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2344 | II Série A - Número 054 | 24 de Abril de 2004

 

PROJECTO DE LEI N.º 429/IX
CRIA O CONSELHO NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA

A revolução na biologia e na genética entraram definitivamente na ordem do dia, ao abrir todos os dias novas fronteiras do conhecimento, que permitem à humanidade introduzir modificações ao nível do próprio património genético dos organismos.
A explosão do conhecimento científico tem profundas implicações sociais, ambientais e económicas, e coloca-nos, enquanto seres humanos, no limiar de um tempo novo.
É uma mudança vertiginosa que veio alterar radicalmente os quadros tradicionais dentro dos quais o destino biológico e o progresso dos seres humanos nas sociedades se vinha a processar; que nos confronta com a compreensão de que a vida e a saúde da nossa espécie e de todas aquelas que nos rodeiam dependem de uma complexa teia de inter-relações ecológicas, em grande medida desconhecidas, que nos impõe a responsabilidade de prevenir intervenções que possam pôr em perigo este frágil equilíbrio.
Há uma responsabilidade ética que determina a necessidade de equacionar os limites, as fronteiras a que a experiência científica e o avanço tecnológico se devem subordinar, de modo a que possam prosseguir sem ameaçar os direitos dos cidadãos, a saúde, o ambiente e a própria sustentabilidade do desenvolvimento.
A discussão acerca do futuro, que, em nosso entendimento, não se deve circunscrever a decidir sobre "tudo o que se pode fazer", remete-nos para o debate alargado e a colaboração entre a ciência e a sociedade, de modo a podermos, em cada momento, decidir sobre os passos que, com menor risco, pretendemos colectivamente dar.
É esta colaboração (na opinião de Os Verdes, indispensável) entre os cidadãos, as suas organizações e os especialistas que urge balizar juridicamente, de forma a dar suporte às tomadas de decisão sobre questões controversas sobre as quais as incertezas ainda são enormes, questões essas, como as que respeitam à utilização da biotecnologia, susceptíveis de afectar a saúde humana, os direitos básicos dos consumidores, o ambiente e de influenciar mesmo, pelas suas implicações éticas e sócio-económicas, o futuro, em especial quando se trata da utilização livre e comercialização de produtos novos que resultam de organismos geneticamente modificados.
É neste quadro que se explica a presente iniciativa legislativa de Os Verdes, a qual retoma o projecto de lei apresentado na anterior sessão legislativa, lamentavelmente rejeitado.
Visa-se agora, como então, preencher uma lacuna existente no nosso país, pela inexistência de uma entidade própria e de um interlocutor nacional no domínio da biossegurança. Uma falha que a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar, agora como então por instalar, não virá obviamente preencher, nem se confunde com as suas competências legalmente fixadas pelo Governo para outros domínios, para os quais foi pensada e está vocacionada.
Um modelo que, aliás, coincide com o que ocorre na generalidade dos países, que justifica hoje com maior oportunidade ainda, face à evolução registada no espaço da União Europeia, a presente proposta de criação de um órgão especificamente vocacionado para a análise das complexas questões éticas e sócio-económicas que se colocam, em Portugal, nas decisões relativas ao uso de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), quer se trate da sua libertação no ambiente, da sua utilização confinada, quer da sua comercialização, pelos seus efeitos irreversíveis sobre a natureza e os seres humanos.
O projecto de lei propõe, nesse sentido, a criação de um Conselho Nacional de Biossegurança, optando por uma solução simétrica daquela que justificou, no passado, a criação do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. É um órgão independente que acolhe, entretanto, a experiência já acumulada na proposta de composição plural, capaz de estabelecer a ponte entre os especialistas e a sociedade, ao incluir, entre os seus membros, os especialistas, os técnicos da Administração Pública, os diferentes sectores e parceiros, nomeadamente os produtores, os agricultores, as associações de defesa do consumidor, de ambiente, de desenvolvimento sustentável e de preservação do mundo rural.
Uma multiplicidade de visões a que propomos dar expressão, através da composição do Conselho Nacional de Biossegurança a criar, tendo em conta a necessidade de reflectir, na análise das implicações da biotecnologia, as diferentes perspectivas sobre a questão e a ponderação das alternativas possíveis, sabido como neste domínio a investigação científica mais do que encontrar respostas tem multiplicado as interrogações.
A proposta de composição que fazemos radica, ainda, na identificação das múltiplas questões que o recurso à biotecnologia suscita, em termos das relações da propriedade intelectual, do comércio internacional, dos direitos básicos dos consumidores, da auto-suficiência alimentar, da diversidade biológica, incluindo as variedades agrícolas tradicionais, da saúde humana, do equilíbrio ambiental, entre outros, e que o Conselho Nacional deve estar em condições de poder avaliar.
Questões cuja amplitude e complexidade é grande, atendendo, por exemplo, aos riscos ambientais resultantes da libertação deliberada de organismos geneticamente modificados, sabido que a investigação científica, até agora produzida, tem somado provas que indiciam uma inevitável poluição genética, perigos para a perda de diversidade planetária, consequências essas de difícil previsibilidade, directas ou indirectas, imediatas ou a prazo, sobre os ecossistemas naturais.
Questões de segurança biológica a equacionar, que advêm, ainda, dos riscos para a saúde humana decorrentes da introdução na cadeia alimentar de produtos geneticamente modificados, novas substâncias insuficientemente testadas sobre os seres humanos, cuja probabilidade, porém, indiciada, de reduzir o sistema imunológico e de provocar o contacto com substâncias alérgicas é real representa um perigo e como tal impõe uma abordagem pautada pelo princípio da precaução e capacidade de ponderação.
Mais: desafios e riscos, em termos da responsabilidade, que se colocam no plano ético, social e económico, e que o conselho deve estar em condições de ponderar tendo em conta a possibilidade aberta de contaminação das demais culturas, tradicionais ou biológicas, assim em perigo de atingir as variedades agrícolas tradicionais, mas também tendo presente a necessidade de assegurar alternativas e o direito de opção às gerações futuras, sem tornar a economia, no plano agro-alimentar, totalmente dependente de transnacionais que detêm o monopólio do comércio das sementes transgénicas e o país, refém das empresas de biotecnologia.