2286 | II Série A - Número 055 | 21 de Dezembro de 2002
comunitária, mantendo, é claro, o primeiro lugar no concerto das nações da União Europeia. Uma situação que se poderia perfeitamente classificar de calamidade pública à escala europeia!
No último ano de 2001, em cada nove minutos houve alguém que foi vítima dum acidente rodoviário em Portugal. Em cada dia, morreram quatro pessoas nas estradas. Em cada hora e meia, houve registo de um acidente grave, ou seja, um acidente donde resultaram mortos ou feridos graves.
O grave desta situação não são apenas os números, em si mesmos, já de si gravíssimos especialmente no contexto europeu. O grave é que não se vislumbram melhorias significativas. Mesmo no ano corrente de 2002, no 1.º semestre, apesar do número total de acidentes com vítimas se ter reduzido ligeiramente face ao período homólogo do ano anterior (-0,5%) e o número de mortos e feridos graves também (-18,3%), o índice de gravidade dos mesmos, expresso pelo número de mortos por cada 100 acidentes com vítimas, foi superior ao ano anterior (+3,6%).
São necessariamente múltiplas as causas que concorrem para esta realidade. De acordo com as estatísticas, publicadas pela Direcção-Geral de Viação, mais de 1/3 (35%) dos acidentes com vítimas em 2001 são atribuíveis a "causas não identificadas ou não definidas", 28% à velocidade excessiva e 9,5% ao desrespeito de cedência de passagem.
Se é certo que, na maioria dos casos, não é possível reduzir um acidente apenas a uma causa, não o é menos que as estatísticas publicadas parecem não reflectir satisfatoriamente o conjunto dos factores que podem intervir num determinado acidente. Causas como as deficiências que as vias rodoviárias apresentam, quer ao nível da sua concepção quer do estado da sua manutenção, ou não são conhecidas ou são apenas parcialmente consideradas. O mesmo se aplica ao tratamento dado a causas, tais como a condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas.
Por outro lado, as estatísticas publicadas pela Direcção-Geral de Viação não especificam também os acidentes de viação sem vítimas, apesar de, na definição que serve de base à análise da tipologia dos acidentes, se considerar como acidente "as ocorrências na via pública do qual resultem vítimas e/ou danos materiais". No mesmo sentido, poder-se-ia igualmente questionar porque razão a análise dos pontos negros se limita, segundo a própria definição, aos "acidentes com vítimas", subentende-se que os acidentes sem vítimas não parece serem considerados nessa tipologia.
Crê-se deste modo que, mesmo o próprio tema da sinistralidade rodoviária, precisa de ser aprofundado, quer no que respeita à ponderação do conjunto de factores que intervém na sua ocorrência quer igualmente no que se refere à própria análise da sinistralidade.
Esse aprofundamento e essa ponderação justificam certamente um enquadramento organizativo e uma assumpção da responsabilidade do Estado num nível muito superior ao existente. De facto, embora previsto na legislação em vigor (Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/97), o Conselho Nacional de Segurança Rodoviária não parece ter atingido qualquer dos objectivos expressos ao nível das competências que lhe foram atribuídas. Aliás, os resultados relativos à evolução da sinistralidade rodoviária entre 1997 e 2001 aí estão para o confirmar.
Mas, independentemente da questão da avaliação das competências e dos poderes que foram conferidos àquele órgão, não restam dúvidas de que o seu fraquíssimo carácter operativo estará na razão directa dos seus poderes: a poderes limitados não poderá senão corresponder débeis capacidades para mudar qualquer situação. A debilidade do próprio organismo criado, a falta de visibilidade nas principais tomadas de decisão e de propostas, a fraca associação do Governo na co-responsabilização pelos objectivos a alcançar e a limitada participação de um conjunto de organismos e de representantes de sectores políticos e sociais na definição de uma política nacional de segurança rodoviária, justificarão provavelmente a sua ausência quase completa das principais decisões que, em matéria de segurança rodoviária, têm sido tomadas pela administração central e local do Estado.
Impõe-se, portanto, por razões nacionais, que a segurança rodoviária seja encarada como uma área de actuação prioritária dos poderes públicos e que se aprofunde o seu conhecimento técnico e científico, quer no ramo do ensino quer da investigação científica e tecnológica.
Nesse sentido, a discussão e aprovação de uma Lei de Bases da Segurança Rodoviária afigura-se como uma oportunidade para a Assembleia da República definir os instrumentos, os meios e o modelo organizacional que deve presidir à actuação do Estado tendo em vista a redução sensível da sinistralidade rodoviária em Portugal.
Já na anterior legislatura, a Assembleia da República teve ocasião de discutir detalhadamente várias propostas oriundas de vários grupos parlamentares tendentes a dar resposta a esta questão. Várias dessas propostas mantém-se perfeitamente actuais e por isso são retomadas na presente proposta de diploma.
De entre elas, poderemos citar a urgência de um diagnóstico nacional, tão exaustivo quanto possível, do estado das estradas e demais infra-estruturas rodoviárias, a necessidade da aprovação de um Plano Nacional para a Segurança Rodoviária ou a implementação de medidas cautelares para a segurança de veículos, condutores ou peões.
Mas outras há que, no entendimento do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, carecem ainda do aperfeiçoamento e actualização do necessário normativo legislativo.
Mais e maior responsabilização das entidades (e dos seus responsáveis), públicas ou privadas, que deveriam assegurar o bom estado de exploração ou mesmo uma correcta concepção das infra-estruturas rodoviárias que dê prioridade à execução das melhores soluções técnicas de construção e de protecção ambiental e não apenas a factores de ordem económica e financeira, são introduzidas no presente projecto de diploma, quer sob a forma da figura do "crime rodoviário" quer ainda sob a forma de uma política de prevenção orientada para a educação para uma cidadania rodoviária.
Mais e maior atenção à correcção dos comportamentos dos condutores na estrada através da aplicação de uma estratégia pedagógica e preventiva sobre as práticas incorrectas de condução e que passa também pela introdução de normas mais apertadas de segurança, que garantam o direito à partilha e ao usufruto da via pública por parte dos cidadãos com mobilidade reduzida ou que se desloquem em meios de transporte não motorizados. No mesmo sentido, o desenvolvimento da investigação aplicada ao estudo dos comportamentos sociais dos condutores de diferentes origens e proveniências deveria ser considerado como uma ferramenta indispensável a um conhecimento mais aprofundado das principais motivações comportamentais dos condutores e necessariamente potenciadora de políticas correctivas adequadas.
Mais e maior responsabilização de todos os utilizadores das vias rodoviárias, seja através de novas regras de conduta que urge impor seja por via de regras mais claras e mais gravosas para os comportamentos anti-sociais dos condutores, a par