3387 | II Série A - Número 084 | 04 de Abril de 2003
IV - Análise do direito constituído
O Código de Justiça Militar foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/77, de 9 de Abril, do Conselho da Revolução, sucessivamente alterado por vários diplomas legais.
Este diploma, aprovado na sequência da aprovação da Constituição de 1976, visava rever o Código de Justiça Militar de 1925 e consagrar, na ordem jurisdicional dos tribunais militares, a substituição do foro pessoal pelo foro material. O princípio do foro material decorreria directamente do princípio da igualdade face à lei, e consiste em atribuir aos tribunais militares competência exclusivamente em razão da matéria, ou seja, em razão daqueles interesses especificamente militares que a lei qualifique como crime, independentemente da qualidade do agente.
Todavia, como manteve praticamente inalterado o elenco de crimes do Código de Justiça Militar de 1925, e este se sobrepunha largamente à tipificação penal comum, o Código de Justiça Militar de 1997 nunca concretizou verdadeiramente a substituição do foro pessoal pelo foro material, na medida em que a referida sobreposição tornava inviável o julgamento de militares fora dos tribunais militares.
Outra particularidade do Código de Justiça Militar é a de, sob a designação de justiça militar, abranger num único diploma o direito penal e o direito judiciário, incluindo a organização judiciária e o processo criminal militar, dividido em quatro livros, sucessivamente dedicados aos crimes e respectivas penas (Livro I), à organização judiciária em tempo de paz e em tempo de guerra (Livro II), à competência dos tribunais militares (Livro III) e ao processo criminal militar (Livro IV).
Para uma análise exaustiva do actual Código de Justiça Militar, nos aspectos atinentes ao direito penal militar material, ao direito judiciário militar e, ainda, no que respeita ao movimento processual nos tribunais militares, louvar-se-á o relator no relatório produzido pelos Srs. Deputados Rui Gomes da Silva e Henrique Chaves em 19 de Dezembro de 2002 (publicado no Diário da Assembleia da República II Série A n.º 67, de 8 de Fevereiro de 2003) , que aqui dá por reproduzido.
V - Análise das iniciativas legislativas
a) Projecto de lei n.º 156/IX: já atrás se aludiu às alterações que, nesta matéria, resultaram da revisão constitucional de 1997. Em particular, há que referir que a revisão constitucional substituiu o conceito de "crime essencialmente militar" pelo de "crime estritamente militar" e extinguiu os tribunais militares em tempo de paz, concentrando a jurisdição penal nos tribunais judiciais.
O projecto de lei do PCP parte de um princípio de prudência, o de evitar, nos diplomas que irão substituir o CJM e o RDM, "(...) clivagens e pontos de fricção com o Código Penal, devendo-se entender o direito penal material com parte integrante deste diploma que, pese embora regulando uma realidade sujeita a condicionalismos específicos, está sujeito aos mesmos princípios penais constitucionais, por vezes apenas expressos ou desenvolvidos no próprio Código Penal. Nesta matéria, o direito penal militar deve estar em consonância com um princípio de mínimo desvio possível face ao Código Penal, de acordo com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição".
Por isso mesmo, se consagra especificamente que o direito penal militar faz parte do direito penal comum (artigo 3.º, n.º 2), sendo a parte geral do Código Penal directamente aplicável aos crimes estritamente militares (n.º 3), e o processo penal militar regulado pelo Código de Processo Penal (n.º 7).
Ao Código de Justiça Militar caberá regular a tutela penal por violação dos bens jurídicos militares (artigo 3.º, n.º 4), com expressa subordinação da arquitectura das penas de prisão e dos tipos criminais aos ditames constitucionais e aos princípios neles consagrados (n.º 6).
O regime de execução da pena de prisão imposta a militares é deixado para diploma diverso do Código de Justiça Militar, bem como a organização e funcionamento da Polícia Judiciária Militar (artigo 3.º, n.º 8).
Quanto ao direito disciplinar, estabelece-se que:
- A tutela disciplinar se exercerá nos termos do Regulamento de Disciplina Militar (artigo 5.º), que conterá um procedimento disciplinar organizado de acordo com as bases constantes do artigo 7.º, no respeito pela escala de penas e princípios gerais enunciados no artigo 6.º;
- Que o procedimento disciplinar é autónomo relativamente ao processo penal militar, sem prejuízo da possibilidade de consumpção da pena disciplinar já aplicada pela pena criminal (artigo 8.º).
O estatuto dos juizes militares e dos assessores militares do Ministério Público será igualmente regulado por diploma diverso dos anteriores (artigo 9.º), consagrando-se especificamente que os juizes militares têm de ter habilitação própria para julgar de direito (artigo 10.º).
b) Projecto de lei n.º 97/IX: este projecto de lei concretiza a extinção dos tribunais militares em tempo de paz, submetendo a jurisdição em matéria penal militar aos tribunais judiciais. Aparentemente, porém, o artigo 2.º do CJM contradiz a exposição de motivos, na medida em que a respectiva epígrafe ("Aplicação subsidiária") não parece em consonância com a exposição de motivos, na parte em que refere que "(..) a Parte Geral do Código Penal é, a título principal e não subsidiário, a Parte Geral do Código de Justiça Militar". Na verdade, a epígrafe parece ter tido em consideração sobretudo o n.º 2, que, esse sim, prevê a aplicação subsidiária do Código de Justiça Militar a crimes de natureza estritamente militar previstos em legislação especial.
Igualmente se concretiza o conceito de crime estritamente militar no artigo 1.º, n.º 2 - e, bem assim, na Parte Especial -, tendo-se optado por definir crimes estritamente militares como aqueles que não têm qualquer correspondência com os crimes comuns, bem como aqueles que lesam directamente interesses da comunidade, cuja defesa a lei e a Constituição e a lei cometem às Forças Armadas.
Na Parte Geral, solucionam-se vários diferendos jurisprudenciais decorrentes da aplicação do Código de Justiça Militar de 1977, expressamente ou por remissão para a Parte Especial, em matérias como a suspensão da pena de prisão, a aplicação do regime especial para jovens adultos, merecendo ainda referência a consagração expressa do limite máximo de 25 anos para a pena de prisão, o abandono do sistema de penas por escalões, a introdução da pena de multa como pena de substituição da pena de prisão, a previsão de uma pena acessória única (expulsão das Forças Armadas) e a adição de mais um fundamento de liberdade condicional aos já previstos no Código Penal.
Na Parte Especial, em comparação com o Código de Justiça Militar em vigor, nota-se que muitos tipos legais