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28 DE FEVEREIRO DE 2018

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É certo que Portugal tem perdido capacidade produtiva no setor industrial. Nos últimos dez anos, em média,

10% das empresas fechavam a cada ano, o que resultou, em termos acumulados, na perda de 4 em cada 10

empregos. Com isto, aumentou também a dependência das importações – o que agravou a balança de

pagamentos do País – e condenam-se operárias e operários especializados ao desemprego de longa duração

e à pobreza.

No setor do têxtil e vestuário, as quebras mais abruptas no investimento começaram no início dos anos 2000

e intensificaram-se com as políticas de austeridade. Contudo tem-se verificado alguma recuperação nos últimos

anos. A Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (APT) assinala que o setor teve uma evolução recente muito

positiva, e está em franca recuperação da forte crise com o afetou. Desde 2013 que todos os anos crescem,

ainda que modestamente, o volume de produção, as exportações e o próprio emprego no setor têxtil. Hoje as

exportações do setor representam cerca de 10% do total de todas as exportações da indústria.

Foi precisamente em vésperas do setor revelar recordes nas exportações que se deu a queda da antiga

Triumph e do grupo Ricon, o que revela que muito está por explicar nesta história de inevitabilidades.

A 5 de janeiro inicia-se o processo de insolvência da antiga Triumph. A conhecida marca alemã tinha decidido

deslocalizar a sua produção e encerrar a fábrica que tinha em Portugal há mais de 50 anos. Com os benefícios

fiscais e outros apoios públicos que a empresa recebera, a deslocalização levantaria problemas de

incumprimento de legislação europeia e tinha custos de imagem, além dos custos com as indemnizações

decorrentes de despedimentos. Para evitar tudo isto, a empresa antecipou a deslocalização um ano e em 2016

passou a fábrica de Sacavém a um fundo de capital de risco com histórico de insolvências chamado Gramax

Capital. A operação incluiu um número com presença do Ministro da Economia que celebrava o novo

investimento e a suposta conquista; mas passado pouco tempo, a Triumph, que tinha garantido por alguns

meses encomendas à fábrica, agora TGI - Gramax, deslocaliza a produção e cessa as encomendas. Sem

clientes, e como seria de esperar, a empresa desencadeia um processo de insolvência.

Depois da heroica vigília das trabalhadoras que, durante mais de vinte dias e vinte noites resistiram ao frio

mês de janeiro e garantiram a não saída das máquinas e dos stocks da fábrica, a unidade industrial está hoje

fechada e as trabalhadoras, quase 500, condenadas ao desemprego.

No fim de janeiro, o grupo Têxtil Ricon, com fábricas em Ribeirão e em Fradelos, no município de Vila Nova

de Famalicão, foi colocado em processo de insolvência. Trata-se de um dos maiores grupos têxteis portugueses,

com cerca de 800 trabalhadores, proprietário das lojas Gant em Portugal e de várias fábricas e empresas como

a Nevag, a Fielcon, a Delos, a Delcon, a Ricon e a Ricon Serviços, que trabalham em regime de subcontratação

para marcas internacionais. De acordo com a Administração, teria havido uma quebra de encomendas e a

exigência de pagamento da totalidade da dívida vencida proveniente dos fornecimentos ao setor do retalho,

situação que terá conduzido ao estrangulamento da tesouraria e à consequente incapacidade para cumprir as

obrigações com os credores, nomeadamente com o setor financeiro. Vale a pena sublinhar que nunca houve,

em qualquer momento, problemas ao nível das encomendas, o que aliás foi corroborado pelas trabalhadoras, e

que este processo é o culminar de uma série de investimentos de risco mal sucedidos (numa rede de lojas

Porsche ou no negócio da aviação), através dos quais o proprietário, Pedro Silva, foi descapitalizando o grupo,

em favor de negócios que indiciam uma gestão danosa.

Sendo certo que cada uma destas histórias de insolvência tem o seu enredo próprio, ambas se somam ao já

vasto conjunto de insolvências mal explicadas que continuam a repetir-se e têm como protagonistas

empresários gananciosos e governos negligentes.

Não podemos aceitar passivamente esta “infeliz coincidência”, condenando ao desemprego mais de mil

trabalhadoras e desperdiçando o seu conhecimento e especialização, bem como a tecnologia e a capacidade

instalada de fábricas em plenas condições para continuar a laborar.

Se por um lado cabe à justiça avançar já com a investigação sobre as razões destas insolvências e,

afigurando-se o caso, condenar os responsáveis por gestões danosas, por outro, cabe ao Governo atuar para

garantir os direitos de quem ali trabalha e para impedir a perda de capacidade produtiva do País.

Para tal, poderá o Estado, através de decisão governamental, por exemplo, tornar-se acionista das empresas,

ainda que temporariamente, tal como já aconteceu no caso da insolvência da Quimonda em 2009, quando

aquele passou de credor a acionista e conseguiu garantir a manutenção da produção na fábrica de

semicondutores de Vila do Conde. Com este processo, a fábrica passou a ser detida pela AICEP (Agência para