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29 | II Série A - Número: 073 | 27 de Março de 2008

conjugais e na diversidade de modelos familiares, apelam a um outro enquadramento jurídico, particularmente do «divórcio litigioso».
Tal como na evolução das concepções jurídicas, também sociologicamente a problemática do divórcio radica na do casamento.
A moderna vivência da conjugalidade emerge no século XIX, época em que o casamento se sentimentaliza e através da exigência da afectividade aparece a liberdade de escolha mútua. Foi também uma emergência resultante da crise. O Romantismo, com incidência particular entre nós nos romances de Camilo Castelo Branco, espelha a crise da família patriarcal com a contestação da autoridade paterna impondo o futuro cônjuge aos filhos e, em particular, às filhas.
Porém, a sentimentalização da família não encontra correspondência nem no campo do direito, onde permanecia consagrada a família hierarquizada, nem no campo económico, com a revolução industrial a intensificar a divisão sexual do trabalho.
O processo de mudança social, de que os anos 60 são charneira, faz eclodir a crise na hierarquização familiar e no esquema sexual de divisão do trabalho. Factores diversos interconjugam-se e, directa ou indirectamente, influenciam a subida de rupturas conjugais em crescendo até à actualidade. Destacam-se o aumento da esperança de vida e a radical alteração do estatuto da mulher, patente no aumento da escolaridade, do emprego e da participação social feminina e na generalização da contracepção dos anos 60, em novas vivências da sexualidade e numa maior simetria de género.
As transformações objectivas das últimas décadas do séc. XX reflectem-se em mutações culturais que provocam rupturas no quadro tradicional de valores e modelos de vida, manifestam-se na luta pelos direitos humanos, não simplesmente em termos holísticos, universais, não apenas relativamente ao «sujeito empírico» mas também ao indivíduo em si, como entidade autónoma no contexto social a que pertence. A noção de indivíduo concretiza-se em cada um, apropriada a consciência da individualidade única no «sujeito moral». O movimento feminista fazendo emergir no contexto público, político, o que era considerado estritamente privado é um dos momentos da concepção moderna de individualidade. Neste percurso a igualdade formal e as declarações universais de direitos, se bem pré-valoradas, não bastam e o direito tem de ser apropriado, vivido na existência de cada um e por cada um.
Novas expectativas, novas exigências emergem no domínio social. Uma nova perspectiva axiológica e ética mais urgente surge no domínio mais íntimo de cada um: a afectividade e a busca da felicidade. É este impulso que se manifesta em novas formas de encarar a conjugalidade e na emergência de modelos familiares diversos.
Em síntese, o processo de mudança social traduz-se em transformações objectivas e subjectivas que favorecem uma mais ampla autonomia individual. É porque as dependências da mulher e do homem diminuem, é porque um e outro se tornam mais livres, que o casamento tradicional entra em crise: o eu não se dissolve no «nós» conjugal e tende a tornar-se cada vez mais «o encontro de duas liberdades».
De instituição o casamento transforma-se em associação, fundamentada na ligação afectiva, através da qual duas pessoas buscam a felicidade e uma dimensão fundamental da realização pessoal. É porque o amor é valorizado, a resignação repudiada e a vida surge como um projecto, que o divórcio aumenta num contexto complexo de transformação da família cada vez mais polimorfa: família nuclear, famílias monoparentais, novas famílias resultantes de segundas núpcias, abrindo para modelos de parentesco alargado, os «novos» velhos casais que começam a surgir também no nosso país, no âmbito da terceira idade, ou simplesmente viver só toda a vida, ou viver só, coabitar, casar, romper, voltar a casar, voltar a viver só, segundo as decisões das pessoas.
«Independentemente dos juízos de valor que sobre estas realidades possam ser elaborados, o casamento, para muitos cidadãos, já não é vivido como um sacramento. Nesta medida, a conotação de dever que esse sentido transcendente também implicava tende a perder significado. Caminha-se hoje no sentido de uma visão mais laica, mais privada do casamento, e a ele se vai associando maior liberdade individual. Ao laço sagrado sobrepôs-se o laço profano, o dever de continuidade da instituição cede lugar à regra do bem-estar pessoal e ao desejo da persistência do amor. Sem ele, ou perante a sua erosão, há motivo suficiente para quebrar o laço. O sentimento amoroso é, nos nossos dias, a única aventura transcendente na relação conjugal e constitui, aparentemente, o seu fundamento universal e eticamente aceitável.