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1518 | II Série A - Número 047 | 28 de Novembro de 2002

 

mais envolvidos em gangs, nos correios da droga e em roubos com violência".
De facto, a delinquência juvenil no nosso país começa a caracterizar-se por um tipo de organização própria - os chamados gangs.
No estudo intitulado De casa-rua à escola-casa: revolta e divertimento, J. Barra da Costa, Professor de Ciências Humanas, chama-se à atenção para o facto de Portugal ter cerca de 8600 jovens organizados em gangs, os quais vivem essencialmente nas periferias e em "territórios" onde a polícia não entra.
Sublinha este autor que, em 2000, esses bandos de jovens delinquentes foram responsáveis por 2757 casos registados pelas autoridades. Só em Lisboa 6536 elementos organizaram-se em gangs (76% do total nacional) e foi precisamente na capital que ocorreram, em 2000, 2116 actos praticados por estes grupos, o que corresponde a 77% do total nacional.
Reportando-se aos comportamentos dos gangs, o Professor J. Barra da Costa avança no sentido de que "deixam perceber uma certa privatização da violência, com a consequente formação de correntes ligadas à justiça popular e o alargamento dos conflitos étnicos e raciais", concluindo que a questão dos gangs está relacionada com "a formação dos grupos mais jovens de delinquentes e a agregação de fenómenos de agressividade gratuita".
Interessante é também a visão do sociólogo José Machado Pais, que considera que "são as más companhias" que levam à iniciação da delinquência. Este estudioso não vê que comportamentos marginais dos jovens organizados em grupos como os graffiters, ravers ou "noctívagos" tenham sempre uma ligação à criminalidade. É que, segundo o autor, "o desvio nem sempre se associa à delinquência", sendo que, aliás, "existem algumas condutas juvenis que, entre alguns adultos, podem ser consideradas "desviantes" e entre jovens adquirem o estatuto de normalidade".
De acordo com a investigação levada a cabo pelo Professor J. Barra da Costa, numa escola degradada da margem sul do Tejo, que teve como objectivo "identificar a eventual influência que a degradação existente neste tipo de escolas exerce, em termos de agressividade e de para-delinquência, nos alunos, eles próprios provenientes, em grande maioria, de um ambiente social precário", constatou-se que, da amostra do estudo, composta por 40 alunos, 65% já se tinha envolvido em acções violentas ou agressivas no interior da escola e que 52% disse assim se manifestar devido à "revolta" que sente dentro de si em função da sua condição de inferioridade, na família e na sociedade, concluindo, assim, que se está "perante um barril de pólvora que pode consubstanciar-se numa enorme explosão".
E a verdade é que a criminalidade no interior das escolas urbanas tem registado um aumento significativo: em 2000 foram apreendidas 15 armas de fogo (contra 12 em 1999), 88 armas brancas (contra 51) e houve 103 vítimas que tiveram de receber tratamento hospitalar (60 no ano anterior). Por outro lado, vulgarizaram-se os incidentes protagonizados por grupos - 343 (quase um por dia), contra 210 em 1999.
Como há tempos dizia uma jornalista, "os putos juntaram-se em gangs, trocaram os livros aos quadradinhos por pistolas e navalhas, roubam ou matam velhos, violam os colegas de escola. Os criminosos são cada vez mais novos e as vítimas também. O motivo, como é próprio da idade, é a aventura e uma boa gargalhada".
Utilizando os dados fornecidos pela Polícia de Segurança Pública, o Relatório de Segurança Interna do ano 2001 analisou o fenómeno da delinquência juvenil da seguinte forma:
"Este tipo de delinquência não pode ser dissociado do fenómeno grupal (…) isto devido a que frequentemente os jovens agrupam-se em gangs, os quais já pressupõem uma certa organização, protegendo-se entre eles. O número destes grupos de jovens pode oscilar entre os 10 e os 20 elementos, ou apenas entre quatro ou cinco elementos. Utilizam com alguma frequência armas brancas, e praticam os delitos preferencialmente de noite.
A noção de que são criminalmente inimputáveis em virtude de serem menores tem levado a um crescendo deste tipo de delinquência, aliado ao facto de serem aproveitados por criminosos mais velhos para cometerem certo tipo de delitos, tais como, por exemplo, o pequeno tráfico e o pequeno furto.
Este fenómeno é tipicamente urbano, tendo, entre outros factores, origem no desenraizamento social e cultural; na escassez de recursos económicos; no abandono escolar prematuro; na falta de acompanhamento familiar; numa identificação com a delinquência juvenil existente em outros países, divulgada pelos media e frequentemente vista nos filmes exibidos pelo cinema e televisão; e insuficiência de instituições sociais para integração e acompanhamento dos jovens.
Este tipo de delinquência é, talvez, hoje em dia, um dos factores que mais contribui para o sentimento de insegurança existente na sociedade. É uma delinquência assente na gratuitidade dos actos praticados, exteriorizando recalcamentos ou revoltas internas com diversas causas.
O tipo de crimes mais praticados estão ligados ao património. Do quadro geral das participações, destacam-se as ameaças, injúrias, vandalismo, agressões físicas e roubos, sendo praticados, maioritariamente, nos centros urbanos e nas suas periferias."
Em termos estatísticos, o Relatório de Segurança de 2001 refere que:
"No ano de 2001 registou-se um decréscimo de 6% no número de jovens delinquentes identificados, em comparação com o ano 2000. Lisboa regista uma diminuição de 30,6%, sendo o distrito que maior número de ocorrências deste tipo regista, seguido do Porto, o qual apresenta um acréscimo de 58%, estando o distrito de Setúbal em terceiro lugar em números de registo e apresentando um acréscimo de 16,2%."
Inúmeras são, de facto, as causas que estão na origem da delinquência juvenil: desde a escassa disponibilidade dos pais na educação e acompanhamento dos seus filhos, à baixa qualidade de vida nas periferias urbanas, passando pela globalização da violência através dos media e pela total ausência de valores, até às dificuldades em arranjar o primeiro emprego e ao insucesso escolar.
Destacando-se aqui a inexistência de uma formação cívica sólida que adeque o jovem no sentido do controlo de si mesmo, da perseverança e da distinção entre o "bem" e o "mal", transformando-os em seres frágeis quando entram na idade adulta.
Num artigo intitulado Investigação orientada para a prática com jovens delinquentes que cometeram crimes graves, Gwyneth Boswell constata que, quer os maus tratos quer a perda na infância, pode ser um factor importantíssimo na história de delinquentes violentos. Com efeito, parece haver pouca dúvida de que os maus tratos infantis e as experiências de perda na infância, quando não é providenciada à criança uma oportunidade efectiva para lidar com estas experiências, constituem traumas por resolver que provavelmente se virão a manifestar de alguma maneira posteriormente. O estudo fundamenta esta progressão com exemplos de casos de crianças que sofreram maus tratos físicos, sexuais, que foram fechadas em caves escuras, torturadas e humilhadas.