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II SÉRIE-A — NÚMERO 31

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Cravinho declarou5 ser favorável a que os maçons, quando investidos em certas funções públicas,

assumissem publicamente essa condição, não vendo obstáculos a que haja uma divulgação voluntária dessa

filiação e admitindo mesmo a consagração deste aspeto na legislação sobre registo de interesses. Por fim,

Mário Martin Guia, antigo Grão-Mestre da Grande Loja Legal de Portugal, afirmou6 que «um maçon tem plena

liberdade de divulgar esta sua qualidade, não está, porém, autorizado a divulgar o nome do seu irmão» e

defendeu que «nas sociedades democraticamente mais evoluídas os maçons não têm qualquer dúvida em

manifestar a sua qualidade de maçon; porém nas sociedades que ainda não respiram com naturalidade a

democracia, o conhecimento da qualidade de maçon pode acarretar-lhe dissabores diversos que podem, por

exemplo, ir desde a perda de um emprego até à própria tortura ou morte, e não só».

O presente projeto de lei, cumprindo uma medida constante do programa eleitoral do PAN, pretende

proceder à primeira alteração do regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos

públicos, aprovado pela Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, no sentido de consagrar um campo facultativo

autónomo no âmbito da declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e

impedimentos que possibilite a menção, ainda que negativa, à filiação em associações ou organizações que

exijam aos seus aderentes a prestação de promessas de fidelidade ou que, pelo seu secretismo, não

assegurem a plena transparência sobre a participação dos seus associados. Sublinhe-se que o que se

pretende é que esta alteração legislativa se aplique apenas aos titulares de cargos políticos e de altos cargos

públicos que iniciem, renovem ou terminem funções a partir da entrada em vigor da presente lei.

Esta iniciativa procura abrir este importante debate num contexto em que não existam polémicas e

suspeições envolvendo estas organizações de carácter «discreto», de modo a que se possa fazer uma

discussão séria com base em pressupostos objetivos e racionais sobre as vantagens e desvantagens da

consagração legal da possibilidade de declaração, ainda que negativa, da filiação neste tipo de organizações.

A presente iniciativa legislativa não pretende alterar o funcionamento interno destas organizações, nem

tampouco proibir ou punir a participação dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos nestas

associações de carácter «discreto». Sublinhe-se também que, ainda que as organizações maçónicas e a

prelatura da opus dei sejam das organizações abrangidas pela disposição que propomos aquelas que em

Portugal têm o maior peso e protagonismo, a verdade é que se pretende abranger outras organizações de

características similares.

Portugal é hoje uma democracia evoluída onde a liberdade de associação é um dado adquirido e onde

estas organizações de carácter «discreto» atuam com total liberdade e sem quaisquer constrangimentos

respeitando, em regra, os valores democráticos. Prova disso é o facto de em Portugal terem havido, após o 25

de Abril de 1974, por exemplo, presidentes da República, primeiros-ministros, membros de governos,

presidentes da Assembleia da República, Deputados à Assembleia da República, autarcas ou juízes do

Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal Administrativo ou Supremo Tribunal de Justiça, filiados ou com

relações próximas com estas organizações, divulgadas publicamente de forma mais ou menos clara.

Demonstrativas deste facto são também as boas relações que estas organizações têm procurado cultivar, sem

grandes entraves, junto dos mais altos dignatários do Estado português, sendo que, por exemplo, no caso da

maçonaria, desde os anos 80 que se tornou regular uma prática de diálogo institucional, com maior ou menor

discrição, com os poderes instituídos (designadamente com a Presidência da República e o Governo)7.

O presente projeto de lei, partindo do princípio de que Portugal é uma sociedade democrática evoluída em

que a liberdade de associação é um direito adquirido e da constatação de que o atual modelo de declaração

facultativa legalmente previsto se tem mostrado ineficaz e insuficiente relativamente à filiação neste tipo de

organizações, pretende tão somente assegurar um princípio de transparência perante os cidadãos, garantir

uma eficaz identificação de conflitos de interesses e contribuir para dignificação e credibilização da imagem

dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos perante os cidadãos.

Numa democracia do século XXI, e num contexto em que o escrutínio dos cidadãos é cada vez mais

exigente, não é concebível que os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, sob quem impendem

deveres especiais de transparência, continuem a não ter incentivos autónomos para declarar a sua filiação em

organizações que têm regras de funcionamento marcadas por uma forte opacidade, por um grande secretismo

5 Vejam-se as declarações transcritas em artigo do Jornal de Notícias de 9 de Janeiro de 2012, disponível na seguinte ligação: https://www.jn.pt/seguranca/joao-cravinho-defende-que-macons-devem-assumir-a-filiacao-2229355.html. 6 Mário Martin Guia, José Manuel Anes e José Francisco Moreno (2010), «Maçonaria Regular», Diário de Bordo, páginas 16 e 17. 7 António José Vilela (2013), «Segredos da Maçonaria Portuguesa», 3.ª edição, Esfera dos Livros, páginas 49 e 50.