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38 | II Série A - Número: 018 | 22 de Dezembro de 2009

de contrair casamento em condições de plena igualdade (vd. n.º 1 do artigo 32.º da Constituição) e assume, no uso da referida «liberdade de conformação», a resposta legislativa que se afigura mais consentânea com estes valores estruturantes e com a evolução da realidade social.
III — O instituto do casamento, convirá sublinhá-lo, sofreu ao longo dos tempos mutações significativas.
Hoje, enquanto projecto de plena comunhão de vida, formalmente celebrado e social e juridicamente reconhecido, não se compreende que esteja vedado àqueles que, em razão da sua livre orientação sexual, o queiram concretizar com outra pessoa do mesmo sexo. Essa exclusão afigura-se, em si mesma, objectivamente discriminatória, para além de implicar, ao menos no quadro jurídico actual, restrições totalmente injustas na igualdade de acesso a certos direitos. Além disso, e porventura mais grave do que tudo, a proibição legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo, em crescente confronto com a evolução da consciência social, corre pelo menos o risco de se constituir ela própria como um poderoso factor indutor de representações sociais menos tolerantes ou até discriminatórias em razão da orientação sexual.
IV — A iniciativa legislativa que agora se propõe inscreve-se num movimento legislativo mais amplo que, desde há algum tempo, vem promovendo uma sistemática reavaliação do nosso ordenamento jurídico, no sentido de combater as situações de discriminação dos homossexuais Desse movimento devem sublinhar-se, a título de exemplo, a descriminalização da homossexualidade, em 1982; a extensão aos casais homossexuais do regime jurídico das uniões de facto, em 2001 e a já aqui referida proibição de qualquer discriminação em razão da orientação sexual, introduzida na revisão constitucional de 2004, como corolário do princípio da igualdade.
V — Passos idênticos têm vindo a ser dados em vários outros países — com destaque para a nossa vizinha Espanha, a Holanda, a Bélgica, a Suécia, a Noruega, a África do Sul e o Canadá, para além de alguns Estados dos Estados Unidos da América. Todas essas experiências, naturalmente ainda recentes, confirmam que esta alteração legislativa em nada contribui para diminuir o valor social da família e, pelo contrário, ao eliminar uma restrição discriminatória, tem o sentido de valorizar e promover o acesso ao casamento civil e à constituição da família, na sua diversidade.
VI — Nestes termos, a proposta de lei do Governo elimina das disposições relevantes do Código Civil as referências que tratam o casamento como contrato necessariamente celebrado entre pessoas de sexo diferente, exercício que implica modificar a redacção dos artigos 1577.º, 1591.º e 1690.º, bem como eliminar a alínea e) do artigo 1628.º do referido Código.
VII — Importa que fique claro que a presente proposta de lei do Governo diz apenas respeito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e não à adopção, que é questão bem distinta. O compromisso eleitoral em que assenta o Programa do Governo — e o debate público que lhe esteve associado — circunscreve-se, de facto, ao acesso ao casamento civil. Consequentemente, é esse, e não outro, o âmbito do mandato democrático que legitima esta iniciativa do Governo e a sua aprovação pela Assembleia da República.
Assim, a proposta de lei do Governo afasta, clara e explicitamente, qualquer implicação das alterações agora introduzidas no regime do acesso ao casamento na matéria, bem diversa, que é a admissibilidade legal da adopção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo. Tal implicação é, portanto, expressamente rejeitada pelo legislador, vedando-se, também expressamente, qualquer interpretação em sentido contrário de qualquer das disposições legais vigentes em matéria de adopção — onde se incluem, naturalmente, as constantes do Código Civil. Daqui resulta, por exemplo, e sem margem para dúvidas, que quando em matéria de adopção a lei refere que podem adoptar «pessoas casadas» devem interpretar-se tais disposições à luz do quadro jurídico anterior às modificações agora introduzidas, isto é, de modo a não conferir tal faculdade de adopção às pessoas que, ao abrigo desta modificação legislativa, celebraram casamento civil com outra do mesmo sexo.
Não pode esquecer-se, aliás, que enquanto no casamento civil entre pessoas do mesmo sexo estamos perante a opção livre de duas pessoas, em razão da sua também livre orientação sexual, a adopção envolve os interesses de um terceiro — uma criança à guarda do Estado.
Por outro lado, não se está aqui, de forma alguma, perante uma discriminação no acesso a um direito, visto que não pode sequer falar-se, nem existe, em sentido próprio, um verdadeiro «direito a adoptar» e muito menos como um «direito dos cônjuges» ou «inerente» ao casamento civil. Pelo contrário, o que a lei regula