2009 | II Série A - Número 041 | 04 de Março de 2004
Frisaram que são as mulheres com menos recursos as principais vítimas do aborto ilegal: "É importante não fechar os olhos à realidade e optar por uma solução que permita erradicar o aborto clandestino de Portugal". O referendo não é, para a CGTP, uma solução mas um mero adiamento do problema.
Prof. Agostinho Santos (6 de Fevereiro de 1997)
Defende a utilização da ecografia transvaginal como método de detecção precoce de malformação congénita, que pode ser detectada às 12 - 14 semanas.
1.5 Breve Esboço histórico
Pelo que à incriminação do aborto diz respeito, verifica-se que ela variou em função de épocas consideradas e dos países a que diz respeito. A referência mais antiga que é conhecida, remonta ao ano 3000 a.C. e foi descoberta nos arquivos reais da China, havendo notícia de outros textos remotos, que, de uma ou outra forma, se lhe referiam.
O Código de Hammurabi, v.g., considerava apenas o aborto provocado por terceiros, nada dizendo sobre o aborto consensual.
O Código Hitita também punia o aborto cometido por terceiros, para o qual estabelecia uma pena pecuniária de acordo com a idade do feto. No entanto, se o marido não tivesse outro filho, o agressor seria punido com a morte. Quanto à mulher que, intencionalmente se fazia abortar, era empalada, deixando-se por enterrar.
Entre os Hebreus, só muito depois da chamada "lei mosaica" se passou a considerar ilícita a interrupção da gravidez, testemunhando uma passagem da Bíblia que o aborto só era punido quando praticado por violência, ainda que voluntariamente.[Vd. Bíblia (Êxodo, cap. 21, ver. 22)].
Na Grécia Antiga, os abortos eram bastante frequentes e médicos famosos como por exemplo, Asclepíades, não só os executavam, como ensinavam a perpetrar [António Leite "Legislações recentes sobre o Aborto" in Scientia Jurídica, Tomo XXII, n.º 122-123, p. 384], tudo indicando, no entanto, terem sido punidos com as legislações de Licurgo e Sólon. Foi na Grécia, de resto, que se começou a especular sobre a ideia metafísica de animação do feto.
Platão e Aristóteles, respectivamente na "República" e "Política" fixavam limites e condições para o aborto, sendo plausível que fora de tais parâmetros se não pudesse verificar licitamente, tendo Actius, por sua vez, transmitido a profusa lista das substâncias abortivas e anticoncepcionais indicados por Aspásia, companheira de Péricles.
Em Roma, não obstante algumas leis antigas que pareciam proibi-lo, sobretudo a partir do Império, o aborto tornou-se prática corrente e mesmo entre as classes mais elevadas a "procuratio abortus" não era repelida, influenciados pela filosofia estóica, o feto era considerado uma parte das vísceras da mãe, podendo esta dispor daquilo que era seu.
No tempo dos Imperadores António e Septímio Severo, passou, no entanto, a ser punido com penas muito graves que eram dirigidas à mulher e a terceiros.
Com o advento do Cristianismo, a prática do aborto é considerada contrária ao quinto mandamento "não matar" e, com a conversão dos Imperadores romanos e depois da religião cristã ter sido adoptada como religião do Estado, ter-se-ão multiplicado as leis civis contra os que praticavam o aborto e todos os que nele colaboravam.
No começo da Idade Média, os teólogos disputaram muito em torno da incriminação do aborto. Ainda baseado na doutrina de Aristóteles, que admitia o aborto, no caso de feto ainda não haver adquirido alma, Santo Agostinho considerando que tal só ocorria 40 ou 80 dias depois da concepção, respectivamente quod hominem e quod feminam, não considerava criminoso o aborto praticado antes do decurso de tais períodos. [Muitos médicos e teólogos baseados na teoria supunham que até aquele período o embrião passava pelo estádio de vida meramente vegetativa, semelhante à das plantas, e depois vida sensitiva, como a dos animais, para só depois atingir a vida humana, quando lhe era infundida a alma. Tal era, por exemplo, o parecer de S. Tomás de Aquino, seguido por numerosíssimos discípulos in António Leie, p.385].
Numa resenha retrospectiva temporalmente mais próxima (anos 60/70) também consideradora da geografia do aborto, no que à Europa respeita, pode dizer-se que se vislumbravam, ainda não há muito tempo, três tendências principais.
Uma de cariz mais repressiva fazia sentir-se nas legislações da Bélgica, Espanha, Grécia, Itália e Portugal. Numa linha mais liberal situavam-se países como a URSS e a Hungria, onde o aborto provocado era livre, nomeadamente nos três primeiros meses de gravidez.
Como tendência intermédia havia ainda uma corrente que autorizava o aborto em vários casos tomando em consideração a saúde física ou mental da mãe, a violação e o incesto, permitindo-se, de uma maneira geral, o aborto terapêutico, eugénico e social. Apresentavam-se como seguidores iniciais desta orientação os Países Escandinavos, a Suíça e a Grã-Bretanha.
1.6 - A Constituição da República Portuguesa
A matéria controvertida nos projectos de diploma em apreço implica conexões com vários artigos do texto constitucional, de entre os quais se destaca o artigo 24.º da CRP que consagra o "Direito à vida". Estabelece ainda o seu n.º 2 que "em caso algum haverá pena de morte".
O Direito à vida é o primeiro dos direitos fundamentais constitucionalmente enunciados. No douto entendimento de J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, este direito é prioritário dado que está na base de todos os direitos das pessoas que decorrem deste "ao conferir-lhe uma protecção absoluta, não admitindo qualquer excepção, a constituição erigiu o direito a vida em direito fundamental qualificado. O valor do direito à vida e a natureza absoluta da protecção constitucional traduz-se no próprio facto de se impor mesmo perante a suspensão constitucional dos direitos fundamentais, em caso de estado de sítio ou de estado de emergência e na proibição de extradição de estrangeiros em risco de serem condenados a pena de morte.
A análise que se faz do artigo 24.º da CRP poderá conduzir-nos a entendimentos diferentes consoante entendamos que a vida intra uterina compartilha da protecção que a Constituição confere à vida humana enquanto bem constitucionalmente protegido (isto é, valor constitucionalmente objectivo) mas que não pode gozar de protecção constitucional do direito à vida - que só cabe a pessoas - podendo portanto aquele ter que ceder, quando em conflito com direitos fundamentais ou com outros valores constitucionalmente protegidos; ou se formos do entendimento de que os termos "vida" e "morte" do artigo 24.º têm carácter biológico, e para a biologia, a vida humana começa no zigoto. O direito à vida está indissociavelmente ligado ao facto biológico da existência humana, que constitui o pressuposto de tal direito. É lícito, por isso, afirmar que se tem direito a viver porque já se vive.
Se a Constituição da República Portuguesa protege a vida do nascituro e o aceita como titular do direito à vida é porque lhe reconhece a qualidade de pessoa.
Relacionados com esta questão estão de forma reflexa envolvidos os princípios ou normativos constitucionais, tais como:
- Artigo 36.º, n.º 3 (Igualdade dos direitos dos