor relevância dos temas ilegitimamente abrangidos, como do ponto de vista temporal, perante exigências de resposta legislativa pronta, quer por parte do Governo quer por parte dos restantes órgãos legislativos. E é preciso ter em conta que o regime geral não é o do valor reforçado da lei. Pelo contrário, o regime regra é o da não especificação das matérias que podem ser objecto de lei comum, enquanto, em geral, as leis são reforçadas atendendo às matérias que a Constituição expressamente especifica como devendo delas ser objecto.
É legítimo, porém, conciliar a tutela dos valores que a forma protege com os valores já referidos da fluidez do ordenamento, do ponto de vista da dinâmica das fontes de direito. Bem vistas as coisas, o legislador não estatutário, sucessivo, não pode considerar-se vinculado a normas estatutárias materialmente alheias aos estatutos: a estas normas não pode reconhecer-se um valor formal agravado. Não incorrerá, portanto, em ilegalidade se dispuser em contrário.
Nesta conformidade, a validade da norma editada pelo legislador sucessivo bem como a sua aplicabilidade, atendendo à matéria sobre que versa, podem e devem aferir-se em confronto directo com a Constituição. Trata-se de um juízo que não passa pela mediação da norma estatutária interposta, a qual não é fundamento nem limite da norma em causa, dizendo por outras palavras mas acompanhando a redacção do n.º 3 do artigo 112.º da Constituição, não é, por força da Constituição, pressuposto normativo necessário de outras leis ou que deva ser respeitada por outras."
É, afinal, neste sentido o despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República sobre a admissibilidade dos projectos de lei. Porém, na recente revisão do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira, realizada na VII Legislatura, a Assembleia da República pronunciou-se maioritariamente em sentido diverso, em condições enunciadas no decurso da votação da especialidade.
3 - Relativamente ao sistema eleitoral, o projecto de lei, do Partido Socialista, e a proposta de lei n.º 23/VIII, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, adoptam a mesma solução, alterando o artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 318-E/76, de 30 de Abril, por forma a que cada círculo eleja um Deputado por cada 3500 eleitores recenseados ou fracção superior a 1750, não podendo, em qualquer caso, cada círculo eleger menos do que dois Deputados.
Estas propostas põem termo aos círculos uninominais que resultavam da lei eleitoral ainda em vigor, e que foi julgada inconstitucional nessa parte.
Nenhum dos proponentes optou por alterar a dimensão territorial dos círculos eleitorais.
A proposta de lei n.º 24/VIII, que faz incluir no estatuto político-administrativo a solução constante da proposta de lei n.º 23/VIII, suscitará reflexões já atrás referidas quanto ao excesso de estatuto.
Relativamente à conformidade das soluções com o princípio de representação proporcional, e com o princípio da igualdade do voto, anota-se que, pese embora a elaborada fundamentação da conclusão contrária exarada nas declarações de voto, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 1/91 considerou constitucional solução semelhante constante do Decreto da Assembleia da República n.º 293/V.
O projecto de lei apresentado pelo CDS-PP contém alterações mais profundas ao sistema eleitoral constante do Decreto-Lei n.º 318-E/76, de 30 de Abril.
De facto, recusando a opção de aumentar o número de Deputados da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que já é sensivelmente superior ao inicial, o partido proponente apresenta um sistema eleitoral que diz garantir uma maior representatividade proporcional no Parlamento, representar a tradição histórica dos círculos concelhios e a igualdade de peso de cada voto.
Os mandatos que cabem a cada círculo obtêm-se de acordo com a regra, um mandato por cada 3500 ou fracção superior a 1750.
Para a conversão dos votos em mandatos determina-se primeiro o quociente eleitoral, dividindo o total de votos válidos no conjunto dos círculos eleitorais pelo total de mandatos a atribuir.