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II SÉRIE-A — NÚMERO 55

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de forma incondicional ou mesmo condicional são insuficientes e acabam por ser consistentes com um

aquecimento global de pelo menos 3ºC.

Os regulamentos e políticas atuais também não enfrentam, de forma adequada, o aumento das emissões de

GEE provenientes do transporte marítimo e da aviação internacionais que, nas suas trajetórias atuais, atingirão

uma quota de 60% a 220% em relação ao orçamento de carbono disponível a nível mundial em 2050. Mudanças

do estilo de vida baseado no consumo são imprescindíveis para conseguir reduzir a lacuna de emissões

decorrente das políticas atuais e das necessidades para atingir o objetivo do Acordo de Paris, nomeadamente

em relação ao 1% mais rico da população mundial, que por si só é responsável por 50% das emissões.4

Considerando a distribuição dos orçamentos de carbono remanescentes para cumprir o Acordo de Paris

pelos diversos países, será preciso observar princípios básicos de justiça e equidade, tanto no que diz respeito

a futuras emissões como às emissões já acumuladas desde a revolução industrial pelos diferentes países.5 Esse

tipo de abordagem pode levar a orçamentos negativos muito elevados nos países industriais, impossíveis de

cumprir, mas terá de ter em conta uma partilha de esforço entre países, com reduções mais acentuadas nos

países do Norte Global e aumentos passageiros nos países do Sul Global, para permitir atingir níveis de

desenvolvimento adequados, de acordo com o proposto pelo Relatório sobre Desenvolvimento Humano e

Antropoceno, para atingir uma transformação justa na forma como vivemos, trabalhamos e cooperamos sem

exceder os limites biofísicos do planeta.6

O ponto de partida para combater a emergência climática em curso é também o reconhecimento de que

neoliberalismo está na base da «prosperidade» do Ocidente, moldando hoje a sua (in)capacidade de responder

à crise climática. A ideia de que podemos simplesmente mudar de uma economia movida a combustíveis fósseis

para outra movida a energias renováveis não é uma opção realista, porque o modelo extrativista é o mesmo. É

este modelo, o grande responsável pela destruição do planeta, e sobretudo do Sul Global, que sofre os maiores

impactes mesmo não sendo o principal responsável. Efetivamente, quem dispõe de menores recursos

económicos e já sente os efeitos da desigualdade social na sua vida quotidiana é quem também é

desproporcionalmente afetado/a pelos riscos ambientais. Neste sentido, justiça climática é justiça social, porque

é sabido que a crise climática é produto da desigualdade e de um sistema económico obcecado pelo crescimento

contínuo.

Assim, o princípio orientador deste Projeto de Lei será o primado da justiça climática que assenta na

distribuição justa do esforço necessário para atingir o objetivo de manter o Planeta habitável para a espécie

humana. Este princípio orientador assentará em três pilares: a sustentabilidade, a resiliência e a reparação.

O pilar da sustentabilidade visa adequar todas as atividades sociais e económicas à compatibilidade com a

neutralidade carbónica e garantir formas de energia não baseadas em carbono ou em metais e minerais, pôr

em prática a política dos 6 Rs – recusar, reduzir, reparar, «rot» (compostar), reutilizar e, só então depois, reciclar,

apostar nos transportes públicos e na mobilidade ativa, fomentar práticas de troca e auto-consumo, numa lógica

de reequilíbrio e redução da produção e do consumo de bens, nomeadamente do Norte global e das elites do

Sul global.

O pilar da resiliência procura tornar a sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do aquecimento

global, tanto a nível humano como técnico, nomeadamente o aumento do nível do mar e o risco para as zonas

costeiras, as secas prolongadas acompanhadas de ondas de calor e o risco de fogos florestais.

Por fim, o pilar da reparação, pois regenerar requer medidas proativas de reparação dos ecossistemas e

habitats naturais para aumentar a sua biodiversidade e garantir a segurança alimentar.

Rejeitando a forma antropocêntrica, que também é violenta, de como nos relacionamos com a natureza, este

Projeto de Lei tornará ainda obrigatório que todas as medidas legislativas e investimentos públicos de maior

envergadura a realizar no futuro sejam avaliados estrategicamente em relação ao seu contributo para cumprir

os pressupostos enunciados, promovendo a redução do consumo de matérias primas não-renováveis e seus

derivados, a redução das emissões de gases de efeitos de estufa e outros poluentes e a regeneração da

biodiversidade, reduzindo assim a pegada ecológica nacional.

4 https://www.unep.org/emissions-gap-report-2020 5 N.J. van den Berg. et al., «Implications of various effort-sharing approaches for national carbon budgets and emission pathways», in Climatic Change 162 (2020), pp. 1805–1822. https://doi.org/10.1007/s10584-019-02368-y 6 http://hdr.undp.org/en/2020-report.