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0002 | II Série A - Número 005S1 | 30 de Setembro de 2004

 

PROPOSTA DE LEI N.º 140/IX
AUTORIZA O GOVERNO A ALTERAR O REGIME JURÍDICO DO ARRENDAMENTO URBANO

Exposição de motivos

Até ao início do século XX, o regime jurídico do arrendamento em Portugal, regulado pelo Código de 1867, teve uma feição marcadamente liberal, à semelhança do que acontecia no resto da Europa.
Após a implantação da República, o arrendamento urbano foi sujeito a um novo regime jurídico de índole vinculística, situação que se agravou com as duas guerras mundiais e se traduziu, por um lado, no congelamento das rendas ou na limitação da sua actualização e, por outro, na imposição de renovações obrigatórias dos contratos, que se foram eternizando.
Durante todo o período do Estado Novo, inexistiu igualmente qualquer iniciativa política para restabelecer o princípio da autonomia privada consagrado no Código Civil de Seabra e moderar o vinculismo que se implantou em Portugal mais profundamente do que na maioria dos países europeus - mesmo nos directamente envolvidos nos conflitos mundiais. E, a propósito da política de manutenção do congelamento das rendas em Lisboa e no Porto, ficou célebre a comunicação feita à Assembleia Nacional, em 1966 - ano da entrada em vigor do Código Civil que manteve o vinculismo -, pelo então Ministro da Justiça:

"O benefício concedido aos antigos inquilinos de Lisboa e Porto está a ser pago, com larga soma de juros, pelos novos arrendatários, de quem os proprietários exigem, pela estagnação forçada do contrato, rendas que são excessivas para o padrão médio das remunerações do trabalho. Acresce ainda que, da inalterabilidade das rendas no mercado em permanente evolução, há-de resultar, por força, a progressiva deterioração do património imobiliário nacional, fenómeno a que os poderes políticos não devem assistir impassíveis".

O advento do 25 de Abril veio reforçar o vinculismo, retomando "muitos dos caminhos trilhados durante a Guerra de 1914-1918 sem deles retirar as devidas lições. De certo modo, a situação foi mais grave, porquanto assente numa situação deteriorada já desde 1948", como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro: o congelamento das rendas foi alargado a todo o País; foram suspensos os despejos por denúncia; foram concedidas medidas de protecção aos réus em acções de despejo, designadamente moratórias na desocupação do prédio e mesmo a caducidade do direito de resolução pelo senhorio.
Só em 1986, após a publicação da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, foi possível conhecer os primeiros esbatimentos ao congelamento das rendas, traduzidos na possibilidade de celebrar novos contratos em regime de renda livre; no entanto, mantiveram-se as limitações ao regime de actualização das rendas.
O Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, tinha como principais objectivos a codificação das leis relativas ao arrendamento urbano, a correcção de alguns pontos controversos, esparsos por todo o articulado e a introdução de algumas reformas de fundo.
A codificação foi levada a cabo: dezenas de diplomas deram lugar a um pequeno código do arrendamento urbano, ordenado em função de critérios jurídico-científicos. Também a correcção de dúvidas e de disfunções, facilitada, de resto, pelas potencialidades da codificação, foi efectivada. Já a introdução de reformas de fundo surgiu tímida: praticamente, quedou-se pela admissibilidade de arrendamentos de duração limitada e, mesmo aí, circunscritos ao arrendamento habitacional e com múltiplas restrições à autonomia privada.
Alterações posteriores foram introduzidas, quer ditadas por questões pontuais, quer destinadas a dar corpo a uma progressiva renovação de fundo, no sentido de ampliar a autonomia privada. Apesar disso, persistem inúmeros aspectos do arrendamento urbano português a reclamar uma atenção profunda, exigindo medidas legislativas que possibilitem a inversão dos efeitos causados por décadas de congelamento das rendas e de limitações ao uso pleno do direito de propriedade e à autonomia da vontade.
A manutenção de um sistema vinculístico não prossegue, hoje, os objectivos de tutela das classes médias e das classes mais desfavorecidas, antes perpetua distorções graves, com danos sociais e ambientais marcados, levando a um subaproveitamento da riqueza nacional.
As consequências desta situação, ao longo de duas gerações, são muito vincadas: as famílias de rendimentos médios optam pela compra de habitação própria, logo no início de vida independente, aumentando o seu endividamento e a rigidez geográfica.