O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 145

Sexta-feira, 21 de Fevereiro de 1992

II Série-C — Número 15

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

3.° SUPLEMENTO

SUMÁRIO

COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO

Acta da reunião de 19 de Fevereiro de 1992

Pelas 9 horas e 40 minutos, o Sr. Vice-Presidente da Comissão da Economia, Finanças e Plano (Guido Rodrigues) reiniciou o debate, na especialidade, das propostas de lei n.°s 111 VI — Grandes Opções do Plano para ¡992 e 14/VI — Orçamento do Estado para 1992.

Relativamente ao orçamento do Ministério da Saúde intervieram, além do Sr. Ministro (Arlindo de Carvalho) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto (Jorge Pires), os Srs. Deputados Correia de Campos e José Reis (PS), Agostinho Lopes (PCP), Macário Correia (PSD), Octávio Teixeira (PCP), Ferraz de Abreu (PS), Jorge Paulo da Cunho (PSD), Rui Cunho (PS), António Bacelar (PSD) e José Apolinário (PS).

Sobre o orçamento do Ministério da Justiça usaram da palavra, além do Sr. Ministro (Laborinho Lúcio), os Srs. Deputados Luis Sá (PCP), Manuel Silva Azevedo (PSD), José Vera Jardim, José Magalhães e António José Seguro (PS) e Ema Paulista e Guilherme Silva (PSD).

Sobre o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros intervieram, além do Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Duarte Ivo Cruz), os

Srs. Deputados Marques da Costa, Guilherme Oliveira Martins, Edite Estrela, Menezes Ferreira e Caio Roque (PS) e Rui Gomes da Silva (PSD).

Relativamente ao orçamento do Ministério do Mar intervieram, além do Sr. Ministro (Azevedo Soares) e dos Srs. Secretários de Estado Adjunto (João Bebiano) e das Pescas (Marçal Alves), os Srs. Deputados José Apolinário (PS), Lino de Carvalho (PCP), Crisóstomo Teixeira e Helena Torres Marques (PS), Filipe Abreu (PSD), José Manuel Maia (PCP), João Corregedor da Fonseca (Indep.) e Leonor Coutinho (PS).

Finalmente, sobre o Ministério do Comércio e Turismo intervieram, além do Sr. Ministro (Faria de Oliveira) e dos Srs. Secretários de Estado do Turismo (Alexandre Relvas) e Adjunto e do Comércio Externo (António de Sousa), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Guilherme Oliveira Martins e Helena Torres Marques (PS), Manuel Castro Almeida (PSD) e Octávio Teixeira (PCP).

O Sr. Presidente declarou encerrada a reunião era 21 horas e 30 minutos.

Página 146

244-(146)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

0 Sr. Presidente (Guido RodfigUÔS).' — SfS. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 9 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, a nossa reunião de hoje tem por objectivo a análise, na especialidade, do orçamento do Ministério da Saúde para 1992.

Antes de começarmos a discussão desta matéria, gostaria de relembrar aos Srs. Deputados o nosso programa para hoje: às 9 horas e 30 minutos — Ministério da Saúde; às 11 horas e 30 minutos — Ministério da Justiça; às IS horas e 30 minutos — Ministério dos Negócios Estrangeiros; às 17 horas e 30 minutos — Ministério do Mar, e às 19 horas e 30 minutos—Ministério do Comércio e do Turismo.

Como podem aperceber-se, por este horário, temos um dia muito carregado, pelo que peço aos Srs. Deputados e aos Srs. Membros do Governo que sejam o mais concisos possível, no sentido de que possamos cumprir o horário previamente estabelecido, sem que, evidentemente, fiquem por esclarecer quaisquer dúvidas que tenham.

Assim, se o Sr. Ministro da Saúde estiver de acordo, dar-lhe-ei, de imediato, a palavra para fazer uma exposição inicial, seguindo-se os pedidos de esclarecimento.

O Sr. Ministro da Saúde (Arlindo de Carvalho): —Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero apresentar os meus cumprimentos ao Sr. Presidente e aos Srs. Membros das Comissões aqui presentes e manifestar a minha total disponibilidade para responder, durante esta sessão, a todas as perguntas que me queiram colocar.

Aceito a metodologia proposta pelo Sr. Presidente, ou seja, farei uma brevíssima intervenção, após o que aguardaria pelas perguntas dos Srs. Deputados, às quais responderei, bem como os Srs. Secretários de Estado.

Em relação ao orçamento para a área da saúde no ano de 1992 — que, aliás, já foi objecto de análise na Comissão de Saúde, antes da sua discussão em Plenário —, gostaria de referir que ele comporta três áreas fundamentais.

A primeira área é a do funcionamento dos próprios serviços centrais do Ministério, cujo montante fixado é de 4,4 milhões de contos. Trata-se de uma verba que consideramos que será, eventualmente, suficiente para responder às necessidades dos serviços centrais. Aliás, na óptica do Ministério, os serviços centrais terão, cada vez mais, menor expressão, na medida em que a própria Lei de Bases da Saúde aponta para isso. Digamos que o que importa é fazer avançar a estrutura do Serviço Nacional de Saúde, reduzindo os serviços centrais à sua função essencialmente normativa e coordenadora e não a uma função executiva.

De qualquer forma, é bom salientar que nestes 4,4 milhões de contos encontra-se incluída a verba de cerca de 1 milhão de contos, que será destinada ao Plano Oncológico Nacional e que resulta de 1 % dos impostos cobrados sobre o tabaco. Trata-se de uma verba que já foi assumida no ano passado e que este ano foi, novamente, consignada no Orçamento.

Do nosso ponto de vísia, este móntame é significativo

e muito importante para apoiar o Plano Oncológico Nacional, que teve início em 1990, que avançou no ano de 1991, a passos largos, de acordo com o que estava programado, e que em 1992 recorre não só à verba inscrita no orçamento do Serviço Nacional de Saúde, mas também à verba constante no orçamento dos serviços centrais, para além de poder contar com este 1 milhão de contos.

Temos, lodo de seguida, o orçamento de exploração do Serviço Nacional de Saúde, que aponta para uma verba de 430 milhões de contos de transferência do Orçamento do Estado, sendo certo que este valor será acrescido de outras verbas, designadamente das receitas próprias do Serviço Nacional de Saúde e das instituições.

Assim, o conjunto destes montantes será, em princípio, o suficiente para podermos satisfazer as necessidades do Serviço Nacional de Saúde durante 1992. Aliás, quero referir que — tal como disse já no ano passado e poderei dizê-lo também este ano — creio que nenhum ministro da saúde, de qualquer país do mundo, estará satisfeito com as verbas que lhe são destinadas pelo Orçamento do Estado para satisfazer as necessidades do Serviço Nacional de Saúde.

Porém, o que importa é termos a noção das disponibilidades financeiras do Estado e do crescimento que tem vindo a ter o orçamento do Serviço Nacional de Saúde, ao longo dos últimos anos, e que é um crescimento largamente acentuado — aliás, é mais acentuado do que em relação a outros departamentos governamentais.

A este respeito, importa, ainda, referir que é necessário ter em conta que deverão ser tomadas todas as medidas possíveis no sentido de introduzir uma política de rigor nas despesas, na medida em que, como se sabe, há uma forte tendência para o consumismo nesta área.

De facto, os aspectos tecnológicos, por um iado, c, simultaneamente, uma maior disponibilidade de meios levam a que haja uma maior tendência para o consumismo na área dos cuidados de saúde.

Portanto, é necessário que o Ministério e os seus profissionais promovam programas adequados no sentido de evitar a tendência para o consumismo e procurar que os cuidados de saúde sejam utilizados na medida exacta das suas necessidades.

Por isso, direi que a verba de 430 milhões de contos, que está prevista transferir do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde, acrescida dos montantes que há pouco fiz referência, será, em princípio, suficiente para fazer face às despesas durante o ano de 1992.

Por último, há uma outra parte do orçamento que se refere ao PIDDAC. Este ano o Ministério da Saúde conta com um PIDDAC da ordem dos 23 milhões de contos, donde há um aumento substancial em relação ao ano de 1991, passando-se de 14,5 para 23 milhões de contos, peto que poderemos dizer que há um aumento da ordem dos 60 %. Trata-se, efectivamente, de um acréscimo acentuadíssimo — aliás, creio que o sector da saúde talvez seja, em termos de PIDDAC, o departamento governamental com maior incidência no crescimento.

Na verdade, o montante de 23 milhões de contos vem garantir-nos os meios para prosseguirmos o plano de in-vesümentos, que temos vindo a anunciar no domínio da saúde, desde a aprovação do Programa do Governo, razão pela qual iremos, fundamentalmente, pugnar pela qualidade, uma vez que os aspectos quantitativos, do nosso ponto de vista, estão ultrapassados ou em vias disso.

Página 147

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(147)

De facto, neste momento, estamos a pugnar pela qualidade, o que significa a substituição de grande parte dos equipamentos que se encontram desactualizados, sendo preciso substituí-los por novos. Estamos, pois, a fazer um grande esforço, que irá ser prosseguido, com a aprovação destes 23 milhões de contos do PIDDAC, no sentido de construir novas unidades de saúde, quer ao nível dos Cuidados de saúde primários quer ao nível dos cuidados de saúde diferenciados. Aliás, o lançamento de cerca de 10 novas unidades, previsto para o ano de 1992, significa que estaremos, talvez, perante o programa mais ousado que já alguma vez foi levado a cabo no domínio da saúde em Portugal.

Também no domínio dos cuidados de saúde primários há uma forte incidência no investimento, bem como noutras áreas, designadamente na de programas especializados. A este respeito, gostaria de salientar que o PIDDAC irá financiar alguns programas especializados, nomeadamente o Plano Oncológico Nacional, que consideramos extremamente importante, como, aliás, já referi.

Há, ainda, outros aspectos que valerá a pena referir, como sejam, os da informática, da investigação e outros ligados ao investimento do Ministério, e que interessa levar a cabo.

Para concluir esta minha breve intervenção, direi que o orçamento do Ministério da Saúde para 1992, que está presente na Assembleia da República para discussão, é de rigor, de contenção, mas é suficiente para fazer face às necessidades que se nos deparam.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Campos.

O Sr. Correia de Campos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começarei por agradecer o comportamento e a disponibilidade de VV. Ex.", que é tanto de salientar quanto os meus colegas, que me antecederam nesta bancada em matéria de saúde, não partilharam desta mesma posição relativamente a colegas e antecessores de VV. Ex."

As perguntas que vou colocar-lhe precisam de explicação prévia, pelo que peço ao Sr. Presidente que me deixe entrar nela, analisando a política orçamental do ciclo governativo anterior. Aliás, só se pode compreender uma política orçamental anual se conhecermos e fizermos o enquadramento com o ciclo governativo anterior, que teve dois períodos bem distintos.

No primeiro período, entre os anos de 1986 a 1989, verificámos uma repressão de consumos, uma coacção sobre os prescritores, uma severidade orçamental, processos disciplinares, etc. E dou alguns exemplos: na repressão de consumos, surgiram as barreiras burocráticas à fisioterapia, instituídas em 1986, e a redrada de 500 medicamentos da lista de comparticipação, em 1987-1988; quanto à coacção sobre os prescritores, assistiu-se à divulgação dos prescritores médicos menos sóbrios e à pressão sobre eles exercida; no campo da severidade orçamental, lembro apenas que, em 1986, o Ministério da Saúde não aceitou um orçamento rectificativo — ficando, apenas, com 1 % de acréscimo no final —, que a dívida do Ministério se situou nos 10 % do orçamento total do Serviço Nacional de Saúde, que, em 1987, o Ministério teve apenas 6 % de rectificação em relação ao orçamento inicial, situando-se a dívida em 13 % do orçamento total do Serviço Nacional de Saúde, e que as dotações anuais cresciam, em média, apenas 20 %; quanto à quarta componente, que

constituía, digamos, assim, o fecho de uma política de contenção e de repressão de gastos, todos se recordam de ver noticiado num jornal diário que existiam 400 processos disciplinares a médicos, inclusivamente ao bastonário da Ordem dos Médicos.

Na segunda fase do ciclo governativo anterior, tudo muda e o nome e a presença de V. Ex.9, e de alguns dos seus colaboradores, estão ligados a essa mudança, o que é um contributo positivo dado por V. Ex.1

Efectivamente, tudo muda, a começar pelo pessoal, que tem os seus «anos de ouro», crescendo, nos últimos três anos, ao ritmo de 27 % — no último ano 30 % das verbas gastas em encargos com pessoal; a factura das farmácias, que haviam crescido só 8 % em 1989, dispara para 22 % em 1990 e 25 % em 1991; os consumos crescem ao ritmo de 23 % e a dívida transitada, naturalmente, como o Orçamento nem sempre é suficiente, aumenta de 9,7 % do Orçamento final em 1989 para 12,9 %, para atingir os 17,7 % que VV. Ex." conhecem em 1991, correspondentes aos tais 68 milhões de contos.

Neste contexto, é apresentado pelo partido que apoia o Governo o manifesto eleitoral de 1991 e as suas quatro promessas que, muito rapidamente, vou aflorar: a livre escolha de médico, a melhoria da qualidade dos serviços (que V. Ex.* já aqui referiu), a redução das listas de espera e as visitas médicas e assistência domiciliária. Estas promessas poderiam ter passado despercebidas, não fora o facto de o Primeiro-Ministro, ainda na passada semana, as ter aqui retomado. Além dessas promessas que ele próprio retomou, assistimos pelos canais da comunicação social, na última semana, a mais uma promessa: a de aumentar em 5 % a comparticipação medicamentosa aos pensionistas que se situam ao nível ou abaixo do salário mínimo nacional.

Tudo isto é excelente! Verificamos uma mudança radical de comportamento por parte do Ministério da Saúde no ciclo anterior: numa primeira parte, a repressão; na segunda parte, a generosidade. Mas, para tudo isto, para a continuação da generosidade e para a garantia das promessas que ainda foram reiteradas aqui na semana passada, o Orçamento do Estado cresce talvez (e eu digo talvez, porque, como V. Ex.* sabe, nunca se sabe e ainda não se sabe quanto é que se vai gastar em acréscimos de pessoal), nominalmente, 16,6% em relação ao ano passado. As dívidas com que VV. Ex." partem são de 3,9 meses, em média, 17 % do total do Orçamento final do ano passado e 32 % (praticamente um terço) se descontarmos ao Orçamento final os encargos de pessoal que, por definição, transitam quase sempre sem dívidas.

Isto leva-me a perguntar como é que vão resolver este problema? Porque, realmente, o Governo está perante um dilema: ou aumenta gastos, e terá que vir à Assembleia em Novembro com um orçamento rectificativo (e V. Ex.s já nos anunciou que não fará isso), ou cria novas receitas, nomeadamente através das já anunciadas taxas moderadoras, já aprovadas pelo menos em Conselho de Ministros.

Devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que não pode contar connosco para apoiar nenhuma destas medidas, nem estamos na disponibilidade de lhe aprovar um orçamento rectificativo no fim do ano, depois de V. Ex.' ter dito aqui que não precisa dele, nem estamos na disponibilidade de concordar consigo em relação às taxas moderadoras da forma como V. Ex.* pretende impô-las.

Se V. Ex.! quiser rever o sistema de financiamento da

saúde; se quiser criar um sistema de opção fora do Serviço Nacional de Saúde para garantir a separação entre o

Página 148

244-(148)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

sector público e o privado (aquilo que os ingleses designam por opting out); se quiser concretizar a cobrança aos subsistemas a custos reais e não aos custos políticos actuais; se quiser, em vez de majorar pouco inteligentemente as comparticipações medicamentosas de 5 %, como fez na semana passada (e eu admito que V. Ex.8 lenha sido interrogado antes daquela decisão mediática — estou a partir desse pressuposto), diferenciar as comparticipações medicamentosas por utilidade terapêutica, por orçamentos clínicos e não por classes etárias ou por rendimentos declarados (que, como sabe, são sempre métodos extremamente falíveis e vamos arriscar-nos a ver esses efeitos a curto prazo); se quiser adoptar orçamentos-programa em vez de orçamentos por serviços (e digo-lhe desde já que estamos totalmente de acordo com a sua ideia dos programas verticais e do financiamento por programas em relação à luta contra o cancro); se quiser iniciar obrigatoriamente a avaliação económica de todas as novas tecnologias, pode contar connosco, Sr. Ministro! Mas não conte connosco para as taxas moderadoras nem para o orçamento rectificativo.

Não vislumbramos no seu orçamento, nem nos métodos que propõe, nenhum sinal de modernidade. Vislumbramos uma navegação tergiversante, errática, que passa da criação da dedicação exclusiva para os recentes rumores de que esta vai acabar; que começa na repressão e se transforma na permissividade dos dois últimos anos; que começa na coacção e se transforma no laxismo dos últimos tempos; que inicia com a severidade orçamental e que passa agora para os orçamentos rectificativos cada vez maiores; que começa com a propaganda do orçamento do utente e termina com as taxas moderadoras. Sr. Ministro, essa política errática precisa de uma explicação.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Reis.

O Sr. José Reis (PS): — Sr. Ministro, o seu Ministério atingiu o seu maior endividamento de sempre no início de um ano orçamental: 18 % do orçamento final do Serviço Nacional de Saúde em 1991, ou 32,2% desse orçamento excluindo os encargos de pessoal. O atraso médio a fornecedores foi de 3,9 meses. O Governo pretende executar o Orçamento de 1992 mantendo o mesmo montante nominal em atraso, o que reduzirá dc 3,5 meses a mora de dívidas. Alguns fornecedores, como as farmácias, conseguem que o Governo mantenha com menor atraso os seus pagamentos; outros, menos protegidos contratualmente, menos organizados, têm os seus créditos por pagar desde Junho de 1991 — um exemplo é o dos radiologistas e cardiologistas em alguns distritos.

O novo presidente da associação da indústria farmacêutica, no discurso da sua tomada de posse, como o Sr. Ministro sabe, pediu ao Governo para não usar os fornecedores como entidades financiadoras dos hospitais. A dívida às farmácias, porém, continua a alargar-se e, com uma generosa concessão de mais 5 % de comparticipação pública nos medicamentos destinados a pensionistas até ao salário mínimo nacional, o Governo vai fazer aumentar o volume da factura de forma inesperada pelo inusitado aumento do número de pensionistas a carecerem de terapêutica.

Perante este estado de coisas, face ao acréscimo de responsabilidades financeiras do Estado e do seu aumento de volume, queria perguntar ao Sr. Ministro o que pensa fazer para cobrir estes encargos adicionais? Vai V. Ex.8

lançar algum imposto adicionai sobre a indústria? Val fé-duzir as comparticipações sobre os medicamentos adquiridos por não pensionistas até ao ordenado mínimo? Ou simplesmente vai atrasar ainda mais os pagamentos a fornecedores, convidando-os desta forma a colaborarem activamente, mesmo sem o quererem, na política de concertação social?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Vou responder na generalidade a estas duas questões e, depois, pedirei aos Srs. Secretários de Estado que foquem assuntos mais concretos.

Começo por me referir ao que afirmou o Sr. Deputado Correia de Campos, que a política deste Ministério não é, nem pouco mais ou menos, uma política de laxismo! Vejo com alguma dificuldade que se possa considerar que a política do Ministério seja uma política de laxismo, porque se me diz que política de laxismo é remunerar correctamente os profissionais, como foi feito em relação aos enfermeiros, em relação aos médicos, em relação aos técnicos de diagnóstico e terapêutica, enfim, em relação a todos os profissionais de saúde, então alguma coisa está mal.

Entendemos que os profissionais de saúde têm responsabilidades muito especiais. Basta dizer que uma boa parte destes profissionais tem de trabalhar aos sábados, domingos e dias feriados, não têm os meses de férias coincidentes com os meses de férias de todos os outros, uma boa parte destes profissionais têm de trabalhar por vezes em condições mais difíceis, debaixo de uma certa tensão, debaixo de alguma emoção. Por consequência, considero que os profissionais da área da saúde estão agora remunerados de acordo com o que, do nosso ponto de vista, merecem.

Veja, aliás, que não se pode dividir desta maneira tão frontal um período e o outro, na medida em que, por exemplo, em relação aos médicos, o que está em vigor é o Decreto-Lei n.° 73/90, decreto esse que tinha sido negociado no tempo da minha antecessora e que veio a entrar em vigor já no tempo em que eu era Ministro da Saúde. Portanto, não há aqui uma fronteira tão radical como aquela que quis insinuar.

Além do mais, também não há uma fronteira tão radical em relação à aprovação dos medicamentos, tal como não há uma fronteira tão radical em relação aos consumos. Veja que, em relação aos medicamentos, como sabe perfeitamente, uma boa parte das normas em vigor no País decorre da adopção de directivas de transparência que foram adoptadas por Portugal e que nos levam a transpor essas mesmas directivas e, ao mesmo tempo, a promover a aprovação dos medicamentos que nos são apresentados para comparticipação em prazos perfeitamente rigorosos. Mesmo assim, infelizmente, face às dificuldades que existem ainda nos serviços, não estamos ainda a cumprir com todo o rigor as directivas sobre esta matéria.

Por isso, devo dizer-lhe que recuso e refuto inteiramente esta acusação de laxismo e, sobretudo e principalmente, esta dicotomia ou dualidade entre o antes e 0 depois.

O que importa dizer é que o Governo era o mesmo, continuámos em 1991 e em 1992 continuaremos com uma política, que já é a do XII Governo mas que será uma política de continuação em relação ao anterior.

Página 149

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(149)

Quero dizer-lhe que, em relação às promessas eleitorais, são promessas para cumprir. O Sr. Primeiro-Ministro afirmou-o claramente na sua intervenção na Assembleia da República aquando da discussão, na generalidade, deste Orçamento e eu tenho a certeza de que estas promessas são para cumprir. Obviamente que não são para cumprir num ano, em 1992, mas durante os próximos quatro anos.

Há um outro assunto que não estava prometido, que é O aumento dos S % em relação aos pensionistas com pensões iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional. Entendemos que é uma medida justa, é uma medida que tinha de ser tomada mais tarde ou mais cedo e não havia melhor local para o fazer do que no âmbito da concertação social. Penso que foi a sede adequada, na medida em que ali se devem traçar as grandes linhas de orientação em relação à política de rendimentos e preços, não só dos activos mas também dos reformados, porque os reformados de hoje foram os activos de ontem e não devemos esquecer-nos disso. Por isso, é que considero que foi esse o local adequado para o efeito.

Obviamente que vai perguntar-me como é que vai ser financiado este aumento em relação ao Orçamento que está aqui perante nós.

Devo dizer-lhe que, em primeiro lugar, o orçamento da saúde tem um crescimento de 21,1 % e se tivermos em conta que ainda não estão aqui incluídos os aumentos gerais com pessoal, e se inscrevermos apenas 8 %, temos um orçamento com um crescimento de 26,4 % em relação ao orçamento inicial de 1991. Contudo, se eventualmente quiser fazer as contas em relação ao orçamento rectificativo (penso que será isso o que pretende), temos um crescimento da ordem dos 11,7% em relação ao orçamento rectificado de 1991; mas também temos, se incluirmos aqui os 8 % das despesas inerentes aos aumentos gerais com pessoal (se forem apenas 8 %), um crescimento de 16,6 %. Ora bem, há aqui, claramente, um crescimento orçamental que vai fazer face às despesas aqui consignadas.

Além do mais, como teve oportunidade de verificar, as taxas moderadoras têm dois efeitos — ou presumimos que venham a ter dois efeitos.

Por um lado, têm o efeito de promover alguma receita, não sendo, no entanto, essa a nossa principal preocupação ao aprovarmos as taxas moderadoras.

Por outro lado — e essa é a nossa principal preocupação —, terão o efeito de promover alguma redução no consumo, presumindo que ela seja suficiente para encaixar a despesa resultante dos S %, que vai ser afecta ao aumento da comparticipação nos medicamentos para os reformados. Mas, se assim não for, temos de introduzir algumas alterações no financiamento, o que veremos a seu tempo.

De qualquer maneira, tudo está estudado no pressuposto de que a redução no consumo seja suficiente para encaixar o aumento da despesa resultante desta alteração.

Penso que o Sr. Deputado Correia de Campos acabou por concordar genericamente com as grandes linhas de actuação do Ministério e isso apraz-me muito, com a excepção de duas ou três coisas, na medida em que estamos numa área em que não podemos nem devemos parúdarizar as questões que são essenciais. Esta é uma área muito delicada que diz respeito a todos os portugueses, pelo que penso que, quanto maior for o consenso à volta deste tema, melhor será.

O Sr. Deputado Correia de Campos diz que é preciso mais dinheiro. Diria que, se tivéssemos mais dinheiro, certamente que avançaríamos mais rapidamente no sentido da qualidade, mais rapidamente teríamos os nossos

hospitais convenientemente apetrechados, com equipamentos tecnológicos mais avançados, mais rapidamente teríamos equipamentos de primeira necessidade ou essenciais nos centros de saúde e teríamos seguramente um ritmo mais acelerado para alcançarmos esse objectivo de qualidade que faz parte do nosso Programa de Govemo. Mas temos de ter a noção de que o orçamento para a saúde (e é um orçamento substancial porque teve um crescimento substancial, como acabei de referir), faz parte do Orçamento do Estado, por consequência, tem de ser uma fatia desse Orçamento — não pode ser metade nem a totalidade do Orçamento do Estado.

Por isso, o orçamento que vos é presente é, talvez, suficiente para o efeito.

Gostaria de referir ainda a questão da exclusividade, que é um ponto que tem sido polémico e que tem suscitado algumas objecções.

Como sabe, a questão da exclusividade é responsável por um crescimento substancial dos custos com o pessoal, sobretudo a exclusividade ao nível das quarenta e duas horas, o que provoca, enfim, um aumento no salário base que se situa muito próximo dos 100 % e, portanto, é óbvio que aumentando o salário base aumentam em consequência todas as outras prestações, nomeadamente as horas extraordinárias, trabalho em dia de descanso, etc.

De facto, temos de ter a noção de que a exclusividade provocou um aumento substancial nos encargos com o pessoal. E mais, não só provocou esse aumento como induziu outras classes profissionais, uma vez que a exclusividade se aplica apenas aos médicos, a tentar obter este regime de exclusividade para os seus grupos e carreiras.

Fizemos uma análise atenta sobre este assunto e verificámos quais as vantagens que obtivemos a partir da adopção da exclusividade, concluindo que houve algumas, mas que também não podemos, de modo algum, continuar a manter este regime de uma forma tão aberta.

Por consequência, o que vamos fazer não é alterar, pura e simplesmente, o regime de exclusividade, mas sim reduzir o acesso à exclusividade naquilo que for possível por parte do Ministério da Saúde, ou seja, só aceitaremos a exclusividade em quarenta e duas horas aos funcionários, aos trabalhadores, aos médicos, concretamente, que sejam considerados absolutamente indispensáveis em termos de acréscimo de horário e para efeitos de exclusividade em relação aos serviços onde estão colocados.

Nos restantes casos, não será mais possível adoptar um regime de exclusividade por livre iniciativa ou por vontade exclusiva do próprio profissional. À vontade do próprio profissional terá que corresponder a necessidade da instituição em relação à utilização da exclusividade em regime de horário acrescido, como muito bem sabe, uma vez que em regime de horário de trinta e cinco horas ele é automático.

Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado José Reis, em que diz que temos um atraso em relação aos fornecedores na ordem de 3,9, quero dizer que, efectivamente, em alguns casos há atrasos — não o podemos esconder, está escrito e reflectido nos mapas que entregámos aos Srs. Deputados —, na medida em que há um défice acumulado durante os últimos anos em relação às despesas do Serviço Nacional de Saúde.

No entanto, é importante salientar que os próprios contratos prevêem, em alguns casos, o pagamento a 60 dias, noutros a 30 dias ou 90 dias. Ou seja, houve, de facto, um pequeno acréscimo durante o ano de 1991. Mas prevemos que em 1992 não haja esse acréscimo. E mais, se

Página 150

244-(150)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

eventualmente as medidas que vamos tomar resultarem como pensamos que venham a resultar o crescimento que se deu nos encargos com o pessoal, podemos dizer à velocidade de cinco, face ao crescimento à velocidade de três

que se deu com os outros consumos, talvez, no ano de

1992 venha a ser possível reduzir este período de atraso do pagamento a alguns fornecedores, na medida em que, como sabe, outros fornecedores têm as suas contas praticamente em dia.

£ tudo o que se me oferece dizer em relação a esta matéria. Todavia pedia ao Sr. Secretário de Estado Adjunto que acompanha particularmente estes assuntos orçamentais, sobretudo os aspectos do défice, que, caso queira, acrescente alguma coisa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Jorge Pires): — Sr. Presidente, pouco mais tenho a acrescentar, apenas duas ou três observações e uma contestação.

Queria começar por agradecer ao Sr. Deputado Correia de Campos o facto de publicamente ter reconhecido que houve, efectivamente, uma alteração na política de saúde neste país, e uma alteração para melhor.

No entanto, quero frisar-lhe que essa alteração resultou, no essencial, destes dois últimos anos, embora fosse uma política que já vinha a ser trabalhada a algum tempo — como, aliás, o Sr. Deputado sabe, por mapas que lhe foram entregues. Mas vamos falar em casos específicos.

O Sr. Deputado falou no problema dos encargos com o pessoal, que significam, neste momento, ao nível do Ministério da Saúde, 53 %, atingindo no ano passado 235 milhões de contos. Ora, é preciso notar que isto resulta, essencialmente, da aplicação do NSR que, como sabe, teve o seu início em 1990, continuando em 1991. Tratou-se da aplicação de uma medida que já estava a ser preparada, pois o NSR começou a ser aplicado em 1990, mas foi trabalhado antes, em 1988 e 1989. Resultou, pois, de longas negociações e estudos que foram feitos.

Por outro lado, temos também a aplicação das carreiras. Como sabe, o regime do Decreto-Lei n.8 73/90, que teve o início da sua aplicação em 1990, resultou de longas negociações com profissionais de saúde que tiveram o seu epílogo, precisamente, em 1990.

Portanto, o facto de ter havido estas mudanças e de lermos, efectivamente, nos anos de 1990 e 1991 um elevado acréscimo na área do pessoal deve-se a existirem processos que já vinham de trás e que tiveram o seu início de aplicação nos anos 90, que determinaram, realmente, um crescimento tão grande na rubrica do pessoal.

Por outro lado, repare que há neste momento uma melhor estrutura sanitária no País. É evidente que, ao nível dos cuidados de saúde primários, se pusermos 90 extensões e centros de saúde em serviço isso determina, efectivamente, uma maior cobertura sanitária. Ora, havendo uma maior cobertura sanitária há mais gastos em medicamentos, em análises, em radiologia, etc.

' Bom, congratulo-me com o facto de o Sr. Deputado ter reconhecido isto e esta mudança, mas já não por ter dito que havia uma permissividade no sistema, que na realidade não há.

Quanto ao problema do crédito às farmácias, queria dizer-lhe, Sr. Deputado José Reis, que efectivamente a dívida às farmácias não está a crescer. Queria, pois,

contradizê-lo porque afirmou que a dívida das farmácias continuava a crescer. Relativamente aos radiologistas e aos analistas é pena que tivesse focado apenas que alguns estavam atrasados desde Junho de 1991 sem dizer que a

outros já foram pagos os débitos existentes até OuíUÒrO

de 1991. É pena, porque essa é que é a realidade.

Há uma ou duas ARS que, efectivamente, têm maiores atrasos nos pagamentos a radiologistas e analistas, mas há outras que estão praticamente em dia e, digamos, é a média que temos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde: Em primeiro lugar, gostaria de começar por dizer, relativamente às suas últimas palavras, que continuam a fazer contas como se a despesa de 1991 fosse a do Orçamento executado em 1991, esquecendo, portanto, o acréscimo da dívida de cerca de 27 milhões de contos. Assim, penso que é fácil apresentar um crescimento orçamental da ordem do que referiu.

Pelo contrário, penso que cálculos simples permitem evidenciar que, em vez dos 485 milhões de contos que estarão orçamentados, incluindo aqui os 24 ou 25 milhões de contos destinados ao aumento do pessoal — já na base dos cerca de 10 % —, serão necessários, no mínimo, cerca de 500 milhões de contos, o que quer dizer que vamos ter novamente um «buraco orçamental», que será, pelo menos, da ordem do anterior. Ou seja, em 1992 vão continuar todos os problemas e estrangulamentos verificados em 1991 e em anos anteriores: imposição de cortes nos consumos; atrasos nos pagamentos e queixas dos fornecedores.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto referiu que não há crescimento no atraso dos pagamentos às farmácias. Mas na palavra dos interessados essa dívida está a crescer 1 milhão de contos por ano — estou a referir o que veio na comunicação social.

Penso, pois, que este novo «buraco» no orçamento da saúde vai também servir para o Governo avançar em três direcções, aliás, algumas das quais já em Março.

Uma no sentido do pagamento pelos Portugueses de uma maior fatia dos custos do Serviço Nacional de Saúde. Para isso aí estão já as taxas moderadoras, a perspectiva de pagamento de internamentos hospitalares e intervenções cirúrgicas e, também, a perspectiva de redução das comparticipações do Estado nos preços dos medicamentos.

Em segundo lugar, vai também servir para cortar, de diversas maneiras, na mão-de-obra necessária ao Serviço Nacional de Saúde.

Em terceiro lugar, na nossa opinião, para «embrulhar» nas teses da racionalização de meios e da procura da gestão óptima dos serviços a privatização de sectores e serviços do Serviço Nacional de Saúde equipados e instalados à custa do erário público.

Ora, penso que nem os Japoneses conseguriam o milagre de contrair, em pelo menos 4 %, a despesa real dos hospitais centrais no presente ano e no proposto no Orçamento do Estado.

Pensamos, como já dissemos, que este é um orçamento impossível, há custa dos utentes, dos profissionais de saúde, dos agentes económicos fornecedores do Ministério da Saúde, da qualidade, eficiência e acessibilidade do Serviço Nacional de Saúde..

Página 151

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(151)

Gostaria, agora, de colocar urnas questões mais específicas.

A primeira relativamente a verbas orçamentadas para os trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde. Foi referido na discussão na Comissão de Saúde, pelo Sr. Ministro e pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto, que as questões dos vencimentos e das carreiras dos profissionais de saúde estavam todas resolvidas e que as verbas para a actualização normal, correspondentes à taxa de inflação — os 8 % ou, agora, os 10 % —, estariam «armazenadas» em provisões do Ministério das Finanças.

As verbas com outros objectivos, e isto foi— penso eu — taxativo, não eram necessárias, visto tudo ter ficado resolvido em 1991.

Sendo assim, gostava de saber, se possível, onde estão as seguintes verbas: as correspondentes ao cumprimento do Decreto-Lei n.B 437/91, que estabelece o regime legal da carreira de enfermagem — é impossível que isto tivesse ficado já resolvido em 1991, dado que entrava em vigor em 1 de Janeiro de 1992; onde estão as verbas destinadas à necessária admissão de enfermeiros, mesmo que a título transitório, por contrato administrativo de provimento, dadas as evidentes carências de pessoal; onde estão as verbas que suportem o desmantelamento de escalões para o pessoal de enfermagem, e, também, as verbas que suportem, a partir de 1 de Janeiro de 1992, os encargos de natureza remuneratória da carreira dos docentes das escolas superiores de enfermagem.

Uma segunda questão, sobre a evolução das despesas, sem pessoal, do Serviço Nacional de Saúde. Penso que é uma evidência que ninguém poderá estar contra a racionalização dos meios, uma melhor e mais produtiva, com todas as precauções que isto terá que significar em saúde, utilização dos investimentos públicos no sector e numa mais capaz intervenção dos meios humanos à disposição do Serviço Nacional de Saúde. Porém, entendemos que há, seguramente, limites, que são os direitos constitucionais dos Portugueses à saúde.

Sr. Ministro, sabendo-se que o índice de preços de bens de saúde paira sempre acima da taxa de inflação geral, como, aliás, aconteceu em 1991, pergunto como vai conter o aumento da despesa geral sem pessoal do Serviço Nacional de Saúde em 10,6 %; como vai conseguir uma evolução média das despesas dos hospitais de 7 % — de 7,4 % para o Instituto Português de Oncologia ou, mesmo, de 8,4 % em psiquiatria.

Fazer uma análise mais fina do mapa de despesas do Serviço Nacional de Saúde fornecido pelo Sr. Ministro, pareceu-me ainda mais preocupante. Pergunto, mesmo considerando como boa a taxa oficial de inflação de 8 %, como vai o Sr. Ministro contrair a despesa dos hospitais centrais em 4 %, dado que se prevê uma evolução nominal de apenas 4,1 %?

Sr. Ministro, como vai conseguir uma evolução nominal de despesas de 2 % na rubrica sobre consumo dos hospitais centrais. Há a mesma rubrica nas ARS de 6,5 %.

Sendo, ao que julgo — se estiver errado agradecia a correcção —, a rubrica «Consumo» para cobrir as despesas com alimentação, material de penso e solura, reagentes para laboratórios, material de higiene e limpeza, o que é que aquelas previsões vão significar: roturas no fornecimento de coisas tão simples como o papel higiénico, o que já aconteceu no ano que passou, e diminuição da qualidade da alimentação aos utentes? Que o Sr. Ministro vai continuar a acusar as administrações de perdulárias, os médicos de desvios na prescrição de medicamentos e refugiar-se,

comodamente, atrás da autonomia financeira das unidades públicas de saúde e do Orçamento do Estado, que até vai ser aprovado na Assembleia da República?

Em relação ao problema da redução das comparticipações de medicamentos, penso que é outra das perspectivas do Ministério da Saúde para reduzir as despesas no Serviço Nacional de Saúde. É sabido que isto não resolve o problema de fundo dos elevados gastos com medicamentos do Serviço Nacional de Saúde e que, a ser posto em prática, irá agravar ainda mais as dificuldades dos Portugueses no acesso aos meios de saúde.

Portanto, pergunto ao Sr. Ministro o que está ensejado nesta matéria e para quando e qual a decisão que referiu na Comissão de Saúde, relativamente à qual não pôde garantir a sua não aplicação para 1992.

Sobre o aumento das receitas próprias e para lá do problema das taxas moderadoras, gostaria que o Sr. Ministro pudesse esclarecer a notícia recente, publicada na comunicação social, em que se dizia que «as taxas moderadoras, agora aprovadas pelo Governo, não abrangem o internamento hospitalar nem as intervenções cirúrgicas. O critério a que obedecerá a fixação do preço desses serviços, seguramente, mais gravoso que o das consultas não foi ainda gizado com pormenor pelo Ministro da Saúde». O Sr. Ministro terá revelado que o critério a adoptar virá a ser determinado pelo rendimento individual baseado no IRS.

Uma outra questão ligada com o problema das receitas, mas, agora, a das receitas próprias. Sr. Ministro, gostava, se fosse possível, que me desse uma explicação sobre a discrepância entre a receita própria de 38,9 milhões de contos, existente no mapa que foi fornecido pelo Ministério da Saúde e o valor de 30,8 milhões de contos — menos oito milhões de contos — que consta do mapa de receitas do Orçamento do Estado fornecido pelo Ministério das Finanças, mapa i, p. 1.

Uma outra questão ligada com a contracção de despesas. Gostaria de dizer que não percebo, dentro da lógica que o Sr. Minstro da Saúde tem vindo a colocar, o saneamento das urgências hospitalares que se está a verificar em matéria de cuidados primários de saúde, pois estão a ser eliminados serviços! Um caso recente — e penso que um bom exemplo — é o do encerramento dos serviços de urgência no Hospital de Benavente, da meia noite às 8 horas da manhã, já que se encontra localizado num concelho que cresceu populacional e até empresarialmente e que se localiza num ponto de intenso trânsito, ligação Norte-Sul e até com Espanha, e onde se verificam numerosos acidentes. Não percebo como é que se argumenta com a introdução das taxas moderadoras para sanear as urgências.

Coloca-se o problema de aumentar a triagem, precisamente para que as urgências não sejam «encharcadas» e, simultaneamente, estão a reduzir e a cortar em serviços de urgência e em serviços de atendimento permanente.

Sr. Ministro, levanto a mesma questão relativamente à falta de médicos de família. Vai o Ministério abrir ou não os quadros profissionais dos centros de saúde para os médicos que faltam neste momento?

Relativamente à saúde mental, pensávamos que seria importante que fosse este o último ano em que se justificasse a exiguidade das verbas perante a perspectiva de grandes reformas restruturais ou estudos no sector.

Finalmente, algumas questões muito concretas sobre as quais pedia uma informação.

Página 152

244-(152)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

Gostava de saber o que se passa sobre o Centro de Saúde de Palmela, dada até a importância deste centro e tendo em conta o projecto de investimento em curso no concelho.

O que é que se pretende fazer em Torres Novas com as verbas previstas no PIDDAC?

Relativamente ao PIDDAC, penso que é um erro ainda não apontado a referência duplicada ao Hospital Distrital de Torres Vedras, pois penso que deve referir-se ao Sanatório do Dr. José Maria Antunes Júnior. Gostava que me esclarecessem se isto é assim.

Por último, garantido que foi pelo Sr. Ministro da Saúde, em sede da Comissão Parlamentar de Saúde, a dotação de verbas no presente Orçamento do Estado para o tratamento da paramiloidose, quer para o problema do edifício, quer para os ensaios terapêuticos a realizar em Lisboa e no Porto, perguntava se está previsto no presente orçamento a cobertura para possíveis indemnizações a doentes hemofílicos que contraíram sida no processo de hemodiálise e se está prevista a cobertura da comparticipação a 100 % dos medicamentos específicos que esses doentes necessitam, dada a sua condição de hemofílicos.

Sr. Ministro, desejava ainda colocar mais duas pequenas interrogações, que gostaria que fossem esclarecidas.

Primeira, onde estão as verbas para a investigação, ou seja, haverá algum esclarecimento a dar sobre um problema recentemente referido em relação aos enfermeiros militares?

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado, na realidade cobriu os campos todos. Não sou nenhum especialista em saúde, mas cobriu todos os campos possíveis.

No entanto, queria salientar duas áreas que, particularmente, me tocaram: o seu entusiasmo pelo milagre dos Japoneses e um armazém no Ministério das Finanças.

Vou perguntar à Sr.1 Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento onde é que está esse armazém.

Tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

Risos gerais.

O Sr. Macário Correia (PSD): — Sr. Pesidente, em relação às questões do orçamento da saúde para 1992, já nos debruçámos detalhadamente na Comissão Parlamentar de Saúde, como se poderá concluir pela amostra das intervenções aqui efectuadas.

Identifico-me, como é óbvio, plenamente com o relatório que subscrevi a este respeito e com as declarações de voto de alguns partidos a ele apensas, prova de que na Comissão Parlamentar de Saúde se analisou detalhadamente esta matéria, pelo que não teria aqui muito mais para dizer, pese embora o facto de ser este o momento oportuno para alguma pequena questão que qualquer de nós queira acrescentar.

Aquilo que venho aqui referir é um pequeno lapso dactilografia) que encontrei na leitura do texto da proposta de lei orçamental, mais concretamente, no seu artigo 47.8, que pode levar a um erro de interpretação relativamente a alguma legislação e mesmo a alguma leitura que se possa fazer do Programa do Governo ou de outros documentos.

O que se passa no conreto é que o tabaco é a primeira causa de mona çrcmauiva em Portugal e em vários países. Ora, por acção — que aqui quero elogiar — deste Parlamento, ao longo dos últimos anos, essa matéria veio a ser consagrada de uma maneira especial no Orçamento do Estado, por forma a que parte da receita fiscal do tabaco

fosse destinada a combater as consequências do seu uso, isto é, a fazer a prevenção do tabagismo e, de algum modo, a combater também o cancro. Foi esta a acção do Sr. Deputado Jorge Roque da Cunha, ao longo de vários anos, que à terceira vez conseguiu vencer com sua aprovação no Orçamento de 1991.

Isso vinha dando seguimento àquilo que eram as orientações da OMS e de várias conferências internacionais realizadas sobre essa matéria. Sucede que, por lapso de redacção, ou de dactilografia, no texto que nos foi distribuído há, entre vírgulas, uma expressão que está a mais, pois diz-se a dado momento que fica limitado a 1 milhão de contos a consignação do montante da receita fiscal transferida para o Ministério da Saúde.

Ora bem, como a receita fiscal do tabaco vai aumentar de sobremaneira, sinal de que também aumentarão os casos de doença e de morte — são 15 por dia — provocados por esta calamidade, poderá deduzir-se desta interpretação que o tratamento da doença fica limitado, mas a receita provocada pelo vício essa não ficará limitada

Por outro lado, da redacção, tal como está, pode levar a entender-se que o tabaco apenas provoca o cancro, sendo omitidas igualmente doenças graves como as doenças cardiovasculares e outras que, igualmente, têm de ser combatidas por esta verba.

De maneira que essa pequena incorrecção dactilográfi-ca, possivelmente, por lapso, terá passado no Ministério das Finanças e, portanto, queria referi-la com a oportunidade que o caso merece.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Em primeiro lugar, serei muito rápido já que o meu camarada Agostinho Lopes colocou as questões centrais referentes a este orçamento.

No entanto, apenas para que não haja qualquer confusão — era uma das notas que aqui tinha —, colocarei algumas questões sobre a análise da evolução dos encargos das diversas instituições. Por isso, vamos esquecer o problema do financiamento, se é pago ou não por receitas próprias, se é pago por receitas do Orçamento do Estado ou pelos fornecedores, através do crédito que vai crescendo ao longo dos anos.

Sr. Ministro, em termos dos encargos sem despesas com pessoal, como prevê o Governo conseguir que, por exemplo, os hospitais centrais, como já foi referido pelo meu camarada Agostinho Lopes, aumentem apenas 4 % durante 1992. Isto é, metade da taxa credível da inflação avançada pelo Governo. E isso repercute-se por outros lados.

Em relação ao problema, também, das receitas próprias, qual é a explicação para o desfasamento, de qualquer coisa como 8 milhões de contos, entre aquilo que é apontado pelos elementos fornecidos pelo Ministério da Saúde à Comissão e aquilo que veio no Orçamento do Estado entregue, digamos, oficialmente, à Assembleia da República pelo Governo?

Penso que são questões importantes e que devem ser respondidas. Esperamos, logicamnete, a resposta do Sr. Ministro.

No entanto, colocaria apenas mais uma questão.

O Sr. Ministro já há pouco teve oportunidade de se referir que houve uma alteração, nos últimos dias, à regra da compartimentação dos medicamentos por parte do

Página 153

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(153)

Estado. Logicamente que se aumenta a comparticipação do Estado aumenta a despesa do Estado. Se aumenta a despesa do Estado, como estamos a discutir o Orçamento, há que haver inscrição nele. Sr. Ministro, vai apresentar, hoje, a proposta de alteração correspondente, para dar cobertura àquilo que foi aprovado há dias no Conselho Permanente de Concertação Social? Se vai apresentá-la, gostava de saber de quanto será essa alteração. Se não a vai apresentar hoje quando é que a pensa apresentar. Deverá ser, como é óbvio, antes da votação do Orçamento.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, a quem peço que siga o exemplo do orador anterior e que seja breve.

, O Sr. Ferraz de Abreu (PS): — Sr. Presidente, estou ' espantado que V. Ex.*, que é do PSD, me aconselhe a ! seguir as pisadas do PCP.

! Risos.

í

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, as coisas são como são.

O Orador: — Mas, Sr. Presidente, nessa matéria, tenho a minha própria orientação.

O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado!

No entanto, não me canso de lembrar a todos os Srs. Deputados e ao Srs. Membros do Govemo o timing desta Comissão que, efectivamente, é pesadíssimo, pelo que a mesa agradece a concisão de todos os oradores, sem prejuízo de todos os esclarecimentos de que necessitem.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

i O Orador: — Sr. Ministro, começo por pedir-lhe desculpa por não ter estado presente aquando da sua intervenção inicial, pelo que nem sei se as três ou quatro

\ perguntas que vou colocar-lhe seriam desnecessárias se eu

; estivesse estado na sala.

i Voltando ao crescimento orçamental — é que não sou economista e, para mim, aquelas páginas do Orçamento são um pouco misteriosas —, gostaria de saber se, nesta altura, o Ministério já tem uma verba perfeitamente defi-

i nida de quanto se gastou em saúde, no ano passado. Isto é, gostaria de saber o que foi pago e o que está por pagar,

I porque a soma das duas verbas é que corresponde ao que foi gasto.

I Em segundo lugar, para dispor de uma análise das

, possibilidades e do futuro dos cuidados médicos durante 1992, gostaria de saber se há uma estimativa das receitas

' que vão ser obtidas com a entrada em vigor das célebres taxas moderadoras, agora que o Serviço Nacional de Saúde se alterou, passando de tendencialmente gratuito para tendencialmente pagante.

\ Também gostaria de saber se tem em mente e se neste orçamento já está contemplada uma actualização dos quadros médicos dos hospitais, visto que a rentabilidade de muitos dos hospitais é baixa por falta de quadros. Ora, o Sr. Ministro já está no Ministério da Saúde há tempo suficiente para compreender que a falha de um elemento numa equipa reduz estrondosamente a respectiva rentabilidade.

Finalmente, gostaria de saber se tem alguma ideia de alterar a Lei de Gestão Hospitalar, visto que a actual lei gerou situações catastróficas em muitos hospitais — isto

já para não usar um termo pior que «catastróficas» — e, portanto, se pensa alterar a referida lei no sentido de melhorar a rentabilidade dos cuidados de saúde.

Sr. Presidente, como vê, tinha a minha própria orientação.

O Sr. Presidente:—Muito bem, Sr. Deputado! Felicito-o!

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha.

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: É evidente que ao falar de Orçamento do Estado tem-se sempre tendência para também procurar discutir outras questões, nomeadamente a questão fulcral que é a do financiamento. E, mais uma vez, verificamos que, apesar do esforço que é feito em termos orçamentais neste Orçamento do Estado, as pessoas estão muito preocupadas com o «buraco» do défice do orçamento do Ministério da Saúde, mas quando avançam alternativas nem sequer querem pensar na introdução de taxas moderadoras, antes falam em aumentar as convenções e até em começar a pagá-las adiantadamente, em aumentar os ordenados, em descongelar isto e aquilo. Enfim, mesmo com a harmonização fiscal que se prevê para o próximo ano, é evidente que tem de ter-se uma perspectiva séria e muito responsável nesta área, porque a questão do financiamento do sistema de saúde — não só em Portugal como um pouco por todo o mundo — é de tal maneira séria que não pode nem deve ser objecto de grandes demagogias.

Após estas considerações, gostaria de concretizar as minhas dúvidas orçamentais que têm a ver com o que o Ministério da Saúde prevê gastar no apoio à toxicodependência, nomeadamente quanto à constituição das novas comunidades terapêuticas e ao apoio às que, no ano passado, iniciaram a sua laboração.

Apesar de fumador convicto, estou convencido — à semelhança do que também já disse o Sr. Presidente da Comissão de Saúde — de que a melhor maneira de fazer prevenção é, de facto, investir na educação.

Assim, gostaria de saber se a verba divulgada será exclusivamente empregue no combate ao cancro. É que, como é evidente, o tabagismo causa muitas outras doenças para além do cancro.

Finalmente, relativamente ao que, este ano, vai investir--se — e bem — no Instituto Nacional de Emergência Médica, gostaria que me fosse dada uma breve explicação acerca do destino que é dado aos meios substanciais de investimento previstos no Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rui Cunha (PS): — Sr. Ministro, o Sr. Deputado Correia de Campos já trouxe à colação as quatro consideráveis melhorias na prestação de cuidados de saúde, contidas no manifesto eleitoral do partido vencedor das últimas eleições. Se extrapolarmos apenas essas promessas do manifesto eleitoral, não será difícil aceitarmos que essas medidas seriam para aplicar ao longo de quatro anos. Mas, na sua intervenção de encerramento do debate na generalidade do Orçamento do Estado, nesta Assembleia da República, o Sr. Primeiro-Ministro retomou solenemente aquelas promessas.

Ora, o discurso do Sr. Primeiro-Ministro não está inserido no debate de um orçamento paia quatro anos, mas

Página 154

244-(154)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

refere-se, taxativamente, ao debate do Orçamento do Estado para 1992.

Portanto, perante a solenidade da assunção tomada pelo Sr. Primeiro-Ministro em Plenário, apenas podemos inferir que as referidas promessas são para cumprir, e já, em 1992. Vejamos, então, qual é o enquadramento da situação.

Já várias vezes foi referido que no já célebre acordo de rendimentos e preços, celebrado no âmbito da concertação social, vem expressa uma cláusula que aumenta em 5 % a comparticipação do SNS na compra dos medicamentos destinados aos pensionistas com pensões inferiores ou iguais ao montante do salário mínimo nacional.

Sabendo-se que os recursos para a saúde são sempre escassos e embora o Orçamento inicial para 1992 os tenha colocado acima do valor da inflação esperada, facto é que estão calculados por defeito. De facto, limitam-se a prever acréscimos de salários de 8 % a 10 %, quando os acréscimos de gastos com pessoal foram de 28 % e de 30 %, respectivamente em 1990 e em 1991; limitam-se a prever 15 % de acréscimo nas dotações para farmácias, quando o respectivo acréscimo foi de 25 %, em 1992, ainda havendo que tomar em consideração o aparecimento do IVA à taxa de 5 %\ limitam-se a prever um acréscimo de 8 % nos consumos, quando a média dos últimos três anos foi de 23 % de aumento anual.

O ano começa com cerca de 68 milhões de contos de dívidas — cerca de 17 % da dotação final para 1991—, o que corresponde a quase quatro meses de atraso nos pagamentos a fornecedores.

O Governo já aprovou em Conselho de Ministros um diploma que recria as taxas moderadoras para as urgências, para as consultas externas e para os meios de diagnóstico, mas o Sr. Ministro apresenta estimativas conservadoras quanto às receitas que aquelas taxas possam gerar.

Face às promessas contidas no manifesto eleitoral e reassumidas pelo Sr. Primeiro-Ministro no discurso de encerramento do debate parlamentar, confrontados, portanto, com o novo benefício nos medicamentos, por um lado, mas, por outro, com a parcimônia dos recursos, que espera fazer o Sr. Ministro? Espera propor uma modificação do presente orçamento ainda antes da votação final? «Criar» uma lei de mecenato coerciva para os fornecedores do Serviço Nacional de Saúde? Solicitar aos cidadãos uma moratória no cumprimento das promessas do seu partido, a qual parece já ter ficado no ar, aquando da intervenção de hoje do Sr. Ministro, mas que está em dissonância com a promessa solene feita pelo Sr. Primeiro-Ministro em Plenário?

Sr. Ministro da Saúde e Sr.1 Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, muito concretamente, o Governo apresentará ou não de novo, em Novembro próximo, um orçamento rectificativo?

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, registei a sua ideia de um mecenato coercivo, que. considero uma figura interessante.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Depois de ter sido «bombardeado» com tantas perguntas, apenas quero colocar-lhe uma pequena questão.

Como sabe, desde longa data, tenho-me interessado pela paramiloidose e sou solicitado muitas vezes por centros que se dedicam a este problema Visitei o Centro de Paramiloidose do Porto, pelo que muita gente refere, por ler

nos jornais, embora tenha visitado o referido Centro há pouco tempo, mas também li nos jornais que havia verbas consignadas para o medicamento Piasmofrase, que, neste momento, está sob investigação em Portugal. Ora, houve membros de um hospital de Lisboa onde também se procede a este tipo de tratamento que vieram ter comigo a dizer que necessitam de 50 000 contos.

Assim, gostaria de saber se, no orçamento do Ministério da Saúde, está prevista uma comparticipação daquele valor para se continuar a investigação da paramiloidose no respectivo centro de Lisboa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Apenas quero fazer duas perguntas muito especificas, uma das quais, de certa maneira, até já foi colocada pelo Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha, pelo que também fico a aguardar a resposta do Sr. Ministro em matéria de toxicodependência, embora sublinhe o meu interesse em conhecer, em termos orçamentais, qual é o esforço quanto à prevenção primária e se é possível quantificar a intervenção do Ministério da Saúde na área da toxicodependência.

Em segundo lugar, gostaria de saber quais os objectivos que o orçamento tem em matéria de comunidades terapêuticas, atendendo que a oferta do Estado, quer a pública quer mesmo a das IPSS (instituições privadas de solidariedade social), é manifestamente insuficiente, permitindo chorudos negócios com clínicas de desintoxicação, por vezes até questionadas em termos médicos. Portanto, o que gostaria de saber é quais são os objectivos nesta área.

A outra questão é muito particular e relaciona-se com o projecto do Hospital do Barlavento Algarvio. Não vou contar a sua história nesta sede, até porque o presidente da Comissão de Saúde certamente será melhor «embaixador» do que eu próprio e o Sr. Ministro também conhece o caso, uma vez que, antes das eleições, esteve lá a visitar um terreno cujo aproveitamento, afinal, não se veio a concretizar.

A verdade é que, no PIDDAC para este ano, estão orçamentados 100 000 contos. Assim, gostaria de saber a que se destina esta verba.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Campos, cuja inscrição é a última.

O Sr. Correia de Campos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Tenho duas questões praticas e directas para colocar.

Uma diz respeito ao problema da execução da carreira de enfermagem.

Sr. Ministro, temos informações de que se concluíram negociações e chegou-se a acordo com os representantes da enfermagem, em relação à publicação de um diploma que actualiza a carreira. Estas negociações terminaram em meados de Dezembro passado, tendo-se previsto a publicação de um diploma que entraria em vigor a 1 de Janeiro de 1992. Os sindicatos encontram-se numa situação de alguma instabilidade, como suponho que V. Ex.* sabe, tem havido plenários e está marcada uma greve para 25 de Fevereiro, devido à não publicação do referido diploma.

Assim, gostaria que V. Ex.* pudesse dar-nos alguma indicação a esse respeito, já que, como sabe, se trata de um diploma que traz muitos encargos. A verdade é que,

Página 155

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(155)

tendo folheado o orçamento, não encontrámos a indicação do financiamento desses encargos, embora julgue que não é V. Ex.! que tem a resposta, mas a sua colega, Sr.! Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, ou o Sr. Ministro das Finanças, que, provavelmente, terá previsto uma daquelas dotações globais para fazer face a estes encargos.

A segunda questão tem a ver com uma visita que efectuei ao distrito por que fui eleito. Aí, verifiquei, com alguma perplexidade, que alguns dos meus eleitores me perguntaram porque é que a dotação para a construção do Hospital de Viseu, em relação à qual estava prevista, para 1991 — por acaso, o ano das eleições —, uma verba de 1 130 000 contos, baixou para 250 000 contos no P1DDAC deste ano. Será que terão sido encontradas algumas ruínas pré-romanas nos ensaios das fundações do futuro edifício ou será que foi encontrado algum problema técnico?

Pessoalmente, quase posso antecipar a resposta a esta pergunta. Tanto eu como VV. Ex." sabemos, pela experiência, que é muito difícil gastar-se num ano de arranque 1,130 milhões de contos, pelo que seria mais realista atribuir apenas uma verba de 250 000 contos. Sendo assim, por que é que no Orçamento do ano passado se não inscreveu a verba de 250 000 contos, em vez de 1,130 milhões de contos, e se inscreveu no deste ano?

Se me permite, ainda, Sr. Ministro, telegraficamente, gostaria de rebater algumas das respostas de V. Ex.1 e do Sr. Secretário de Estado Adjunto.

Em primeiro lugar, gostaria de manifestar a total concordância da minha bancada à proposta do Sr. Deputado Macário Correia no que toca à retirada da expressão, entre vírgulas, «do plafond máximo da punção fiscal de 1 % sobre o imposto de consumo sobre o tabaco». É uma declaração de intenção, provavelmente, porque, se calhar, não vai ter efeitos práticos, mas gostaria de dizer, em nome da minha bancada, apesar de alguns pesados fumadores, estamos totalmente de acordo com a proposta de retirada dessa expressão.

Em segundo lugar, quero dizer que não penso, de forma alguma, que não se deva remunerar correctamente os profissionais. O que penso, Sr. Ministro, é que o dinheiro que os senhores tiveram, no ano passado, há dois anos e este ano, para o novo sistema retributivo dava, com certeza, se fosse bem utilizado, para um novo sistema de retribuição. Sr. Ministro, não me vá dizer que está «amarrado» pela lei vigente, que obriga o pessoal do Serviço Nacico-nal de Saúde a ser funcionário público, porque, a meu ver, era preciso ter a ousadia, já que houve tanto dinheiro, de com esse dinheiro fazer mais coisas, o que era possível. Não devemos «amarrar-nos a um erradíssimo sistema retributivo que aumenta os encargos sem aumentar a produtividade.

Quanto à comparticipação dos medicamentos, Sr. Ministro, muita atenção, muito cuidado. Estamos desejosos e totalmente abertos, porque somos defensores da solidariedade social, queremos que a situação social das pessoas mais desfavorecidas melhore, mas, atenção, é preciso fa-j zer isso com cuidado. E a medida aprovada não o faz, não garante que, tal como em Espanha, não venham a aumentar * artificialmente o número de pensionistas até ao limite da \ pensão mínima. Repare que os pensionistas até ao salário mínimo nacional são 90 %, de 1,5 milhões a 2 milhões de pessoas, o que é muita gente.

Ora, a nosso ver, era possível fazer-se isso de outra forma, selectivamente. Como sabe, apresentámos alternativas de financiamento a apoios a doentes crónicos e

pensionistas, mas hoje não vos vou maçar com essa descrição, também porque não há tempo.

Em relação ao problema da exclusividade, devo dizer que ele é dos senhores e não nosso, uma vez que foram os senhores que a aprovaram tal como está, porque o princípio da exclusividade é altamente correcto, Sr. Ministro, ninguém o põe em causa. O que se põe em causa é a forma como o regime foi aplicado, de uma forma totalmente cega, aí, sim, permissiva e laxista. E agora lá estão os senhores, naturalmente, a corrigi-la.

Quanto à concordância com a sua política — o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado manifestaram tanta satisfação em que eu pudesse estar de acordo—, devo dizer que gostaria, que seria a primeira pessoa interessada em estar de acordo com a política de V. Ex.1, mas como provavelmente verá ao longo deste ciclo legislativo não lhe poderei dar esse gosto.

O Sr. Presidente: — Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto o número de perguntas foi enorme, mas vou procurar sintetizar algumas delas e responder o mais sucintamente possível, na medida em que, tanto quanto me apercebo, o tempo é limitado. Em todo o caso, agrada-me que tenha havido um número de perguntas elevado, o que demonstra claramente interesse pelas questões da saúde.

Começo por responder aos dois deputados mais jovens que me colocaram questões fundamentalmente relacionadas com a toxicodependência.

De facto, o trabalho feito durante os últimos anos pelo Governo na área da toxicodependência, designadamente através dos diversos departamentos governamentais e sobretudo pela sua coordenação, através do Projecto VIDA, é visível. Creio que o Projecto VIDA é um projecto considerado com sucesso não só em Portugal como nas próprias instâncias internacionais onde tem sido apresentado, avaliado e analisado, pelo que vamos continuar a dar-lhe andamento. Ainda no ano passado foi dado um passo significativo, como referiu o Sr. Deputado José Apolinário, que foi o apoio às comunidades terapêuticas. De facto, houve uma dificuldade, que era dar sequência ao tratamento prolongado que é necessário para os toxicodependentes.

Por outro lado, no âmbito do Projecto VIDA, foi elaborado, ainda no ano passado, um despacho que permitiu o financiamento das comunidades terapêuticas, através dos Ministérios do Emprego e da Segurança Social e da Saúde, dando origem a que algumas dezenas dessas comunidades tivessem apresentado os seus projectos, pelo que, neste momento, temos em apreciação mais 10 projectos dessas comunidades.

Se me perguntar onde está a verba para este efeito, digo, tanto a si como ao Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha, que, apesar de não estar devidamente especificada no Orçamento, está incluída nas verbas atribuídas às administrações regionais de saúde, na medida em que os projectos são apresentados a estas entidades, que, por seu lado, obtêm o consentimento ou o parecer do coordenador nacional do Projecto VIDA, embora depois, se forem efectivamente aprovados, sejam as administrações regionais de saúde as responsáveis pela atribuição dos subsídios. No caso concreto do Ministério da Saúde o subsídio será dá ordem dos 20 % em relação a 80 contos; no caso concreto do Ministério do Emprego e da Segurança social será

Página 156

244-(156)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

de 60 %, sendo o diferencial, cerca de 20 %, pago pelos utentes ou pelas próprias comunidades. Em todo o caso, sempre gostaria de referir que, em

relação a 1992, todo o sistema relacionado com a toxicodependência e que se encontra coordenado com o SPTT andará na ordem de 1,5 milhões de contos, incluindo o pagamento a profissionais e às estruturas físicas de apoio a esses serviços. Há, no entanto, um programa vastíssimo para 1992, que vem no decurso do programa de 1991, que é a abertura, em todas as capitais de distrito, dos CAT. Pretendemos que nos próximos três anos estejam sediados em todos os distritos do País um CAT, que terá as suas consultas dispersas nas zonas de maior incidência de toxicodependência ou de maior densidade populacional. Este é um programa em curso: durante o ano de 1991 abriram-se diversos CAT, durante o de 1992 está prevista a abertura de mais quatro ou cinco CAT e em 1993, penso, teremos concluído todo este programa.

Por outro lado, também está em curso o aumento do número de camas nos centros de apoio do Porto, de Coimbra e também no Centro das Taipas, em Lisboa.

No que toca ao Centro das Taipas, em Lisboa, posso dizer que vai expandir-se para a área do Hospital de Júlio de Matos, onde está a ser construído o parque de saúde de Lisboa. O Hospital de Júlio de Matos manter-se-á mas com dimensões mais reduzidas na sua vertente hospitalar, mas o Centro das Taipas irá ser ampliado precisamente na área desse hospital.

Posso ainda dizer que o programa para o CAT do Porto já está aprovado e que no de Coimbra irá ser ampliado o número de camas existente para o tratamento de toxicodependentes.

Este é o aspecto que gostaríamos de referir no que toca à toxicodependência. Devo dizer, mesmo, que é uma área em relação à qual o Governo tem dedicado uma particular atenção, sendo certo que, de facto, se trata de uma matéria muito delicada e que afecta principalmente os jovens, e teremos todo o interesse em receber a comparticipação de todas as entidades, quer dos diversos partidos, quer mesmo da sociedade civil, onde, de facto, ultimamente, tem havido uma enorme quantidade de instituições a manifestar o seu apoio e o seu interesse por este assunto.

Sr. Deputado José Apolinário, quanto ao Hospital do Barlavento Algarvio devo dizer que é um projecto do Ministério da Saúde que irá ser realizado, mas, como todos os outros, levará o seu tempo. No final do ano passado tive oportunidade de ver os terrenos onde, eventualmente, irá ficar o hospital, que são propriedade de uma instituição particular. As negociações estão a ser feitas entre a Câmara Municipal de Portimão e essa entidade, não têm tido o sucesso que desejaríamos que tivesse logo à partida, mas vamos procurar interferir no sentido de dar o andamento possível, com a rapidez que gostaríamos, por forma que os terrenos sejam disponibilizados. Em todo o caso, está a ser elaborado, neste momento, o programa no âmbito do Ministério da Saúde, na Direcção-Geral dos Hospitais, após o que será passado o assunto para a Direcção-Geral de Instalações e Equipamentos para depois se abrir o concurso. Chegaremos, com certeza, a acordo com o proprietário dos terrenos, na medida em que esses mesmos terrenos também têm uma função social. São propriedade de um banco, mas, penso, será possível chegar-se a um acordo no que respeita à sua cedência ou aquisição.

O montante de 100 000 contos serve obviamente para isto, ou seja, para a elaboração de programas, e se o pro-

jecto tiver de, eventualmente, ser feito fora terá de ser aberto um concurso e de ser pago. É exactamente uma posição que se marca, com um acompanhamento a prazo,

nos anos seguintes, porque se virem a projecção do PIDDAC para os próximos anos verificarão que estão inscritas as verbas necessárias para a construção deste hospital, que consideramos de grande importância no Algarve.

Ainda em relação ao Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha, e para terminar esta matéria, gostaria de dizer que, no que respeita à verba inscrita no Orçamento do Estado para o cancro, cerca de 1 % das receitas do tabaco, ou seja, 1 milhão de contos, representa só uma parte da verba, porque, efectivamente, o plano oncológico nacionaí tem uma verba bem superior a esta O Orçamento inclui outras verbas que, creio, andarão na ordem do 04 milhões de contos e que se destina a fazer face a acções não só no domínio da prevenção mas também no do tratamento. Devo acentuar um facto importante ocorrido em 1991, que é o de ter sido possível dotar o IPO do Hospital de Coimbra, bem como o Hospital de Santa Maria, com equipamento de radioterapia, que, do nosso ponto de vista, é muito importante e que vem satisfazer uma enorme lacuna existente nestas duas instituições hospitalares. O programa para 1992 é ousado, e devo dizer-lhe que esta verba tem, com certeza, consumo no domínio da oncologia, razão por que não vale a pena estarmos a desviá-la para outras áreas. Obviamente que se tivermos de atacar o tabagismo, que é de facto uma das fontes que provoca o cancro além de outras doenças, na óptica da prevenção, teremos de encontrar verbas em outro local, pois não vale a pena estarmos a desviar estas verbas porque o plano oncológico nacional é demasiado ousado, pelo que pode absorver todo este montante.

Por outro lado, a meu ver, o limite de 1 milhão de contos é razoável, na medida em que no ano anterior não atingiu esse valor nem pouco mais ou menos, e penso que o consumo do tabaco não irá aumentar tanto — mal de nós se isso acontecer — que vá ultrapassar esse montante. Digamos que é apenas uma medida cautelar e, penso, coerente.

O INEM foi objecto de uma revisão da sua lei orgânica durante o ano de 1991, pelo que tem agora órgãos novos e próprios, com novas atribuições e pretende-se que passe a ir ao encontro das populações. Para isso, vamos, de facto, promover, durante o ano de 1992, algumas alterações na actividade do INEM, que visam tornar a instituição mais operacional, com novos meios, sobretudo mais próxima dos locais de risco, designadamente das estradas com maior frequência de acidentes, dos movimentos populacionais ocasionais e também, eventualmente, dos emigrantes, apoiando-os durante o período de maior movimento, em Portugal.

Fundamentalmente, nestas três linhas, trata-se de dotar o INEM de meios mais eficazes e mais operacionais, em colaboração com outras instituições, nomeadamente com o Ministério da Defesa Nacional, e simultaneamente de procurar que avance para junto dos movimentos populacionais fortes e intensos, onde eventualmente reside o risco, por forma a diminuí-lo. Trata-se de um programa ousado que irá começar a produzir os seus efeitos em 1992 e avançará seguramente nos anos seguintes.

Gostaria de responder rapidamente a uma questão do Sr. Deputado Ruí Cunha que é a da eventual discrepância entre as minhas palavras e as do Sr. Primeiro-Ministro. O que lhe quero dizer é o seguinte: eliminar as listas de espera ou promover as restantes três medidas que estão

Página 157

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(157)

no Programa do Governo é o que vamos fazer. No entanto, e porque o Programa do Governo é um programa para quatro anos, as acções destinadas a concretizá-lo serão desenvolvidas durante todos esses anos. Assim, é óbvio que não lhe posso dizer que vai ficar tudo feito em 1992, pois nesse caso teríamos de fazer um novo programa eleitoral em 1993. Uma coisa é certa: vamos iniciar o cumprimento desse programa em 1992 e vão ser tomadas medidas concretas em relação às quatro áreas que aqui ; estão definidas mas, em todo o caso, temos a noção clara ; de que não vamos concluí-las porque elas são suficientemente ousadas.

Assim, não me parece que haja nenhuma discrepância. Há, com certeza, uma reafirmação por parte do Sr. Pri-meiro-Ministro, no discurso que proferiu na discussão do Orçamento na generalidade, da vontade de cumprir os nossos objectivos.

O Sr. Deputado falou em 67 milhões de contos de dívidas. Relativamente a isto, queria dizer-lhe o seguinte: não há, de facto, 67 milhões de contos de dívidas. Embora eles existam no papel, não existem na prática, porque, como sabe, as instituições têm autonomia administrativa e financeira e devem dinheiro umas às outras, ou seja, há dívidas internas que circulam entre as diversas instituições que não se reflectem no exterior — o Hospital de Santa Maria deve, provavelmente, à ARS de Lisboa x milhões de contos e, por seu lado, a ARS de Lisboa deve y milhões de contos ao Hospital de Santa Maria. Trata-se de dívidas que se atenuam, mas o que é certo é que para efeitos de contabilidade elas vão somar-se.

Assim, devo dizer-lhe que para o exterior não andaremos longe dos 17,5 milhões de contos de dívidas, conforme resulta da análise dos elementos da contabilidade das diversas instituições. Existe, pois, um enorme conjunto de valores que se atenuam entre as diversas instituições, apesar de estas terem dívidas mútuas devido à autonomia administrativa e financeira de que dispõem. i Assim, como calcula, não vou propor aqui nenhuma modificação do Orçamento. Trata-se de um orçamento que considero credível e que cresce o suficiente para podermos ' fazer face às necessidades em 1992. No entanto, vamos I desenvolver todas as nossas acções no sentido de o con-: trolar, embora o controlo do orçamento do Ministério da Saúde seja algo difícil, como todos os Srs. Deputados sabem. E é difícil porque temos inúmeros actores no sistema, desde o doente aos diversos níveis de pessoal relacionado com o serviço de saúde, e todos eles podem gastar mais ou menos. Ora, é óbvio que não posso agarrar na caneta dos médicos nem dizer-lhes para eles terem paciência e não prescreverem o medicamento ou o antibiótico I que custa 10 contos e, sim, o antibiótico que custa apenas três contos. Isto seria, digamos, coibir o médico de exer-I cer a sua actividade em pleno. O que posso e devo fazer ' 6 aconselhar ou promover, através de outros grupos de l médicos, a prescrição de medicamentos de forma parcimoniosa, de modo a não ocasionar consumos exagerados que sejam desnecessários. I Voltando ao princípio, gostava de me referir a algumas I das questões que foram colocadas pelo Sr. Deputado I Agostinho Lopes. O Sr. Deputado usou um termo que, confesso, não aprecio, embora não tenha de apreciar ou não, uma vez que o Sr. Deputado é livre de utilizar os I termos que muito bem entender. Em todo o caso, o termo «buraco» no orçamento da Saúde, quando ainda estamos a discuti-lo, é altamente negativo, pessimista e até, digamos, mobilizador para esse mesmo «buraco».

Na minha opinião, temos de ser optimistas e encontrar neste orçamento um conjunto de potencialidades que, certamente, não nos vão levar à constituição desse buraco financeiro no final do ano. Vamos fazer todos os esforços nesse sentido e estou certo de que se começamos desde já a dizer que vai haver um buraco no final do ano vamos levar os principais actores a pensar que tanto faz gastar assim como «assado», porque no final do ano há-de vir o dinheiro — não é essa a nossa intenção, não pensamos vir a apresentar no final do ano um orçamento rectificativo. Obviamente que não estamos cientes de que não possa haver algum problema na área da saúde, pois fazer um orçamento nesta área é bem diferente do que fazer um orçamento em alguns dos outros departamentos, na medida em que não sabemos se vai ocorrer um surto gripal, se o número de doentes infectado pelo vírus do SIDA vai ser maior ou menor, se vamos ou não ter algum surto de outra natureza que, eventualmente, venha a provocar aumentos diferenciados. Enfim, não sabemos, não podemos adivinhar mas em todo o caso o orçamento está feito nesse sentido.

Por outro lado, o Sr. Deputado diz-me que os hospitais centrais vão ter uma redução no seu orçamento. Em alguns casos vão ter, de facto, essa redução por uma razão muito simples que é a de o nosso modelo de financiamento já não ser o modelo tradicional, nem poder ser. Hoje em dia o modelo de financiamento para os hospitais já não pode ser o tradicional, na presunção de que estas unidades têm autonomia administrativa e financeira e têm de gerir os seus recursos quer humanos, quer materiais.

O que lhe quero dizer é que vamos ter um modelo de financiamento diferente. Começámos através dos GDH (grupos de diagnóstico homogéneos), em 1990, com cerca de 10 %, passámos em 1991 para 15 % e, em 1992, vamos utilizar os GDH em 20 %. Os GDH vão introduzir no hospital uma maior necessidade de competitividade, de equilíbrio da despesa, de uma enorme atenção em relação aos efeitos dessa mesma despesa e, por isso mesmo, uma parte, cerca de 80 %, ainda vai ser financiada através dos esquemas tradicionais mas a outra parte, cerca de 20 %, é financiada através dos GDH.

São, precisamente, os GDH que referem que alguns hospitais centrais, e não todos, pois o que está em causa é a condensação de todos os hospitais centrais, estão a gastar acima daquilo que deveriam gastar, ou seja, estão a gastar em todas as suas intervenções acima da média que foi definida pelos GDH para todo o País. Em consequência, estes hospitais têm de promover alterações ao seu estilo de gestão, com vista a encontrar o meio adequado para se enquadrarem no montante dos GDH. Trata-se de elementos indicativos e, ao mesmo tempo, de elementos que queremos fazer sentir junto dos diversos estabelecimentos, por forma que eles percebam que não se pode gastar sem tecto.

Assim, se o Orçamento é aprovado na Assembleia da República — e repito que considero este Orçamento razoável — não posso deixar de aprovar também um orçamento para as instituições hospitalares, porque, caso contrário, não há ninguém que controle, e isso não pode ser pois temos de controlar as despesas dos hospitais, custe o que custar.

O Sr. Deputado Agostinho Lopes levantou ainda outras questões em relação às verbas para o regime das carreiras de enfermagem e para a admissão de enfermeiros e se se vão manter os atrasos em relação aos fornecedores. Devo dizer-lhe que as verbas para esses regimes estão enqua-dradas neste Orçamento e, em relação á admissão de en-

Página 158

244-(158)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

fermeiros admitiremos aqueles relativamente aos quais tivermos disponibilidade para admitir, porque da mesma maneira que não o fazemos em relação aos médicos também não o vamos fazer em relação aos enfermeiros ou a qualquer outra categoria profissional. Assim, vamos admitir os enfermeiros que tivermos disponibilidade para admitir, ou seja, não basta ter o curso de enfermagem para dizer «tenho um lugar no Estado».

O curso de enfermagem é proporcionado pelo Ministério da Saúde, conjuntamente com o Ministério da Educação, mas o que é certo é que há muitas outras instituições de natureza particular, cooperativa ou outra que podem, eventualmente, vir a empregar enfermeiros. O que não posso, de maneira nenhuma, é admitir que os enfermeiros saiam hoje e estejam amanhã na rua a reivindicar que querem entrar para o Estado. Eles podem entrar para onde quiserem e o Estado admite-os quando muito bem entender e quando precisar do seu trabalho. É o que acontece com os médicos e, fora do Ministério da Saúde, com os economistas ou quaisquer outras profissões.

Em relação às taxas moderadoras, o Sr. Deputado referiu o que dizem os jornais. Os Srs. Deputados analisam muito na base do que dizem os jornais e confesso que estou disponível para vir aqui dizer a verdade todas as vezes que os Srs. Deputados o solicitarem, tal como nunca me recusei a estar presente na Comissão de Saúde para prestar todos os esclarecimentos.

Peço-lhes um favor: não leiam ou não meditem exclusivamente naquilo que dizem os jornais porque muitas vezes estão mal informados e provavelmente dizem aquilo que algumas pessoas querem que seja dito e não aquilo que é verdade.

Em todo o caso, as taxas moderadoras irão, de acordo com os cálculos que fizemos, produzir um aumento na receita que, do nosso ponto de vista, não é o mais significativo mas promove uma redução no consumismo. E se eventualmente conseguirmos promover a redução que esperamos no consumismo, ou seja, que ele se situe em cerca de 3,844 milhões de contos, nessa altura teremos aqui as economias necessárias para poder satisfazer o aumento de 5 % na comparticipação dos medicamentos aos reformados, que foi negociado no domínio da concertação social e consideramos ser uma medida mais do que justa.

O Sr. Deputado Agostinho Lopes falou ainda de alguns assuntos particulares, designadamente da questão do encerramento dos serviços de urgência do Hospital de Benavente. Quanto a isso, devo dizer-lhe que o referido Hospital pertence à misericórdia e não à rede do Estado e tem, portanto, a natureza de hospital particular. Em todo o caso, embora não possa responder por um hospital que é particular, digo-lhe que, provavelmente, durante o período das 24 horas às 8 da manhã teria dois ou três doentes e, então, Benavente não está tão longe de Vila Franca, onde há um hospital aberto durante toda a noite — vinte e quatro horas por dia e 365 dias por ano —, que as pessoas não possam aí deslocar-se. No entanto, confesso que esta matéria é única e exclusivamente da responsabilidade da administração do Hospital de Benavente que, como lhe disse, é um hospital da misericórdia e não da rede do Estado.

Em relação aos médicos de família, estamos a abrir as vagas em função dos descongelamentos e estamos, neste momento, a fazer uma coisa que, do nosso ponto de vista, é importante, ou seja, estamos a abrir primeiro as vagas no interior para depois virmos para o litoral. E isto porque, como é sabido, os profissionais de saúde, tal como,

eventualmente, os da educação ou de qualquer outra área, têm uma enorme tendência para se desviarem para a área do litoral e não irem para a do interior. No entanto, é natural que encontre ainda algumas falhas no litoral, porque neste momento estamos a fazer um enorme esforço de abertura de vagas no interior, por forma a dotar os centros de saúde do interior dos meios humanos necessários para fazer face às necessidades.

Relativamente à questão sobre o Centro de Saúde de Palmela responderei por escrito nos próximos dias na medida em que não disponho neste momento dos elementos necessários para lhe poder responder de imediato.

Quanto a Torres Novas, está em análise se se deve fazer a ampliação ou se se deve fazer um novo bloco. Em princípio, a ampliação pura e simples da actual unidade hospitalar parece, segundo os técnicos, ser difícil e excessivamente onerosa, dado o estado do edifício que é bastante antigo. Em consequência, é muito natural que se avance em Torres Novas para a construção de uma unidade complementar.

Em relação a Torres Vedras, existem duas unidades: o Hospital Distrital de Torres Vedras e o Sanatório do Dr. José Maria Antunes Júnior. Estas verbas estão de facto disponíveis: são 15 000 contos para o Hospital e 15 000 contos para o Sanatório.

No que respeita à saúde mental, esta vai ser objecto de uma alteração a muito curto prazo. Como é sabido, nomeámos uma comissão de peritos, constituída por cerca de 18 a 20 elementos, considerados os melhores peritos do País nesta matéria. Apresentámos um relatório, relatório esse que foi discutido comigo numa reunião e obtive

0 consenso unânime de todos os mesmos peritos no sentido de encontrarmos uma solução alternativa à actual solução. Temos hoje uma solução que é cara e que — está provado —não produziu os resultados que se previam, pelo que manter um sistema de saúde mental vertical de norte a sul do País, com autonomia administrativa e financeira, e que às vezes tem o centro de saúde mental, que trabalha na cerca do hospital mas não quer nenhuma relação com o hospital, nem quer nenhuma relação com o centro de saúde normal é, de facto, algo que não está correcto porque assim teremos de ter contínuos, teremos que ter motoristas, teremos que ter, nalguns casos, refeitórios, pessoal de apoio, etc. Por isso mesmo entendemos que se deve rentabilizar esta área. E não está provado que os hospitais não possam fazer o mesmo serviço que fazem os centros de saúde mental. Portanto, a única solução é, sem prejuízo dos hospitais especializados, criar nos diversos hospitais os departamentos de psiquiatria e saúde mental, após o que estes poderão fazer o mesmo serviço que prestavam os centros de saúde mental — o seu apoio e sua interligação com a comunidade.

Por último, falou na questão da paramiloidose e também nos hemofílicos. Obviamente, em relação aos hemofílicos, Sr. Deputado, não está inscrita nenhuma verba, até porque não está provado que haja algum hemofílico em Portugal que tenha sido vítima do SIDA pelo facto de ter recebido uma transfusão. Há, de facto, algumas manifestações dessa natureza, está nomeado um grupo que está a analisar em pormenor o que se passou há cerca de cinco ou seis anos atrás, contudo não vamos fazer neste âmbito nenhuma previsão em relação a eventuais coberturas para indemnizações.

O Sr. Deputado Macário Correia levantou a questão do

1 % das receitas do tabaco. Creio que já lhe respondi

Página 159

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(159)

' aquando da minha resposta ao Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha. É de 1 % sobre...

O Sr. Macário Correia (PSD): — Já é menos de 1 % ...

O Orador: —Já é menos!? Não, é de 1 % até ao limite de 1 milhão de contos, mas não se sabe se será mais.

i Possivelmente até devíamos ficar beneficiados.

Sr. Deputado Octávio Teixeira, em relação à questão

dos hospitais, creio que já lhe respondi e relativamente à questão dos medicamentos já üve oportunidade de lhe dizer que procuramos encontrar na redução das despesas o encaixe necessário, ou a verba necessária, para encaixar a despesa adicional com a comparticipação dos medicamentos.

Sr. Deputado Ferraz de Abreu, quero dizer-lhe o que é que foi pago em 1991 e o que é que está por pagar. Seria uma relação que não caberia certamente nesta Sala do Senado! Mas fizemos um resumo durante a última reunião da Comissão de Saúde, apresentámos um mapa com o resumo do que foi pago e do que não foi pago. Penso que esse resumo é significativo, terei todo o gosto em lhe fazer chegar um dossier contendo esses elementos, que penso serem esclarecedores.

Depois pergunta-me se há uma estimativa de receita das taxas moderadoras, agora que se alterou o gratuito por o tendencialmente gratuito. Isso é verdade, é resultado do texto constitucional, como sabe, a lei de bases veio também a acolher essa terminologia, e agora vai ser concretizado em lei ordinária. Pensamos que poderá vir a ter uma expressão na ordem dos 5 ou 6 milhões de contos por ano, mas não está provado. Obviamente que no caso do ano de 1992 não será nem pouco mais ou menos um montante idêntico a esse, na medida que estamos em Fevereiro e as taxas moderadoras entrarão em vigor, no mínimo, por volta daqui a dois meses ou dois meses e meio, o que significa que a receita de 1992 será bastante inferior à que referi.

No que respeita aos quadros de pessoal, como sabe, foi aprovada em 1991 a reestruturação global dos quadros de pessoal de todos os hospitais centrais e distritais, que prevê a colocação do pessoal médico necessário nas diversas instituições. Creio que terá sido a primeira vez que se operou uma alteração global dos quadros do pessoal médico e, neste momento, estão a decorrer os concursos a

! nível de todo o País, havendo, efectivamente, um pequeno problema com os concursos de consultores porque foi

I preciso regulamentar uma pequena área relativa à admissibilidade dos concursos. Estão, pois, a decorrer os concursos em todos os estabelecimentos hospitalares e penso que no final de 1992 estarão praticamente concluídos. Gostaria mesmo que estivessem concluídos em 1992 pelo seguinte: é que em 1993, como é sabido, as vagas dos hospitais públicos podem vir a ser preenchidas por médicos estrangeiros. Era bom que em 1992 todas as instituições avançassem com a realização desses concursos, no sentido de preencherem as suas vagas. E isto não visa, obviamente, estabelecer qualquer limitação à livre circulação de pro-

! fissionais no seio da Comunidade.

Em relação à Lei de Gestão Hospitalar, considero-a uma lei com potencialidades, que ainda não estão esgotadas. Enem percebo porque é que agora, três ou quatro anos depois, se levanta esta questão relativamente a esta lei. Do nosso ponto de vista, tem dado os melhores resultados e, enfim, hoje em dia a lei está praticamente interiorizada no seio dos profissionais, no seio dos estabelecimentos. Obviamente, se for necessário fazer alguma alteração, não

estaremos opacos, intransponíveis a essa mesma alteração, mas considero que neste momento não há razões de maior para proceder a qualquer alteração.

Sr. Deputado António Bacelar, como já disse, na Comissão de Saúde foram anunciados cerca de 120 000 contos para o Centro de Paramiloidose do Norte.

Entretanto, o Sr. Secretário de Estado Adjunto refere--me que está definida também uma verba para apoio ao Centro de Paramiloidose do Sul. Embora, como sabe, toda a investigação actualmente se desenvolva no Hospital de Santo António; o Centro de Paramiloidose digamos que está inserido na área do Hospital de Santo António e espero que venha a produzir os resultados que desejamos.

Penso que o Sr. Deputado Correia de Campos se queria referir aos docentes de enfermagem. A carreira de enfermagem está aprovada, já foi publicada no Diário da República. Portanto, neste momento está em aplicação nas diversas instituições. Creio que o que não está ainda aprovado em Conselho de Ministros é a carreira dos docentes de enfermagem, que está em circulação e que se prevê venha a ser apreciada pelas diversas instituições do Governo com vista a sua aprovação, se não houver objecções. Trata-se de uma carreira que foi negociada com o Ministério da Educação, com o Ministério da Saúde e com o próprio Ministério das Finanças e, portanto, está em circulação. Os encargos resultantes desta carreira situam--se na ordem dos 884 000 contos. Vamos encontrar, com certeza, o financiamento necessário para o efeito.

Relativamente ao Hospital de Viseu, o Sr. Deputado deu a resposta, não vale a pena responder-lhe mais. O facto de se ter feito o concurso internacional levou algum tempo mais. Neste momento estão a ser apreciadas as propostas por 18 grupos que foram constituídos para apreciação das diversas áreas, após o que será feita a adjudicação. Penso que a verba que está inscrita em PIDDAC para 1992 será suficiente para iniciar a construção.

Quanto ao plafond do imposto do tabaco penso que já me referi a ele.

Por último, creio que o Sr. Deputado estava a fazer-me um desafio, que era mudar o regime jurídico dos profissionais da saúde. Ontem mesmo fiz esse desafio a um dirigente sindical que me falava ao telefone, e que me disse: «é preciso mudar o regime jurídico dos profissionais de saúde». Então eu disse-lhe: «faça-me essa proposta, que possivelmente eu aceito-a». Gostaria também de partilhar essa mesma posição. Mas se isso vier da parte dos sindicatos, com certeza que nós estamos desde já abertos a estudar com todo o interesse a alteração do regime jurídico dos profissionais de saúde.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.1 Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.* Helena Torres Marques (PS): — Sr. Ministro, a pergunta é muito curta e portanto a sua resposta também deve ser muito fácil.

V. Ex.' esteve comigo no Hospital Distrital de Beja, foi--lhe apresentado um conjunto de obras absolutamente indispensáveis de alargamento, existindo já terreno e até obras começadas. O Sr. Ministro mostrou, naquela altura — foi antes das eleições — uma grande disponibilidade para que a obra avançasse. Não vejo a obra referida no Orçamento. E capaz de explicar o que é que se está a passar com este projecto que é tão premente para a região?

Página 160

244-(160)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Uso da palavra apenas para dizer que era bom que o Sr. Ministro pudesse, mesmo que futuramente, esclarecer melhor toda esta questão das dívidas internas, externas, etc., até para não surgirem contradições como as que surgiram.

O Sr. Ministro referiu que o valor das dívidas ao exterior seria de 17,5 milhões de contos aproximadamente e há bem pouco tempo, na Comissão de Saúde, o Sr. Secretário de Estado Adjunto disse que esta mesma verba era, de facto, de dívida ao exterior, mas dívida ao exterior que ultrapassava o prazo dos 90 dias. Isto faz supor que, além dos 17,5 milhões de contos, haveria outra dívida ao exterior com o mesmo prazo.

Uma segunda questão diz respeito aos enfermeiros. Penso que o Sr. Ministro inverteu completamente o problema. Não se trata de garantir-lhes emprego forçosamente, mas sim que o Ministério da Saúde está a dar-lhes emprego com contratos manifestamente inadequados para o Serviço Nacional de Saúde.

Finalmente, continuo sem saber se estão previstas as verbas para as carreiras dos profissionais no orçamento do Ministério da Saúde. Estarão no orçamento do Ministério das Finanças como a correspondente à subida dos 10 %?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Ministro, certamente, por lapso, esqueceu-se de dar uma explicação para a diferença de 8 milhões de contos de receitas próprias entre o Orçamento apresentado oficialmente à Assembleia da República e o orçamento do Ministério.

Entretanto, Sr. Ministro, registo a resposta que deu: que aquilo que foi introduzido no acordo de concertação social, mesmo para a saúde, não tem implicações orçamentais. As verbas são, de facto, diminutas e não vale a pena inscrevê-las, porque poupar mais em despesas, Sr. Ministro, não é possível!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Deputado Octávio Teixeira, referi um montante de 3 844 000 contos, o que não é, propriamente, uma verba insignificante.

Relativamente às outras duas questões, pedia ao Sr. Secretário de Estado Adjunto que as referisse, que eu depois respondo à Sr.1 Deputada Helena Torres Marques.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da

Saúde: — Relativamente à dívida importa clarificar o seguinte: a dívida total do Ministério da Saúde, incluindo dívidas ao exterior e dívidas interinstiiuições, é, efectivamente, de 67 milhões de contos. Desta dívida há um montante de 17,5 milhões de contos que ultrapassam os prazos médios de pagamento, porque consideramos dívida desde o momento que se fez a encomenda — em que ela foi entregue — até ao momento do pagamento. E evidente que há um período que ronda os 90 dias em que não é considerado dívida ainda; em termos contabilísticos

sê-lo-á, mas em termos de relação com o fornecedor não é considerada ainda dívida. Daí terem aparecido os 17,5 milhões de contos. O que o Sr. Ministro quis aqui referir

è uma outra situação: é que, efectivamente, nestes 67 milhões dc contos estão consideradas verbas que são do

próprio sistema e não do exterior.

A diferença que aparece nas receitas próprias entre os 30 milhões e os 37 milhões que aparecem referidos por nós deve-se a um desfasamento no tempo desde que nós fizemos projecções e enviámos os elementos para o Ministério das Finanças até ao momento em que estivemos na Comissão de Saúde e em que puderam ser apurados outros números mais precisos relativamente às verbas que são receitas próprias das instituições e não do Serviço Nacional de Saúde. É que há duas verbas, uma do Serviço Nacional de Saúde, que será da ordem de 1,8 milhões de contos, se a memória não me falha, e uma outra que é uma verba das próprias instituições. Portanto, o que houve, efectivamente, foi um apuramento diferente e incluindo aquilo que há pouco foi referido, ou seja, as verbas resultantes das próprias taxas.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr.1 Deputada Helena Torres Marques, não encontro no PIDDAC para 1992 a verba referente ao Hospital de Beja. Presumo — porque temos cerca de mil e tal estabelecimentos, e não os tenho todos na cabeça — que o que aconteceu foi o seguinte: na altura foi-nos dito que uma parte desse investimento seria financiada através de fundos comunitários e a outra através do orçamento do Ministério da Saúde e eu presumo que ainda não foi obtida a garantia do financiamento por parte do programa comunitário adequado. Se assim foi, obviamente nós só colocamos em PIDDAC, só reservamos a comparticipação desde que esteja garantida a outra verba. Presumo que terá ocorrido essa situação mas, em todo o caso, terei todo o gosto em lhe referir o que vier a apurar.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, desejo referir, para que fique gravado, que a mesa recebeu uma carta do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses em que são colocadas algumas questões relativas às suas carreiras. Nessa carta é também referido que esta discussão não é pública, o que não é verdade. No entanto, como as questões que eram referidas nesta carta foram colocadas por vários dos Srs. Deputados e respondidas pelo Sr. Ministro da Saúde não as colocarei de novo.

Resta-me agradecer ao Sr. Ministro da Saúde e aos Srs. Secretários de Estado os esclarecimentos prestados à Comissão de Economia, Finanças e Plano e agradeço igualmente aos Srs. Deputados a concisão que colocaram nas respectivas perguntas.

Srs. Deputados, está interrompida a reunião.

Eram 11 horas e 45 minutos

Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos.

Eram 11 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação do orçamento do Ministério da Justiça.

Página 161

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(161)

Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Renovo a manifestação do meu gosto em estar convosco e, se me permitem, farei uma breve introdução para a seguir me sujeitar de forma gostosamente democrática às questões que queiram colocar.

Gostaria de situar o orçamento do Ministério da Justiça para 1992 no enquadramento do Orçamento do Estado na sua globalidade para o referenciar àquilo que são as motivações fundamentais que condicionaram a elaboração deste orçamento global. Por um lado, a definição dos objectivos políticos, que no debate na generalidade foram sobejamente apresentados, para o referenciar àquilo que foi a opção da estrutura macroeconómica do mesmo orçamento.

Cada orçamento departamental deve — e isso aconteceu — ser condicionado, mas quando refiro «condicionado» não quero dizer que o seja negativamente, por esse conjunto de objectivos centrais de política e de macroeconomia e é, portanto, nessa medida que o orçamento do Ministério da Justiça para 1992 é também um orçamento de estratégia.

É um orçamento de estratégia que arranca, por um lado, de uma exigência — que colocámos a nós próprios — virada para uma maior racionalização de meios e de serviços e é, por outro lado, um orçamento elaborado a partir da execução do orçamento de 1991. Neste aspecto, a comparação que nos impusemos foi justamente a de referenciar o actual orçamento para 1992 não ao orçamento previsto para 1991, mas à execução orçamental de 1991. Assim, no Orçamento do Estado a execução foi de 99,5 e no orçamento do Gabinete de Gestão Financeira a execução foi de 84,5, o que significa que, numa perspectiva de rigor, para 1992 se constacta no Orçamento do Estado um acréscimo de 11 % e no orçamento do Gabinete de Gestão Financeira um acréscimo de 9 %.

Por outro lado, apresentado, como foi, no início desta legislatura, o Programa do Governo e definida aí uma política de justiça para Portugal, este orçamento de 1992 é também um orçamento que se compagina com aquilo que, do ponto de vista plurianual, será a reflexão dos orçamentos de legislatura para aquilo que é o programa de legislatura e para aquilo que é a consecução da política de justiça então apresentada.

Para este primeiro ano, por isso, entendemos definir como objectivos fundamentais, por um lado, a consolidação dos projectos em curso, porque foram vários aqueles que inovadoramente se lançaram na legislatura anterior e é fundamental consolidá-los, e, por outro lado, o lançamento da estrutura legislativa básica para, a partir daí, podermos tornar efectivamente consequente a política de justiça que então apresentámos e que foi aprovada pelo Parlamento.

Digamos por isso, se quiséssemos sintetizar, que a estratégia que subjaz ao orçamento do Ministério da Justiça para 1992 é uma estratégia de evolução controlada. E controlada no sentido de não permitir um disparo nessa evolução que, não analisado e acompanhado criticamente, possa eventualmente conduzir a soluções que se repercutiriam no futuro, isto é, em soluções de menos qualidade do ponto de vista da opção de fundo e ao mesmo tempo em dispêndio improdutivo de recursos que são sempre escassos.

Posto isto, e dado o enquadramento global em face do qual devemos ana/isar acriticamente o orçamento do Mi-

nistério da Justiça, uma referência parentética à situação do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça.

Como os Srs. Deputados sabem, sobretudo aqueles que mais se têm preocupado em acompanhar este tema e que mais experiência têm de sessões parlamentares, a questão fundamental do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça é a que se prende, por um lado, com a formulação da sua lei orgânica e, por outro lado, aquela que, a partir daí, irá permitir uma gestão financeira do Ministério da Justiça e das suas disponibilidades com obediência estrita à totalidade das regras da contabilidade pública, nomeadamente ao princípio da globalidade e da universalidade na cobrança das receitas.

Há um trabalho que vem sendo desenvolvido no âmbito do Ministério da Justiça no sentido de conseguir rapidamente atingir essa intenção, que é uma intenção política declarada pelo Governo, mas trata-se de um trabalho que, simultaneamente, tem dois objectivos diferenciados: o primeiro é o de garantir uma total transparência na cobrança e na gestão das receitas próprias do Ministério da Justiça e o segundo é o de garantir uma mais eficaz gestão interna e, portanto, um conjunto de matérias que se prendem com a Lei Orgânica do Gabinete de Gestão Financeira.

Entendemos que o primeiro objectivo é, do ponto de vista político e democrático, o principal, e, como VV. Ex.** sabem — e já foi reconhecido por alguns dos Srs. Deputados, nomeadamente da oposição—, essa transparência tem sido cada vez maior e hoje a relação de informação entre o Ministério da Justiça e a Assembleia da República é uma relação imediata que se verifica sem quaisquer entorses e sem qualquer menosprezo pela Assembleia da República e, portanto, sem qualquer fornecimento de menor informação à Assembleia da República. Nesse campo está assim garantida a transparência em obediência às regras da contabilidade pública em geral, ao fornecimento periódico de informações e ao controlo da legalidade pela apreciação anual das contas pelo Tribunal de Contas cuja actuação, há algum tempo atrás, neste campo, como VV. Ex.** bem sabem, não estava sequer prevista e não se verificava.

Portanto, não estão garantidos ainda o conjunto, na sua especificidade própria, de todos os princípios o que, todavia, se justifica, por um lado, pelo processo interno de restruturação dos serviços em geral, pelo processo de reestruturação em particular da Direcção-Geral dos Registos e Notariado e dos respectivos serviços, sendo aí que a questão se coloca com maior ênfase, e, por outro lado, pela definição do critério de financiamento do Gabinete de Gestão Financeira porque também aí é fundamental que primeiro se reorganize internamente o Ministério da Justiça na sua globalidade para depois fazermos a distinção entre aqueles departamentos, aqueles sectores de actividade, que devem ser financiados totalmente pelo Orçamento do Estado, e aqueles outros que devem ser financiados totalmente pelo orçamento do Gabinete de Gestão Financeira.

Por outro lado, trata-se duma reforma que tem que ser, evidentemente, compatibilizada com a reforma geral da contabilidade pública, ela também por concluir em absoluto. Enquanto isso não acontece, prosseguirá, claramente, o esforço de transparência e, portanto, abandonou-se já uma prática antiga de subdimensionamento de receitas, que merecia muitas vezes justas críticas da Assembleia da República, e assim se clarifica a prática e a Mormaçáo sobre as aplicações financeiras e de gestão de saldos.

Página 162

244-(162)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

O processo de reestruturação terá em conta não apenas a vertente financeira mas também a do próprio Gabinete de Gestão Financeira e, portanto, aquilo que nesteimo-mento está por detrás da justificação que, clara e transparentemente, vos trago é, no fundo, também aí, se pretenderem, uma justificação de estratégia.

No fundo, aquilo que é fundamental é saber o que fazer primeiro: se a reestruturação do Gabinete de Gestão Financeira e depois, a partir daí, a própria reorganização do Ministério da Justiça, se, pelo contrário, reorganizar primeiro internamente o Ministério da Justiça com ar sua lei orgânica e com a redefinição de competências e depois o Gabinete de Gestão Financeira.

Parece-nos claramente que, em favor do funcionamento do sistema de justiça, a nossa opção é a mais correcta. No fundo, a breve trecho teremos revista a Lei Orgânica do Ministério da Justiça, redefinidas as competências, distinguido aquilo que é judiciário e deve pertencer ao Gabinete de Gestão Financeira daquilo que não sendo judiciário será suportado pelo Orçamento do Estado. Também não decidimos se com a Lei Orgânica do Ministério da Justiça redefiniremos também, porventura, o próprio incrustamento interno do Gabinete de Gestão Financeira, e só nesse momento estaremos em condições de dar o passo definitivo para a consolidação orgânica da área de gestão financeira do Ministério da Justiça.

Lembro, por exemplo, que a reforma profunda que está a ser desenvolvida na área dos registos e notariado é claramente condicionante daquilo que entendemos depois ser a filosofia para a estruturação orgânica dos mecanismos e dos instrumentos de gestão financeira do Ministério da Justiça.

O que gostaria era de deixar, como síntese, para encerrar este debate, a indicação de que a Assembleia da República contará sempre, de forma imediata e clara, com a total

informação que seja solicitada ao Ministério da Justiça, seja

aquela que tradicionalmente é enviada à Assembleia da República, seja pontualmente toda e qualquer informação que qualquer dos Srs. Deputados entenda solicitar ao Ministério da Justiça.

Quanto ao programa para 1992, relacionando-o, obviamente, com o Orçamento do Estado para 1992, limitar--me-ia, nesta primeira fase, a dar-vos alguns traços gerais para não me alongar excessivamente nesta minha intervenção.

Desde logo uma vertente fundamental a desenvolver no âmbito do Ministério da Justiça é a que se prende com a actividade legislativa e aquilo que é seriamente possível anunciar para este ano de 1992.

Assim, o Governo apresentará à Assembleia da República, entre Abril e Maio, a proposta de lei que consubstanciará o novo Código Penal.

Até ao fim do ano será apresentada a revisão do Código de Processo Penal que não será, pelo menos na expectativa presente, excessivamente profunda, sobretudo para o adaptar à revisão do Código Penal e, eventualmente, para criar alguns mecanismos de lubrificação do sistema, ele já claramente lubrificado a partir da publicação e entrada em vigor do Código de Processo Penal que actualmente integra o quadro legislativo em Portugal.

Entre Abril e Maio será apresentado à Assembleia da República o diploma que revê toda a legislação sobre droga.

Está em preparação, neste momento, o diploma que irá rever o funcionamento, e porventura as competências, dos

tribunais de execução das penas.

Entre Junho e Julho, numa perspectiva um pouco pessimista, porque pode haver alguma antecipação, será apresentado o Código das Falências e entre Abril e Maio o diploma que vem alterar a legislação relativa à adopção.

Quanto ao processo civil, está neste momento em curso um trabalho no sentido de estabelecer um texto com as grandes linhas de uma outra perspectiva do processo civil. Logo que esteja concluído — e esperamos que isso aconteça até ao fim de Junho — será posto à discussão pública para que essas orientações possam suscitar sobre elas um debate alargado que permita conduzir a uma perspectiva consensual. A partir daí, aprovadas, porventura, essas grandes linhas, entrar-se-á na elaboração técnica do novo Código de Processo Civil, sendo previsível que, até ao fim do ano, possa estar concluído.

Por outro lado, estão em preparação — e abriria aqui, por razões óbvias, um parêntesis um pouco mais explicativo — alterações à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, ao respectivo Regulamento, à Lei Orgânica do Ministério Público e ao Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Se me permitem apenas uma nota explicativa, porque me parece importante dá-la neste momento, o que está a acontecer no processo de elaboração legislativa normal é que, numa primeira fase, ao longo de vários meses e, portanto, ao longo de vários encontros mantidos quer com a Procuradoria-Geral da República, quer com o Conselho Superior da Magistratura, quer com as associações sindicais, os temas que agora estão em análise técnica foram largamente debatidos.

Neste momento, no Gabinete do Ministro da Justiça, trabalha-se tecnicamente sobre a elaboração da proposta de lei. Estamos a vazar em forma de proposta de lei, num trabalho meramente técnico, aquilo que, na nossa perspectiva, resultou de várias discussões entretanto ocorridas. E logo que esse texto esteja concluído e transformado em

projecto de lei será apresentado de novo ao Conselho Superior da Magistratura, à Procuradoria-Geral da República e às associações sindicais.

Simplesmente, entendemos que, tratando-se de matéria estruturante do sistema judiciário português, devíamos ter a iniciativa legislativa sob a forma de proposta de lei. Inclusivamente, está na intenção do Governo remeter à Assembleia da República não apenas os textos das propostas de lei, mas também os projectos de decreto-lei que serão decorrentes das leis entretanto a aprovar pela Assembleia da República.

Isto é, entendemos que uma reforma estruturante da justiça portuguesa deve ter um lugar destacado na discussão na Assembleia da República, que deve ser considerada nesta matéria, como em várias outras, pelo Governo, como o órgão legislativo por excelência. E entendemos que é no Plenário ou na especialidade, ao nível das comissões, que a discussão alargada deve ser suscitada, porque o nosso propósito é o de conseguir, em torno de todas estas matérias, o máximo de consenso para que, uma vez aprovados os diplomas legislativos, eles sejam verdadeiramente nacionais, aceites por todos e não eventualmente conducentes, aqui ou ali, ao bloqueio do sistema pelo facto de conterem, não direi o gérmen da sua própria destruição, mas o da sua própria contestação.

É, portanto, com total transparência e clareza que o Governo, através do Ministério da Justiça, está a actuar nesta matéria. Ouviu primeiro, está a trabalhar tecnicamente agora, voltará a ouvir depois, legislará sob a forma de proposta de lei, as propostas de lei serão apresentadas

Página 163

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(103)

à Assembleia da República como propostas abertas para que aqui sofram as melhorias que resultarem de um debate alargado, repito, quer em Plenário, quer em comissão, e para que no termo deste processo da elaboração legislativa possamos ter todos concorrido para uma modificação significativa do sistema judiciário português, sobretudo de modo a garantir dois valores fundamentais: por um lado, a independência dos tribunais — onde estarei sempre na primeira linha — e, em segundo lugar, uma maior eficiência de resposta dos serviços de justiça em geral e do órgão de soberania que são os tribunais.

Esperamos que a muito breve trecho essa proposta possa ser presente à Assembleia da República e que, uma vez mais, as exigências da dimensão de Estado que esta matéria tem nos apele mais a uma aproximação consensual na procura dos problemas e da sua solução do que a uma perspectiva conflituai que, certamente, seria redutora do debate e da discussão e que também não conduziria à qualidade dos textos finais a aprovar.

Estou perfeitamente seguro disso. Digo-o apenas para que fique claro. Pela minha parte, não duvido de que assim irá acontecer nesta Casa.

Independentemente daquilo que vai ser a actividade legislativa e que não se circunscreverá, certamente, a estes textos que acabei de referir a VV. Ex", outros haverá, porventura, menos importantes, ou, pelo menos, de menor dimensão, mas há alguns outros aspectos que, numa síntese também redutora, gostaria de destacar.

Em primeiro lugar, aquele que se refere ao acesso ao direito. É sabido, e sempre foi dito pelo Governo e por mim próprio, que esta é uma área onde ainda há carências no sistema de justiça em Portugal. Não há dúvida de que, comparando o sistema de justiça português com alguns outros, poderemos dizer, como o cardeal, «como é diferente a Justiça em Portugal». Mas não é menos verdade, também, que, comparando com vários outros, podemos continuar a dizer «como é felizmente diferente a justiça em Portugal».

Estamos, portanto, num ponto intermédio, onde a situação é bem melhor do que já foi, embora esteja ainda longe daquilo que todos gostaremos que venha a ser.

Qual é a estratégia para 1992? Exactamente a de prosseguirmos a instalação e o funcionamento dos gabinetes de consulta jurídica gratuita, que começaram a conhecer um ritmo de instalação bastante superior ao que estava previsto inicialmente.

Tínhamos gabinetes de consulta jurídica gratuita em Lisboa e no Porto; temos, hoje, além destes, Lamego, Coimbra, Évora, Guimarães e em breve Faro. Vários outros serão instalados em 1992 e o objectivo final é o de ter um gabinete de consulta jurídica gratuita por cada sede de círculo judicial.

Para isso, e para o Programa Cidadão e Justiça, que também exerce uma função essencial nesta área do acesso ao direito pela via da informação, há no orçamento para 1992 uma previsão de 85 000 contos que, pela projecção dos anos anteriores, se mostra claramente suficiente para permitir o desenvolvimento desta estratégia que nos parece fundamental quanto à garantia de um melhor acesso ao direito pela via da informação.

Por outro lado, além do apoio judiciário ter duplicado de 1990 para 1991 e voltado a duplicar de 1991 para 1992, iremos apresentar, brevemente, porventura ainda na Lei do Orçamento do Estado, a actualização das tabelas dos advogados que estão desactualizadas e porque, por essa via, também se garante, obviamente, uma melhor qualidade na

prestação do serviço de advogado neste domínio do apoio judiciário, tão essencial para nós.

Em relação a outra área, que é a que se refere ao apoio às vítimas de crimes graves, durante muito tempo reclamada, e que conheceu a sua previsão legislativa no termo da legislatura anterior, estamos agora na fase final da elaboração do diploma regulamentar, que vai permitir a efectiva entrada em vigor daquele que veio prever o apoio às vítimas de crimes graves. Justamente porque queremos querem 1992, e rapidamente, o sistema entre em funcionamento, o orçamento prevê para este ano uma verba de 300 000 contos para esse efeito.

Como se calculará, trata-se de uma verba que foi aqui, mais do que em qualquer outro lugar, definida por um cálculo prospectivo mas que é susceptível de ser obviamente corrigida, visto que, não havendo nenhuma experiência neste sentido, difícil será garantir que esta é a verba que permite o funcionamento efectivo do sistema.

Estamos claramente convencidos de que sim, admitimos mesmo que ela possa ser excessiva. Em todo o caso, será obviamente no acompanhamento deste primeiro ano do funcionamento do sistema que teremos de ver se se justifica ou não algum eventual reforço neste domínio.

Relativamente ao funcionamento dos tribunais, e independentemente daquilo que vier a resultar das alterações legislativas que viremos propor a esta Camara, gostaria de vos dar algumas informações no que se refere, em primeiro lugar, a instalações.

O PIDDAC do Ministério da Justiça, neste domínio, tem um crescimento de 15,2%, o que vai permitir o desenvolvimento das obras em curso e, sobretudo, do programa traçado para a recuperação total do parque judiciário português. Este ano terão início obras fundamentais, como as relativas aos Palácios da Justiça de Setúbal, da Moita, de Braga, de Gaia, de Matosinhos, de Portimão, de Loulé, de Vila Real de Santo António, de São João da Madeira, de Seia, de Coruche e outros de menor porte.

Em 1992 concluir-se-ão as obras, em Lisboa, das novas instalações do DIAP e dos TIC e dos Palácios da Justiça de Albufeira, de Macedo de Cavaleiros, de Vila Viçosa, de Peniche, de Oeiras, de Paredes de Coura, de Armamar, de Tabuaço, de Porto Santo, o Tribunal do Trabalho de Guimarães, de Lamego e o Tribunal de Menores e de Família de Coimbra.

Iniciar-se-á um projecto semelhante em mais 32 neste ano, os quais seria fastidioso referir aqui. Destacarei, porventura, como mais significativos, os do Barreiro, de Sintra, de Cascais, de Loures, de Mafra, os Juízos Criminais de Lisboa e o novo Palácio Polivalente de Coimbra.

Estão em estudo, para lançamento do projecto, mais 11 e prosseguirão as obras de remodelação em quase todas as comarcas do País, com destaque para os Tribunais Criminais do Porto.

Esta é a linha que vem mostrar, na prática, a possibilidade de concretização do programa que, oportunamente, foi lançado pelo Ministério da Justiça e é importante referir que, no seu âmbito, apenas nos últimos dois anos foram inaugurados 18 novos palácios da justiça e tribunais.

No que respeita à informatização e a outras tecnologias, ainda no domínio dos tribunais, há uma previsão de 400 000 contos em 1992 para a informatização, que arrancará pelo desenvolvimento do investimento inicial e, agora, com o controlo da respectiva utilização.

Assim, posso referir-vos que, em 1992, serão instalados 800 novos microcomputadores nos tribunais, sendo certo

Página 164

244-(164)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

que hoje cada secção de iodos os tribunais já dispõe de um. Portanto, esta segunda fase não vai duplicar o número de microcomputadores, mas fazer uma segunda instalação nas áreas de utilização mais efectiva, deixando apenas ainda com o microcomputador, numa diferença de apenas 400, aqueles que ainda não têm uma utilização que seja considerada rentável do microcomputador instalado.

Por outro lado, serão instalados, durante este ano de 1992, os terminais para magistrados, para acesso às bases de dados, sendo certo que está praticamente concluída a informatização da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que está em fase adiantada a informatização do Tribunal da Relação do Porto, que está a iniciar-se a informatização do Tribunal da Relação de Lisboa e que está concluída a informatização da Procuradoria-Geral da República, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional.

E esta a altura que se considera adequada para a instalação dos terminais que, simultaneamente, vão permitir o acesso a outras bases de dados, nomeadamente à da Comunidade Europeia e aí, particularmente, às do Tribunal de Justiça das Comunidades.

Por outro lado, informatizar-se-á a ligação entre o DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal) e a Polícia Judiciária, o que vai permitir um ganho importante e, portanto, um rendimento bastante mais acelerado no desenvolvimento dos processos a correrem no DIAP ou, sob a direcção deste, na Polícia Judiciária.

Continuará, e eventualmente concluir-se-á — não gostaria de me comprometer quanto à conclusão, porque só no fim do ano estaremos na fase final e a sua conclusão pode eventualmente não ocorrer ainda em 1992 —, o conjunto das experiências piloto em informática judiciária e da gestão. Posso dizer-vos que a experiência de Sesimbra está praticamente concluída e é justamente a capacidade dessa experiência que nos permitirá, porventura ainda este ano, começar a fazer «migrar» o sistema e, portanto, dar passos decisivos, muito mais cedo do que há anos se pensava, no domínio da informática judiciária e da gestão do sistema.

No que se refere à gravação áudio, ela está praticamente instalada em todos os tribunais, terminando a muito breve trecho. Entraremos imediatamente no processo subsequente, quer de elaboração legislativa quanto à sua utilização, quer de instalação de sistemas experimentais numa primeira fase, para, depois destes concuídos, se legislar com melhor segurança sobre o funcionamento do sistema de gravação áudio. Com a sua entrada em funcionamento, ganharemos claramente na democraticidade da administração da justiça, quer quanto ao controlo da legalidade das audiências, quer quanto ao controlo da prova em via de recurso. Não posso deixar de salientar o que de significativo esta medida representa para a melhoria da transparência da administração da justiça e, portanto, da sua democraticidade, projectada na consolidação do Estado de direito que todos pretendemos ver definitivamente instalado entre nós.

Por outro lado, gostaria também de salientar a situação actual no que se refere à instalação dos sistemas de telecópia, já hoje em todos os tribunais do País e a conhecer, em 1992, o desenvolvimento que vai permitir a multiplicação de outros telefaxes em tribunais onde a quantidade de serviço justifique que assim aconteça. Como sabem, já há legislação nesta matéria que vem permitir a utilização da telecópia na comunicação dos actos judiciais, nomeadamente no interior do processo, sendo este um outro

sistema que vem contribuir largamente para uma maior celeridade na administração da justiça.

No que se refere aos serviços prisionais, para um PIDDAC de 1,7 milhões de contos, encontramos justificação resultante da evolução real dos trabalhos, nomeadamente no que

se refere ao estabelecimento prisional do Funchal—que

conheceu uma fase de paragem durante este ano por ra-zões que são sempre imprevisíveis, visto que se tratou de questões de natureza técnico-ftnanceira da empresa adjudicatária, mas a situação está em vias de solução e de rearranque da obra —, ao estabelecimento prisional de Faro e ao alargamento do estabelecimento prisional de Santa Cruz do Bispo, cujas obras para a instalação de um novo pavilhão já se iniciaram. Por outro lado, está em projecto, na Secretaria-Geral do Ministério da Justiça, aquilo que virá a ser a nova fisionomia do Estabelecimento Prisional de Sintra, com a criação da primeira aldeia prisional, virada sobretudo para a área dos reclusos com problemas de toxicodependência, e a comunidade prisional jovem de Viseu, que será um ponto de viragem claro na filosofia do sistema prisional português e irá permitir que, na Europa, dentro de pouco tempo, se diga «como é diferente a justiça em Portugal».

Sublinho também aqui o encerramento da prisão de Monsanto e faço-o não tanto pelo significado que esse encerramento tem agora—já que, no Ministério da Justiça, não damos um relevo muito particular ao que já está feito, por entendermos que é mais importante dá-lo àquilo que falta fazer — mas pelo facto de se tratar de um tema recorrente. De facto, durante anos e anos, perguntava-se: «Sr. Ministro, quando é que se encerra o estabalecimento prisional de Monsanto?» E, durante anos e anos, sempre se respondia: «E previsível que seja este ano.» A previsibilidade concretizou-se! Foi dado o prazo de um ano para encerrar o pior estabelecimento prisional do País e isso aconteceu.

Hoje, haverá com certeza outro que é o pior estabelecimento prisional do País, mas é preciso encerrar o pior dos piores, para que, depois, se possa encerrar o pior a seguir ao pior e, dentro de pouco tempo, possamos perder um pouco esta fobia boa pelo encerramento dos maus estabelecimentos prisionais do País. O de Monsanto já está encerrado — aconteceu aquilo em que não se acreditava!

Por outro lado, o encerramento da prisão de Monsanto surgiu na linha de uma política de recuperação e de renovação dos estabelecimentos prisionais. Hoje, segue-se, claramente e com êxito, uma política de recuperação das cadeias regionais, que são fundamentais e que, como sabem, durante algum tempo foram postas em causa pelo próprio sistema que caminhava muito mais para um sistema macroprisional. Entendemos que devemos ter um sistema pluriforme e que as cadeias regionais são essenciais por variadíssimas razões que obviamente não vale a pena expender aqui, visto que são do conhecimento de VV. Ex." E é importante referir os trabalhos — e o êxito que daí tem resultado — que decorreram ou estão a decorrer em estabelecimentos prisionais regionais como, por exemplo, o da Covilhã, de Ponta Delgada, de Angra do Heroísmo, de Lamego e, mais recentemente, de Viseu, onde os trabalhos estão ainda numa fase inicial; de qualquer forma, estão na linha deste projecto com que se pretende, simultaneamente, fazer crescer com qualidade todo o sistema prisional na sua diversidade.

Avançaremos mais decididamente, em 1992, para um outro programa — que, suponho, hoje já é aceite com facilidade por todos, mas que, há um ano, ainda era encarado

Página 165

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(165)

com alguma desconfiança — que se consubstancia na privatização das oficinas prisionais. A nossa ideia é a de uma abertura da prisão à comunidade, não apenas numa filosofia tradicional em que a comunidade participava no interior do sistema prisional por favor do sistema, mas criando hoje normas seguras e objectivas que façam intervir, de uma forma clara, participativa e plural, a comunidade no interior do sistema prisional. Isto acontece, por um lado, através da criação, agora em letra de forma, de vários instrumentos de voluntariado e, por outro, no domínio da privatização das oficinas.

Neste momento, já estão em curso experiências positivas, como seja a que se refere à indústria de sapataria, em Paços de Ferreira; está a instalar-se uma indústria metalomecânica no Estabelecimento Prisional de Sintra e há já outro tipo de empresas que manifestam o seu interesse neste tipo de proposta, sobretudo na área da pecuária. Isto justifica que venhamos a legislar sobre esta matéria para prefigurar um quadro legislativo que permita que o avanço que agora parece começar a ser notório possa ter o seu início, já em 1992, de forma mais certa e mais segura.

Por outro lado, acompanha-se de muito perto o Projecto Prisões, que tem a sua origem no Projecto VIDA para a área da toxicodependência, sobretudo as experiências que estão a ter lugar no Linho, em Tires e em Caxias, ao mesmo tempo que abrirá, a breve trecho, a zona de selecção e de despiste na área da toxicodependência, no Estabelecimento Prisional de Lisboa.

Na perspectiva da relação entre prisões e a comunidade, caminharemos também para uma maior interinstituciona-lidade de intervenção no interior das prisões, fazendo um apelo não apenas às instituições do Estado mas também a outras instituições particulares e, muito particular e inovadoramente, às universidades, sobretudo às faculdades de psicologia e àquelas onde se ministram cursos de serviço social, criando, por isso, uma interacção entre aqueles que produzem a formação no exterior da prisão e aqueles que, no interior da prisão, podem vir a beneficiar directamente da formação ministrada no exterior.

O Serviço de Intervenção Social de Justiça, que vai aditar ao Instituto de Reinserção Social a Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores (ou, à Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores, o Instituto de Reinserção Social, dependendo da perspectiva em que queiram colocar a questão), vai permitir a fusão destes dois departamentos do Ministério da Justiça, não apenas para obter uma maior eficácia na resposta às competências que hoje estão atribuídas a cada um deles mas também para potenciar outras eficácias com outras competências e, por isso, a sua designação de Serviço de Intervenção Social de Justiça.

Na área do Instituto de Reinserção Social, passou-se de uma verba prevista de 1,8 milhões de contos para uma dotação de 2,2 milhões de contos. Garante-se a sua instalação em todos os círculos judiciais e, portanto, a fusão da Direcção-Geral com o Instituto de Reinserção Social vai permitir, pela via da instalação do Instituto de Reinserção Social em todos os círculos judiciais, que, já em 1992, muito daquilo que virá a ser a filosofia de intervenção do Serviço de Intervenção Social de Justiça seja garantida a montante pelos instrumentos já disponíveis no seio do Ministério da Justiça.

Por outro lado e ainda nesta área, prosseguirá — e agora de uma forma que, espero, seja notável — a instalação das comissões de protecção de menores, que foram, na legis-

lação que as prevê, aprovadas aqui por unanimidade, sendo portanto uma obra de todos nós que agora importa implementar com rapidez em todo o terreno.

Neste momento, há duas comissões de protecção de menores a funcionar, em Leiria e em Penafiel, e entre 17 e 24 de Fevereiro — e não foi nesta semana, como estava previsto inicialmente, porque não quis deixar de estar presente nesta Comissão — serão instaladas 15, nos seguintes locais: Faro, Évora, Setúbal, Cascais, Vila Franca de Xira, Caldas da Rainha, Peniche, Mealhada, Anadia, Aveiro, Viseu, Lamego, Vila Real e Braga. Até ao final do mês de Abril serão instaladas mais outras 15, estando, neste momento, em curso, no distrito de Coimbra, um projecto para a instalação de uma comissão de protecção de menores por cada sede de concelho, o que significa um número claramente importante, permitindo, portanto, concluir que há hoje um interesse, um desejo, uma espontaneidade, diria mesmo um empolgamento da própria sociedade civil para que as comissões de protecção de menores sejam, a muito breve prazo, uma realidade, em Portugal, com toda a melhoria que esperamos que daí resulte, muito particularmente com este empenhamento da sociedade civil numa área de competências que até aqui estava estritamente adstrita aos tribunais de menores.

No domínio da Polícia Judiciária, mantendo-se o PIDDAC, caminhar-se-á rapidamente para a sua reorganização, no seu conjunto. Neste momento, está concluída a reorganização da DOTE (Direcção Central de Investigação do Tráfico de Estupefacientes), ou seja, do departamento voltado para o combate à droga, que é considerado nesta altura um departamento modelo na Polícia Judiciária. Foram introduzidas ligeiras alterações no domínio dos departamentos vocacionados para o combate à criminalidade violenta, que funcionam com grande qualidade na Polícia Judiciária Está, nesta altura, em fase de reestruturação já avançada a DCICFIEF (Direcção Central de Investigação de Corrupção, Fraudes e Infracções Econó-mico-Financeiras), departamento que se dirige ao combate às fraudes antieconômicas e à corrupção, visto que há da parte do Governo uma clara intenção de promover o combate inequívoco à corrupção, onde quer que ela se verifique. É importante que, neste campo, a Polícia Judiciária disponha de instrumentos, quer de organização quer de intervenção, mais eficazes — e é isso o que está a acontecer neste momento —, para que, logo que esta re-organização esteja terminada e a DCICFIEF tenha melhores condições de intervenção no terreno, se possa passar para a reorganização da Directoria de Lisboa, que é aquela que apresenta nesta altura — justamente porque a ela cabe grande parte da pequena e da média criminalidade — alguns défices que ainda têm de ser compensados.

Por outro lado, já se conseguiram recuperações notáveis na globalidade das inspecções fora dos grandes centros. Cito, por exemplo, a situação do Funchal, que apresentava dificuldades e que, neste momento, é modelar. Já estamos a desenvolver um projecto para intervenção na área global da justiça e, portanto, também da Polícia Judiciária, na região do Algarve. Relativamente a outras áreas do País, o levantamento que temos, neste momento, permite garantir que muito foi recuperado e que a reorganização que, na globalidade, está a ocorrrer no interior da Polícia Judiciária está no caminho que, obviamente, todos nós desejamos.

Com a aprovação dos textos de Maastricht e, consequentemente, com a elevação ao nível constitucional' do

Página 166

244-(166)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

tratado da Comunidade Europeia, do chamado «terceiro pilar», e, portanto, da cooperação jurídica e judiciária, nomeadamente em matéria''penal e noutras, é evidente queío crescimento da Polícia Judiciária tem também de apontar para aquilo que será uma maior exigência da sua intervenção no domínio das suas relações internacionais nomeio da Comunidade Europeia, sobretudo a partir dessa maior dignificação que o «terceiro pilar» vai trazer àquilopque virá a ser, uma vez consolidado e aprovado, o texto final do novo tratado da Comunidade Europeia.

Relativamente à área dos registos e do notariado, gostaria de referir que o PIDDAC, em matéria de instalações, e apenas para 1992, prevê uma dotação de 982 000 contos — 1 milhão de contos, em números redondos. Há uma ligeira diminuição desta verba, quando comparada com a de 1991, que resulta daquilo que, podendo aparentemente ser uma crise, é realmente uma crise de crescimento. Isto é, há um PIDDAC ligeiramente inferior para instalações de registos e notariado porque hoje há muitos mais «palácios da justiça» em construção e, portanto, é nas suas instalações que funcionarão os novos departamentos do registo e notariado. Isto quer dizer que uma ligeira diminuição do PIDDAC significa, no fundo, um desenvolvimento na reconstrução e na reinstalação, com qualidade, dos serviços de registos e notariado.

Dar-vos-ia apenas alguns exemplos rápidos para situar o problema e lembraria que, em 1990 e em 1991, foram transferidos para novas instalações 40 serviços de registo e notariado; nos próximos três meses serão transferidos para novas instalações mais 30 serviços e estão em construção ou em remodelação instalações para mais 42 novos serviços, a concluir até ao fim de 1992, num ritmo que também não era conhecido entre nós, sobretudo há vários anos.

No domínio da informatização, aí sim, há um crescimento de 30 % no PIDDAC, para uma verba de 328 000 contos. E aqui eu referia que já está adjudicado, depois do respectivo concurso internacional, o equipamento e o suporte lógico para o Registo Comercial de Lisboa. Quanto à informatização da área do registo predial, depois de informatizada a secção de Oeiras e a 8.* Conservatória de Registo Predial de Lisboa, esta vai decorrer, depois do concurso que está a decorrer, em mais 23 conservatórias.

Na área do registo automóvel já se informatizaram as zonas de Lisboa, Évora, Funchal, Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta e a sua informatização vai obviamente continuar.

No domínio da instalação de microcomputadores nos cartórios notariais, devo dizer que actualmente existe já um — a instalação é recente — e será instalado um por cada sede de distrito. Numa área que já se não prende com as novas tecnologias, estamos também a trabalhar no domínio da revisão profunda dos registos e notariado, seja no que se refere à desburocratização, dentro do princípio da confiança no cidadão e não da desconfiança no cidadão que vigora actualmente, e, ao mesmo tempo, no próprio estatuto do notariado.

Ainda em área conexa com esta e no que se refere à emissão do bilhete de identidade, já foram instalados alguns instrumentos ue desburocratização na parte final da legislatura anterior, sendo o bilhete de identidade emitido àirectamenie em Braga, no Funchal e em Faro e, na área das conservatórias do registo civil, é emitido descentralizadamente em Coimbra. Ainda na área do Centro de Identificação Civil e Criminal, está projectado caminharmos para a total descentralização, de forma que seja cada

conservatória do registo civil a fazer a emissão do bilhete de identidade, para que possamos garantir para todo o País o que já foi garantido em Braga, isto é, que, em vez de se esperar três meses pelo bilhete de identidade, se espere agora apenas vinte e quatro horas, que é de facto o que aí está a suceder.

Como os Srs. Deputados calcularão, há variadíssimas outras áreas que poderiam ser trazidas aqui. Creio, todavia, dever concluir esta primeira intervenção para ficarmos à disposição de VV. Ex." e diria, por isso, em conclusão, que este é um orçamento para 1992 mas inscrito num programa definido detalhadamente para quatro anos.

Por outro lado e nessa perspectiva, este é um orçamento para o 1." ano, apesar de estar condicionado à estratégia de quatro anos definida. Ora, nessa estratégia do l.Bano, repito, o que nos estimula particularmente é a consolidação das medidas já adoptadas e a resposta a situações de bloqueio que queremos ver superadas, na medida do possível durante o ano de 1992, e para as quais estão já em curso medidas concretas de intervenção a fim de solucionar rapidamente os problemas — e dar-vos-ia como exemplo, que não é único, a situação do DIAP e a situação da justiça no Algarve.

Será, porventura, nessa perspectiva que, eventualmente mesmo na Lei do Orçamento do Estado, pediremos à Assembleia da República autorização para legislarmos, criando tribunais auxiliares que permitam uma resposta mais eficaz a estas situações de bloqueio e, assim, procederemos ao lançamento das bases legislativas estruturantes do sistema, seja do ponto de vista da organização, seja do ponto de vista do direito substantivo e adjectivo que a informa, e procederemos também ao arranque de novas medidas de desenvolvimento a médio prazo.

Trata-se, pois, de um programa integrado, com vista à melhoria global do sistema de justiça, isto é, com vista a prosseguir, perante os olhos daqueles que, mesmo com a crítica legítima e democrática que a todos se exige, não vão deixando de reconhecer que, felizmente, as coisas estão a mudar para melhor na justiça em Portugal, embora, também da nossa parte haja, como sempre houve, o reconhecimento de que muito há a fazer ainda e de que, em Portugal, há vários aspectos na justiça que precisam ainda de uma intervenção forte, determinada e profunda para que possamos chegar a uma justiça à medida das exigências dos cidadãos portugueses.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Secretário da Comissão de Economia, Finanças e Plano, Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente:—Estão inscritos, para fazer perguntas ao Sr. Ministro e ao Sr. Secretário de Estado, os Srs. Deputados Luís Sá, Manuel Silva Azevedo, Vera Jardim, José Magalhães, Alberto Martins, Octávio Teixeira e António José Seguro.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, permite-me uma questão prévia?

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, como o Sr. Ministro dispôs de cerca de uma hora, como é de direito, para a apresentação do orçamento do Ministério, coloca-se a questão metológica de saber como vamos

Página 167

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(167)

organizar os nossos trabalhos, uma vez que não faria sentido que, pela nossa parte, geríssemos entre nós, todos os grupos parlamentares e bancadas, cerca de quinze minutos. Portanto, Sr. Presidente, era de considerar exactamente até que ponto a reunião se estenderá. Em nossa opinião, deveria ir até ao ponto necessário, prescindindo do período do almoço.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Sr. Deputado, como sabe, estas sessões de debate na especialidade têm--se estendido até cerca das 14 horas. Pela nossa parte e não sei se também pela parte do Sr. Ministro, esta reunião poderá ir até à hora que for necessário, para que o debate seja completamente feito e escalpelizado. O único limite que certamente teremos — isto para além de alguém querer almoçar — é a continuação do debate, às 15 horas e 30 minutos, com a audição do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

E dito isto, dou a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ouvi com muita atenção o Sr. Ministro tentar justificar este orçamento e não pude deixar de refletir num facto: é que, certamente, por trás do ministro e do político há um magistrado e um homem de direito e de certeza que o magistrado e o homem de direito não têm o entusiasmo e a alegria que aparenta o político e o ministro.

Pela nossa parte, estamos com a tristeza que, de certeza, há no fundo do magistrado e não com o entusiasmo que este orçamento está muito longe de justificar, bem ao contrário, pois entendemos que é um orçamento que justifica sérias apreeensões.

De resto, não se vê qualquer projecção, no Orçamento do Estado, da opção que as GOP proclamam de qualidade da justiça. Falta interrogar se o facto de o Sr. Ministro ter anunciado aqui — como, de resto, já linha feito na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias — um pacote legislativo, não resulta exactamente do facto de legislar não custar tanto dinheiro como resolver problemas que se têm vindo a arrastar e que não encontram projecção orçamental.

Em matéria de legislar, não posso deixar de anotar o facto de o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público ter publicado um comunicado colocando questões concretas que suscitam interrogações e apreensão e sobre as quais gostaríamos de ouvir o Sr. Ministro, pois parecem-nos questões de particular gravidade.

Entretanto, os problemas da justiça são efectivamente financeiros e creio que é possível concluir que, deste ponto de visla, a justiça é um parente pobre neste orçamento — e isto do ponto de vista das despesas, mas não do ponto de vista das receitas. E uma primeira questão que quero colocar neste plano é o facto de os serviços prestados por advogados serem sacrificados no quadro deste grande reforço da carga fiscal — que o Governo nega, mas que creio ser evidente —, que vai incidir sobre os Portugueses.

Também neste plano tem sido justificada esta duplicação da taxa do IVA sobre os serviços de advocacia por necessidades de harmonização fiscal com a Comunidade Europeia, mas está demonstrado que não há quaisquer razões que justifiquem este facto, havendo designadamente países, como a Bélgica ou a Grécia, que têm taxa zero mesta matéria, não tendo Portugal qualquer obrigação, do ponto de vista comunitário, como de resto o Sr. Ministro sabe bem, de duplicar desde já esta taxa.

Quanto à questão do Gabinete de Gestão Financeira, sem prejuízo de tomar nota (como de resto Deputados colegas meus presentes nesta Sala já o fizeram no ano passado) do esforço de transparência, de submissão dos dados à Assembleia da República e de fiscalização do Tribunal de Contas por parte do Gabinete de Gestão Financeira, não podemos deixar de notar que se trata de uma situação negativa e deplorável que se tem vindo a arrastar ano após ano.

O Sr. Ministro já declarou que é uma situação recorrente) e nós concordamos que o é na verdade; mas também anotamos o facto de, há um ano, nesta mesma Comissão, o Sr.) Ministro ter referido «a indefinição ainda existente no domínio do regime financeiro do Ministério da Justiça» — e citei palavras suas — e ter falado da prioridade do sistema global de justiça. De qualquer modo, a questão concreta que se coloca é se, passado tanto tempo, se pode continuar a falar nestes termos, ou seja, de uma situação recorrente e de uma situação que não é prioritária em relação a outros aspectos.

Quanto ao problema do acesso ao direito, a verba que está orçamentada parece manifestamente insuficiente para uma área que é particularmente importante. Temos ouvido anunciar a criação de uma rede de gabinetes de consulta jurídica, incluindo a ideia de, em cada círculo judicial, ser criado um gabinete, mas creio que aquilo que está desenhado está muito longe deste tipo de intenção e mais longe está ainda qualquer ideia — relativamente à qual o Governo não manifestou abertura — de criação de um verdadeiro serviço nacional de justiça que permita resolver os problemas do apoio judiciário em termos eficientes.

Quanto à questão do parque judiciário, ainda nos recordamos todos de ter ouvido o Dr. Mário Raposo diagnosticar o facto de ele estar a cair aos bocados. O Sr. Ministro tem falado com bastante optimismo no esforço que o Governo tem feito nesta matéria, mas creio que o documento distribuído sobre a situação e estado das instalações dos serviços mostra estarmos ainda muito longe de vir a ser feito o esforço que a situação exige, continuando — sem prejuízo de melhorias pontuais — o problema a ser bastante grave e a não ter uma resolução prioritária.

Em matéria de parque judiciário, o Governo anunciou alguns investimentos. Porém, no caso de Vila Nova de Gaia parece manifesto que a dotação prevista é insuficiente e em casos como o de Loures — em que já no ano passado apresentámos uma proposta de dotação no sentido de a obra avançar — poderíamos congratularmo-nos pelo facto de, neste momento, o Governo anunciar que a obra vai avançar; porém, as dotações previstas são de 4000 contos em 1992, de 6000 contos em 1993 e de 100000 contos em 1994, o que corresponde, na realidade, a um anúncio que traz subjacente um adiamento da obra, dado que as dotações nos parecem claramente insuficientes.

Há ainda outros investimentos que nos parecem importantes e que continuam adiados. Refiro, a título de exemplo, Mértola, Ferreira do Alentejo, Almodôvar, Condeixa--a-Nova, Sintra, Alenquer, a Conservatória do Registo Civil da Amadora e, noutro plano, o edifício polivalente do registo civil da Azambuja, bem como o Tribunal Judicial de Viseu, que é uma velha aspiração. É, portanto, uma questão em relação à qual também não partilhamos do optimismo que parece subjacente à intervenção do Sr. Ministro.

Quanto à questão dos serviços prisionais, e sem prejuízo de observações mais profundas, é com bastante preocupação que tenho recebido cartas e por vezes abaixo

Página 168

244-(168)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

assinados de reclusos em cadeias como as de Custóias ou de Paços de Ferreira, que o Sr. Ministro mencionou aqui, referindo problemas bastante graves que, alias, exigiriam da própria Assembleia da República a intervenção fiscalizadora que lhe cabe e que também não legitimam a euforia, quase que diria, que o Sr. Ministro mostrou nesta matéria, dando, inclusive, como exemplo um determinado investimento para mostrar que a justiça é diferente em Portugal. Se é diferente é porque é mais cara, mais carente e não é com este orçamento que a situação vai melhorar.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Não sei se o Sr. Ministro quer responder de imediato...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Peço desculpa, mas julgo que é preferível no fim, porque o Sr. Ministro já nos habituou a levar, para qualquer resposta, meia hora e, deste modo, os Deputados não terão oportunidade de falar.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho):—O Sr. Ministro dirá, em última análise, como vai gerir o seu tempo para responder. Porém, por uma questão de economia de tempo e de acordo com a experiência que temos tido de debates, julgo que seria preferível fazer uma primeira ronda de questões, até porque há algumas que são capazes de ser idênticas e, portanto, poderão ser agrupadas em termos de resposta, mas o Sr. Ministro o dirá.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, aceito perfeitamente que façamos uma primeira ronda de questões, responderei conjuntamente. Farei os possíveis por ser telegráfico, embora fique satisfeito por verificar que os Srs. Deputados já perceberam que, para responder às questões da justiça, sobretudo dando exemplos do que se está a fazer, não se consegue em menos de meia hora. Em todo o caso, vou tentar fazê-lo por aproximações exemplificativas, tendo em conta também o vosso tempo.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): —Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo.

O Sr. Manuel Silva Azevedo (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Em primeiro lugar, quero congratular-me com as medidas de fundo anunciadas por V. Ex.' no âmbito do seu Ministério.

Em segundo lugar, voltando-me para os problemas, no âmbito da justiça, do meu círculo eleitoral, os Açores, gostaria de salientar o esforço desenvolvido em dotar os serviços do seu Ministério, designadamente os tribunais, de instalações decentes, de equipamento moderno, nomeadamente informático, e de pessoal suficiente, de forma a colocar em todas as comarcas um juiz.

Mas como o Sr. Ministro disse que gosta mais de dar relevo ao que não está feito, vou colocar-lhe algumas questões.

Nos Açores ainda há comarcas que continuam, e desde há longos meses, sem juiz. Cito o caso concreto da comarca de Santa Cruz das Flores, que está, desde o pico do Verão, sem juiz.

Por outro lado, tenho conhecimento de que os equipamentos informáticos chegaram aos tribunais mas, em muitos casos, continuam tal qual chegaram, isto é, encaixotados. Não estão montados nem programados.

Por último, citaria o caso do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada. Se bem percebi, o Sr. Ministro referiu, de passagem, que era ura dos estabelecimentos em que

estariam projectadas obras de remodelação. V. Ex.B conhece bem esse estabelecimento prisional e sabe as condições difíceis em que aí se vive e trabalha. Portanto, quero perguntar-lhe se essas obras de remodelação põem de lado, nos próximos tempos, a construção de um novo estabelecimento prisional em Ponta Delgada.

Por último, o Sr. Ministro também disse que há a tendência para que cada cidadão português possa ter o seu bilhete de identidade em vinte e quatro horas. Gostaria de lembrar que nos Açores um cidadão leva um mês para obter o seu bilhete de identidade.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS):—O Sr. Ministro, no início da sua intervenção, falou de filosofia e de estratégia e é precisamente sobre isso que quero colocar algumas questões.

Tivemos ocasião de distribuir três documentos — e vou pedir que fiquem anexos à acta —, que dizem alguma coisa sobre a filosofia do sistema, mas que têm a ver com realidades muito duras e cruas.

A justiça, em Portugal, é, em grande parte, financiada pelos próprios utentes e gere o aparelho burocrático mais pesado de toda a Administração Pública: notariado, conservatórias de registo civil, registo predial, registo comercia]. Centro de Identificação Civil e Criminal. Mas gere não em perda, gere carreando para os cofres largos milhões de contos!... Acresce que, recentemente, foi proposto, no quadro do Orçamento do Estado, um aumento para 16 % da taxa do IVA sobre os serviços dos advogados.

Como se verifica por esse quadro que apresentámos, a tendência, na generalidade dos países da Europa, é para a diminuição drástica dos custos de justiça e mesmo, em muitos casos, para a sua abolição total. Aí não há custas, há custos — o que é diferente; em Portugal, há custas e há custos! Há custas que são cobradas pelos tribunais e há custos do advogado e de uma série de diligências que são feitas ao longo do processo e que são pagas. Acresce que esse estudo, que foi presente ao Sr. Ministro, parte de uma coisa que é totalmente irrealista, pois arriscar-me--ia a dizer que não há nenhum processo, em Portugal, onde se pague apenas a taxa básica das custas. As custas são, na maior parte dos casos — como sabe qualquer advogado —, multiplicadas por dois, por três e por quatro, num processo Cafamaum, de custas repetidas, multas, custas por incidentes, custas a dobrar, perda do direito de alegar, de apresentar testemunhas por não pagamento de custas atempado, num processo globalmente kafkiano, que constitui a realidade da justiça nos nossos tribunais e que o Sr. Ministro bem conhece.

Por outro lado, no que diz respeito ao notariado e conservatórias, a situação é dramática. V. Ex.» e o seu Ministério vão ser confrontados com uma realidade, de que não sei se já se deram conta, que é a das escrituras passarem a ser feitas em Badajoz. E porquê? Porque o custo do notariado atingiu, em Portugal, desde a última grande crise dos cofres, em que havia taxas aceitáveis que iam até 0,5%o, um valor que se situa no mínimo de 3 %o. Portanto, se alguém quer fazer uma alteração de um pacto social de capital relativamente elevado, não paga uma taxa, paga um verdadeiro imposto, visto que há qualquer serviço prestado que tenha qualquer relacionamento directo com o custo.

Página 169

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(169)

Acresce que, em completa dissonância com "a política do Governo nos vários sectores, os custos, por exemplo, de constituição de sociedades em Portugal são ainda agravados em 30 %. Isto é, penaliza-se quem quer constituir uma sociedade em Portugal.

Se V. Ex.» analisar o estudo comparativo que fazemos, chega rapidamente à conclusão de que Portugal é o País, em absoluto, mais caro da Europa em custos de notariado e registo. Só uma nota adicional: nesse estudo, o custo de constituição de sociedades está calculado para uma sociedade com um capital de 70 000 contos. Cobra o notário, cobra a conservatória, cobra o Registo Nacional de Pessoas Colectivas, cobram as publicações variadíssimas... Havia um Código de Registo Comercial que tinha adoptado a posição de não exigir as publicações nos jornais diários, mas rapidamente o Governo, não pela mão de V. Ex.' mas do seu antecessor, repôs essa publicação. Por isso, os custos são hoje astronómicos.

É assim que se sustenta a justiça em Portugal! É com as custas dos tribunais e com os custos dos notários, dos conservadores, do Registo Nacional de Pessoas Colectivas. É assim que se carreiam para os cofres do Ministério da Justiça as várias dezenas de milhões de contos com que depois se gere esse enorme aparelho burocrático.

O PS apresentou uma proposta a que se chamou uma «pedrada no charco» — a privatização do notariado. Até agora a resposta do Ministério da Justiça é que tem gente a estudá-la.

V. Ex.8 não marcou aqui calendários, e ainda bem que não o fez, porque há cerca de um ano e tal prometeu, arriscando, que os registos de constituição de sociedades nas conservatórias do registo comercial iam demorar 10 dias. Não estão a demorar 10 dias e nalguns casos arriscamos mesmo a multiplicar isso por meses — 10 meses e não 10 dias.

É este o estado do aparelho burocrático, que é gerido pelo Ministério da Justiça: custas, custos, tempo e burocracia a mais! E o Ministério não consegue ou não quer rever esta situação porque a burocracia está ligada a custos e menos burocracia significaria menos custos.

É essa questão estratégica que me leva a perguntar-lhe: está estudado o futuro dos cofres? Está feita alguma previsão de receitas para os próximos anos? Está prevista alguma diminuição das custas judiciais e a reforma do Código das Custas, de que nunca ouvi V. Ex.» falar, apesar de ter anunciado uma larguíssima e profunda reforma legislativa'] O Código das Custas, esse código com trezentos e tal artigos que constitui uma ciência oculta para o cidadão, não está de acordo com o que V. Ex.s diz de uma justiça acessível ao cidadão, pronta, etc.

Esta era, portanto, uma situação estratégica e filosófica que queria colocar a V. Ex.» e que diz respeito a este orçamento. Mas colocando-me exactamente na perspectiva em que o Sr. Ministro se colocou, diz respeito ao futuro do Ministério da Justiça, ao futuro dos cofres, ao futuro dos custos de tudo isto para o cidadão que vem sustentando, em grande parte, a acção do Ministério da Justiça, acrescidos agora pelo aumento da taxa do IVA para 16 %.

No que diz respeito ao apoio judiciário, V. Ex.» tem anunciado a multiplicação dos gabinetes de consulta jurídica e quero perguntar-lhe se ainda se confirma que, relativamente a todas as intervenções em tribunal, 6 % têm o apoio judiciário. É o último número que tenho e gostaria de saber se é assim pois, em caso afirmativo, cai por terra tudo o que se imputa ao apoio judiciário — apenas

6 % da globalidade dos processos em tribunal têm apoio judiciário e os restantes 94 % pagam as custas e os custos já referidos.

Quanto à investigação criminal e à Polícia Judiciária, anunciou V. Ex.1 — e constam do PIDDAC uma série de acções — o próprio aumento de funcionamento da Polícia Judiciária. Mas quero perguntar-lhe como é que o Governo entende dotar não só a Polícia Judiciária mas o Ministério Público dos meios necessários à investigação de certo tipo de criminalidade.

A este propósito permitia-me citar — para recordar, visto que V. Ex.1 também ouviu — a última intervenção do Sr. Procurador-Geral da República, na cerimónia de abertura do ano judicial, que dizia o seguinte: «Em relação aos crimes da droga, corrupção, fraudes e burlas a especialização do Ministério Público permitirá uma acção mais eficiente e uma melhor articulação com os órgãos de polícia criminal. Ponto é que nos sejam facultados meios que neste momento escasseiam ou inexistem, como os relativos a apoio técnico e administrativo, a perícias e a auditorias.»

Nesta matéria, tem V. Ex.» prevista no orçamento — não a vejo, não se reflecte — alguma acção em relação ao Ministério Público, em especial, naturalmente, no que diz respeito ao DIAP, que, para além do edifício novo, precisa de muito mais coisas novas? Certamente V. Ex.! não pensa que o problema do DIAP se resolve apenas com as novas instalações!

No que diz respeito aos menores, penso que V. Ex.8 e o Governo tomaram uma atitude que, desculpe que o diga, parece-me reflectir o seguinte: isto é um problema que não tem solução e não sabemos o que se há-de fazer; então, para já, vamos fazer uma reforma — a que V. Ex.8 chamará estruturante e a que eu chamo meramente estrutural.

Queria aqui referir ainda duas ou três coisas. Em primeiro lugar, não consta do orçamento qualquer investimento substancial para a situação verdadeiramente calamitosa, que V. Ex.1 bem conhece, em que se encontra a maioria dos estabelecimentos tutelares de menores. Menciona-se apenas um pequeno investimento num dos estabelecimentos do norte. O que é que isto significa? Significa que o Ministério da Justiça deixa à sua sorte esses estabelecimentos?

Mas, a este propósito, há ainda uma questão de filosofia básica que eu queria pôr a V. Ex.8 Esses estabelecimentos estão cheios de quem? De jovens delinquentes ou, antes — as estatísticas assim o dizem —, de jovens que têm problemas familiares, de desadaptação, de vadiagem, etc.?

É que as estatísticas mostram que a maioria dos residentes nesse tipo de estabelecimentos são menores em risco, que têm problemas familiares mas que não são delinquentes. Se V. Ex.8 quiser ver, as estatísticas de 1990 — que são as únicas que conheço — dizem que apenas 7 % das medidas aplicadas a menores têm a ver com a prática de crimes. Ora, eu pergunto a V. Ex.8: o que é que tem o Ministério da Justiça a ver com a situação dos outros menores? Não estará o Ministério da Justiça a cometer aqui o mesmo erro que cometeu em relação à droga, há anos atrás, o qual acabou por deixar para as instâncias competentes, ou seja, fundamentalmente no que diz respeito à profilaxia, para o Ministério dos Assuntos Sociais? Não estará o Ministério da Justiça a ocupar-se de situações para as quais não tem, verdadeiramente, vocação? Não será perigoso meter na óptica do sistema penal centenas de menores que deía devem estar perfeitamente

Página 170

244-(170)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

afastados? Esta é uma questão de estratégia, uma questão filosófica, sobre a qual gostava de ouvir V. Ex.'

Também não o ouvi falar na reforma da OTM. N3o sei se está para as calendas gregas, se não faz parte dos planos ou se haverá aí dificuldades. Ora, a reforma da lei da Organização Tutelar de Menores, designadamente com as medidas a aplicar, é que vai, digamos, traçar a verdadeira vocação do Ministério da Justiça em relação a todo o problema dos menores em risco.

Relativamente às comissões de protecção de menores, penso que a sua criação é algo que se insere num esforço de boa vontade, numa direcção em princípio correcta. Mas, pergunto: não estarão elas a transformar-se, lentamente, no braço longo do Estado, que cria, ele, ficticiamente, a comunidade? Não será o Estado, através dos governadores civis, quem procura criar essas comissões?

V. Ex.! mostrou-se aqui extremamente optimista dizendo que havia uma enorme entusiasmo sobre as comissões de protecção de menores. Penso que há, aí, um risco grave de criarmos ilusões que, no terreno, não vão ter o resultado que se espera. O Estado procura abrir mão da sua responsabilidade, mas temo que a forma como estão a ser implementadas essas comissões leve a que elas tenham os resultados que esperamos. É o Estado quem dá os meios, é o Estado que dá as instalações e é o Estado, naturalmente, quem vai fornecer os técnicos. E eu pergunto: afinal, o que é que fica para a comunidade? E ainda fazia outra pergunta: que comunidade? Quem é que — e agradecia que o Sr. Ministro me desse alguns dados, se os tiver presentes—, da comunidade, tem participado nessas acções, bem como nas acções, que o Sr. Ministro também referiu, junto dos serviços prisionais? Não será uma comunidade muito restringida?

As informações que temos são no sentido — e ainda recentemente V. Ex.8 apoiou e participou no Congresso do Voluntariado Católico — de que essa comunidade será, a mais de 90 %, a comunidade eclesial, católica. Nada tenho, pessoalmente, contra isso, mas há aí alguns perigos. Qual é o papel do Estado na fiscalização da actuação dessa comunidade?

Quanto às reformas legislativas, V. Ex.1 faz sempre, nas suas intervenções, um grande, profundo e veemente apelo ao consenso. Diz e insiste sempre que as questões da justiça são questões de Estado e nós estamos inteiramente de acordo com isso. Mas há regras de jogo e não pode fazer-se apelo ao consenso e, depois, a seguir, não traçar muito bem as regras de jogo para esse consenso.

V. Ex.! apresentou-nos—já na Comissão — um programa substancial de reformas legislativas, em que está incluído o Código Penal. O Sr. Secretário de Estado Adjunto de V. Ex.* brandiu, há dias, no Plenário, o Código das Falências. Pergunto: vamos ter acesso aos trabalhos preparatórios, às actas dos trabalhos de revisão tanto do Código Penal como do Código de Processo Penal? É que nós não podemos prescindir disso!... Como V. Ex.6 sabe, paia haver consenso 6 preciso que os Deputados dos vários grupos parlamentares possam ter acesso directo, rápido e integral às várias alternativas, às várias opções, às várias discussões.

V. Ex.5 referiu a reforma da Lei Orgânica dos Tribunais, do Ministério Público, etc. Anunciou-nos que, a breve trecho, apresentaria uma proposta de lei como uma reforma estruturante. Pergunto: a reforma do Código Penal não ê uma reforma estruturante, tanto ou mais estruturante que esta?

O Sr. Ministro não tenciona, com certeza, apresentar na Assembleia da República, dentro de um ou dois meses, um projecto de Código Penal «a frio», pedindo à Assembleia que, dentro de umas semanas, lhe diga se está bem ou mal.'... Temos de criar aqui regras de consenso, Sr. Ministro. Trabalho consensual, sim — embora as críticas, política e técnica, tenham de estar presentes, obviamente —, mas desde que possamos ter acesso às reformas.

E esse o apelo que faço a V. Ex.*, neste momento. Vamos abrir o jogo todo no que diz respeito às reformas em curso, vamos ter acesso a todos os elementos que as prepararam para podermos discuti-las em profundidade. Se for caso disso, estamos preparados para o consenso; se não for, estamos preparados para a discussão política.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Estão ainda inscritos, para intervenções, três Srs. Deputados.

Tendo em conta o que há pouco acordámos quanto ao decurso dos trabalhos e o facto de, em sede de comissão de especialidade, não haver tempos definidos para as intervenções e tendo também em conta que deverá haver um período de intervalo para almoço, designadamente para os Srs. Deputados da Comissão de Economia, Finanças e Plano, que, a seguir, terão reunião com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, apelo para o esforço de síntese dos Srs. Deputados, sem querer, com isto, condicionar as suas intervenções ou a resposta que, a seguir, o Sr. Ministro nos dará.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Govemo, Srs. Deputados: O discurso do Sr. Ministro da Justiça — como, aliás, já tinha acontecido na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias — suscita um grave problema. É que o Sr. Ministro traça um panorama da justiça em Portugal que se afigura de tal forma idílico que ela quase surgiria não como diferente no sentido negativo, mas como diferente no sentido excelso, o que contraria algumas evidências de senso comum e contraria, designadamente, o ponto de vista do utente.

Não abundarei naquilo que já está abundantemente vazado na acta quanto às custas, custos, encargos, alcavalas e outras especificidades da realidade da justiça portuguesa, que, segundo depreendi das palavras de V. Ex.!, estarão, estão para estar, vieram para ficar, como o tal fenómeno rodoviário que todos conhecemos, mas V. Ex.* não tem nenhum problema em vir à Assembleia da República traçar de novo o mesmo quadro róseo quando os números do seu orçamento desinflam e, logo, devia também desinchar um pouco o verbo, uma vez que, em matéria financeira, há uma desinflação correspondente.

Por outro lado, um pouco fazendo a conhecida postura de Santa Isabel, abre-nos o regaço e diz-nos que traz rosas quando traz, no bojo, a crise da Polícia Judiciária, por exemplo, que é evidente!... V. Ex.s chega aqui hoje, à Assembleia da República, no mês de Fevereiro, quando reina uma instabilidade brutal no sistema policial, e, em particular, na PJ, e refere, burocraticamente, esta ou aquela verba. Só não descreveu quanto é que está especificado para o aumento deste ou daquele sector informático, para gasolina, para as rodas e pneus, para os carros, etc, porque não calhou!... Se tivesse sido estimulado nesse sentido também nos tinha descrito esses aspectos.

Não é essa a questão que está colocada, por exemplo, em relação à Polícia Judiciária. Não é!... V. Ex.8 ladeia a

Página 171

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(171)

questão política e polírico-orçamental da Polícia Judiciária para fazer um fotograma abstracto, estático, róseo, dessa situação, como, de resto, de todas as outras!...

Há, neste momento, em Portugal — creio que isso é evidente pelas razão que já estão assinaladas e por outras —, uma certa crise de confiança na justiça, que, longe de ter diminuído, no ano passado aumentou, com fenómenos até novos de contestação de decisões judiciais, de instabilidade, de justiça privada ou de propensão para a justiça privada, o que, obviamente, é a denegação da justiça, etc.

Por outro lado, esta instabilidade desenvolve-se nos protagonistas do sistema, funcionários judiciais que ontem estiveram em greve, como é evidente. Quem ouvisse V.Ex.8 falar julgaria que os funcionários judiciais ontem estiveram ali, «estacanovisticamente», nos tribunais. Não estiveram, fizeram greve.... bastante... muito ... arrasadoramente! ... E isto no seu Ministério e não por acaso! Fizeram-no com um caderno reivindicativo específico, em relação ao qual V. Ex.1 também não se pronuncia porque prefere «dedilhar alexandrinos» sobre algumas das verbas que vai tendo, para não falar das verbas que não tem.

Portanto, Sr. Ministro, para se ter uma postura de Estado sobre a questão da justiça, a primeira regra e o primeiro pressuposto é que encaremos realisticamente, ou seja, com verdade, o panorama. E o panorama não é de molde a inspirar discursos róseos — Honni soit qui mal y pense, mas não é!

O segundo aspecto decorre de uma parte da sua intervenção. O Sr. Ministro, chegando à Assembleia da República num contexto como este, não podia deixar de saber da insatisfação e da instabilidade que reinam nas estruturas devido ao anúncio de reformas, de supetão, em domínios fulcrais, reformas que também diria estruturais, como V. Ex.8, em relação ao estatuto das magistraturas, à Lei Orgânica do Ministério Público, ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, mas também em relação à Lei Orgância dos Tribunais Judiciais.

Ora, ficámos perplexos com as declarações do Sr. Ministro da Justiça porque, tomadas pelo valor facial ou tomadas literalmente, se quiser — e não veja nisto nenhum acinte —, elas significam o desmentido absoluto e total de tudo o que tinha vindo a lume sobre as intenções do Ministério da Justiça e do Governo neste domínio. Designadamente quanto à organização do Ministério Público, significam o anúncio formal — não digo retratação, visto que apenas havia anúncios informais — de que o Govemo não pretende rever a Lei Orgânica do Ministério Público senão ouvindo o Conselho Superior do Ministério Público e os magistrados, como tais (também pressuponho), com o tempo, o modo e a preparação adequada e, portanto, renunciando a quaisquer formas de guerrilha ou de ataques de supetão, que tinham sido receados pelos magistrados, provavelmente fundadamente, e que os levou, de resto, a dirigirem-se ao Presidente da República para lhe exprimirem a sua preocupação e, ao mesmo tempo, à opinião pública, para o anunciarem e alertarem para este risco.

Fazia, no entanto, empenho, Sr. Ministro, em que clarificasse definitivamente este aspecto, porque é intolera-velmente instabilizador que todo este conjunto de rumores, que provocam, de resto, fundados maus humores e apreensões, prossigam sem uma tomada de posição clara e frontal.

Isto é agravado porque no dia 27 está agendado para o Plenário da Assembleia da República o debate de duas

iniciativas legislativas — uma apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS e outra apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP — sobre, precisamente, a constitucionali-zação da actual Lei Orgânica do Ministério Público e temos de saber o que significa aquilo que V. Ex.1, hoje, aqui veio anunciar, para saber se vamos debater alguma coisa na próxima quinta-feira, se não devemos debater nada e enveredar por um outro modus agendi que tenha em conta um universo mais largo, ou por outro caminho, mas temos de saber. A Assembleia da República não pode ser posta a funcionar ad hoc para um debate cujo contexto se alterou radicalmente, numa situação que, ela própria, tem contornos diferentes. Portanto, é fundamental para nós e é uma questão de posicionamento ter uma posição clara de V. Ex.1 sobre este aspecto.

É-me poupada a análise da massa financeira, em sentido próprio, do Ministério, mas, a esse respeito, gostaria de focar um outro aspecto que o Sr. Ministro não encarou na sua exposição. V. Ex.* anunciou um calendário de reformas. Devo dizer que o primeiro comentário que ele nos suscita é o de que é ligeiramente surrealista, sem ofensa para o Sr. Ministro, porque o Código Penal, Sr. Ministro, está preparado, quanto à revisão, como V. Ex.! sabe, desde há muitos meses—já no fim da legislatura passada havia trabalhos bastante adiantados.

Claro que, como em todas as obras em preparação, podemos sempre achar que a «sinfonia» precisa de um outro «acorde» ou que precisamos de «mudar de tempo», mas isso é outra questão.

Não se vê qualquer razão para projectar para Abril ou Maio um trabalho como este e, menos ainda, para o adiar até ao fim de 1992. A reforma do Código de Processo Penal para 1992?! A reforma do Código de Processo Penal está anunciada há meses e está em preparação há meses e é necessária como pão para a boca para que certas aberrações decorrentes da versão originária do CPP não continuem a produzir-se no dia a dia dos tribunais — hoje, a esta hora, uma vez que hoje não há greve.

Portanto, não se percebe de maneira alguma que esta reforma, que é vital neste sentido, tenha este calendário, esquisito, de resto, devo dizer-lhe. Porquê até ao fim de 1992? Afinal de contas, isto significa, desde logo, que as promessas do Governo na legislatura anterior não foram cumpridas, não foram honradas e que as reformas previstas foram atrasadas. É a primeira coisa que isto significa.

Em segundo lugar, há um prazo esquisito, adiantado — atrasado no sentido das promessas —, que é inexplicável e eu não o compreendo, pura e simplesmente.

E o mesmo se pode dizer quanto à reforma do Código de Processo Civil. O Sr. Ministro podia chegar aqui e dizer que a reforma do Código de Processo Civil encalhou e nós aceitaríamos a liberdade de linguagem com todo o gosto. Já sabíamos que tinha encalhado, unhamos percebido. Está encalhadíssimo há muitos meses e, sobretudo, aparentemente, está num beco sem saída.

Há anos e anos e anos e anos que há comissões e comissões e comissões de reforma, que reformam, reformam, reformam no papel e não reformam nada no Diário da República. E, aparentemente, a última das comissões de reforma produziu um tijolo que V. Ex.' considera inaceitável e não sabe o que é que lhe há-de fazer.

O grande problema é que o quotidiano dos tribunais também paga o anacronismo que é a legislação processual civil e isso é outro custo. Além das custas, dos encargos, etc, etc, ainda temos os custos decorrentes da morosi-dade totalmente anacrónica, anticuropeia, provavelmente

Página 172

244-(172)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

anticivUizacional, uma vez que a Europa não tem o privilégio da inteligência em matéria processual civil.

Não faço mais comentários nesta matéria porque, lamentavelmente, a única reforma que, essa sim, sabemos que não haverá é a do Código das Custas — outro dinossauro da legislação portuguesa, um pterodáctilo provavelmente —, à qual se vem agora somar o IVA agravado a 100 %, contra o qual toda a gente protesta, como é evidente, e que pode gerar mais fenômenos perversos.

V. Ex.!, durante o> debate do Programa do Governo, a uma pergunta que tive ocasião de lhe fazer sobre o que é ia acontecer, em matéria de custas — imprevidência minha, devia ter perguntado encargos —, V. Ex.* respondeu, imitando alguém, que «se eu lesse os seus lábios, não via qualquer aumento de custas». De facto não há aumento de custas, a não ser aquele que decorre naturalmente da aplicação das custas a massas volumétricas diferentes, actualizadas em função da inflação, mas há aumento de custos e de encargos, desde logo os decorrente do IVA, e isso, evidentemente, contraria várias promessas governamentais, mas, sobretudo, não contraria a realidade bastante dramática do não acesso à justiça em Portugal.

V. Ex.1 é apenas o Ministro da Justiça, não é o Ministro das Finanças, e menos ainda o Prinieiro-Ministro, mas assumiu o agravamento do IVA como uma coisa normal. Gostava de o ouvir sobre as consequências e perguntar--lhe se tem alguma ideia de qual vai ser o impacte disso em relação à situação da justiça.

Idem aspas para os ziguezagues legislativos! A característica da gestão que V. Ex.1 tem feito no Ministério é a sonolência legislativa interrompida por um acordar súbito com um ziguezague: o ziguezague do segredo de Estado, o ziguezague da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais para os tribunais de círculo — experiência que omitiu mas que vai ter ocasião, certamente, de referir — e agora vai ziguezaguear no sentido de engolir ou de regredir em relação às propostas que considerava adoráveis, no ano passado, e que, neste momento, felizmente (é uma questão de bom senso), considera que devem ser corrigidas. Ainda bem! Gastámos meses de unta, de oratória, de dinheiro, de esforço, de paciência com uma reforma que agora é ziguezagueada para o caixote do lixo, que, de resto, era o sítio onde ela estava bem desde sempre.

Quanto às finanças do Ministério, os serviços enviaram, o que é positivo, de resto, uma nota informativa bastante desenvolvida sobre a situação dos cofres e o que essa nota corrobora é a ideia de que há, de facto, uma redução muito sensível das receitas. As receitas calculadas para 1991 eram de 62,2 milhões de contos e as que estão previstas este ano são 50 190 551 contos, mais uns saldos. Não me interessa a questão dos números, que existem, mas gostava de lhe perguntar como é que encara este aspecto da redução de receitas e a sua projecção nas finanças do Ministério.

Por outro lado, penso que o Sr. Ministro tem de acabar com este ritual de, todos os anos, se dirijir à Assembleia da República, não digo com a corda no pescoço, mas com uma gravata contristada, explicando-nos que ainda não é desta vez que a reforma dos cofres se faz. Mas ela tem, de facto, de se fazer, porque a actual situação é uma aberração.

Em termos de cálculos das contas, das mínimas contas, das duas uma: ou se têm os números e nos agarramos desalmadamente ao computador para fazer as agregações necessárias ou, então, é inteiramente impossível saber quanto é que o Ministério de V. Ex.4 gasta e, sobretudo,

quanto é que tem, uma vez que, ainda por cima, tem também umas aplicações financeiras que vão rendendo uns milhões, que vão entrando durante o ano, mas não sabemos bem a quanto é que montam. Há, portanto, aqui uma situação de crise, crise essa que é importante e que eu gostaria que fosse objecto de alguma atenção.

A última observação, Sr. Ministro, é em relação à famosa questão do PIDDAC. Quanto ao PIDDAC, além da diminuição, em termos nominais e em termos reais, como é evidente, ainda que o novo índice de inflação vá permitir ao Governo reduzir alguns problemas nessa matéria, a verdade é que há uma não execução de uma quantidade espantosa de projectos, há a redução dos compromissos de anos futuros, há restrições de execução e há opções de reprogramação absolutamente incompreensíveis.

Se agarrarmos no PIDDAC para 1991 da Secretaria--Geral, pois o PIDDAC é longo, verificamos que há um número significativo de projectos aos quais tinham sido atribuídas verbas que, no entanto, não foram totalmente executadas. Temos como exemplos: Cantanhede — 60 000 contos inscritos, executados 1431; edifício polivalente em Coimbra — inscritos 40 000 contos, executados zero; Coruche — inscritos 59 000 contos, executados 889; Fundão — inscritos 15 000 contos, executados 5000; Tribunal Judicial de Mafra — inscritos 10 000 contos, executados zero; Matosinhos — inscritos 35 000 contos, executados 4762; Moita — inscritos 85 000 contos, executados 13 700; Ourique — inscritos 61000 contos, executados 25 000; Ponte de Lima — inscritos 20 000 contos, executados 1400; Seixal — inscritos 70 000 contos, executados 4136; Marinha Grande — inscritos 55 000 contos, executados 3400; Loulé — inscritos 10000 contos, executados 2935; Loures — inscritos 12 000 contos, executados zero; Cascais — inscritos 15 000 contos, executados zero; Amadora—inscritos 12 000 contos, executados zero; Murça — inscritos 10 000 contos, executados zero; Entroncamento —inscritos 10 000 contos, executados zero; Arraiolos—inscritos 12 000 contos, executados zero, e assim por diante.

Isto coloca uma questão grave, que é a da credibilidade. E não veja isto com acinte, pois ouvi o Sr. Ministro dizer, com ar diplomático e britânico, que este ano haveria, em matéria de obras e instalações, isto, aquilo, aqueloutro,... e não vou fatigá-lo com a repetição das suas próprias palavras, que são encantadoras nesse sentido, anunciando boas coisas. Mas qual é a credibilidade que podemos, a certa altura, atribuir a certas operações quando o Ministério depois reprograma?! O Sr. Ministro chega aqui e anuncia que todas as povoações vão ter tudo, os nomes estão cá todos;... porém, quando chegamos aos nossos eleitores com o anúncio e nos perguntam se há verbas, temos que dizer que há verba, estão lá inscritos x mil contos, mas, a seguir, temos de dizer também, por uma razão de honestidade, que não sabemos se aquilo é PIDDAC de cartão ou é PIDDAC de dinheiro, porque não sabemos se o Sr. Ministro não vai reprogramar, em função das necessidades de calendário ou de uma pressão que não sabemos de onde possa decorrer, vai ter de sugar as verbas dos vários projectos e concentrá-las num outro projecto, que é a menina dos olhos do ministro, do Governo ou do PSD. Digamos que tem o prémio laranja e os outros não têm! Isto é uma questão política importantíssima, porque reduz o esforço de programação do Ministério a um exercício perfeitamente literário e inútil, sem consequências.

Pediram-me, Sr. Ministro, que não deixasse de lhe perguntar qual é a verba que a Polícia Judiciária vai afectar especificamente ao combate à droga, porque nos orçamentos

Página 173

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(173)

desagregados da Polícia Judiciária a desagregação não chega a tal. Tenho essa incumbência e, portanto, gostaria de a cumprir.

Por outro lado, lançava-lhe um desafio, dentro do tal espírito de Estado: Sr. Ministro, o Sr. Procurador-Geral da República teve ocasião de ir a 3.* Comissão alertar-nos para muitas coisas — a sua intervenção será oportunamente divulgada na acta — e uma em especial, que aliás já aqui foi abordada em parte. Refiro-me à situação dos menores e dos inimputáveis, nomeadamente aos inimputáveis devido a deficiência mental.

Gostaria de lhe perguntar se estaria disponível para uma operação de cooperação institucional entre o Ministério da Justiça e a 3.! Comissão, tendo em vista um levantamento — e não lhe chamarei livro branco, azul, cor-de-rosa ou de qualquer outra cor —, um estudo rigoroso da situação dos menores e outros inimputáveis em Portugal, designadamente aqueles que estão em situação de risco, que conduza a uma ponderação do actual quadro legal e das medidas de carácter organizativo, legislativo, financeiro e de enquadramento necessárias para alterarmos, significativamente, esta situação, que é uma das que, seguramente, podem preocupar mais o Governo e a oposição.

Gostava de um compromisso seu ou de uma resposta sobre esta matéria.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Depois dos Srs. Deputados Alberto Martins, Octávio Teixeira e Pais de Sousa terem prescindido de usar da palavra, temos ainda inscritos os Srs. Deputados António José Seguro e a Sr.! Deputada Ema Paulista. Apelava ao esforço de síntese e propunha que, nesta fase, não aceitássemos mais inscrições, para poder dar oportunidade ao Sr. Ministro da Justiça de responder; depois, se alguém quiser usar da palavra, poderá fazê-lo.

Tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): — Sr. Ministro da Justiça, com imensa pena minha não o pude ouvir desde o início. Sei que falou muito, ou pelo menos durante muito tempo, sobre uma área que é decisiva para os novos tempos — e não posso esquecer que estamos a discutir não só o Orçamento do Estado mas também as Grandes Opções do Plano e, portanto, as grandes estratégias em matéria de justiça.

Hoje, um dos graves problemas — e, nisto há, com certeza, consenso em todas as consciências presentes — prende-se, de facto, com a protecção que os cidadãos devem ter em relação aos aparelhos, e, desde logo, ao aparelho do Estado que continua a ser o maior de todos em Portugal, pese embora em muito discurso político, nomeadamente no do Sr. Primeiro-Ministro, ele seja cada vez mais pequenino e melhor. Porém, na prática, de facto, quando se trata de questões mais concretas, é completamente diferente.

Na perspectiva daqueles que aqui defendo, os jovens, esta matéria preocupa-me e há em quatro ou cinco áreas um que gostava de o questionar e ouvir as suas respostas.

A primeira tem a ver, desde logo, com a construção de um espaço europeu, que alguns centram apenas na perspectiva económica, mas que outros estão disponíveis para ir mais longe.

Assim sendo, e sobretudo porque no momento Portugal tem a Presidência do Conselho, gostava de perguntar-lhe qual a perspectiva estratégica que tem em matéria de harmonização do estatuto dos direitos dos jovens europeus.

É que, nesse tipo de estatuto, há uma diferença bastante grande... Por exemplo, os jovens gregos, em matéria de objecção de consciência, têm um estatuto completamente diferente do dos jovens portugueses — isto para citar apenas um caso.

Sei que estas questões dependem de outras áreas governativas, mas penso que, dentro do relacionamento comunitário, com certeza, deve ser ao nível da justiça vista a Doze que este assunto tem de ser tratado.

Portanto, preocupa-me a forma como esta Europa, igual para todos em termos de direitos formais, pode traduzir, em vantagens concretas, essa mesma igualdade, em termos de proveitos para todos e particularmente para os jovens portugueses.

A segunda questão prende-se com o sistema prisional no nosso país. Já foi feita, aqui, uma descrição correcta pelo Sr. Deputado José Vera Jardim em relação ao sistema prisional, nomeadamente no que diz respeito aos menores.

Há, de facto, uma situação de degradação em relação às cadeias portuguesas e, como sabe, a população jovem é aquela que tem uma forte componente dentro dessas mesmas cadeias.

Nesse sentido, gostava de perguntar-lhe se o sistema judicial português, nomeadamente o sistema prisional, vai continuar na linha da repressão ou se, pelo contrário, vai abandoná-la e constituir, como prioridade, uma outra, com uma vertente humana, que é a linha da pedagogia. Mas mais: sabendo-se concretamente que é essa população jovem que tem um peso excessivo nas cadeias portuguesas e que, hoje — e recorro a um lugar comum —, a cadeia continua a ser uma escola de crime cada vez mais organizado, gostava de saber qual é a estratégia, quais são as propostas.

A terceira área prende-se com a droga, naturalmente, também aqui interligada — e o Sr. Ministro sabe disso, pois há pouco tempo vi-o, conjuntamente com o Sr. Primeiro-Ministro, enviar um conjunto de pacotes de droga para queimar. Infelizmente não conseguem queimá-los todos ... Bom, mas sabe também que, hoje, as cadeias portuguesas são um dos maiores e melhores veículos para a passagem dessas drogas.

Por essa razão, gostava de saber o que pensa fazer nessa área e, em particular, quanto é que o seu Ministério vai afectar ao Projecto VIDA, fazendo a diferença, nomeadamente, entre as afectações destinadas à estrutura e as destinadas aos subsídios que vão ser dados, com certeza, a promotores privados do combate e da prevenção da droga.

Ainda sobre a temática da droga, salvo erro, na semana passada, ouvi e li também na imprensa que ia ser revisto o sistema de penalização do tráfico e do consumo de droga em Portugal — e aqui reside a minha quarta questão.

Como o Sr. Ministro sabe, a Juventude Socialista, tem uma posição clara sobre o assunto, ou seja, é favorável à despenalização das drogas leves em Portugal. E isso porque crê que, à semelhança do que se passou em outros países, nomeadamente na Holanda e na Espanha, mas, sobretudo, neste último, onde existe essa despenalização, o consumo disparou imediatamente após a aprovação da legislação despenalizadora, mas, depois, diminuiu. De resto, porque também sabemos que aí se faz, nalguns casos, a tal estratégia da pedagogia e não a da repressão.

Sr. Ministro, concretamente quais são as medidas que pretende tomar e qual é a filosofia do seu Ministério nesta matéria? Vai continuar a ser a da repressão, sabendo que não vai acabar com ela, sabendo que o facto de as pessoas

Página 174

244-(174)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

fumarem o vulgo «charro» nao traz consequências sociais dramáticas para a sociedade portuguesa? Portanto, a minha pergunta é no sentido de saber qual é a perspectiva do seu Ministério. Como é que encara este novo fenómeno? Vai continuar, como os sucessivos governos anteriores, a prosseguir numa certa mentalidade tradicional portuguesa que, como a avestruz, mete a cabeça na areia?

A última questão prende-se com a capacidade jurídica dos cidadãos portugueses com 16 e 17 anos. O que se pretende saber é se, no âmbito da reforma da legislação que pretende, se prevê não direi a alteração da idade da maioridade em Portugal para os 16 anos mas a elaboração de alguns estudos tendentes a alargar a capacidade jurídica dos cidadãos portugueses com 16 e 17 anos.

Neste sentido, podia consubstanciar esta nossa proposta apresentando argumentos filosóficos, políticos e ideológicos, o que não farei dado que o Sr. Presidente — e bem! — pediu que sejamos sucintos para boa condução dos trabalhos.

Não resisto, porém, a fazer uma última pergunta.

O Sr. Ministro sabe que, hoje, o acesso à habitação para os jovens é um dos graves problemas que atingem a população e a geração mais nova, em Portugal. O Governo tem feito muito pouco nessa matéria e, Sr. Ministro, embora esta não seja a sua área de acção — e obviamente vou pedir-lhe que fale disso —, com certeza, tem consciência dos custos que os jovens têm de pagar por escrituras, registos e documentos notariais a apresentar nas instituições bancárias para garantia dos empréstimos, que muitas vezes triplicam, quadruplicam ou sobem ainda mais.

Assim sendo, eu gostaria de propor-lhe, Sr. Ministro, que, se pudesse, isentasse ou, pelos menos, reduzisse drasticamente essas despesas, o que me parece ser uma boa ajuda, um bom auxílio para que os jovens em Portugal possam, pelo menos, tentar concretizar o sonho de ter casa.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Tem a palavra a Sr.5 Deputada Ema Paulista.

A Sr.8 Ema Paulista (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Ouvi a sua exposição com muita atenção. No entanto, penso que o Sr. Ministro não falou na psiquiatria forense.

Lembro também a V. Ex.8, embora pense que é do seu conhecimento, a situação em que vivem os doentes mentais que dependem da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, concretamente na 8.* enfermaria do Hospital Miguel Bombarda que tem lá escrito «De alta segurança», mas que, afinal, não passa de um redondel.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, com o pedido de que faça um esforço de síntese sobre este universo de questões.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, vou mesmo fazer um esforço de síntese. Espero, porém, que não seja uma «promessa também não cumprida» ...!

iu.ros de alguns Deputados do PSD.

Gostai t.. ,;c "riar giand?.s blocos de questões e de poder responder-lhes, mas, como calculam, não vai ser possível porque são muitas e correria o risco de deixar algumas delas sem resposta, o que não gostaria que acontecesse.

Se me.permitem, sem qualquer outro sentido que não seja o de fazer um reconhecimento sincero, gostaria de salientar a grande dignidade com que todas as questões foram colocadas, porque me parece que o que se está a passar hoje, na Assembleia da República, embora numa comissão restrita, é, de facto, a demonstração daquilo que entendo ser a procura dos consensos, com as críticas, que são óbvias num regime democrático, e, ao mesmo tempo, a perspectiva da dimensão de Estado que, acho, presidiu a cada uma das questões que foram colocadas. Gostava de dizer isto porque, de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento, vamos, com certeza, chegar consensualmente a uma noção comum sobre o consenso.

Começando por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Luís Sá, que apelou àquilo que é a minha relação afectiva com a minha anterior condição de magistrado e com a minha, cada vez menor, condição de homem de direito, para depois concluir que era aí que eu ia radicar a tristeza com que necessariamente teria de observar este Orçamento do Estado, tristeza que tenderia a escamotear, depois, quando me apresentava aqui, com a veste política.

Sr. Deputado, digo-lhe, com franqueza, que não e por uma razão muito simples: é que nós não podemos olhar um orçamento, apenas, numa relação meramente binária, no sentido de olhar, por um lado, aquilo que é preciso fazer e contabilizar e, por outro, aquilo que são as dotações orçamentais para fazer o que falta.

Se fosse assim, evidentemente que este orçamento era incapaz de responder às exigências da área da justiça. Simplesmente, nós estamos a pensar no orçamento para um ano e é inimaginável, suponho, que por cada um de vós e por todos nós, seja possível em um ano, por mais imaginação e capacidade de intervenção que tenham o Ministro da Justiça e o Govemo, resolver todos os problemas que afectam a justiça em Portugal.

O que é fundamental é que, de uma vez por todas, se faça — e nós estamos a fazê-lo — o estabelecimento de um programa real, de uma potítica efectiva de justiça para podermos, depois, com o gradualismo que a própria natureza das coisas impõe, ser consequente no desenvolvimento desse programa. E eu tenho o prazer de verificar que, em função da política de justiça que tive oportunidade de apresentar, há um consenso alargado, que, suponho, resulta do facto de, por um lado, ser óbvio o que é preciso fazer e, por outro, ser elevada a qualidade das propostas que nós apresentamos nessa política de justiça. Isto é, independentemente de saber quem é o Ministro da Justiça e mesmo independentemente de saber qual é o suporte partidário de um determinado govemo, o programa que enforma a política de justiça que nós lançámos para Portugal é facilmente aceitável por qualquer partido e, portanto, é facilmente prosseguível por qualquer governo. Isso era fundamental porque é essencial que, de uma vez por todas, nós saibamos o que queremos fazer com a justiça em Portugal.

E se nós calendarizarmos, se nós estruturarmos em plurianuidades aquilo que são as medidas necessárias para a reforma da justiça em Portugal, nessa perspectiva, para aquilo que é possível fazer em 1992, tendo em conta esta projecção, o orçamento de que disponho é suficiente.

Quando me diz que optei, neste 1.° ano, por legislar porque legislar custa menos dinheiro, o Sr. Deputado está, aí —e não veja nisto qualquer acinte da minha parte —, a glosar, nesta Comissão, aquilo que eu próprio disse na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias.

Página 175

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(175)

Tentando ainda, apesar de tudo, preservar algum sentido de humor, que desde que não seja exagerado não é incompatível com os problemas e as preocupações que o sistema de justiça, em Portugal, cria a todos nós, estou, como é evidente, consciente de que o sentido de humor não esconde necessariamente uma verdade... Bom, continuando, direi simplesmente que o que acontece é que se não legislarmos em matérias que são estruturantes — e deixaríamos isso, porventura, para um debate posterior —, dificilmente conseguimos consolidar, de facto, as propostas que, depois, se vão transformar em acções concretas que são a execução daquela política de justiça.

É, por isso, fundamental a concentração da actividade legislativa estruturante num determinado período porque, no fundo, acaba por ser o passo seguinte e já concretizável de um programa previamente esboçado e estabelecido.

Estou a seguir a ordem das questões e, portanto, há, aqui assim, ziguezagues que resultam da própria diferença da natureza das várias questões. Estes são os próprios ...

O Sr. José Magalhães (PS): — São os tais «ziguezagues» ...

O Orador: — Agora, estou a falar só em ziguezagues na generalidade, mas depois, na especialidade, irei aos «ziguezagues» do Sr. Deputado José Magalhães!...

Quanto à questão que põe relativamente ao comunicado divulgado pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público — e eu, aqui, talvez pudesse fazer alguma síntese com a questão, também no mesmo sentido para o Sr. Deputado José Magalhães —, creio que há efectivamente um equívoco em torno de tudo isto, acerca do qual, ontem mesmo, tive ocasião de escrever àquele Sindicato, sendo possível que esse equívoco tenha resultado, também, de alguma deficiência de informação da nossa parte.

Agora, o que me parece importante é que as coisas se esclareçam e que não surjam como susceptíveis de interpretações que estão completamente afastadas do espírito do Govemo, concretamente do espírito do Ministro da Justiça.

Tenho tido com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e com a Associação Sindical dos Magistrados Judicais a melhor relação democrática. Nem sempre estamos de acordo e isso é, justamente, a essência da democracia, mas temos tido uma relação de diálogo, de gentileza e de tentativa de encontro das soluções que sejam o mais consensuais possíveis, embora nem sempre isso possa, efectivamente, acontecer.

E quando digo que o Ministério da Justiça está a elaborar um pacote legislativo em áreas tão fundamentais como a orgânica judiciária, o regulamento, os estatutos, a orgânica do Ministério Público, etc, não estou a dizer que estamos «clandestinamente» a elaborar um pacote legislativo, até porque isso seria absurdo pela própria essência das coisas. Evidentemente que nunca o Ministério da Justiça legisla clandestinamente sobre matérias que são da especificidade e do conhecimento profundo dos magistrados judicais e dos magistrados do Ministério Público.

Com efeito, temos falado variadíssimas vezes sobre estas matérias com a Ordem dos Advogados, que não é, evidentemente, um parceiro menor sobre estes assuntos. Temos tido variadíssimas reuniões, temos conversado variadíssimas vezes sobre estas matérias, temos posto em cima da mesa as nossas preocupações, temos conversado sobre as soluções possíveis.

O que nós entendemos é que, chegados a este momento, havia um acervo de informação suficiente para vazarmos, em forma de lei, aquilo que é, no fundo, a perspectiva proposta pelo Governo para intervir legislativamente neste domínio. E como calculam — e suponho que estamos todos de acordo —, não faz sentido que, no momento técnico em que se está a vazar em forma de lei esse tipo de opções, se esteja sistematicamente a falar, aí, com o sindicato ou com a associação sindical, tanto mais que isto está a ocorrer num prazo de tempo relativamente restrito.

Obviamente que, logo que estejam concluídos, os textos serão dados às associações sindicais, à Procuradoria--Geral da República, à Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior da Magistratura.

Creio que é possível — e esse é o único objectivo —, simultânea e proximamente, enviá-los à Assembleia da República, sendo certo que a nossa ideia é a de que neste órgão de soberania...

O Sr. José Magalhães (PS): — Antes da propositura?

O Orador: — Antes da propositura, em princípio, não! De qualquer forma, é possível, simultaneamente, quando se enviam os textos às magistraturas, enviá-los, sob a forma de proposta de lei, à Assembleia da República, trazendo, nomeadamente às comissões parlamentares especializadas — e estarei sempre disponível para aí estar presente —•, a discussão, que é mais alargada, eventualmente, mais concensualizada e, porventura, mais colocada ao nível da discussão de Estado.

Portanto, isso nunca passou pela cabeça do Governo, até porque era — desculpem-me que vos diga — ridículo! Então, o Governo ia às escondidas aprovar propostas de lei em Conselho de Ministros e depois, às escondidas, trazê-las à Assembleia da República, propondo que a Assembleia da República fizesse, às escondidas, o quê?... Nada, como é evidente! De facto, isso não fazia qualquer sentido e era perfeitamente absurdo, do ponto de vista de qualquer estratégia, essa, sim, surrealista! E digo-o apesar de ter consideração pelos surrealistas!...

De facto, não é isso que está em causa! O que está a acontecer é que estamos apenas, tecnicamente, a trabalhar os textos para depois proporcionar, eventualmente em simultâneo, a sua passagem para as estruturas sindicais, para os órgãos superiores das magistraturas e para a Assembleia da República, sob forma de proposta de lei.

Aliás, eu até fui mais longe: disse que entregaria à Assembleia da República os projectos de decreto-lei, que não precisam de ser autorizados legislativamente, ou seja, o projecto de regulamento vem à Assembleia da República porque, para mim, não faz sentido falar em consensualidade em matérias deste tipo — como seja a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais — e, depois, o Governo, em casa, legislar, porque é por decreto-lei que deve fazê-lo, sobre o regulamento daquela Lei Orgância, que, como toda a gente sabe, é um regulamento com conteúdo substantivo que não vai, evidentemente, alterar a Lei Orgânica mas que pode, de alguma forma, ser o espaço onde vão tomar--se as opções que a Lei Orgânica deixa em aberto.

É isto que o Governo quer e está a fazer! Desta forma, espero que a carta que dirigi ao sindicato do Ministério Público, com conhecimento à Associação Sindical dos Magistrados Judiciais, seja suficientemente esclarecedora para dizer que não estamos a legislar clandestinamente.

Página 176

244-(176)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

O Sr. Jose Magalhães (PS): — Sr. Ministro, mas nesse quadro como é que V. Ex.! encara o calendário legislativo

que. entretanto, sc desenhou a nível parlamentar quanto à

revisão da Lei Orgânica do Ministério Público?

Pergunto-lhe isto, obviamente, por uma questão de clareza, de transparência, de limpeza, se quiser, porque é óbvio que a Assembleia da República é autónoma para fixar os calendários que quiser, mas é um pouco absurdo uma desaproximação de curvas de programação legislativa numa matéria tão fulcral, em que já há tantos equívocos, pelo que não desejaríamos que houvesse mais um.

O Orador: — Sr. Deputado, estou convencido de que o PS não tomou «clandestinamente» uma iniciativa legislativa. Embora não tivesse havido conhecimento de que iria apresentá-la, o facto é que apresentou-a, de supetão, é certo, mas quando entendeu que devia fazê-lo.

Portanto, existe um projecto de lei, apresentado pelo PS, que foi conhecido, depois de apresentado, o que é normal e é também o que está a acontecer connosco! De facto, estamos a trabalhar e, certamente, VV. Ex.** na altura em que estiveram a elaborar o vosso projecto de lei não andaram por aí a dizer que estavam a elaborar um projecto de lei e a perguntar a toda a gente o que é que achavam sobre ele! ... Ora, é exactamente isso o que estamos a fazer!

O Grupo Parlamentar do PS apresentou o seu projecto de lei e eu não fiquei nada escandalizado pelo facto de, como membro do Governo, saber pela comunicação social que isso tinha acontecido. Não fiquei nada escandalizado! As pessoas quando trabalham tecnicamente não têm de andar com toda a «gente ao colo» a dizer o que estão a fazer; elas trabalham no seio do seu grupo, no caso dos grupos parlamentares, e nós no Governo! Prontos os diplomas é evidente que eles serão publicitados e postos à discussão!

Relativamente a um eventual projecto de lei elaborado pelo PSD, posso dizer-lhe que — e como sabe, não sou membro do Grupo Parlamentar do PSD —, tanto quanto sei, o PSD estará a preparar-se para apresentar um projecto de lei sobre esta matéria.

A este propósito devo dizer que estou perfeitamente disponível para, se VV. Ex." entenderem que devemos reter a discussão dos projectos de lei e, eventualmente, esperar por uma proposta de lei conjunta e conjugada com os outros diplomas, discutir na globalidade estes assuntos.

De facto, estou perfeitamente disponível para que assim seja, em primeiro lugar, porque quero deixar claro que o trabalho que conduziu à elaboração do projecto de lei do PSD tem também a minha responsabilidade, embora não formal, visto que é o grupo parlamentar que a faz, mas sendo este um trabalho que tem a ver com a Lei Orgânica do Ministério Público, não faz sentido que o Ministro esteja completamente estranho a isso, e, em segundo lugar, porque o projecto de lei, se for apresentado, não vai fazer a revisão global da Lei Orgânica do Ministério Público, o que significará que, a seguir, o Governo terá de apresentar uma proposta de lei de alteração mais alargada.

Srs. Deputados, não podemos ser acusados de gover-namentalizar e depois ser acusados de desgovemamentali-zar a Assembleia da República! Este Órgão de soberania tem iniciativa própria, o Governo também tem e nós estamos a trabalhar em áreas que são essenciais, em termos de Governo, e fazemo-lo tranquilamente, apesar de entendermos que devemos trabalhar depressa para depois termos tempo para gerir a implementação do sistema

Portanto, se a Assembleia da República continuar a

avançar com o debate dos projectos de lei sobre a Lei

Orgânica do Ministério Público, eles discutir-se-ão, enquanto projectos; se entender que deve haver uma suspensão, na instância política, para esperar pelas propostas de lei a apresentar pelo Governo, o que, certamente, não demorará muito tempo, estou perfeitamente disponível para qualquer das opções, porque me parece que estamos a discutir mais uma opção formal de estratégia de discussão do que, propriamente, a essência da discussão, que é o que, efectivamente, me interessa. Por isso, estou aberto a intervir, como já disse, em quaisquer debates que sejam suscitados a este propósito.

Voltando ao Sr. Deputado Luís Sá, considero que a justiça não é um «parente pobre», do ponto de vista financeiro, embora reconheça, como já reconheci — e suponho que não vale a pena voltar a repetir o que disse anteriormente —, que a questão do Gabinete de Gestão Financeira está em aberto. Aliás, eu próprio tenho dito que essa é uma questão recorrente e para a qual apresentei a justificação que entendo ser a indicada no que se refere à questão, ainda pendente, do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça

De facto, esperamos encarar o problema do Gabinete o mais depressa possível, pela consciência que temos de que isso é fundamental, embora como vos disse — e o Sr. Deputado foi o primeiro a reconhecê-lo —, tenha havido um esforço de transparência de postura e de informação para que a inexistência de uma reorganização intema da gestão financeira não seja considerada como uma forma de escamotear informação e de menor transparência na gestão financeira do Ministério da Justiça.

Relativamente ao problema do parque judiciário, Sr. Deputado Luís Sá, temos também um diálogo recorrente nesta matéria, que, aliás, me dá muito prazer.

De facto, Sr. Deputado, eu nunca disse — e era importante que isto ficasse claro — que o parque judiciário português está em bom estado. Nunca disse isso! Tenho perfeita consciência de que em vários sectores o parque judiciário português está bastante degradado; disso não tenho qualquer dúvida! Aliás, não preciso de conhecer fisicamente os locais — há situações de degradação que eu sei que existem, apesar de não conhecer os locais, e outras que conheço e que confirmo a sua existência.

Assim, o que tenho dito sempre não é que temos um parque judiciário a funcionar bem! O que lenho dito — e continuo a dizê-lo, porque estamos determinados em fazê--lo e há demonstrações de que é assim — é que há uma recuperação desse parque, o que, aliás, é visível: nunca se inauguraram tantos novos palácios da justiça como ultimamente! Nunca tantas obras estiveram em curso na área do parque judiciário português — e refiro isto antes de responder à questão do Sr. Deputado José Magalhães acerca dos PIDDAC que «ziguezaguearam» para baixo.

Portanto, há uma perspectiva, que é optimista, de recuperação, porque aquilo que tive ocasião de dizer ao Sr. Deputado, aquando do debate do Programa do Governo, foi que hoje há muita coisa que está mal no parque judiciário, mas já não pode dizer-se que o parque judiciário esteja em progressiva degradação, porque não está! Ele está em progressiva recuperação! Isto é objectivo! E óbvio, basta olhar para ver!

De qualquer forma, o Sr. Deputado não partilha do meu optimismo e eu até lhe agradeço que não o faça, porque o optimismo quando não tem instrumentos externos de crítica

Página 177

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(177)

pode transformar-se em leviandade e eu nào gostaria que assim acontecesse.

De facto, tenho um optimismo relativo, que resulta, sobretudo, da noção que referi: hoje há condições de melhoria e elas estão consubstanciadas em acções concretas, que permitem que esse optimismo não seja sem sentido ou sem fundamento.

V. Ex.* disse que o preocupavam as cartas que lhe eram dirigidas por reclusos, nomeadamente dos Estabelecimentos Prisionais de Custóias e de Paços de Ferreira. Bom, quanto a essa matéria, eu também partilho da sua preocupação— alias, vários são os reclusos que também me escrevem e não só de Custóias e de Paços de Ferreira. Portanto, essa é outra área onde há muita coisa a fazer!

Em todo o caso, a situação que se coloca no debate político, de forma qualitativamente aceitável, é a da diferença que vai entre quem faz, honesta e seriamente, o discurso sobre aquilo que é preciso fazer e quem tem, deixe-me dizer, honesta e seriamente também, a responsabilidade de fazer! E entre o discurso do que falta e a acção para preencher esse espaço vai, todos o sabemos, uma diferença muito grande!...

Portanto, quando falo numa perspectiva opümisma de futuro não estou a falar olhando apenas àquilo que falta fazer; estou a falar valorizando, no concreto, aquilo que está a ser feito! Na verdade, o que está a ser feito no concreto não será ainda muito em função do que falta fazer, mas é francamente muito mais do que aquilo que, durante muitos anos, foi feito, e é aí, nessa diferença, que eu coloco a minha posição optimista.

É muito mais difícil fazer, é muito mais difícil suportar permanentemente o discurso, legítimo, que apela, sistematicamente, para a depressão perante o que não está feito, mas é necessário ter também a força e a determinação para, reconhecendo o que falta fazer, continuar a prosseguir esse esforço, tantas vezes pouco reconhecido, mas que, aos olhos de muitos, também com uma leitura critica, vai-se anunciando e vendo no concreto como uma mudança efectiva.

Relativamente ao Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo...

O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Ministro, desculpe-me a interrupção, mas eu coloquei ainda duas questões sobre as quais gostaria de ouvi-lo: uma respeitante à questão do aumento do IVA e outra à do apoio judiciário, do acesso ao Direito e da escassez de verbas nesta matéria.

O Orador: — Tem razão, Sr. Deputado. Eu entrei depressa demais nos serviços prisionais e «fiquei preso» à última questão de que unha tomado nota —aliás, as duas matérias acabam por se compaginar, a do IVA e a do acesso ao direito.

Relativamente ao acesso ao direito, o Sr. Deputado disse que a verba era insuficiente, mas tenho a dizer-lhe que não é! Assim, do ponto de vista da instalação de gabinetes de consulta jurídica e do seu funcionamento, sabemos o que tem sido feito; temos a noção das despesas feitas durante este ano, sabemos o que vai ser instalado no próximo ano, fizemos a multiplicação, a projecção do aumento e obtivemos uma dotação que é, claramente, suficiente para esse efeito.

O problema do IVA, se o analisarmos sob a perspectiva, linear e directa, de que, havendo o aumento da taxa do IVA, há também um aumento dos custos do acesso à justiça, é óbvio que não há que fazer qualquer tipo de tergiversação. É mesmo assim! A questão está toda em

saber se, do ponto de vista de uma política de antecipação da harmonização relativamente a todo o tipo de tributação pela via do IVA, essa é ou não uma opção global. Ora, sendo uma opção global do Governo, não podemos, depois, abrir excepções em várias áreas, porque atrás de uma vem outra, etc.

Portanto, o que pode estar em crítica é...

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Ministro, nem tudo duplica na reforma proposta? Há coisas que baixam!...

O Orador: — Exactamente! Aliás, também nem tudo duplica aqui, porque, como sabem, a tributação à assistência judiciária não duplica, antes baixa! Portanto, aí não há problema!

O Sr. José Magalhães (PS): — Mas o IVA aumenta!?

O Orador: — Mas a tributação do IVA em matéria de assistência judiciária baixa. Ela aumenta é na que está fora da assistência judiciária.

O Sr. José Magalhães (PS): — Também só faltava que a assistência judiciária tivesse tributação de IVA!...

O Orador: — Mas só agora é que passou a «só faltar!», porque até agora ninguém dizia isso! Agora é que fica a dizer-se que «só faltava que tivesse aumentado?!» Mas, não aumentou, diminuiu!

Portanto, fica assente e reconhecido que nesse domínio, no domínio mais constrangente do acesso ao direito, a taxa do IVA diminui, aumentando depois na outra área, resultando esse aumento de uma opção global. Aliás, não haveria outra alternativa, porque...

O Sr. José Magalhães (PS): — Nada obrigava a isso!

O Orador: —... ou baixava ou, a aumentar, teria de aumentar 100 %.

O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Ministro, desculpe-me, mas gostaria de colocar-lhe uma questão, extremamente rápida, sobre o problema das alternativas ao aumento do IVA.

A Directiva n.° 77/388/CEE, que está em vigor nesta matéria, diz que, no caso de Portugal, esta percentagem pode ser de 8 % ou mais, até 31 de Dezembro de 1993, e de 10 % ou mais, até 31 de Dezembro de 1995.

Portanto, é isto que, efectivamente, está em causa. Aliás, creio que este facto aponta com extrema clareza para que, por um lado, não seja obrigatório aumentar, desde já, dos 8 % para qualquer outra percentagem e, por outro, para que, quando for obrigatório aumentar, designadamente a partir de 31 de Dezembro de 1993, possa ser para 10 % e não para 16 % como é desde já.

O Orador: — Sr. Deputado, eu estava a reconduzir a questão àquilo que foi, como comecei por dizer, a política global em matéria de IVA. E, em matéria de IVA, a política global do Governo em matéria de IVA foi no sentido do 0, do 5 e do 16.

De qualquer forma, estamos a discutir um problema específico, tal como poderíamos discutir variadíssimos problemas específicos em matéria de IVA. O que está em discussão é aquilo que foi considerado a política global em matéria de IVA e essa foi — repito—no sentido do 0, do 5 e do 16.

Página 178

244-(178)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

O Sr. José Magalhães (PS): — Então, e as medidas compensatórias?

O Orador: — Ora bem, as medidas compensatórias resultarão, por um lado, da tentativa do aumento da capacidade de resposta, porque é óbvio que ...

O Sr. José Magalhães (PS): — Isso é vago!

O Orador: — Não! Não é um gesto vago, por um lado, porque é fundamental a possibilidade do aumento claro dos gabinetes de consulta jurídica gratuita e, por outro lado, porque estamos a falar do acesso ao direito. Para isso, temos de considerar duas margens: o acesso ao direito que é previsto pela assistência judiciária e onde há diminuição — nessa medida, apesar de tudo, há uma perspectiva compensatória, dado que aí nem sequer nos passou pela cabeça fazer aumento, como é evidente, pelo contrário reduziu-se —, e, por outro lado, a possibilidade, que não é compensatória (gostaria que isto fosse bem interpretado), de, agora mesmo, se aumentar a tabela dos advogados na área da assistência judiciária. Isto não é compensatório— repito — porque não há aqui a ideia de pagar mais aos advogados para prevenir aquilo que, no fundo, é um custo acrescido para os cidadãos, mas porque vai manifestar o empenhamento do Governo na possibilidade de uma assistência judiciária com pagamento correcto aos advogados, o que, indirectamente, se traduzirá numa garantia de melhor qualidade nessa assistência.

Voltando à questão colocada pelo Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo, vou tentar saber qual é exactamente a situação da não existência de juiz neste momento em Santa Cruz das Flores. Como sabem, a gestão dos magistrados não cabe ao Ministério da Justiça e, neste momento, o quadro de juízes é suficiente para permitir que haja um juiz por comarca — pode haver aí algum problema pontual de gestão de quadros, mas eu não posso responder-lhe já porque não tenho informação e porque não me cabe fazer essa gestão.

Quanto à informatização, há, de facto, alguns microcomputadores que ainda estão encaixotados, mas já são cada vez menos. O que tecnicamente nos foi dito, no lançamento dos 1200 microcomputadores, foi que 40 % seria uma taxa de aproveitamento boa; a taxa de aproveitamento inicial foi de 52 % e nesta altura estamos com uma taxa de aproveitamento de 75 % — portanto, estamos a caminhar bem, embora nalguns sítios haja ainda microcomputadores encaixotados, que entram na tal área de taxa de aproveitamento negativa. Dentro de muito pouco tempo farei publicar um texto sobre formação profissional nessa área, num trabalho conjunto do Governo com a INFORJOVEM, sendo por essa via que vamos colmatar essas brechas, que são normais num processo de modificação e de inovação tecnológica tão significativa como este.

Relativamente ao Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, percebo a questão colocada pelo Sr. Deputado porque também conheço bem a situação: o problema que encontro ali não é tanto o problema das instalações daquele estabelecimento prisional, que está a ser sujeito a obras de vulto que estão a dar-lhe uma configuração bastante melhor, porque é óbvio que aquele edifício está vocacio-nadíssimo para uma unidade da indústria hoteleira. O que eu não gostaria era que, sempre que um estabelecimento prisional esteja localizado num espaço onde ficaria bem uma unidade da indústria hoteleira, esse estabelecimento

prisional fosse atirado para um gheito para colocar ai uma unidade de indústria hotelçira. Vamos permitir que, ainda durante algum tempo, aquele estabelecimento possa ser um pouco não direi um modelo mas uma síntese daquilo que pretendemos nos serviços prisionais: quem estiver dentro tem de estar preso, mas se puder ver o mundo isso não lhe fará mal e irá certamente contribuir para a sua reabilitação futura.

Quanto ao tempo que demora a emissão do bilhete de identidade, sei que nos Açores é um mês ... Mas fico muito satisfeito por verificar que se acredita tanto na reforma que estamos a fazer — seria bom que em toda a parte fossem vinte e quatro horas, mas não é ainda. Nos Açores demora um mês, o que é menos do que os três meses que demorava ainda há pouco tempo.

Relativamente à intervenção do Sr. Deputado José Vera Jardim, gostaria imenso de ficar aqui a tarde inteira a dialogar com V. Ex.s sobre todas as questões que colocou, muito particularmente sobre o modo como o fez e que não posso deixar de relevar — se tanto falo na postura de Estado, permita-me que personifique a sua intervenção como sendo uma intervenção crítica mas de Estado. E vou ter de aceitar que a minha resposta seja extremamente deficitária relativamente à complexidade das questões que V. Ex.1 colocou, o que acontece apenas por uma questão de economia de tempo.

Começo por um aspecto que, sendo importante, não referi — peço-vos que não pensem que o refiro agora como o cábula que, à entrada para o exame, de repente, aprende uma matéria e tenta fazer sobre ela um particular bri-lharete — e que é o da revisão do Código das Custas. Não o fiz porque não tenho um tempo definido para que essa revisão esteja concluída e não quereria estar a apresentar tempos e compromissos quando, à partida, não conheço ainda qual vai ele ser, embora possa eventualmente até não ser demasiado complexo. Mas há uma coisa que é certa: não teremos o Código Civil sem ter o Código das Custas.

Neste momento, estamos a trabalhar sobre o Código das Custas com uma orientação política do Ministro da Justiça, que é a de procurar um diploma que, continuando a ser um Código das Custas, parta, sobretudo, de pressupostos deste tipo: por outro lado, preço fixo para as acções e estabelecimento de regras de oscilação mínimas, porque não se pode pôr um preço a uma acção escamoteando o facto de que ela pode ler no seu percurso toda uma série de complicações ou, eventualmente, não ter complicações — portanto, um preço-padrão tem de ter sempre instrumentos de correcção para baixo ou para cima —, e, por outro lado, que o modo de intervenção no processo seja um modo de intervenção que aconteça em duas fases apenas. Essas fases serão, se se mantiver o preparo inicial, uma e outra, a conta final depois de transitado o processo. Isto é importante para a aceleração processual, é importante para a clarificação do sistema e é sobretudo importante para que, também do ponto de vista contabilístico, as pessoas que vão ao tribunal saibam à partida o que lhes acontece ou poderá acontecer, sem ficarem sujeitas a uma conta que, como sabe, muito boa gente não consegue interpretar, se não for mesmo o caso de que muito boa gente nem sequer consiga fazê-la!...

É neste sentido que estamos a caminhar e eu só não o tinha dito aqui porque não gostaria de trazer intenções, e é isso o que estamos a fazer: estamos a começar a trabalhar nesse sentido — refiro isto apenas para responder à questão que colocou.

Página 179

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(179)

E dir-lhe-ei ainda, Sr. Deputado, embora isso possa parecer motivo de alguma perplexidade, e não exagerando, que era capaz de subscrever o discurso que V. Ex.! fez neste domínio. Trata-se de um discurso que é duro, mas é um discurso de constatação de uma realidade que eu nunca tentei escamotear: o problema dos custos da justiça, o problema da morosidade da justiça, o problema das condições de exercício da justiça! Sistematicamente, tenho dito isso e é sobre essa afirmação que eu introduzo depois o discurso que o Sr. Deputado José Magalhães considera idílico — mas só é idílico se for desligado do alicerce, da base de onde parte.

Não tenho dúvida alguma de que a série de questões que V. Ex.1 colocou é constituída por problemas reais do sistema de justiça português e o fundamental é que, primeiro que tudo, saibamos reconhecer que, existindo essas questões, umas delas como sequelas de um tempo longo, outras como sequelas de uma conjuntura actual, de uma maior celeridade, de um maior recurso aos tribunais, não há «varinha mágica» que permita que, de um momento para o outro, essas questões se resolvam.

A questão está em saber se estamos a adoptar as medidas correctas e se somos capazes de dar a essas medidas a celeridade necessária para podermos chegar ao objectivo que é comum a todos nós.

Evidentemente que, quer na área dos tribunais quer na área dos registos e notariado, o problema dos custos tem de ser enfrentado. E tem de ser enfrentado também numa perspectiva de tributação —não me refiro a tributação fiscal mas, sim, a tributação de custo —, tem de ser projectado nomeadamente para a redução da própria burocracia, porque esta, além de, em vários aspectos, ser injustificável, ainda por cima é cara. Portanto, há aqui duas negações que não vão terminar numa afirmação, como é evidente. Esse é um trabalho que está a ser feito e tem de ser feito com gradualismo, mas também com a determinação de fazê-lo. Partilho das preocupações, mas tenho, obviamente, a responsabilidade de encontrar a solução e estamos nesse caminho!

Não gostaria que as escrituras passassem a ser feitas em Badajoz — até porque não sei se isso, depois, não vai sobrecarregar financeiramente o Ministério da Justiça com o encargo da tradução! Portanto, gostaria que nós pudéssemos conter essa hipótese da livre circulação de documentos na Europa comunitária e pudéssemos criar a nossa própria capacidade de resposta. Essa é uma área deficitária na justiça portuguesa e não tenho qualquer dúvida em reconhecê-lo.

Também foi exactamente por isso que nós, independentemente do trabalho —que foi importante, feito no Ministério da Justiça até agora, criámos, especialmente para esse efeito, uma secretaria de Estado para actuar na área dos registos e notariado, e, apenas porque vai ter uma competência específica nesse domínio, para poder dirigir a sua vocação para essa área.

O Sr. Deputado disse que há cerca de um ano eu prometi que o registo comercial ia demorar 10 dias — claro que há zonas onde isso não acontece, mas posso dizer-lhe que, por exemplo —e é nessas realidades que estruturo algum optimismo na intervenção — nas três conservatórias do Registo Comercial do Porto, cuja situação de acumulação, suponho, V. Ex.1 bem conhece, o que está a passar-se hoje é que os actos são registados em menos de 10 dias. Uma delas está, normalmente, a fazê-lo em cerca de 15 dias, que é o prazo legal, e as outras duas, cm muitos casos, estão a fazê-lo em vinte e quatro horas e nunca em

mais de 8 dias. Isto, que é uma necessidade e, como tal, não vale a pena criar qualquer motivo de vanglória, é uma realidade, hoje óbvia, que aceitamos como natural mas que há um ano era impensável, nem se imaginava que fosse possível. Foi através de várias acções, quer do ponto de vista legislativo quer do ponto de vista da reorganização, que isto foi possível. A informatização do Registo Comercial de Lisboa vai permitir um avanço do mesmo tipo. A eventual descentralização das conservatórias de registo comercial vai evoluir nesse sentido. Portanto, há um cumprimento não integral da promessa de que serão três dias em todo o País — isso também depende muito das pessoas concrelas, em determinadas situações — mas conseguiu--se já um avanço significativo. E vamos prosseguir nesse sentido.

Gostaria de poder responder-lhe, mas não tenho elementos para poder abordar a questão relativa à taxa dos 6 % do apoio judiciário. Não disponho agora desses elementos, mas terei todo o gosto em verificar esses dados no Ministério e depois enviarei a informação a V. Ex.! e à Assembleia.

Relativamente à Polícia Judiciária, presumo que vos vou desiludir, mas não há aí quaisquer problemas. A Polícia Judiciária, neste momento, está estruturada, está com uma direcção que é aceite, não tem problemas internos a não ser os problemas próprios de uma organização como é a Polícia Judiciária... Portanto, não há problemas. Há aí uma disfunção entre alguns rumores que vão surgindo e aquilo que é a realidade. A Polícia Judiciária está a trabalhar bem, não há problemas internos de gestão, houve uma substituição... De resto, as substituições numa estrutura como esta geram sempre algumas movimentações, mas essas movimentações não tiveram qualquer expressão significativa, pelo que a Polícia Judiciária está a trabalhar com tranquilidade e numa acção de reorganização interna que é importante que seja feita e que tem de ser feita com esssa tranquilidade.

V. Ex.! referiu a situação do apoio a conceder, quer ao DIAP quer às estruturas especializadas de funcionamento do DIAP. Quando há pouco eu disse que a transferência para as novas instalações ia ocorrer brevemente, isso não significa que, pelo facto de pegar no DIAP, com as preocupações que ele hoje encerra, e colocá-lo em instalações novas, ele vai passar a funcionar bem — evidentemente que não! Mas é exactamente por isso que está já em curso uma acção que foi programada e que tem várias etapas: a primeira, que está a decorrer neste momento, é uma rigorosa inspecção aos funcionários do DIAP, não uma inspecção pessoal, nem funcional, mas uma inspecção para análise da organização do serviço, a partir da qual extraímos várias conclusões, que já estão a ser operacionalizadas.

Posso dizer que neste momento o problema das notificações está a ser progressivamente resolvido porque apenas com o número dc funcionários presentes já foi possível criar uma reorganização interna diferente, e essa questão está a ser solucionada. Lembro que o DIAP começou há cerca de três anos com um núcleo mínimo, que tinha um magistrado e cinco funcionários, e que, neste momento, tem 32 magistrados e 85 funcionários. Aliás, vão ser colocados agora, como brigada, mais 30 funcionários para responder ao problema dos processos em atraso e, no momento cm que se fizer a transferência, vai passar para o DIAP apenas o número de processos que, então, sejam considerados aquele número normal de uma dependência do DIAP, ficando os restantes nas outras instalações do

DIAP para, sobre eles, actuar uma equipa liquidatária que

Página 180

244-(180)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

não vá permitir que haja uma transferência acumulada, que vá gerar uma acumulação progressiva. Conjugando a fase da inspecção com o resultado que vai extrair-se da inspecção, com esta perspectiva de transferência e com uma articulação mais lubrificada entre o DIAP e a Polícia Judiciária, espero que o problema fique resolvido.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Ministro, acaba de renovar uma promessa e nós registamos, mas, repare, neste momento há cerca de 40 000 processos — disse-nos o Sr. Procurador-Geral da República há dias na Comissão. Se V. Ex.' tem uma informação quanto a números menores, só podemos congratular-nos com isso. Mas vamos admitir que haja x mil processos em risco, de cair por dificuldades de notificação. Isso exige uma brigada móvel que ande a notificar. E, tendo V. Ex.1 assumido um compromisso, para quando o cumprimento desse compromisso? Repare que os prazos correm e os processos caem!...

Digo isto apenas para contrabater um pouco o tom fluente e desdramatizado com que V. Ex.1 anuncia coisas que vão passar-se no mês de Maio ou Junho, se tudo correr bem, enquanto, entretanto, caem processos. É só isto!

O Orador: — Sr. Deputado, não estou fluente!... Admito que o seja pouco, mas o tom não é desdramatizado. O que estou a dizer-lhe são coisas concretas, ou seja, que a inspecção está correr, que já está em curso uma reorganização interna, que os processos por notificar já diminuíram, que vai surgir dentro de pouco tempo uma brigada de funcionários apenas para fazer isso...

O Sr. José Magalhães (PS): — Quando?

O Orador: — «Quando» não posso dizer-lhe. Como calcula, seria uma perfeita leviandade da minha parte dizer-lhe quando é que as notificações estão feitas. Posso é dizer-lhe que estão encontrados os mecanismos.

Foi aberto o concurso para constituição da brigada e logo que esteja terminado, estes funcionários são colocados — serão 30 apenas com essa tarefa.

Isto não tem só a ver com o DIAP, mas é evidente que ele virá, porventura, a beneficiar desta situação. Estamos a estudar — e não é fácil chegar lá rapidamente — a possibilidade de atribuir a notificação não apenas aos tradicionais funcionários dos tribunais mas introduzir aí algum elemento de iniciativa privada. Estamos a ver até que ponto é isso possível, sem pôr em causa aquilo que são as regras essenciais do funcionamento da justiça. Mas isso é um processo mais demorado e não é por essa via que vou resolver o problema do DIAP.

Agora, com o levantamento que foi feito, com a actuação que já está a ocorrer, com os 30 funcionários que vão ser colocados, com a passagem para o outro lado e a manutenção de um grupo liquidatário para o DIAP, enfim!..., suponho que não é «desdramatizar», é, sim, ter encontrado uma solução, pô-la em prática e fazê-la funcionar.

Por outro lado, há ainda um aspecto importante que não quero desdramatizar e que se prende com a selecção das notificações. Como sabe, muitas notificações do DIAP são de processos contra incertos e, sendo certo que as pessoas tem de ser notificadas para saberem que o seu processo foi arquivado, daí também não resultam graves prejuízos em termos globais para o funcionamento do sistema de justiça. É, no entanto, importante que essa situação não

se verifique, mas não é uma situação de alarme ou de preocupação social.

Há, pois, que fazer uma divisão entre esses tipos de processos e proceder-se à notificação daqueles que são, obviamente, mais urgentes.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Se o Sr. Presidente me permite, queria apenas fazer uma pergunta ao Sr. Ministro para concretizar.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Com certeza, Sr. Deputado José Vera Jardim, mas volto a pedir a todos os Srs. Deputados que não interrompam pois estamos a ultrapassar todos os horários possíveis para os trabalhos de hoje da Comissão.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Ministro, dentro desse reforço de funcionários para o DIAP estão previstas as assessorias técnicas necessárias para o Ministério Público, designadamente nos crimes de corrupção, droga, nos crimes económicos, etc?

O Orador: — Esse é outro aspecto, Sr. Deputado. Desde logo, quanto à necessidade, obviamente que estou de acordo, e, quanto ao modo de satisfazermos essa necessidade, estamos a trabalhar com o Sr. Procurador-Geral da República e com a Polícia Judiciária no sentido de saber como deve ser configurado esse tipo de assessoria. E porquê?

Em primeiro lugar, porque não faz sentido uma duplicação entre o DIAP e a Polícia Judiciária e, por outro lado, porque entendemos também que assessorias dessa natureza devem existir com um regime flexível, de requisição dos próprios peritos, pois, como VV. Ex." sabem, peritos que trabalham especificamente nessa área e que estão integrados num quadro podem levantar outro tipo de problemas, que, enfim, suponho que não valerá a pena trazer aqui, uma vez que são facilmente congemináveis ...

Portanto, o que estamos é a estudar a necessidade de fazer e a possibilidade de encontrar mecanismos flexíveis, eventualmente por requisição, caso a caso ou através de um grupo que, não pertencendo às estruturas dos serviços, todavia está vocacionado para isso, com maleabilidade no seu interior. É, pois, esse o tipo de processo que está a ser seguido, porque, obviamente, queremos dar a resposta a essa matéria.

Não faria sentido que eu, por um lado, dissesse que o Governo está apostado em combater a corrupção e as fraudes antieconômicos e que, por outro, não criasse as condições necessárias para, do ponto de vista técnico, fazê--lo com qualidade.

Quando V. Ex.1 falou na área dos menores pôs uma questão que creio ser essencial, mas que, porventura, careceria de um período de tempo mais alargado para podermos dialogar a esse propósito, e que é a de saber até que ponto o Ministério da Justiça não está a tomar sobre si responsabilidades em áreas que, em princípio, não lhe deveriam caber.

No entanto, não tenho tanto essa ideia, primeiro, porque entendo que, cada vez mais, os departamentos de Estado devem funcionar interdisciplinarmente —não há divisões estanques quando, por exemplo, tarbalhamos a área dos menores ou crianças em risco —, depois, porque, pelo menos, há aqui uma área de prevenção que justifica sempre a intervenção do Ministério da Justiça, e, por fim, porque este Ministério tem intervenção não apenas no

Página 181

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(181)

domínio da antiga prevenção criminal como também na área dos processos tutelares que passam também, obviamente, por situações desta natureza.

Portanto, estas matérias não devem, a meu ver, ser trabalhadas em termos estanques. É exactamente por isso que creio que o melhor caminho não é fazer com que os menores que não tèm problemas de delinquência ou pré--delinquência fiquem isolados nos estabelecimentos de menores, mas antes que estes estabelecimentos não sejam vocacionados apenas para pré-delinquentes e, portanto, não considerar que o menor pré-delinquente tem logo um estigma que o separa do outro mas que é apenas uma criança em risco.

Em princípio, um menor pré-delinquente tem apenas um «erro» de crescimento, um problema que, no fundo, é o de uma criança em risco que apenas despoletou uma acção concreta que, por acaso, é configurada jurídico-cri-minalmente como um crime. Mas não vamos logo estigmatizá-lo à partida, dizendo que o metemos em estabelecimentos correctivos ou de correcção, taJ como existiam no sistema anterior.

O caminho é, de facto, o da melhoria e da reconcepção dos próprios estabelecimentos. Devo dizer que sou muito pouco favorável a uma institucionalização como regra, pelo contrário. Entendo que a institucionalização será a excepção, mas, se tal vier a acontecer, que não aconteça em termos de regresso a uma visão correctiva, a que eu não chamaria repressiva, pois se for repressiva é porque está a funcionar mal, porque não é repressiva por vocação mas apenas enformadora, socíalizadora, diria eu, mais modernamente e, aí, nem sequer lhe chamaria ressocializadora.

Já relativamente às comissões de protecção de menores, é óbvia a importância que tem a questão que o Sr. Deputado coloca no sentido de saber até que ponto elas são de facto a expressão da comunidade ou são a expressão de uma comunidade induzida pelo Estado. Creio que haverá aí um ponto de equilíbrio entre essas duas coisas, desde logo porque elas contêm no seu seio não só pessoas vindas do interior das instituições como pessoas vindas da própria comunidade — as associações de pais e as instituições privadas de solidariedade social. O importante é criarmos uma síntese entre estas duas realidades, sendo certo que as pessoas que vêm de dentro das instituições não têm a matriz da sua indigitação pelo facto de pertencerem às instituições mas pela natureza das próprias instituições — da educação, da saúde ...

Portanto, é óbvio que as pessoas devem participar fazendo vida dentro das instituições, mas participando pela natureza própria da função que exercem e também, evidentemente, da sua inserção no todo social. Mesmo em concelhos que não tenham a dimensão igual à dos centros urbanos mais significativos a relação entre a pessoa e a instituição dilui-se — o médico é o médico, não é tanto o médico do serviço de saúde, o professor é o professor, não está, necessariamente, tão ligado à instituição e à sua vocação de representante da instituição ...

Ora, é neste sentido que entendemos dever evoluir, até porque também aqui de alguma maneira, ao atribuirmos às comissões de protecção de menores uma competência própria dos tribunais, temos de fazê-lo com algum controlo de transferência para não termos de correr, a certa altura, atrás do modelo novo deixando-o um pouco, também, a fluir ao seu próprio critério, o que nos pareceria obviamente incorrecto.

Quanto à intervenção no sistema prisional, se o Sr. Deputado teve ocasião de ouvir, por exemplo, a re-

portagem que foi feita pela TSF à volta do congresso que abordou essa temática, eu fui o primeiro a dizer que aquela acção organizada que ia fazer intervir o voluntariado católico nas prisões tinha todo o meu apoio, mas disse também que não era apenas esse o sector que queríamos trabalhar.

Aliás, a própria comunidade local pode organizar-se &

criar um protocolo de intervenção de voluntariado por ela própria organizado no interior da prisão. Agora, o que não há é uma escolha no sentido de dizer: «Queremos estas pessoas e não queremos outras.» Isso não! Qualquer das pessoas que esteja em condições de participar num trabalho desse tipo tem toda a nossa abertura.

Ao mesmo tempo —e com isto respondo à segunda parte de sua questão —, existe um protocolo, um regulamento que garante mecanismos de controlo, digamos, do próprio funcionamento e onde estão representantes do Ministério da Justiça.

Relativamente ao que V. Ex.8 disse quanto ao consenso, à interpretação destas questões como questões de Estado, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que não tenho qualquer dificuldade ou reserva em enviar para a Assembleia da República tudo o que esta solicite: havendo actas vêm as actas, havendo trabalhos preparatórios de outra natureza vêm esses trabalhos!... Não tenho qualquer dificuldade em relação a isso!

Aliás, a esse propósito, tenho a satisfação de dizer que não estou a fazer aqui uma promessa mais ou menos «charmosa» relativamente ao que possa ser a nossa relação em matéria de consenso; tenho prova «provada» que posso apresentar.

Ainda o ano passado foi discutido aqui, sob a forma de proposta de autorização legislativa, o Código de Procedimento Administrativo, que, por sugestão minha, baixou à comissão parlamentar competente para exame na especialidade, quando já não tinha que baixar. E propusemos isso para que aí voltássemos a discutir, em conjunto, alguns dos problemas essenciais que tinham sido levantados na discussão em Plenário.

Portanto, não é agora que estou a dizer que vou funcionar assim com a Assembleia da República, pois este tem sido, desde o primeiro momento — e suponho que isso é reconhecido pelos Srs. Deputados —, o meu tipo de relacionamento com a Assembleia da República.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Ministro, permita-me que o interrompa apenas para fazer-lhe este pedido: o de que o Sr. Ministro, se puder, nos mande as actas relativas ao Código Penal. Se puder enviá-las, agradecer-lhe--ei muito.

O Orador: — Com certeza. Já disse que estou disponível para fazê-lo.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Sr. Ministro, se me permite, aproveitando esta interrupção, vamos fixar em definitivo o nosso horário de trabalho: são 14 horas e 30 minutos, pelo que proponho que trabalhemos no sentido de, cerca das 14 horas e 45 minutos, encerrarmos a apreciação do orçamento do Ministério da Justiça nesta Comissão.

Pode continuar no uso da palavra, Sr. Ministro.

O Orador: — Repetindo a resposta ao pedido agora formulado pelo Sr. Deputado José Vera Jardim, nós vamos enviar as actas.

Página 182

244-(182)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

Gostaria ainda de fazer uma rápida incursão por uma das intervenções do Sr. Deputado José Magalhães.

Receio já não vir a ter muito para dizer-lhe. pois te-

nho-lhe respondido aos «ziguezagues» à medida que vou respondendo às questões postas pelos outros Srs. Deputados. Mas relativamente ao Código Penal, Sr. Deputado, nós não podemos ser, digamos, «contraditórios» — a esta hora não encontro expressão melhor, mas esta não é a exacta, portanto não veja nela qualquer acinto ...

O problema é este, Sr. Deputado: se não avançamos imediatamente com a formulação legislativa porque estamos a ouvir toda a gente, «aqui d'el-rei» porque já temos o código pronto e não o remetemos à Assembleia; se avançamos rapidamente e o remetemos à Assembleia, «aqui d'el-rei» porque não ouvimos as pessoas... ó Sr. Deputado, nós temos que ter um critério uniforme de actuação e neste momento, como V. Ex.1 sabe, o projecto está a circular pelas associações sindicais, pela Ordem dos Advogados, pelo Conselho Superior da Magistratura e pela Procuradoria-Geral da República. Se não quiséssemos fazer isso já o tínhamos apresentado.

Eu próprio, não sei se não o teria apresentado, pois penso que a opção política definitiva do Govemo, antes de a apresentar à Assembleia, só ocorre depois de ouvirmos toda a gente. Portanto, enviarei as actas, mas neste momento o que, obviamente, não posso é garantir que o que vai ser apresentado, como proposta de lei, é o projecto que está neste momento a circular, sob pena de estar, então, a fingir que ouvia as pessoas, e isso também não faço!

Passando agora às intervenções do Sr. Deputado José Magalhães, e deixando o «panorama idílico» de lado porque o tempo de que disponho já não permite que se faça alguma consideração à volta desta sua qualificação — aliás, na resposta ao Sr. Deputado José Vera Jardim já alguma coisa terei dito sobre isso—, V. Ex.' diz que trago no «bojo» a crise da Polícia Judiciária e que, como a rainha Santa Isabel, abro o casaco e digo: «São rosas». Claro que não faço isso! Embora acredite no milagre da rainha Santa Isabel, entendo que a Polícia Judiciária «serão rosas», mas não por milagre, tem de ser pela acção concreta que estamos a desenvolver.

Portanto, Sr. Deputado, não lhe abro o casaco mas «abro-lhe» a acção que estamos a desenvolver; não lhe digo que «são rosas» mas os espinhos que se pretende que seja também não são!

Diz V. Ex.! que há uma crise de confiança na justiça. Ora, não digo que haja uma crise de confiança na justiça, o que há é problemas de confiança relativamente à justiça que têm muitas causas. Toma-se, pois, necessário actuar conjuntamente sobre todas essas causas, uma das quais é, aliás, o facto de exagerarmos a crise da própria justiça. É porque se não for exagerando que o fazemos é sempre correcto que se critique o que está mal; mas se, repetida e recorrentemente, exageramos a crise da justiça, tanto o fazemos que os cidadãos até acreditam que a crise tem a dimensão que nós dizemos que ela tem. Se, pelo contrário, reduzirmos a dimensão da crise da justiça à sua verdadeira dimensão, reduzimos também a crise de confiança e, sobretudo, criamos no cidadão a ideia de uma relação séria de informação sobre o modo como funciona a justiça em Portugal.

Devo dizer-lhe que, uma vez que tanto se falou aqui de estatísticas, pela estatística não há crise de confiança na justiça, pois as pessoas recorrem cada vez mais aos tribunais, aos vários serviços, têm cada vez mais uma

relação mais humanizada com os próprios tribunais e com os serviços e até, em muitos aspectos, já se vão dando

conta de que muita da capacidade dc resposta já fóiá mais

acelerada do que durante algum tempo atrás, em que se soube que não estava.

Quanto ao problema da insatisfação e da instabilidade das magistraturas já está esclarecido, já respondi e é essa a posição adoptada. Espero, pois, que nâo haja sobre isso

mais questões complicadas a desenvolver.

Sr. Deputado, quando diz que eu projecto o novo código penal só para Abril óu Maio — e estamos praticamente no princípio de Março—, veja o Sr. Deputado, se o projecto do novo código penal está a circular, se vou receber as indicações que me são dadas, se vou solicitar à comissão que faça uma análise crítica sobre ela e se, depois, eu for, em minha própria análise, criticar, até direi que Abril é um prazo optimista e Maio é realista. Portanto, estou a trabalhar com uma margem de optimismo/realismo.

Em relação ao novo código de processo penal, quando lhe digo que será elaborado até ao fim de 1992, pode ser amanhã ou pode ser no dia 31 de Dezembro!...

Mas, como ainda não tenho a proposta final da comissão não tenho a exacta noção daquilo que, como proposta, me será apresentado. Portanto, dizer-lhe menos do que isso seria, porventura, realista, mas não, do ponto de vista crítico de quem dá a informação, correcto. Pode acontecer que seja antes, espero e desejo que assim seja, apenas não tenho a garantia absoluta para, perante VV. Ex.M, que são Deputados eleitos pelo povo, dizer coisas sobre as quais não esteja absolutamente seguro. Mesmo assim, sabe-se — e não direi apenas Deus mas os Srs. Deputados — quantas vezes a segurança absoluta redunda depois na demonstração de que, afinal, ela não era tão consistente como isso.

Relativamente aos tribunais de círculo, com certeza que sim. Já falámos sobre isso várias vezes e, de resto, Sr. Deputado, quando temos a consciência e a convicção daquilo que estamos a fazer, não temos a insegurança de não fazer aquilo que é preciso. Nunca, em circunstancia nenhuma, deixarei de adoptar uma medida que tenha sido sugerida, nomeadamente, pela oposição, se tiver a consciência de que essa medida é correcta. Nunca deixarei de fazê-lo!

Não tenho a ideia de que em política se ganham os debates, mas tenho a ideia de que em política se ganham as acções e, sobretudo, tenho a ideia de que em política ganham os cidadãos e não aqueles que, episodicamente, representam lugares mais ou menos relevantes na actividade política.

Enquanto a minha capacidade crítica for suficiente para perceber o que em cada circunstância é melhor, fá-lo-ei, independentemente de saber quem teve a ideia ou de qual foi a área política de onde nasceu a iniciativa. É nessse sentido que considero que a postura de Estado impõe que seja assim.

Relativamente ao PIDDAC, é evidente que podia pegar nele ao contrário e dar a indicação de todas as outras coisas que se aceleraram muito mais e que, portanto, permitiram uma gestão interna do próprio PIDDAC. Posso dizer-lhe que se fosse analisar isto tudo tinha resposta para cada uma delas — espero que me faça essa justiça! Posso dizer-lhe, por exemplo, que em Coruche estava tudo preparado e não avançou porque havia uma certa discordância da câmara municipal relativamente à definição do terreno — não era uma discordância em qualquer sentido

Página 183

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(183)

negativo, pois, de facto, há uma necessidade de procurar um acordo alternativo para o terreno, pelo que tivemos de esperar que isso fosse definido. Relativamente a Ourique, aconteceu uma coisa que é caricata, mas que não pudemos prever, é que foi feita a adjudicação e depois verificámos que a empresa concorrente tinha um alvará falso, ou seja, não estava legitimada para poder concorrer. Portanto, ti-y&mos de voltar ao início, ou seja, abrir novo concurso e adjudicar a outro. Relativamente à Marinha Grande, foi a própria câmara municipal que apresentou uma alternativa no sentido de que o tribunal se instalasse noutro sítio.

Estudámos a proposta, demorámos a fazê-lo, tivemos várias conversações e assentou-se definitivamente na solução. Portanto, vai arrancar agora.

Há, portanto, resposta para esse tipo de situações. Agora, se invertermos e analisarmos aquilo que foi feito, que foi avançado, que andou mais depressa porque se recuperou o que não se pôde fazer por razões desta natureza, que são exógenas, mas que recuperámos endógenamente e fizemos mais depressa outras coisas, a situação está aí equilibrada e, portanto, o problema da credibilidade na justiça mantém-se.

Por outro lado, Sr. Deputado, não posso dizer-lhe qual é a verba para o combate à droga na Polícia Judiciária, pois, como sabe, não temos verbas dotadas a um determinado tipo de combate, embora na globalidade do orçamento da Polícia Judiciária esteja garantida a verba suficiente para podermos trabalhar na área do combate à droga — e tanto assim é que lhe disse que a DCITE é, nesta altura, um departamento modelo relativamento a isso.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, peço desculpa por interromper o Sr. Ministro, mas é apenas para dizer-lhe que não cometeria, seguramente, a ingenuidade de fazer-lhe uma pergunta desse tipo. A pergunta era no sentido de saber, em relação à verba para o departamento específico criado para esse efeito, qual é a folga orçamental que vai ter para além dos outros departamentos que eventualmente cooperem nessa realização.

O Orador: — Sr. Deputado, se me permite, pediria aqui ao Sr. Secretário de Estado Adjunto que procurasse os números enquanto eu prossigo as respostas. Aliás, se não for possível fornecê-los já, podem vir depois se não forem encontrados imediatamente.

O Sr. Deputado José Magalhães deseja saber se estou disponível para o levantamento e eventual criação de um livro — sobre o qual depois acordaremos — relativo à situação dos menores e dos inimputáveis. Sr. Deputado, estou totalmente de acordo, pois não tenho qualquer receio quanto ao levantamento das situações que funcionam na área da justiça, nomeadamente as que funcionam mal.

Como V. Ex.8 sabe, embora na altura ainda não fosse Ministro da Justiça, tive algum contributo para que, hoje, em Portugal se soubesse o que se passa em matéria de maus tratos a crianças. Não tenho qualquer problema em abordar essas matérias.

Hoje, realmente, não estamos numa situação de insegurança que impeça de trazer a lume o que não está bem e aquilo onde é necessário intervir. Tratando-se apenas de uma questão de metodologia, podem contar com a disponibilidade do Ministro da Justiça para quando quiserem, até porque, se é este número, o Sr. Deputado também o tem ... Mas, posteriormente, enviá-lo-emos já que temos de fazer contas, também para lhe respondermos em concreto.

Quanto à intervenção do Sr. Deputado António José Seguro, apetecia-me um pouco remetê-lo para o seu colega de bancada, Deputado José Vera Jardim, para se acertar definitivamente quais são, de facto, as competências do Ministério da Justiça e as que não são, por exemplo, na área dos menores, na área da harmonização dos direitos, etc.

Evidentemente, aquilo que posso dizer — mas que Te-firo, aqui, mais como sensibilidade do que, propriamente, como projecto político específico do Ministério da Justiça — é que a harmonização deve ser um propósito da comunidade do ponto de vista não apenas económico ou financeiro mas também dos direitos fundamentais. É, com certeza, nesse sentido que temos de caminhar, mas neste momento, em termos de políticas concretas do Ministério da Justiça, sobretudo quando fala do problema da objecção de consciência, não há em elaboração qualquer projecto nesse sentido. Todavia, na globalidade da intervenção do Governo, é óbvio que esse é um propósito a prosseguir e, com certeza, também, a participação crítica da Juventude Socialista não deixará de ser estimada para irmos mais longe na qualidade das opções definitivas que viermos a adoptar.

Pergunta-me se o sistema prisional vai continuar na linha da repressão. Ó Sr. Deputado, para já, digo-lhe que nem sequer agora está! Se quiser ter uma leitura também crítica acerca disso, poderá haver situações de funcionamento do sistema prisional que, pela própria natureza das condições, acabe por ter o aspecto do sistema repressivo — porque ainda há frio quando não devia haver, porque há situações de funcionamento interno que acabam por criar uma perda, do ponto de vista humano, que não devia haver e isso é repressivo. Mas é repressivo petas condições e não pela filosofia. Não há qualquer filosofia repressiva do sistema prisional. A política para o sistema prisional é a de que a um preso a única coisa que deve ser coartada é a liberdade. E por isso que está preso. De resto, tem de ser tratado com dignidade e com qualidade humana. Em vários casos isso ainda não acontece ao nível que pretendíamos, mas, felizmente, a situação já esteve bastante mais preocupante.

Sr. Deputado, quanto aos menores, temos um projecto que está tecnicamente a correr em termos de projecto técnico de execução, que vai ser lançado —ainda não posso dar-lhe prazos porque além de ser complexo é completamente inovador — e que tem a ver com a criação das comunidades prisionais jovens. Mas posso dizer--lhe, por exemplo — e aí, com certeza, a sua intervenção não deixará de produzir um efeito muito positivo —, que uma delas vai ser instalada em Viseu e tem uma reação crítica do Partido Socialista de Viseu. Portanto, o Sr. Deputado António José Seguro poderá ter aí alguma interferência no sentido de.;reabilitar a imaginação em Viseu, porque o que está em causa é uma proposta completamente revolucionária, que tem de ser considerada por todos e aceite por todos.

No fundo é isto: é partir do princípio de que o jovem entre os 16 e os 21 anos quando comete o primeiro crime que o leva à pena de prisão tem uma boa probabilidade de, no fundo, não ser um criminoso mas ser alguém que cometeu um erro de crescimento. Assim sendo, o sistema prisional deve intervir como instituição de socialização e não de ressocialização sequer! E aí a inversão é total: em vez de ser uma prisão onde vai a comunidade, é uma estrutura da comunidade que tem dentro uma prisão, em cujos trabalhos o jovem está, tte próprio, envolvido, pois

Página 184

244-(184)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

recebe as pessoas e participa com elas, inclusivamente nas actividades desportivas. Portanto, não se trata de alguém que vai à prisão, é uma comunidade que tem lá dentro apenas uma prisão com estas características. Este modelo novo de estabeleciemnto prisional depois de implantado em Viseu seguirá para Leiria. Portanto, é nesse sentido que vamos seguir o caminho.

Por outro lado, referi na minha primeira intervenção que estamos a criar a «Aldeia Prisional de Sintra», que é uma aldeia exclusivamente para reclusos jovens com problemas de toxicodependência, onde estamos a desenvolver, quer pela via do projecto de prisões quer pela via da relação institucional com os serviços das áreas da saúde e da segurança social, outras formas de intervenção no interior do sistema prisional relativo ao problema da droga.

Mas há um aspecto que é importante referir o problema da droga nas prisões é mesmo assim que deve ser equacionado e não separadamente, ou seja, a droga e as prisões. É porque o que se passa é que as prisões recebem — e isto o Sr. de La Palice já diria — quem vai de fora com os problemas existentes cá fora. O problema da droga não é um problema das prisões mas, sim, da sociedade que se reflecte no interior das prisões. É justamente por isso que temos de encontrar mecanismos exteriores que respondam no interior das prisões e não manter aquilo que se manteve durante muito tempo e que foi a tentativa de criar, apenas, instrumentos internos do sistema prisional para resolver um problema que é, efectivamente, exterior.

Já em relação à questão da punição do consumo, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que a única coisa que há de verdadeiramente segura sobre esta matéria é que não há .qualquer segurança absoluta relativamente a ela.

Sei que não é fácil dizer isto, mas não podemos, sobretudo em matéria com a gravidade desta, dizer coisas apenas para «bem parecer». Há dúvidas e vão continuar a existir quanto à questão da punição do consumo, mas posso dizer-lhe que os espanhóis estão a recuar e a voltar à punição do consumo e, exactamente, pelas mesmas razões que se verificaram em Itália e no Canadá. No fundo, eles sentem a falta de referência de punição.

É porque temos de ver o que é esta punição; não podemos estar a falar binariamente de punição, se sim ou não, e depois caminharmos na punição como se de qualquer outra punição se tratasse. A desvalorização que se faz à inxesistência de uma lei que puna o consumo vai criar junto dos jovens, enquanto referência, a ideia de que é livre porque é legítimo e porque é bom.

A ideia é a de que referência negativa que postula a

punição permite afirmar que a sociedade, do ponto de vista jurídico-criminal, entende que o consumo de estupefacientes é negativo, é autoflagelador e que por isso deve intervir aí. Depois, quando surge o argumento da liberdade individual, ele tem de ser compaginado com o problema da solidariedade social, que é de força constitucional. Portanto, uma coisa tem de ser relacionada com a outra. Por outro lado, nós, que respeitamos claramente a liberdade individual — isso é inequívoco —, não podemos fazer sobre ela um juízo ou sequer um discurso esotéricos. Não podemos prezar a liberdade ao ponto de achar que ela é legítima para destruir quem ainda não tem sequer a estrutura total de pensamento para definir a sua própria Uberdade.

O problema é complexo. Os próprios holandeses que são, hoje, os grandes paladinos da despenalização estão a começar a reflectir sobre si próprios. Como sabe, no sistema holandês, o jovem que se quer drogar vai à junta de

freguesia, pede a agulha, pede a própria droga e droga-se directamente. Só que ainda ninguém conseguiu explicar por que é cjue o consumo da droga baixou 50 % na Hoíanda e aumentou 50 % na Bélgica.

A questão de que o jovem se droga reconhecendo que se droga ainda está por aceitar como verdadeira. Por exemplo, se a certa altura um jovem souber que no meu país para se drogar basta ir à junta de freguesia e pedir a agulha e a droga ... Não sei se esse será o caminho para levar o jovem a deixar de se drogar ou se não é o caminho para levar o jovem a drogar-se para outro lado, per-dendo-se, portanto, todo o controlo sobre a situação.

O problema é complexo e não é de solução rápida, e nós entendemos, até porque pelo discurso cultural que os Portugueses têm feito, quer no grupo Pompidou quer no CELAD, relativamente ao problema da droga, isso hoje é aceite na Europa, que a punição não é uma medida virada para a repressão, mas é uma punição de referência, virada para uma ideia de prevenção, e que, portanto, não deve ser multiplicada à medida que a reincidência vai acontecendo, devendo fazer-se funcionar ao contrário o critério da reincidência, e, ao mesmo tempo, criar mecanismos alternativos relacionados, sobretudo, com o tratamento. Embora não seja o tratamento compulsivo que vai ser previsto na lei, em princípio, dela constará a hipótese de um exame compulsivo, ou seja, a de o tribunal obrigar o jovem a ser examinado para depois se saber qual é o tipo de projecto de vida que deve construir-se para ele.

O Sr. António José Seguro (ps): — Sr. Ministro, se V. Ex.» me permite a interrupção e sem pôr em causa a sua reflexão, que considero séria e que equaciona alguns pontos, embora discorde pessoalmente de alguns deles

— V. Ex.», com certeza, reconhecerá isso —, o problema é que se em Espanha e na Holanda, mais particularmente em Espanha, está a haver algum retrocesso nessa análise ele não resulta só da reflexão sobre a problemática do consumo da droga, particularmente das drogas leves

— é o que acontece em Espanha, que tem um sistema completamente diferente, como o Sr. Ministro sabe—, mas também do problema do desaparecimento das fronteiras internas dos países comunitários.

O problema consiste, precisamente, em saber, a nível jurídico, o que acontecerá a um jovem português que vá a Espanha consumir essa droga ou que possa ter em seu poder os 0,2 g de marijuana. O que é que lhe acontece a ele ou a um espanhol que esteja em Portugal?

0 Orador: — Sr. Deputado, essas situações estão previstas nas leis. Devo dizer que, embora não seja um ibe-rista por formação, sou muito a favor da estreita relação e da intimidade de relação entre os portugueses e os espanhóis, mas não creio que a Espanha esteja assim tão preocupada com os portugueses que se vão lá drogar, no sentido de vir a punir as drogas duras por causa disso. Não creio que seja essa a questão, porque, se fosse, então estaríamos a harmonizar todos os sistemas legislativos em toda a parte, quando há sistemas legislativos que radicam da soberania própria de cada Estado, mesmo no âmbito da Comunidade Europeia! A razão, evidentemente, não é essa!

É óbvio que há depois muitas outras razões para explicar as soluções que não querem ser explicadas por razões imediatas. Mas esta razão é uma razão clara. Se apontarmos para essa ideia, repetidamente por nós transmitida, de que no jovem a punição do consumo é a punição do acto

Página 185

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(185)

mas é a libertação da pessoa, ou seja, utilizando o discurso directo, dizer ao jovem: «Jovem, tu és punido não por seres mau mas porque o acto não é bom!»

É este o caminho que tem feito carreira cultural na Europa e creio que é ainda uma forma possível de gerir, em síntese, as várias contradições que à volta do tema se verificam.

Bom, quando o Sr. Deputado invoca o exemplo de eu

fumar ... Então, no caso de o consumo do tabaco ser punido, eu tinha de pôr a mim próprio a questão de saber se deixava de fumar para não cometer um crime, ou se conseguia invocar uma cláusula de não exclusividade ou de não exigibilidade dizendo que, atendendo que fumo há muitos anos, não era exigível do ponto de vista criminal que deixasse de fumar de um momento para o outro, ou se, em última instância, não pedia a demissão de Ministro da Justiça e continuava, embora às escondidas, a cometer o crime de fumador ...

Risos.

Mas isso são opções de cada um de nós perante a criminalização de um fenómeno ou de um facto. Isso acontece com toda a área da criminalidade. Com certeza, aqui também não há excepção.

Quanto à questão dos custos de notariado para a aquisição de casa própria, penso que essa é uma questão importantíssima. Sr. Deputado, deixe-me ficar com a sua preocupação e procurar alguma solução neste domínio. Não lhe direi que vamos fazê-lo, mas torno a pedir-lhe que me deixe registar esta sua preocupação, agradecer-lhe a questão que colocou e procurar alguma solução neste sentido. Se a encontrar, terei todo o gosto em lha comunicar em primeira mão, porque suponho que o merece.

Finalmente e em resposta à Sr.» Deputada Ema Paulista, digo-lhe que vamos esperar pelo Livro Branco sobre a Situação dos Inimputáveis e dos Menores em Portugal, que vai ser elaborado em conjunto com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e, nessa altura, certamente, virá uma referência ao «redondel» do Miguel Bombarda e, porventura, até já há alguma solução para resolver o problema que ali se verifique.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Ainda há mais uma inscrição do Sr. Deputado Guilherme Silva para pôr uma breve questão, após o que daremos os trabalhos por interrompidos.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

Aparte inaudível do Sr. Deputado do PS José Magalhães.

O Sr. Deputado sabe e as actas da revisão constitucional confirmam que o Ministério Público teve uma posição de muita preocupação quanto a essa inserção na Constituição e, obviamente, não poderia alhear-se, agora, nas iniciativas

legislativas que visam harmonizar a Lei Orgânica do Ministério Público com a revisão constitucional.

Uma vez que a oposição também tomou essas iniciativas e pretendeu o seu agendamento, é evidente que o Grupo Parlamentar do PSD não poderia deixar de apresentar também um projecto de lei nesse sentido, o que, aliás, vai fazer ainda hoje.

O Grupo Parlamentar do PSD e o próprio partido, enquanto integrante da Assembleia da República, não deixam de assumir a sua iniciativa própria, o que não impede que, quanto a uma iniciativa deste género, não o tenham feito em articulação com o Sr. Ministro da Justiça e que tenham ouvido as suas opiniões relativamente ao articulado que vai ser apresentado. Naturalmente — e o Sr. Ministro já o referiu —, as preocupações do Governo serão mais amplas do que as contidas no nosso projecto de lei. Assim, numa outra oportunidade, o próprio Governo poderá tomar a iniciativa de apresentar uma proposta de lei para, mais amplamente, introduzir na Lei Orgânica do Ministério Público as alterações que entender convenientes.

Por parte da iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD não há qualquer clandestinidade. Aliás, em termos de tramitação dó processo legislativo na Assembleia da República, nunca há nem pode haver clandestinidade, dado que este processo sofre todos os passos próprios da publicidade inerente ao Parlamento.

Secundado o Sr. Ministro da Justiça, quero deixar claro que, da parte do Grupo Parlamentar do PSD, também não há uma posição fechada e se, por consenso, for entendido alterar o agendamento já previsto para um momento posterior a fim de, com base numa iniciativa legislativa do Governo, podermos proceder a uma revisão mais ampla, não nos oporemos. Deixo esta questão em aberto, frisando claramente que o Partido Social-Democrata está disponível para essa solução, se for entendida como a mais adequada, mas também está em posição de poder discutir, já no próximo dia 27, com base no projecto de lei que, ainda esta tarde, vai dar entrada na Assembleia da República.

Finalmente, agradeço ao Sr. Presidente a condução dos trabalhos e ao Sr. Ministro a disponibilidade que sempre tem manifestado, de forma inequívoca, de resposta integral a todas as questões colocadas pelos Srs. Deputados, o que,

_ _ _ ... _.. „ ^ ., - para nós, não é novidade, pois esta tem sido sempre a sua

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, erir^^ em ^ M reuniões que tem üdo com a Comis.

primeiro lugar, quero esclarecer que não vou perguntar aos autores deste documento comparativo dos custos de constituição de uma sociedade em Portugal a razão da sua referência a uma verba de 70000 contos e não a outra. No entanto, uma vez que foi solicitada a anexação destes quadros, então, peço que também fique expressamente registado, dado estar omisso, que a base de cálculo para elaboração do quadro foi a verba de 70000 contos.

A outra questão é respeitante à alteração da Lei Orgânica do Ministério Público.

Como é sabido, o Partido Social-Democrata liderou a inclusão na Constituição do princípio de autonomia constitucional e o Ministério Público teve uma posição de iniciativa em sede de revisão constitucional...

são de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Srs. Deputados, peço-vos que remetam para as reuniões da comissão própria alguns dos aspectos que tenham ficado em aberto nesta discussão, dado ser completamente inultrapassável o problema dos horários desta nossa reunião.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, pedi a palavra porque o Sr. Deputado Guilherme Silva me di: rigiu uma pergunta, pelo que, suponho, quer uma resposta, que, aliás, í muito simples. Esses custos que estão consi-

Página 186

244-{186)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

derados no mapa, no que diz respeito à constituição de uma sociedade por quotas, foram efectivamente baseados no valor de 70 000 contos. Porquê? Porque foi posta uma

questão a vários advogados dos países" Ofiè ..COnStam do mapa comparativo, perguntando-lhes o "valor em dólares,

para facilitar as contas. Portanto, baseámo-nos numa verba de 50 000 dólares, que, na altura, correspondiam a 70 000 contos. Assim, a explicação é que pedimos a todos que fizessem os cálculos baseados numa moeda comparável e num mesmo valor de 50 000 dólares.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Estamos no fim do debate na especialidade do orçamento do Ministério da Justiça, que, como era inevitável, abordou matérias muito para além das do sistema português de justiça.

Agradeço aos Srs. Deputados, ao Sr. Ministro da Justiça e ao Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a vossa presença nesta reunião.

Estão interrompidos os trabalhos, que recomeçarão às 15 horas e 30 minutos.

Eram 14 horas e 50 minutos.

Após a interrupção, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Manuel dos Santos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Vamos dar início à reunião conjunta da Comissão de Economia, Finanças e Plano com o Ministério dos Negócios Estrangeiros para o debate na especialidade das propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1992, estando presente o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros, bem como os Srs. Presidentes das Comissões Parlamentares de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Assuntos Europeus.

Tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Duarte Ivo Cruz): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero reafirmar o meu sincero gosto em pôr-me à disposição dos Srs. Deputados para lhes prestar todos os esclarecimentos que desejem e esclarecer que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros encontra-se em Bruxelas, pelo que me coube a honra de representá-lo nesta reunião.

À semelhança do que fiz em sede da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, começarei por fazer uma pequena introdução agregada do orçamento, do ponto de vista de gestão integrada e por objectivos das grandes áreas de intervenção do Ministério.

Como já tive ocasião de dizer noutras oportunidades nesta Assembleia da República, este é um orçamento atípico. É que, evidentemente, trata-se de um orçamento que, à semelhança de toda a actuação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é marcado pela execução da presidência portuguesa das Comunidades. Do ponto de vista da gestão, isto significa uma actuação orçamental adequada

à circunstância em si, o que, aliás, está consagrado na própria estrutura do orçamento, numa rubrica autónoma.

Apesar disto, permito-me referir que o facto de Portugal ocupar a presidência das Comunidades durante os

primeiros seis meses deste ano e, portanto, concentrar a

sua acção diplomática sobretudo no exercício da presidência tem efeitos colaterais extremamente importantes, do ponto de vista económico e de execução do orçamento. Desde logo porque há acções, que chamaria de rotina da própria actuação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que este ano são levadas a cabo de outra forma —e o exemplo mais flagrante é o do movimento diplomático que, evidentemente, não se processa nos termos habituais—, desde logo também porque o próprio desempenho do País que assume a presidência concentra de tal forma a sua actuação internacional no exercício desta que há toda uma série de compromissos bilaterais — daqueles que podemos controlar — que são remetidos para o 2.° semestre do ano ou, até, para outras ocasiões.

E insisto nos compromissos bilaterais que podemos controlar, porque é evidente que a actuação de Portugal, em termos de bilateralidade, é autónoma no que diz respeito à estratégia internacional do Govemo para os grandes temas prioritários. Por exemplo, o processo de Timor Leste é encarado sob um ponto de vista da presidência, mas também, como todos sabemos, sob o ponto de vista do País como tal.

Seja como for, há uma área muito grande de actuação, que chamaria de rotina, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que fica suplantada pela respectiva actuação em termos da presidência e que, portanto, tem um reflexo no quadro do orçamento.

A partir daqui, diria que uma execução por metas do orçamento e dentro de uma perspectiva de gestão integrada ou horizontalizada, aponta para 9 ou 10 grandes áreas. Insisto muito nesta ideia de que o que estou a procurar transmitir não ê uma análise do orçamento, rubrica a rubrica — evidentemente, isso poderá e deverá ser feito —, mas uma análise das áreas de actuação global da política externa, que são concretizadas através de execuções orçamentais que, muitas vezes, correspondem a uma pluralidade de rubricas.

Começo por falar, muito brevemente, sobre as acções e representações externas, ou seja, em termos vulgares, os postos no exterior — as embaixadas, os consulados e as representações permanentes—, num total de 136 representações portuguesas para as quais o orçamento prevê uma dotação de 13,4 milhões de contos.

Como já tive ocasião de dizer anteriormente em sede de comissão, esta gestão é extremamente difícil de processar em termos uniformes. Diria mesmo que é impossível realizá-la como gestão rotineira, porque estamos perante realidades extremamente diversas. Como se compreende, o orçamento da representação junto das Nações Unidas ou o da representação em Tóquio nada têm a ver com o orçamento da representação em São Tomé e Príncipe. Ora, para atingir uma gestão equilibrada e justa destes «miniorçamentos» de cada um dos postos diplomáticos, temos de actuar com base em factores muito variados. Por um lado, temos os factores de inflação, que variam de acordo com os mais de 60 países em que mantemos representações, por outro, temos os factores de deflação, correspondentes à desvalorização da moeda local — isto é, considerando os custos em dólares, teríamos de aumentar as verbas de certos postos 4 000 ou 5 000 vezes, de um ano para outro, o que é completamente insensato — e há,

Página 187

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(187)

lambém, os factores ligados à própria importancia e à actuação específica de cada uma das representações.

Se os Srs. Deputados perguntassem ao Governo se está satisfeito com esta situação, responder-lhes-ia que é evidente que há sempre ocasião a largas margens de melhoria. Aliás, pensamos que, após a presidência, há que repensar um pouco este conjunto de áreas. É que, na verdade, a estratégia de prioridades de um país como Portugal corresponde a uma geometria eminentemente variável e, hoje em dia, estamos a pensar seriamente que temos de abrir embaixadas em determinados locais, enquanto outras bem poderão fechar. Ora, cada embaixada representa, globalmente, um custo de funcionamento médio de 60 000 contos, embora seja evidente que umas são mais dispendiosas do que outras. Os Srs. Deputados compreenderão que uma actuação destas tem implicações de ordem política, porque, evidentemente, é sempre doloroso fechar uma representação, para além de sofrermos as pressões correspondentes quando o fazemos, mas também tem uma implicação de ordem orçamental que tem de ser ponderada.

Toda esta matéria se liga, ainda, com o aspecto de recursos humanos correspondentes. É que o leque salarial é extremamente variável, correspondendo a situações diferentes, conforme se está perante o pessoal diplomático ou não, que vai de Lisboa e que tem determinados direitos

e deveres, e o pessoal contratado localmente. É muito difícil fazer uma gestão integrada destas situações, mas vamos procurando fazê-la e, de uma maneira geral, pensamos que a situação é satisfatória.

Já que é uma matéria de domínio público, aproveito para dizer que a situação dos diplomatas enquanto postados em Lisboa melhorou substancialmente e, neste momento, pensamos que já estará em condições apreciáveis. Por outro lado, não escondo — e até já tive ocasião de dizê-lo — que o chamado «leque salarial» dos diplomatas no estrangeiro é muito variado. É evidente que assim tem de ser porque o nível de vida difere muito de um país para outro, mas, mesmo na relatividade, algum dia haverá que tomar uma atitude de racionalização, porque, utilizando o parâmetro salarial de uma empresa multinacional, há diplomatas portugueses muitíssimo bem pagos, enquanto há outros muitíssimo mal pagos.

Após ter referido as acções diplomáticas feitas nos postos e através deles, agora diria que as acções externas desencadeadas a partir de Lisboa, este ano, são extremamente marcadas pelo desempenho da própria presidência que implica uma operação de transferência de verbas em termos de execução do orçamento.

Entretanto, somando as rubricas do orçamento que se aplicam a este tipo de acções, que respeitam basicamente ao desempenho dos gabinetes ministeriais, designadamente o do Ministro, e ao da Direcção-Geral dos Negócios Políticos-Económicos, correspondem a qualquer coisa como cerca de 850 000 contos, e, dado que metade do ano é dominado pela execução da presidência do Conselho das Comunidades Europeias, parece-nos que com esta verba podemos encarar o ano em boas condições. É evidente, e o Ministério das Finanças sabe-o bem, que é extremamente difícil, diria mesmo impossível, uma execução totalmente programada neste tipo de actuações, pois nunca se sabe o que nos espera ao longo do ano e que tipo de acções teremos de desencadear. Mas, de qualquer forma, à luz da experiência dos anos anteriores, a execução é razoável.

Englobaria a seguir uma grande rubrica, que chamaria de cooperação, envolvendo, como os Srs. Deputados bem sabem, o Gabinete do Secretário de Estado, o Instituto de

Cooperação Económica (ICE), a Direcção-Geral para a Cooperação (DGC) e a Missão de Paz em Luanda. Tudo isto somado corresponde a qualquer coisa como 3 milhões de contos. É evidente que — e já tivemos ocasião de falar nisso — pode ser discutível se o ICE e a DGC devem ou não corresponder a estruturas autónomas ou se devem estar unificadas. É discutível! Assim como também é discutível o ordenamento, em termos globais de execução do Orçamento do Estado, porque sabemos muito bem que a cooperação é distribuída por muitas outras áreas ministeriais, desde logo pela educação, pela saúde e um pouco pelo trabalho. Por outro lado, se formos contabilizar tudo o que signifique, por exemplo, incentivos para certo tipo de investimentos, juros bonificados ou acções desse estilo, teremos um conjunto de aplicações de uma política global de cooperação que excede, em muitíssimo, este valor.

Aproveito para dizer que, por maioria de razão, diríamos o mesmo das acções culturais que, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, têm uma atribuição de, mais ou menos, 70 000 contos, mas por razoes perfeitamente lógicas. No que toca à área cultural, ao Ministério compete a negociação dos acordos culturais, a execução da comissão mista, a UNESCO e pouco mais, porque, efectivamente, o Ministério não pode, nem deve, sobrepor-se à Secretaria de Estado da Cultura e às suas dimensões externas e, dentro de pouco tempo, penso eu, ao Instituto Camões, que centralizará um pouco quer essa linha de intervenção quer também a do Ministério da Educação, hoje em dia atribuída ao ICALP.

No que toca à integração europeia, temos, a meu ver, uma área onde a atipicidade do orçamento é, efectivamente, flagrante, porque, para além da execução da presidência das Comunidades, o Ministério reservou para um follow up, mais normal e rotineiro, dos trabalhos de integração europeia perto de 1 milhão de contos, concretamente 880 000 contos. Ora bem, é evidente que pelo menos, durante este 1 * semestre, esta verba acaba por estar extremamente ligada, em termos de uma gestão por objectivos, à execução da presidência, portanto ao capítulo iv do orçamento, porque não é tecnicamente possível, embora seja possível contabilizar, separar o que será uma actuação directa do Gabinete do Secretário de Estado do orçamento ou da Direcção-Geral das Comunidades Europeias e a execução dos programas do Orçamento, sendo certo que a Direcção-Geral representa, enfim, um grande órgão técnico de preparação e execução das acções de integração europeia, que, pelo menos durante o 1.° semestre, são muito concentradas na presidência.

As comunidades de emigração são uma área já menos tocada pela atipicidade do orçamento deste ano, que prevê, como os Srs. Deputados sabem, qualquer coisa como 1,330 milhões de contos, basicamente concentrados no Instituto de Apoio à Emigração e às Comunidades Portuguesas. No entanto, também vamos encontrar noutras áreas, como na segurança social, na educação, um pouco na saúde e muito no emprego, verbas e acções que também convergem para uma política global do Ministério de apoio às comunidades portuguesas. Essa política poderá ser repensada de acordo com a própria mudança de perfil das comunidades, estou, sobretudo, a pensar nas comunidades europeias onde a segunda geração já não reage como a primeira, mas, enfim, esse é um outro problema de médio prazo.

Para terminar, vou referir outros aspectos mais residuais do Ministério.

Página 188

244-(188)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

Posso dizer que estão previstas, para o pessoal intemo, verbas para a aplicação da nova grelha salarial, decorrente da aprovação do estatuto da carreira diplomática, que deixou, de uma maneira geral, o Governo e os diplomatas

satisfeitos — e assumo isso muito directamente, porque

participei nessa negociação.

Já falei, portanto, numa verba, que é um pouco residual, mas outra coisa não se desejaria quanto a uma política cultural, que, insisto, não cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, como tal, executar.

Também temos verbas consagradas às contribuições e quotizações para organizações internacionais, visitas presidenciais e outras semelhantes.

Diria, finalmente, com todo o à-vontade, que é evidente que não podemos garantir, em certas verbas sensíveis, uma execução rigorosa do orçamento, estou desde logo a pensar na presidência das Comunidades, que tem previsto 1,5 milhões de contos, porque, como é natural, não sabemos que tipo de actuação Portugal, como país presidente do Conselho das Comunidades, terá de desempenhar ao longo

do ano. Ou seja, não sabemos se não teremos de enviar 50 diplomatas para Moscovo ou se, pelo contrário — esperemos que sim! —, vamos retirar os quarenta e tal elementos, entre diplomatas e militares, que temos neste momento na Jugoslávia. Não sabemos o que é que a presidência nos guarda, mas é evidente que não será por falta de verbas que Portugal a deixará de executar.

Para terminar, gostaria de referir um aspecto técnico da execução das verbas da presidência das Comunidades, aliás não um mas dois aspectos.

A execução destas verbas está devidamente enquadrada nos termos da lei e foi, digamos, agilizada em termos de uma execução normal, rotineira, do Orçamento do Estado, porque deparamos com situações totalmente atípicas. Um exemplo disso, que dou muito, como a Sr.' Secretaria de Estado sabe, é a necessidade de pagar ajudas de custo a um funcionário público estrangeiro para se deslocar de um ponto para outro do exterior. Isto é uma situação que normalmente não é contemplada pelas normas da Contabilidade Pública, mas a presidência obriga a isso.

O outro aspecto é que há tranches de execução da Presidência, que são, posteriormente, devolvidas pela Comunidade. Simplesmente, a experiência ensina-me que não podemos contar com um timing relativamente a esse tipo de execução. Não podemos, efectivamente, fazer um orçamento contando como «receita» essas devoluções, porque, apesar de ocorrerem, estão dentro de uma grande elasticidade de prazo a que Portugal não pode estar sujeito. Por outro lado, a presidência é uma responsabilidade política enorme — e, graças a Deus, estamos contentes com a maneira como está a decorrer —, mas também pressupõe uma responsabilidade de execução orçamental que, de facto, não se compadece com quaisquer tipo de tibiezas ou de entraves burocráticos à execução. Isso está a ser feito, assumindo, como o temos de fazer, as responsabilidades inerentes.

Penso que dei, enfim, a panorâmica geral que me caberia.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Costa.

O Sr. Marques da Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: A sua intervenção iniciou-se por uma classificação tipo lógica do Orçamento, que não é a pri-

meira vez que oiço, classificando-o como atípico, explicando que essa tipologia derivava do facto de Portugal ter a presidência das Comunidades. Admito que a aíipificida-de se verifique na execução das despesas, mas não se

verifica, seguramente, naquilo que está previsto neste

orçamento.

Há, como é natural, despesas que não podem ser contabilizadas, previstas, mas o que está previsto no orçamento não é atípico, pois pode ser comparado com o que foi o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros no ano passado. E o Ministério dos Negócios Estrangeiros no ano passado previu, e bem, ainda que distribuído por rubricas diversas e não por capítulo autónomo, como este ano, verbas para a preparação da presidência portuguesa num montante rigorosamente igual às que este ano estão previstas para a sua execução.

Portanto, não vale a pena invocar a atipicidade para a não comparação dos orçamentos. A atipicidade pode ser invocada para argumentar que algumas despesas podem ser, à partida, feitas de forma não cabimentada neste orçamento.

O Sr. Subsecretário de Estado disse ainda que havia 9 ou 10 grandes áreas prioritárias, mas não ouvimos quais, pelo que gostaríamos, naturalmente, que as dissesse e explicasse.

Passando ao orçamento que está em discussão, começo por fazer alguns comentários concretos àquilo que designou por rubricas respeitantes aos serviços diplomáticos.

As verbas respeitantes aos serviços diplomáticos diminuíram do ano passado para este ano, se considerarmos os valores reais do orçamento. Provavelmente, isso é um facto positivo e sinal de que o Ministério dos Negócios Estrangeiros entendeu fazer uma política de racionalização dos seus postos e missões no estrangeiro. Mas uma análise mais atenta do orçamento prova que é justamente o contrário. Aliás, a intervenção do Sr. Subsecretário de Estado diz, para grande espanto nosso, dado ser um ministro que está há vários anos no exercício dessas funções, que um dia alguém virá fazer a replanificação e a reestruturação dos postos consulares. Modestamente, penso que, ao fim de tantos anos, já alguém, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, podia ter tido tempo para fazer esse estudo! Por outro lado, felizmente para todos nós, os acontecimentos a Leste permitem que existam mais democracias no mundo, com as quais Portugal terá um enorme prazer em ler relações diplomáticas, coisa que já está a acontecer.

Perante tudo isto, pergunto como é que o Sr. Subsecretário de Estado compagina uma diminuição efectiva nas despesas dos serviços diplomáticos e consulares, que é o que existe na realidade, não só como manutenção da mesma rede como também com a necessidade de aumentar e de incrementar as despesas com as novas redes consulares e diplomáticas, que vão ter de se fazer. Esta é a primeira pergunta concreta.

Em relação à matéria de cooperação, que também referiu na sua intervenção inicial, fica por explicar por que é que não se faz ainda a fusão entre o ICE e a DGC, não só porque já foi anunciada em inúmeros discursos do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e do Sr. Secretário de Estado da Cooperação como também já foi alvo de estudos próprios. Naturalmente que isso teria algum efeito de racionalização das próprias despesas, sobretudo porque a análise do orçamento deste ano, comparativamente à do ano passado, prova justamente que o aumento dos orçamentos do ICE e da DGC é, em grande medida, devido às despesas com o pessoal e à manutenção desses própri-

Página 189

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(189)

os serviços. Quer em percentagem ou proporcionalmente, Sr. Subsecretário de Estado, essas despesas aumentam mais do que as despesas especificamente cabimentadas para a cooperação efectiva. Sobretudo se se olhar para as despesas da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação e se se puser de parte a verba que diz, especificamente, respeito à missão diplomática, que se encontra neste momento em Luanda, cerca de 200 000 contos, a diminuição do orçamento da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros é real. Só é compensada, aliás, por um aumento efectivo de 21 % nas despesas do Gabinete do próprio Secretário de Estado.

Portanto, ainda em matéria de cooperação, se pusermos de parte o fundo para a cooperação, que o Sr. Subsecretário de Estado não referiu, que vem directamente das verbas do Ministério das Finanças, há, em termos efectivos, uma escassa dotação orçamental, comparando-a com a do ano passado.

E se olharmos para as despesas da Secretaria de Estado da Integração Europeia, que tem um aumento significativo no orçamento deste ano, o que se constata, como o Sr. Subsecretário de Estado disse, é um aumento de despesas com pessoal, só que a justificação, de que são despesas para fazer face à presidência da Comunidade, choca com o facto de a maior cabimentação orçamental, feita extraordinariamente este ano, vir no pessoal do quadro e não no contratado a prazo.

Neste sentido, finda a presidência, gostaríamos que explicasse o que efectivamente é ou não extraordinário no orçamento desta Secretaria de Estado, porque, de facto, isso não é claro no orçamento.

Para terminar esta primeira roda de perguntas, gostaria de sublinhar que há um conjunto de verbas extraordinárias no orçamento, que, para efeitos de comparação com o do ano passado, têm de ser tidas em consideração e que são as destinadas à presidência portuguesa, ao processo de paz em Angola e —um assunto sobre o qual também gostaria de pedir uma explicação, a fim de saber em que pé está, dado também já não ser novo — à chamada «Exposição Portugal-Portugal», que no ano passado tinha cerca de 63 000 contos, e, naturalmente, os 225 000 contos do Centro Cultural de Belém, que é, de facto, uma verba extraordinária e não comparável.

Mas, de todas as possíveis comparações com o orçamento do ano passado, é de realçar que aumentam, em termos reais, as responsabilidades diplomáticas de Portugal e as responsabilidades de cooperação, sem que isso tenha uma compensação clara no orçamento, com a única excepção para um aumento efectivo de todos os gabinetes e de toda a administração central do Ministério, que tem 23,7 %, da despesa global do Ministério. Isto é, os gabinetes dos Srs. Ministros e Subsecretários de Estado têm um aumento de receitas de mais de 23 %.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, há uma observação lateral: o Sr. Deputado referiu «receitas», mas devia querer dizer «despesas».

O Sr. Marques da Costa (PS): — Sim, Sr. Presidente, referia-me a despesas.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): — Ele tem razão, Sr. Presidente. É nas receitas.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, tenho de responder já ou não?

O Sr. Presidente: — Sr. Subsecretario de Estado, como tive oportunidade de lhe dizer em conversa particular, se V. Ex.* desejar responder imediatamente pode fazê-lo. Aliás, por enquanto, só tenho mais uma inscrição.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: — Então respondo depois, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado: A questão que vou colocar é muito breve e tem a ver com o facto de nos últimos pareceres sobre a Conta Geral do Estado o Tribunal de Contas ter chamado a atenção para uma questão que é antiga e para a qual o Ministério tem estado atento, que é a dos Cofres Consulares.

Gostaria de ouvir alguma coisa sobre aquilo que está a pensar relativamente à regularização dessa situação, na medida em que ela é irregular e nisso todos estamos de acordo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.1 Deputada Edite Estrela, a quem dou a palavra de imediato.

A Sr.' Edite Estrela (PS): — Não tive o prazer de ouvir a exposição do Sr. Subsecretário de Estado e, pelo facto, peço desculpa, mas queria fazer apenas uma pergunta, uma vez que quer o Sr. Ministro da Educação quer o Sr. Secretário de Estado da Cultura fizeram aqui referência ao Instituto Camões e para ele não está orçamentada qualquer verba. Embora tendo a tutela do Ministério da Educação, o referido Instituto vai ter também a cooperação do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Ora, como no orçamento deste Ministério foram retiradas todas as verbas para apoio aos centros culturais espalhados pelo mundo, gostaria de saber qual é a dotação orçamental destinada ao apoio do futuro Instituto Camões, uma vez que propriamente dito ele não aparece ainda referido no Orçamento do Estado mas aparece referido, frequentemente, nas exposições dos membros do Governo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Ferreira.

O Sr. Menezes Ferreira (PS): — Sr. Presidente, tenho duas perguntas de pormenor a colocar ao Sr. Subsecretário de Estado, na medida em que a principal pergunta já foi formulada pelo meu colega de bancada Marques da Costa, que se referiu às verbas para pessoal inscritas na Secretaria de Estado da Integração Europeia, relacionando-as com o facto extraordinário da presidência portuguesa, ou seja, perguntou o que aconteceria a essas verbas e concretamente às que correspondem ao quadro de pessoal permanente, considerando que o facto da presidência é extraordinário e, portanto, termina daqui a uns meses.

Passemos às questões de pormenor. Ainda em relação à presidência, como facto extraordinário que é, o Sr. Subsecretário de Estado referiu que há uma verba global que prevê os imponderáveis e os ponderáveis, com certeza.

Há poucos dias, foi posta a hipótese da efectivação de um conselho europeu extraordinário em Lisboa, para traias do pacote Delors 2 e um dos argumentos que foi logo

Página 190

244-(190)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

apresentado — que, para além de infeliz, espero, não seja oficial — foi o de que essa cimeira seria muito cara, custando qualquer coisa como 320 000 contos, verba essa que não estava, porventura, prevista.

A minha pergunta é muito simples: gostava de saber se essa verba foi ou nao prevista, ou seja, se 6 um ponderável ou um imponderável e, sendo imponderável, de onde vai sair o dinheiro.

A outra pergunta, que não tem nada a ver com isto, diz respeito à Direcção-Geral para a Cooperação, e, aliás, foi-me pedido que a apresentasse. Parece que existe alguma insegurança por parte dos bolseiros dos PALOP que estudam em Portugal sobre o montante e o número de bolsas que estão previstos. Assim, gostaria, se for possível, que me desse o máximo de pormenores possível, neste momento, nomeadamente sobre o montante global e sobre o número de bolsas que está previsto. Caso não seja possível a resposta, fica registada a pergunta.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao Sr. Subsecretário de Estado, queria dizer-lhe que esta sessão é pública, como já teve oportunidade de verificar, e está a ser gravada para ser registada em acta. O Sr. Subsecretário de Estado vai responder, obviamente, da forma que entender, pois os Srs. Deputados percebem perfeitamente que há detalhes de pormenor que não podem ser respondidos de imediato, mas, depois, através da apresentação de documentos, etc. Era este esclarecimento que me parecia oportuno dar-lhe.

Entretanto, porque o Sr. Deputado Caio Roque pediu a palavra, vou conceder-lha.

O Sr. Caio Roque (PS): — Sr. Subsecretário de Estado, quero perguntar-lhe qual a razão por que os outros membros do Ministério dos Negócios Estrangeiros não se encontram aqui, nomeadamente o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder sem ser propriamente pela ordem, porque há algumas respostas que posso dar já. Desde logo, expliquei-me mal quanto à questão das verbas da Direcção-Geral das Comunidades Europeias e do seu pessoal. Como os Srs. Deputados recordarão, a Lei Orgânica da Direcção-Geral das Comunidades Europeias, que data de Agosto do ano passado e começou a ser aplicada recentemente, conferiu à referida Direcção-Geral autonomia administrativa e financeira, atribuindo-lhe, portanto, o pagamento do seu próprio pessoal.

Assim, a verba aparece insuflada na área do pessoal, mas isto não significa que tenha havido um alargamento de quadros com o pretexto da presidência. As verbas de pessoal da Direcção-Geral, que tiveram um crescimento que não sei exactamente qual foi mas foi certamente o adequado, aparecem na Secretaria de Estado da Integração Europeia e na própria Direcção-Geral, o que não aconteceu no ano passado por pura razão de ordenamento administrativo.

O mesmo acontece relativamente aos imponderáveis da presidência. O argumento que referiu não é, efectivamente, um argumento oficial, nem é um argumento que utilize-

mos, antes pelo contrário. É evidente que a conferência custa o que custa e não tenho a menor ideia se custa 200000 contos —admito que sim ou talvez um pouco menos—, mas em qualquer caso há a garantia da parte do Governo de que a calendarização da presidência não vai deixar de ser feita por falta de dinheiro. Até porque

dentro de uma relatividade de escala das verbas, também não são propriamente imponderáveis que o Estado Português não possa ou não deva suportar.

O que eu quis dizer há pouco foi que, exactamente por circunstâncias como essa, não podemos arriscar uma programação perfeitamente rígida das verbas destinadas à presidência, como podemos fazer, por exemplo, em relação às verbas de pessoal, porque, efectivamente, trata-se de um exercício extremamente variável e imponderável e, de facto, seria mau para todos nós se o exercício da presidência nos levasse à bancarrota.

A presidência é, no entanto, muito discutida. Ora oiço dizer que se empolou muito a sua importância, ora oiço dizer que é realmente fundamental, nomeadamente ainda ontem na reunião que tivemos com o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo. Ele próprio, como Ministro dos Negócios Estrangeiros já fez oito presidências e nós, se Deus quiser, daqui a alguns anos, teremos feito muitas. Assim, também não é a presidência que nos causará problemas.

Efectivamente, dentro de uma programação, há rubricas de uma certa variabilidade e de uma certa imponderabilidade, sendo a presidência uma delas, mas, no entanto, isso não significa que não tenha de ser executada.

Relativamente às bolsas a conceder aos PALOP, preferia enviar posteriormente estes elementos, uma vez que não os tenho na ponta dos dedos.

Em relação à questão dos Cofres Consulares, trata-se de um problema muito antigo do Ministério dos Negócios Estrangeiros que corresponde a uma certa lógica de execução da política externa, mas já está, neste momento, preparada uma legislação que fará a respectiva correcção. A questão em termos de execução orçamental é clara, mas em termos de gestão empresarial, se me permitem a expressão, é um pouco menos clara, porque é evidente que alguns consulados têm receitas e despesas em moeda própria e, portanto, requerem toda uma política cambial e de eficácia de execução que deve ser pensada, e é justamente isso que está a acontecer. O Sr. Deputado disse que esta é uma questão que já vem de há muitos anos e é verdade, pois trata-se de um problema complicado que talvez não o fosse se apresentássemos uma resolução a trouxe-mouxe.

O mesmo diria relativamente à rede de representação diplomática. A rede de representação diplomática tem variado e é evidente que a conjuntura mundial também implica uma variabilidade muito pronunciada. No entanto, essa é uma situação, como todos sabemos muito bem e usando uma palavra de que gosto muito, historicamente atípica, ou seja, não vamos exigir que, em anos passados, nomeadamente desde 1985 a 1988, o Ministério tivesse de pensar numa mudança tão profunda da sua rede de representações diplomáticas, como tem agora de fazer. E isto por razões mais do que evidentes.

É óbvio que este argumento do Sr. Deputado não esgota a questão e que há embaixadas que corresponderam a uma certa fase de importância para a estratégia política portuguesa, mas que neste momento não correspondem mais. Há outras em que a própria mudança de estratégia regional — e lembro-me da conversa que tivemos na

Página 191

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(191)

Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação onde citei um caso concreto, que agora não vou citar — roubou a importância a uma determinada embaixada e reforçou outra. No entanto, em qualquer caso, a mudança de rede da representação diplomática impõe-se nesta conjuntura histórica, tal como o Sr. Deputado, aliás, referiu, e tem de ser feita com dinamismo e profundidade.

Nos anos anteriores, o problema não se punha como se põe, fechava uma embaixada e abria outra, mas não havia um reajuste global que, esse sim, tem de ser feito e é uma operação complicada. As pressões são muitas e, portanto, também não pode ser feito assim, digamos, num modismo de apetência por dar importância a determinados países que nos são simpáticos e que merecem toda a nossa consideração.

O problema da fusão do Instituto para a Cooperação Económica e da Direcção-Geral para a Cooperação é, de facto, um problema antigo. Na prática, a actuação de ambas as entidades é muito convergente, tratando-se de um modelo que vem, salvo erro, de 1977, da reforma de Pires de Miranda e que é perfeitamente admissível, sobretudo dada a fase de cooperação que na altura se vivia.

Pessoalmente, e agora falo a título puramente pessoal, talvez fosse simpática, também, uma certa convergência de acções, porque, hoje em dia, começa a ser um bocadinho difícil distinguir o que é um tipo de cooperação puramente económico e um tipo de cooperação social, sanitário ou educacional, havendo, de facto, uma racionalidade de gestão que apontaria para essa fusão.

Houve um aumento nas acções culturais, em sentido lato, que tradicionalmente estão a cargo da Direcção-Geral para a Cooperação e posteriormente, se me permitirem, falarei também da política cultural do Ministério, pois é um assunto que me é muito caro, como se poderá entender.

As acções de intervenção estrita ou directamente económica do ICE vão diminuindo à medida que o próprio aparelho global do Estado para a cooperação, como há pouco referi, se vai aperfeiçoando.

Tivemos uma fase em que, e esta é uma área que conheço bem da minha vida profissional, os empresários iam ao ICE pedir a desmarcação de hóteis ou a concessão de subsídios, mas tudo isso vem desaparecendo — e era bom que desaparecesse cada vez mais depressa— à medida que, por exemplo, os programas da COSEC se vão desenvolvendo, a banca foi criando vocações específicas para determinados tipos de cooperação e se vão tomando outras acções deste estilo.

Relativamente à política cultural do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Sr.! Deputada Edite Estrela, tive ocasião de dizer, muito brevemente, que ela corresponde a uma área de intervenção de negociação. Quer dizer, o Ministério dos Negócios Estrangeiros nunca pretendeu arrogar-se da condução da política cultural externa — que está, desde há muito tempo, a cargo da Secretaria/Ministério da Cultura—, mesmo no tempo em que havia no Ministério dos Negócios Estrangeiros uma Direcção-Geral dos Assuntos Culturais, que a mim, pessoalmente, seria simpático repor.

Neste momento, as verbas atribuídas à cultura, na área do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aparecem integradas no grande bolo que é a Direcção-Geral dos Negócios Político-Económicos, onde, também no meu ponto de vista e de gestão do dia a dia, seria de identificar a área económica e a área política, que são intervenções e metodologias diferentes.

De facto, é intenção do Govemo, como aqui já foi dito e é público e notório, criar o Instituto Camões, cuja base orçamental fundamental corresponderá, penso eu, aos orçamentos do ICALP a outros orçamentos, tais como os do Ministério da Educação, da Secretaria de Estado da Cultura e também a alguns dos nossos.

O que é que acontece relativamente ao Instituto Camões? Acontece que havia, para a execução destas políticas, uma enorme desarticulação, a que eu chamaria uma enorme deseconomia de meios.

Constatámos que o Ministério dos Negócios Estrangeiros tinha cerca de uma dúzia de conselheiros culturais, trabalhando nas condições que se sabe. Simultaneamente havia, ao longo de uma geografia muitíssimo mais vasta que estes 12 modestos postos — aliás, são mais de 12 — , uma nuvem de leitores e de professores do ICALP que, por definição, têm de constituir agentes de política cultural ou, então, não têm capacidade para serem professores de nível superior de língua e cultura portuguesas!

Logo, aqui se verificava uma deseconomia muito evidente, pois eu era massacrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros para criar postos de conselheiro ou de adido cultural, alguns regionalizados, como, por exemplo, em Barcelona ou na Galiza, e verificava que o ICALP tinha, nesses locais e em muitos mais, uma rede com, julgo eu, à volta de 80 postos de actuação pedagógica, enquadrada em universidades que, em alguns casos, tinham uma capacidade ociosa, dado que, por vezes, a afluência de alunos também não era esmagadora. Pela definição — e insisto neste ponto — da flexão de pessoal, esses elementos poderiam e deveriam constituir-se como «conselheiros» ou «adidos» da acção cultural externa do Estado Português.

Portanto, o Instituto Camões corresponde a essa fusão e a essa rentabilização. A sua tutela é basicamente do Ministério da Educação, mas há uma hábil ligação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, através da nomeação de um vice-presidente e de um elo horizontal entre os conselheiros culturais e os directores dos institutos ou centros de cultura portuguesa no estrangeiro. Onde houver um conselheiro cultural ele será, por inerência presidente do Instituto; onde houver um pequeno centro de cultura que não justifique o aparato de um conselheiro cultural, esse centro de cultura estará também ligado à embaixada de Portugal para uma actuação globalizada.

Temos muita esperança de que esta solução rentabilize meios que, por si só, são muito escassos, pois ela corresponde, como disse, a um esforço de racionalização e rentabilização destas despesas.

Finalmente, quanto ao problema muito concreto da comparação das verbas dos serviços que tivemos em 1991 com os que temos em 1992, os elementos que tenho indicam que, em 1992, se verificou um acréscimo de 500 000 contos. Portanto, em 1991 estavam previstos 12,5 milhões de contos, sensivelmente, e em 1992 estão previstos, penso, 13,4 milhões de contos.

Srs. Deputados, é evidente que estarei totalmente aberto a fazer um exercício mais profundo de comparação com o orçamento anterior, que conheço mal, se bem que tivesse de executá-lo. Aproveito a ocasião para dizer que, como é evidente, estes orçamentos são o que são. Se eu os duplicasse, teria certamente onde aplicar as verbas!... Mas não temos qualquer dúvida em afirmar que este é um bom orçamento para a execução do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Finalizo-com uma referência às verbas atribuíâas à presidência portuguesa da Comunidade Europeia. É evi-

Página 192

244-(192)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

dente que a verba de execução da presidência é idêntica à verba de preparação da presidência, mas chamo a atenção dos Srs. Deputados para o facto de dois terços da verba de preparação da presidência, sensivelmente 1 milhão de contos dos 1,5 milhões que estava orçado no ano passado, terem sido gastos na recuperação da Cova da Moura, para aí instalar a sede da Secretaria de Estado da Integração Europeia.

Aproveito para dizer-lhes, e tenho gosto em fazê-lo, que a presidência portuguesa da Comunidade Europeia é um multiplicador de melhoria de serviços, não ao nível de contratação de pessoas — isso, realmente, não o é — mas, sim, ao nível de melhoria da agilização dos serviços, sob o ponto de vista de toda a rede de telecomunicações para os postos, que é extremamente sensível. Tive já ocasião de vos relatar, da outra vez que estive aqui, na Assembleia, as amarguras que passei, no meio da noite, ligado por um fio de telex que a qualquer momento podia saltar, como saltou várias vezes, tentanto tomar decisões gravíssimas, onde tudo foi, dentro da necessidade de agilizar a execução da nossa presidência, modernizado para sempre.

Portanto, muitas das verbas da preparação da presidência portuguesa da Comunidade Europeia foram investidas em obras que estão feitas, que ficarão, se Deus quiser, durante uma data de anos, para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e que nos deram uma enorme margem para começarmos a executar essa presidência com um montante idêntico, em números, ao do ano passado, mas que é muito diferente na sua própria aplicação.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para intervenções, os Srs. Deputados Marques da Costa, Menezes Ferreira e Guilherme Oliveira Martins.

Para uma segunda intervenção — e, uma vez que não estamos muito em cima da hora, não aplicarei o meu habitual pedido de brevidade, mas peço ao Sr. Deputado que leve em consideração que esta é a sua segunda intervenção—, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Costa.

O Sr. Marques da Costa (PS): — Sr. Presidente, muito obrigado por esta concessão extraordinária da palavra, que visa um ou dois comentários sobre o que o Sr. Subsecretario de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros acabou de referir e perguntar-lhe uma ou duas coisas.

Em primeiro lugar, registo — e desculpe que ponha a questão nestes termos— que o representante oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros entende, na discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado para 1992, dever fundir-se o Instituto para a Cooperação Económica e a Direcção-Geral para a Cooperação.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro

dos Negócios Estrangeiros: — A título pessoal, Sr. Deputado.

O Orador: — Aqui não há declarações a título pessoal, Sr. Subsecretário de Estado!... Estamos onde estamos! Tenha paciência, mas estamos onde estamos!

Em se^isvio lugar, sei que a retórica é um dos atributos da diplomacia, mas a discutir orçamentos há que olhar para alguns números e ver, com alguma frieza, o que está em discussão em cima da mesa.

Tenho feito, quer aqui quer na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação,

como sabe, um exercício de debate deste orçamento, dentro de um princípio que acho essencial e que é o de não pedir documentos de despesa. Portanto tento, modestamente, procurar racionalizações daquilo que existe e não vi respondido por parte do Sr. Subsecretário de Estado por que razão as coisas mais evidentes do ponto de vista da racionalização continuam a não ser feitas no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

As consequências disso não são apenas orçamentais mas também políticas, isto é, a má qualidade da prestação dos serviços diplomáticos portugueses no estrangeiro não depende, naturalmente, da competência dos Srs. Diplomatas mas, sim, em grande medida, da completa inexistência, na maior parte dos postos, de condições efectivas para o exercício da diplomacia, nomeadamente numa área para nós particularmente sensível neste momento, a da cooperação, onde todas as nossas embaixadas vivem em condições francamente deploráveis.

Parecia-me a mim, com maioria de razão, que, havendo uma tão grande estabilidade governativa, havendo tanto dinheiro a entrar em Portugal, era o momento para fazer, ao menos, esse exercício elementar de racionalização dos serviços, para que as verbas disponíveis fossem maiores. Ela, efectivamente, não existe.

Quando se fala das despesas dos serviços diplomáticos e consulares diz-se que o aumento, em termos nominais, é de meio milhão de contos, mas como, infelizmente, o Governo não conseguiu liquidar aquela coisa a que se chama inflação, convém ver o que é que sobra!... E, Sr. Subsecretário de Estado, não sobra nada. Pelo contrário, há menos do que no ano passado, e este é um dado real com o qual convém lidar.

Em terceiro lugar, compreendo que estejam a fazer-se algumas reestruturações importantes, como aquela que referiu em relação ao Instituto Camões, mas isso não pode vir a par do não funcionamento dos serviços essenciais em matéria cultural. Pergunto, uma vez mais: o que é que falta para que o Centro Cultural Português em Luanda comece a funcionar? Esta é a pergunta clássica que se faz aos Ministros dos Negócios Estrangeiros, ano após ano. Não direi que a resposta é sempre a mesma porque o interlocutor é outro, mas, sinceramente, não vejo onde esteja o óbice essencial — chamem-lhe Instituto Camões ou qualquer outra coisa — para que esse centro cultural seja posto a funcionar, considerando, sobretudo, o enorme desafio que, no momento, está a desenhar-se em Angola.

Quero fazer-lhe uma pergunta final, para não abusar da tolerância do Sr. Presidente, em relação ao processo de paz em Angola.

Vem cabimentada no orçamento uma verba de 201 449 contos para a missão extraordinária de Portugal em Angola. Sr. Subsecretário de Estado, esta é a verba total para essa missão ou trata-se apenas da cabimentaçào de uma parte dessas despesas?

Faço-lhe esta pergunta porque, para quem conhece Angola e as despesas com que aí temos de confrontar-nos, esta verba parece claramente incapaz para as despesas essenciais de manutenção dessa missão.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros, quero informar o Sr. Deputado Marques da Costa que não lhe concedi a palavra a título excepcional mas, sim, no âmbito dos seus direitos regimentais. Segundo o artigo 86.° do Regimento, cada Deputado tem o direito de intervir duas vezes no debate na

Página 193

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(193)

generalidade e na especialidade. Isto, aliás, também se aplica aos membros do Governo.

Como é óbvio, não vamos aplicar literalmente o Regimento, senão, por exemplo, o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiro não poderia responder-lhe, pois vai usar da palavra pela terceira vez.

Apenas lhe pedi alguma contenção e sintetização, mas não pelo facto de lhe dar a palavra pela segunda vez, porque isso, como referi, enquadra-se nos seus direitos regimentais.

Já anotei o pedido de palavra que me foi feito pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, mas, antes, pergunto ao Sr. Subsecretário de Estado se quer responder imediatamente ao Sr. Deputado Marques da Costa ou se responde no fim.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: — Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Então, para uma primeira intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Muito obrigado, Sr. Subsecretário de Estado, por me permitir intervir neste momento, o que faço, aliás, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Marques da Costa e lamento a forma como o faço ou a razão por que o faço.

Apesar de, nestas questões, a minha amizade com o Sr. Deputado Marques da Costa me levar a, quase sempre, não discordar dele nestas questões, gostava de deixar bem alto o meu lamento pela forma como o Sr. Deputado Marques da Costa se referiu a uma posição pessoal do Sr. Subsecretário de Estado.

De facto, o Sr. Subsecretário de Estado representa aqui o órgão de soberania que é o Governo, mas a pertença a um órgão de soberania não significa, não pode significar — nem nós podemos apontar para essa solução— uma capino diminutio em relação à apresentação de posições próprias.

O Sr. Subsecretário de Estado teve o cuidado de frisar que emitia a sua opinião pessoal e que ela não se confundia com a posição do Governo. Portanto o Sr. Deputado Marques da Costa perdoar-me-á, mas neste caso, excepcionalmente, para além das grandes divergências políticas que poderão separar-nos, não posso estar de acordo com a sua intervenção.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, diga-me, só para me ajudar, se se tratou de um protesto ou de uma intervenção.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, foi uma intervenção de forma a clarificar aquilo que o PSD entende e discordando, como é evidente, da intervenção do Deputado do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que é com muito gosto que eu, estando ou não no Governo, exponho as minhas opi-

niões pessoais e que, no dia em que as minhas opiniões pessoais fossem totalmente diferentes das do Governo, eu não poderia continuar.

Ora bem, o Sr. Deputado deu-me a impressão, embora eu saiba que é uma impressão errada, de que os grandes problemas da cooperação em Portugal se limitam a estarem fundidos, ou não, a Direcção-Geral para a Cooperação e o Instituto para a Cooperação Económica, pois pareceria que se nós os fundíssemos haveria uma tal rentabilização da cooperação que esta se tomaria ainda melhor.

É minha convicção pessoal — e insisto em falar a título

pessoal, dada a evolução que se verificou, e ainda bem, nos esquemas de cooperação entretanto ocorridos, que até poderíamos perfeitamente trabalhar com um único organismo dotado de autonomia administrativa e financeira, como tem o Instituto para a Cooperação Económica, e com características mais ágeis do que as de uma direcção clássica como é a Direcção-Geral para a Cooperação. Esta é a minha opinião e com todo o gosto aqui a exponho. Aliás, registo de que no dia em que fundirmos essas duas entidades a cooperação melhora imenso, é talvez a altura de fazê-lo já.

A diferença contabile dos 500 000 contos refere-se basicamente a pagamentos no estrangeiro e, portanto, aí a contabilização e a execução são extremamente variadas. Aliás, são tão variadas que, como disse há pouco — e repito —, constituem para mim, pessoalmente, um grande problema e um quebra-cabeças de gestão quase diário, porque temos que encontrar a justa medida para situações de pagamentos de mercado. No fundo, o problema põe--se, em termos muito empresariais, nos índices de mercado que jogam com as inflações e deflações da moeda. É esse o motivo por que aqui não colhe dizer-lhe que não aumentou 8 % ou 10 %, dado que temos situações muito diferenciadas como a Suíça, que teve uma inflação de 2 %, que os deixou aterrados, ou até o Brasil, com uma inflação de 25 % ao mês.

Portanto tudo isto, feitas as contas, aponta para uma massa orçamental que, com este aumento, é adequada, porque se trata de uma rubrica que deverá ser ajuizada em termos cambiais e não em termos de inflação.

Aproveito a oportunidade para referir que o escudo não desvaloriza, o que dá origem a uma flutuação cambial extremamente variável. Dirá o Sr. Deputado que a gestão do dia a dia desta situação é complicada e eu digo-lhe que é extremamente complicada, sendo fácil resvalar para situações aflitivas e outras mais à larga, mas vamos procurando fazê-la dentro da variabilidade de cada posto e da situação concreta do tipo de informações que temos.

Se me permitem, quero deixar aqui, em termos pessoais e de Governo, uma discordância total e veemente quanto à afirmação do Sr. Deputado Marques da Costa quando refere a má qualidade do serviço diplomático português. Não creio que seja verdade essa sua afirmação e não a posso deixar sem um reparo, porque o serviço diplomático português não tem má qualidade. Aliás, o serviço diplomá-üco português luta com as dificuldades que luta e que são decorrentes do facto de não podermos ter embaixadas como a americana que tem 300 a 400 elementos em cada posto, mas dessa circunstância não me parece que possa concluir-se que estamos numa situação de má qualidade. Penso que o bom desempenho com que está indiscutivelmente a decorrer a presidência portuguesa mostra a boa qualidade do nosso desempenho diplomático.

Página 194

244-(194)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

Estou inteiramente de acordo — já o disse e se prefere que seja a nível pessoal ou governamental deixo a si a escolha — que efectivamente existem postos que deixaram de ter interesse e outros que devem ser reforçados, mas isso decorre da própria dinâmica do Ministério pressionado com a nova realidade que estamos a enfrentar.

Aliás, eu levo muitos anos no exterior gerindo organismos de economia internacional — e agora falo em nome

pessoal e n3o como membro do Governo— e sei muito bem a capacidade de resposta que, muito antes de estar no Governo, já me davam as nossas embaixadas, e tenho gosto em afirmá-lo aqui.

Relativamente ao Centro Cultural Português em Luanda, também eu espero que para o ano, se estivermos ambos aqui,...

O Sr. Marques da Costa (PS): — Oxalá!

O Orador: —... nao tenha que explicar outra vez se o Centro está a funcionar. Aliás, o Centro está a funcionar, apesar de algumas obras que se arrastam. Mas V. Ex.a conhece bem Luanda e sabe como lá é difícil a construção civil. No entanto, o Instituto Camões dará uma capacidade mais convergente e mais eficaz para resolver esse tipo de problemas, que são desgastantes para quem tem de geri--los.

Também a verba para o processo de paz em Angola é das tais que correspondem a uma estimativa que não pode ser regularizada, e certamente não iremos interromper o processo de paz em Luanda por não haver cabimento de verba. Devo dizer que funciona aqui um pouco o que referi para a comparação dos orçamentos da presidência do Conselho das Comunidades Europeias, pois no ano passado essa verba foi canalizada para muita despesa de investimento, de instalações, de equipamento, que este ano não serão repetidas. É esse o motivo por que pensamos que esta verba é a que corresponde às necessidades, mas efectivamente o processo de paz em Angola será o que tiver que ser.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado Menezes Ferreira.

O Sr. Menezes Ferreira (PS): — Srs. Deputados, a minha intervenção tem o propósito de comentar uma resposta do Sr. Subsecretário de Estado sobre o problema das despesas com pessoal da Secretaria de Estado da Integração Europeia. Disse o Sr. Subsecretario de Estado que o empolamento da verba corresponde a uma nova modalidade de gestão das verbas de pessoal dessa Secretaria de Estado. Aceito a explicação e parto do princípio de que não houve um grande esforço suplementar de integração de novos funcionários no quadro. Se isso é verdade, e aqui é que está o ponto, também é verdade que começaram a prestar serviço nos últimos meses de 1991 na Secretaria de Estado da Integração Europeia cerca de setenta e tal pessoas. Digo isto por conhecimento próprio, porque andei lá até há pouco tempo e vi que estavam lá á trabalhar.

Descontando algumas requisições e destacamentos de outros ministérios, devo concluir que existem umas largas dezenas de pessoas que têm contratos de tarefa na referida Secretaria de Estado e daí a minha pergunta: em relação a esses contratos de tarefa, vai dar-se o que se deu muitas vezes nos últimos anos, ou seja, a integração progressiva no quadro geral do Ministério, uma certa consolidação do estatuto dessas pessoas ou, alternativa possível, tendo cm

consideração as palavras do Sr. Ministro das Finanças, essas pessoas —perdoe-se-me o vernáculo português — serão «carne para canhão»?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

0 Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS);—Sr. Sub-

secretário de Estado, pretendo apresentar duas questões: uma, de carácter geral e, outra, concreta.

A geral prende-se um pouco com a própria estrutura dos serviços centrais do Ministério. De algum modo, quando aqui se referiram alguns aspectos concretos —o domínio cultural, a cooperação, o próprio Instituto Camões—, aflorou a questão da necessidade de repensar algumas das funções organizativas. É evidente que não é neste semestre, porventura não é este o ano azado para isso, mas gostaria de ouvir da parte de V. Ex.*, porque sei que é uma pessoa atenta e preocupada com estas questões da funcionalização dos serviços, o que está a ser pensado, designadamente, em relação à reforma de 1987, que tem disfunções várias, aliás reconhecidas não só no seio do próprio Ministério como fora dele.

A segunda questão é muito particular e reporta-se ao Centro Cultural de Goa. Tendo em consideração sobretudo a recente visita do Sr. Presidente da República, desejava saber em que termos está a ser pensado o apoio a essa instalação.

O Sr. Presidente: — Para responder aos Srs. Deputados Menezes Ferreira, Guilherme Oliveira Martins e à questão, não respondida, colocada pelo Sr. Deputado Caio Roque, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Efectivamente não expliquei que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e os Srs. Secretários de Estado se encontram ausentes do País. Aliás, a dinâmica daquela casa é de tal ordem que muitas vezes não tenho a certeza, excepto com o Sr. Ministro, com quem despacho directamente, se determinado Secretário de Estado está a viajar, a chegar ou a partir e, por isso, neste momento sou eu que estou presente.

Relativamente à contratação de pessoal, eu não tenho números concretos para lhe dizer quantos são, mas é evidente que a presidência da Comunidade obrigou a uma reformulação da Direcção-Geral das Comunidades Europeias.

Aliás, eu considero que essa é uma das tais despesas de investimento que é tão útil ou mais do que recuperar as telecomunicações e, do ponto de vista do perfil humano e técnico, é evidente que a própria aprovação da lei orgânica, em Agosto, já se enquadrava dentro deste exercício de preparação e trouxe ajustamentos. No entanto, é também evidente que há profissionais — que eu não diria que são «carne para canhão», porque são profissionais — que são chamados, segundo um qualquer esquema administrativo legal de contratação, a colaborar com o Ministério dos Negócios Estrangeiros nesta fase de pico da presidência portuguesa, mas essa contratação tem a ver com o facto de a presidência portuguesa representar um esforço excepcional, atípico, do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Pode pensar-se que, passada a presidência portuguesa, se vai ficar com uma pletórica de funcionári-

Página 195

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(195)

os com pouco que fazer, mas nao será exactamente porque, a partir de Maastricht, a execução da integração europeia vai ser cada vez mais exigente e vai mobilizar cada vez mais a totalidade do aparelho do Estado. Portanto, se em Julho, até pelas suas contas que são mais seguras do que as minhas, tivermos cerca de 50 pessoas a trabalhar e se alguns estiverem a mais, eu diria que em Janeiro do ano que vem talvez não estejam, porque os problemas vão-se transferindo e exigindo cada vez mais uma desmobilização de funcionários clássicos para funcionários com uma preparação técnica de integração extremamente apurada.

Nesse aspecto, estou à vontade porque o quadro do Ministério dos Negócios Estrangeiros é mínimo e terá,

entre diplomatas e não diplomatas, umas 2000 pessoas.

Se contratarmos mais alguns, não fará mal nenhum e eu, que vivo o dia a dia desse problema, posso dizê-lo.

Tenho ideias concretas e pessoais no que me parece que poderia ser uma reestruturação orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, só que estou um bocado perplexo a que título ou com que «chapéu» lhas diga.

Entendo que a intervenção económica deve ser autonomizada relativamente à intervenção política; que deve ser uma ligação horizontal com outras estruturas de outros departamentos do Estado, os quais não têm que estar no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e que, apesar de já existir essa ligação, ela tem que ser reforçada e mais orgânica, se quiser. Aliás, a diplomacia económica exige uma autonomização, até pelo facto de a Comunidade Económica já não ser económica. Por isso, nem se diga que pelo facto de estarmos cada vez mais integrados na Comunidade o bilateral passa a ser comunitário, porque não passa.

Nesse sentido, uma grande medida, que me parece sensata, seria a autonomia, de uma forma ou de outra, da área económica de competência do Ministério. Uma outra medida seria um reforço da infra-estrutura de negociação cultural em termos ajustáveis com a autonomia do Instituto Camões. É evidente que o Ministério continuará sempre a ter uma intervenção cultural — por exemplo, a UNESCO não vai passar para o Instituto Camões—, mas há uma política externa de cultura que tem de ser articulada connosco mas não tem que ser executada por nós. Assim, penso que a tendência será para passar os centros culturais, nos PALOP ou noutros, para o Instituto Camões. Aliás, nesses centros, por vezes, punha-se-me o problema de saber por que é que o conselheiro cultural num país europeu dependia de uma determinada área de intervenção e um conselheiro cultural num PALOP dependia de outra. Estas são questões para as quais não quero trazer soluções, até porque não me compete a mim dá-las, mas são questões que eu penso com muito gosto e que assumo como tal.

Quanto ao Centro Cultural de Goa, também lhe posso dar explicações muito detalhadas, e até é bom que o faça, no que diz respeito ao Centro Cultural de Goa, porque estive directamente envolvido nessa negociação.

Parece-nos que o edifício é muito interessante. Acontece, porém, que só será rentável se, simultaneamente, lá coexistir o Centro Cultural e o consulado e, como sabemos, o consulado ainda não foi autorizado pelas autoridades indianas. Aliás, esta questão veio nos jornais no quadro da visita do Sr. Presidente da República à índia, porque o Governo Federal diz que depende do Governo do Estado e o Governo do Estado diz que depende do Governo Federal e andamos neste pingue-pongue, mas qualquer dia resolver-se-á a situação.

Nesse sentido, entrámos em negociação com o proprietário que vive em Nova Iorque, embora a casa não seja dele, mas da mãe — são pormenores que conto para mostrar como não é fácil este tipo de negociações, inclusivamente, ele só veio cá uma vez.

De qualquer maneira, neste momento, há uma proposta firme e quantificada para ou comprar ou arrendar. Penso que dentro de muito pouco tempo poderemos obter a titularidade, de uma forma ou de outra, daquele belíssimo edifício. Precisa de obras, mas vamos fazê-las e, efectivamente, se não pudermos abrir o consulado, pelo menos, avançamos com o Centro Cultural já no quadro do Instituto Camões.

A minha ideia era instalar já os leitores. Como sabe, em Goa, há dois leitores — aliás, agora, há só um, penso eu — e, não obstante terem as suas instalações na universidade, teriam ali também um referencial que seria um prolongamento do Centro Cultural de Nova Deli, que funciona bem, segundo me têm dito.

O Sr. Presidente: — Agradeço a presença do Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros e a disponibilidade que demonstrou em estar aqui presente.

Srs. Deputados, como não há mais pedidos de palavra e, registando o facto de, pela primeira vez — o que, com certeza, tem a ver com a coordenação política deste ministério—, terminarmos esta audição bastante antes da hora prevista, suspendo a reunião.

Eram 17 noras.

Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos, com a presença dos Srs. Ministro do Mar, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Mar e do Secretário de Estado das Pescas.

Eram 17 horas e 37 minutos.

Gostava ainda de referir a presença dos Srs. Deputados que integram as Comissões Parlamentares de Agricultura e Mar e de Equipamento Social, estando os respectivos presidentes, juntamente contigo, a coordenarem esta audição.

Vamos prosseguir a apreciação e debate na especialidade do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1992, pelo que as intervenções dos membros do Governo e dos Srs. Deputados serão, com certeza, feitas neste espírito.

Depois de uma intervenção do Sr. Ministro do Mar, passaremos à fase subsequente de troca de impressões com os Srs. Deputados.

Para uma intervenção inicial, tem a palavra o Sr. Ministro do Mar.

O Sr. Ministro do Mar (Eduardo Azevedo Soares): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei uma brevíssima intervenção.

Já tive ocasião de expor no Plenário as linhas gerais do funcionamento do Ministério para o ano corrente. Estive presente numa comissão especializada e o Sr. Secretário de Estado Adjunto noutra, cobrindo as diversas responsabilidades do Ministério.

Nestas circunstâncias, julgo poder abreviar estas minhas palavras iniciais rtsummdo-as às três ou quatro questões mais importantes que me parecem ser de sublinhar.

Página 196

244-(196)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

Começo por dizer que, dada a juventude do Ministério, o orçamento ainda o reflecte um pouco. Herdou um conjunto de organismos que já tinham os seus processos orçamentais elaborados, alguns compromissos assumidos, razão pela qual se dá essa circunstância.

A segunda observação que gostaria de fazer, em termos gerais, tem a ver com a questão das despesas correntes e de investimento. Certamente terão observado que as

despesas correntes se inscrevem na linha geral do Orçamento do Estado para 1992, sendo de referir apenas que estão, de algum modo, acrescidas da existência de dois gabinetes governamentais em instalação. Em todo o caso, contêm-se em valores que nos parecem compaü'veis com as regras gerais que presidiram à elaboração deste Orçamento.

As verbas de investimento reflectem algumas opções que foram feitas, das quais gostaria de referir, especificamente, a circunstancia de termos privilegiado, no caso do PIDDAC apoios em relação às pescas, um forte reforço desta verba tendo em vista poder aproveitar na máxima extensão possível os apoios comunitários para a modernização e redimensionamento da frota da pesca.

A contrapartida nesta opção foi reduzir de forma significativa o PIDDAC tradicional. Fizemo-lo em lermos que

consideramos perfeitamente compatíveis com o normal funcionamento dos serviços e com as necessidades mais prementes sentidas em termos de investimento.

Um outro ponto que gostaria de referir é que a actividade do Ministério do Mar naturalmente não se cinge apenas aos organismos orçamentados. Dependem, em termos tutelares, do Ministério do Mar, um conjunto de organismos autónomos que têm nos seus próprios orçamentos actividades que explicam melhor todo o trabalho deste Ministério.

Em termos de linhas fundamentais de actuação a que este orçamento corresponde, gostaria de dizer, muito brevemente, que, relativamente aos portos, o Governo tenciona, para além de manter algumas actividades de investimento consideradas imprescindíveis, dar muito especial atenção às regras de funcionamento dos portos e à articulação das diversas actividades portuárias, área onde nos parece haver bastante trabalho a produzir porque o objectivo final é que os portos funcionem bem, rapidamente e sejam competitivos em termos de custos e de eficácia-.

Resumindo, o Governo pretende ter sobre toda a actividade portuária uma visão de conjunto mais apertada, mais detalhada por forma que se dê maior racionalidade a toda a rede portuária portuguesa.

Será posto também especial ênfase na articulação dos portos portugueses, nomeadamente dos mais importantes, com toda a rede viária e ferroviária onde existem debilidades que é preciso colmatar.

Parece-nos igualmente importante dar maior atenção à formação profissional no âmbito das actividades e profissões portuárias, porque há deficiências nalgumas áreas em que deve ser aperfeiçoado o sistema de formação profissional tendo também em vista a melhor racionalização e economia de funcionamento dos portos.

Comecei por falar nos portos, porque é entendimento do Governo que, já hoje, mas seguramente no futuro, vão ter uma importância cada vez maior. Se pensarmos que, por exemplo, 34 % a 35 % do comércio intracomunitário entre os Estados membros da CEE já é feito por transportes marítimos e que as previsões da Comunidade apontam para que essa percentagem suba para a casa dos 60 %,

70 %, poderemos imaginar como várias actividades, entre elas as portuárias, assumirão uma importância cada vez maior.

Quanto aos transportes marítimos, gostaria de referir apenas uma prioridade colocada a dois níves: a do rejuvenescimento da frota, que é bastante antiga por comparação com os padrões europeus e mesmo mundiais e a da criação de condições de actividade dos transportes marítimos mais atractivas para os armadores nacionais.

Em relação as pescas, o orçamento tem em conta as

prioridades relacionadas com a protecção dos recursos, questão que, não só este ano como nos seguintes, será prioritária, pois não pode deixar de o ser.

Essa protecção de recursos implica, para que seja bem aceite pela Comunidade, racional e equilibradamente com outras actividades, a modernização da frota, o seu redimensionamento e o fortalecimento do tecido empresarial das pescas. Também uma atenção especial será dada à actividade da indústria relacionada com os produtos do mar, considerando a proximidade do mercado único e a necessidade de essa indústria estar em condições de poder competir numa atmosfera bastante exigente.

Finalmente, e para terminar esta introdução, gostava de referir que, no capítulo da investigação, é intenção do Governo olhar com muito especial atenção para as actividades do INTP (Instituto Nacional de Investigação das Pescas), tendo em vista avaliar, na medida do possível, se as despesas que se fazem com esta importante instituição de investigação têm, de algum modo, uma contrapartida de investigação e de fornecimento de dados imprescindíveis à prossecução das políticas anteriormente referidas. Não é possível ter uma política de pescas bem fundamentada e bem organizada sem uma base científica que forneça alguma segurança.

Como os Srs. Deputados certamente sabem, a investigação na área das pescas é uma matéria sobre a qual quase todos os países comunitários têm algumas razões de queixa, se assim se poderá dizer, e, por conseguinte, faz parte das preocupações dos Estados membros da Comunidade reforçar significativamente o esforço de investigação na área dos recursos haliêuticos, dos recursos marítimos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não sei exactamente que duração terá esta reunião, mas como tenho um compromisso a que não posso faltar às 19 horas, quero, desde já, pedir desculpa ao Sr. Ministro se, eventualmente, no momento em que responder às questões que lhe vou colocar, não estiver presente.

Ainda assim, a sua resposta não será em vão, uma vez que sempre poderei consultar a acta desta reunião, para já não falar na possibilidade de os meus colegas de bancada tirarem notas.

Sr. Ministro, gostava de colocar-lhe 12 perguntas. Algumas têm um carácter mais geral, mas há três que, em concreto, são relativas a problemas do círculo eleitoral pelo qual fui eleito.

A primeira relaciona-se com a verba inscrita para dragagens no PIDDAC do Ministério do Mar. Aliás, há duas verbas com a designação «dragagens». Gostava, se possível, que me fizesse a desagregação global, e não em termos de rubrica a rubrica, sobre quais serão as prioridades do Governo nesta matéria. E, para justificar esta questão e

Página 197

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(197)

manifestar a minha estupefacção perante a verba que aí é inscrita, vou recorrer a um exemplo da minha região.

A menos que, eventualmente, não tenha feito uma análise correcta e me tenha «escapado» alguma das verbas, o valor que está inscrito no PIDDAC do Ministério do Mar não chega para suportar a retirada, por exemplo, das areias que estão depositadas na embocadura do rio Arade, frente a Ferragudo.

Faço esta afirmação com base numa informação da Direcção-Geral dos Desportos, a preços de 1991, segundo a qual, só neste caso concreto, seriam necessários mais de 200 000 contos para retirar as areias que ali estão depositadas, frente a Ferragudo.

Vários membros do anterior governo e Deputados de diferentes partidos têm solicitado infrutiferamente a intervenção do Ministério, no sentido da resolução deste problema.

De qualquer forma, gostava, se possível, que, em termos gerais, fosse dada uma informação, desagregando esta verba.

Para concluir este sector «dragagens», gostaria de saber o que é que está previsto, em termos de intervenção, na zona da ria Formosa, ao longo do ano de 1992, porque, como os Srs. Membros do Governo sabem, o assoreamento nesta zona tem provocado o aumento dos vírus que podem eventualmente ser uma das circunstancias que agravam a mortandade nos bivalves.

Sobre a aquacultura, gostaria também de saber se os investimentos, neste sector, nomeadamente em sede de PIDDAC apoios, têm um tecto máximo na distribuição por região, ou se dependem da iniciativa e da propositura de candidaturas, a nível nacional.

Ainda na área da aquacultura, gostaria de saber o que é que o orçamento prevê, ou permite, em matéria de estações piloto, visando desenvolver e aproveitar algumas técnicas na área da aquacultura.

Ainda nesta vertente, embora numa perspectiva que tem a ver com a pesca em geral, gostaria que o Sr. Ministro desse a conhecer a linha de orientação seguida pelo seu Ministério na área da investigação, uma vez que V. Ex.s ainda agora voltou a sublinhar a necessidade de repensar toda essa área. Admito que esta é uma questão de política geral e não apenas de orçamento, mas, de qualquer forma, julgo ter depreendido das palavras do Sr. Ministro, na intervenção que aqui nos fez, uma racionalização do papel do INÍP (Instituto Nacional de Investigação das Pescas) e uma valorização do papel das organizações de produtores e de outras estruturas de investigação, nomeadamente das universidades. Gostava que me confirmasse se era esta a directriz de intervenção do Ministério do Mar.

Quanto à indústria relacionada com o sector do mar, em concreto na área das conservas, que valorização orçamental tem esta área?

Quero ainda colocar-lhe algumas questões que se relacionam com a fiscalização do sector das pescas. O Sr. Ministro já disse, na Comissão de Agricultura e Mar, que iria melhorar substancialmente a situação em matéria de fiscalização. O que lhe pergunto, mais concretamente, é o seguinte: o Sr. Ministro considera que o esforço financeiro que o Estado vai fazer, ao longo do ano de 1992, é suficiente e que ele irá responder àquilo que são as reivindicações e os anseios de diferentes sectores que intervêm na área das pescas?

Ainda na área da fiscalização das pescas, quero referir uma temática, talvez mais relacionada com o comércio e não com o Ministério do Mar, mas na qual, apesar de tudo,

o Ministério do Mar pode ter alguma intervenção e também tem custos, do ponto de vista orçamental. Estou a referir-me à questão do próprio sistema de primeira venda — até que ponto é que as organizações de produtores são, ou não, associadas a este sistema e até que ponto é que há, ou não, consequências com a reestruturação do Serviço de Lotas e Vendagens e esta intervenção das organizações de produtores. E estou a referir-me também à área da certificação — por exemplo, em relação aos bivalves, é possível falar em certificação, a partir do momento em que funcionem as estações depuradoras. Aliás, tanto o Sr. Ministro, em sede de Plenário, como o Sr. Secretário de Estado, já tiveram oportunidade de nos informar que há algumas novidades neste sector. Mas é necessário garantir como é que funcionam os circuitos, para que os próprios consumidores não estejam a consumir «gato por lebre», com a certificação de uma estrutura dependente da área das pescas.

Posso dar o seguinte exemplo concreto: no ano passado, levantou-se uma grande celeuma a propósito das consequências para a saúde pública do consumo, ou não, de bivalves, sobretudo nas zonas de Setúbal e do Algarve, e a informação que tenho é que há importações maciças de bivalves, inclusivamente de fora do continente europeu, que, com a entrada em funcionamento de uma eventual estação depuradora, irão ser certificados por essa estação depuradora e colocados, sem mais, no mercado.

O que pretendia saber é como é que este processo será seguido, para que não haja uma falta de credibilidade de toda esta área, que inseriria na fiscalização. Admito que muitos dos problemas que têm surgido em torno da aquacultura não dependem apenas deste Ministério, não é só com as dragagens que eles se resolvem mas também com o saneamento básico, mas, neste caso concreto da fiscalização, gostava de saber o que é que está previsto por este Ministério para este sector.

Quero ainda colocar mais duas questões muito específicas que se relacionam com o Algarve. No recente conflito entre a Associação de Produtores do Barlavento, por um lado, e o Governo, por outro, esta Associação queixava-se de que o saldo deve/haver entre frotas e abates, na relação com a Administração, era largamente desfavorável aos homens da pesca artesanal. Ora, relativamente a este assunto, encontrei na minha documentação declarações várias do Sr. Secretário de Estado João Marçal Alves, segundo as quais o problema residia na falta de apresentação de projectos. Só que estas declarações foram feitas sucessivamente quer em finais de 1990, quer já em 1991.

Como esta denúncia, que, aliás, criou alguns problemas inclusivamente ao nível do próprio abastecimento no Algarve, é bem mais recente, gostava de saber qual é a situação neste sector, uma vez que o Sr. Ministro do Mar também se lhe referiu na sua primeira intervenção.

A minha última pergunta tem a ver com o seguinte: li na imprensa que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Mar terá garantido ao Sr. Deputado Filipe Abreu —Deputado pelo Algarve, aqui presente— que, com parte da areia da zona da ria de Alvor iriam ser realimentadas parte daquelas praias. Gostava, pois, de saber, o que é que está previsto, em termos orçamentais, e, consequentemente, qual é a sua calendarização, bem como o que se passa quanto ao primeiro caso que referi nesta intervenção, isto é, em relação às areias de Ferragudo que, como se sabe, têm pior qualidade e, como tal, mais difi-culdades de escoamento, até para a construção civil. Há

Página 198

244-(198)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

lambem a hipótese de servirem para realimentar a costa naquela zona do concelho de Lagoa, mas gostava de saber a opinião, não sei se do Sr. Secretário de Estado Adjunto se do Sr. Ministro, sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado José Apolinário, respondendo à sua questão, informo-o que está previsto esta audição terminar às 19 horas e 30 minutos. De todo o modo, a escolha do critério a seguir quanto às respostas cabe ao Sr. Ministro e à sua equipa. Assim, se eles quiserem isolar o seu conjunto de questões e responder imediatamente, podem fazè-lo. O critério que temos seguido é o de deixar aos membros do Governo a escolha da metodologia mais adequada, podem responder logo a um Sr. Deputado ou só no fim do conjunto de perguntas ...

O Sr. Ministro do Mar: — Neste caso, deixo-lhe a si, Sr. Presidente a escolha do critério.

O Sr. Presidente: — Então, talvez seja preferível que, antes de responder ao Sr. Deputado José Apolinário, os outros Srs. Deputados que estão inscritos coloquem as suas questões.

Pediram a palavra, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Leonor Coutinho, Crisóstomo Teixeira, Helena Torres Marques e José Manuel Maia.

Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Ministro, o discurso que V. Ex.! tem vindo a fazer, nesia Assembleia — tanto quando cá veio da primeira vez apresentar o programa à Comissão de Agricultura e Mar como aquando da discussão, na generalidade, em Comissão, e depois mesmo no Plenário —, está marcado por algum optimismo e, como o Sr. Ministro disse na sua intervenção, esperança no desenvolvimento do sector. Ainda agora o Sr. Ministro voltou a reafirmar a ideia de que este orçamento, designadamente no que toca às pescas, vai permitir estimular a nossa produção neste sector.

Contudo, penso que, olhando para o orçamento, verba a verba e por grandes sectores — e é para isso que hoje estamos aqui reunidos —, as verbas aí inscritas desmentem um pouco esse optimismo, ou esperança, do Sr. Ministro.

Recordo-lhe, Sr. Ministro, que a sua equipa fala nos aumentos dos PIDDAC, mas, não se esqueça, para termos uma real dimensão acerca do PIDDAC de um ministério haverá que deduzir áreas que não estavam lá e não dizem directamente respeito ao esforço de pesca — estou a referir-me, por exemplo, à área dos portos que, só por si, tem inscrita em PIDDAC uma verba de cerca de 2,4 milhões de contos. Devemos deduzir aquilo que é, em termos de PIDDAC, um dos maiores, senão o maior, esforço financeiro num projecto individual, que é o terminal da Ford/ Volkswagen.

Por fim, se deduzirmos a parte ligada à transformação e comercialização, que tem mais a ver com o sector industrial do que com a produção, verificamos que o valor do PIDDAC destinado àquilo que deveriam ser as grandes linhas para o desenvolvimento do nosso sector pesqueiro acaba por sofrer uma diminuição em relação ao ano passado, não só em termos reais mas também nominais — e, para se chegar a esta conclusão, basta fazer as contas.

Quer dizer, tenho ideia, como questão global, que, ao contrário daquilo que tem sido o discurso do Sr. Ministro, estamos perante um orçamento de contenção, isto é, de

algum congelamento do que deveriam ser, em minha opinião, as grandes linhas de intervenção do Ministério do Mar. E, quando falo em grandes linhas, estou a referir-me à modernização e ao apetrechamento da frota, à investigação e à experimentação na pesquisa de recursos na nossa zona económica exclusiva, ao estímulo à produção de peixe em cativeiro, a aquacultura, que não deve ser uma perspectiva imediata mas de gerações, até para complementar a quebra que está a haver em termos gerais nos rendimentos que se têm vindo a obter do restante tipo de pesca, e, por fim, aos apoios sociais à pesca.

Aliás, há uma grande contradição entre esse discurso, as Grandes Opções do Plano e a versão orçamental das verbas que estão inscritas, o que se traduz, em nossa opinião, em duas grandes questões, a saber a ausência de uma política nacional de pescas e, por outro lado, a ausência de uma política equilibrada e racional de gestão dos nossos recursos.

Procuraria traduzir isto em alguns números e gostaria de sobre eles obter explicações do Sr. Ministro. Efectivamente, as Grandes Opções do Plano referem, por exemplo, que um dos objectivos fundamentais no âmbito das pescas irá ser — e cito — «na gestão e na conservação dos recursos pesqueiros» e, consequentemente, em tudo o que implica pesquisa, investigação, etc.

Mas o que verificamos é que a verba destinada à prospecção dos recursos vivos na zona económica exclusiva, em termos nominais, baixa, de 1991 para 1992, respectivamente de 190 000 para 180 000 contos e que, por exemplo, a pesca experimental baixa de 40 000 para 10 000 contos, isto num quadro em que os rendimentos da nossa produção pesqueira lêm vindo a baixar significativamente nos últimos 10 anos na nossa zona económica exclusiva e em que, porventura, o volume de capturas é ainda mais grave do que aquele que tem sido tornado público pelo Gabinete de Estudos e Planeamento — números esses que têm também alguma coisa a ver com as questões da ne-gociação dos TAC (capturas lotais autorizadas) na Comunidade—, havendo, de facto, uma grande quebra do volume de capturas e dos rendimentos.

Ora, quando se verifica que os recursos das nossas águas têm vindo a cair bastante nos últimos anos, mais se justificaria um esforço de prospecção dos nossos recursos na nossa zona económica exclusiva. E, Sr. Ministro, não me parece que eventuais dificuldades que tenham existido possam justificar a quebra dessa pesquisa. Há exemplos notáveis da forma como essa prospecção acabou por dar resultados positivos e estou a recordar-me, por exemplo, da pesquisa feita ao largo de Sesimbra, que levou à descoberta da existência do peixe-espada preto com evidentes resultados positivos para os nossos recursos.

Neste quadro, que, no fundo, se liga aos objectivos das Grandes Opções do Plano — a pesquisa nas nossas zonas económicas exclusivas dos nossos recursos pesqueiros —, esta quebra de verbas prevista no Orçamento e que há pouco citei contradiz existir tal linha estratégica do Ministério, que, como acabei de dizer, vem proposta nas GOP. Consequentemente, gostaria de ter uma explicação para esta contradição e esta quebra de verbas.

Falam também as GOP num outro grande objectivo, que seria o incentivo ao desenvolvimento da aquacultura ou da produção de peixes em cativeiro. E, de facto — também nos parece —, uma linha estratégica de desenvolvimento do sector que deveria merecer toda a nossa atenção e, como já tivemos oportunidade de verificar, até na própria discussão na generalidade, essa verba tem vindo a

Página 199

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(199)

descer desde 1990, passando de 270 000 nesse ano para 145 000 contos, em 1991, e agora para 100 000 contos.

O Sr. Ministro dirá, como porventura já fez, que, se não há projectos nem interesse dos agentes económicos, não vale a pena atribuir as verbas. Mas penso, Sr. Ministro, que essa resposta não serve ao problema.

É que se todos estamos de acordo que, face à diminuição e aos problemas existentes quanto aos recursos vivos, designadamente na zona económica exclusiva, e que a produção de peixe em cativeiro poderá ser uma alternativa, que não pode ser vista a curto prazo pois é uma alternativa até de gerações, é evidente que compete ao Estado estimular, mobilizar, fomentar desde já este esforço.

Mas se, pelo contrário, o Estado se vai demitindo desse esforço, traduzida esta demissão em grandes quebras orçamentais, então aquela que deveria ser uma linha estratégica de médio e de longo prazo para o desenvolvimento dos nossos recursos de pesca acaba por não ser criada, trazendo dificuldades à produção e aos nossos recursos e, portanto, ao aumento das nossas capturas e das complementaridades que é necessário procurar em relação à pesca costeira e à pesca do largo.

Uma outra área que me mereceu atenção no discurso do Sr. Ministro e também nas GOP tem a ver com o desenvolvimento da nossa frota. Também aí era preciso — e insisto nisto, uma vez que hoje estamos em sede de comissão na especialidade e que esta sessão está a ser gravada— que o Sr. Ministro clarificasse a contradição entre este discurso e este objectivo definido nas GOP, com o qual estamos de acordo, e o facto de na frota artesanal, a frota com menos de 9 m, serem reduzidas verbas. É que, mesmo o novo programa para a pequena pesca, no PIDDAC apoios, programa esse que aliás ainda não está aprovado pela Comunidade, é insuficiente para chegar sequer às verbas que estavam previstas em anos anteriores.

Recordo que, em 1990, tivemos um esforço dp Estado de 230 000 contos para as embarcações com menos de 9 m e que agora o que temos são 20 000 contos no PIDDAC sectorial e mais 100 000 contos no PIDDAC apoios. Supondo que da Comunidade virão cerca de 100 000, e que, portanto, a comparticipação comunitária em termos reais é menor do que em 1990, não há aqui esforço para o que deveria ser o estímulo à frota de pesca artesanal e da pesca costeira. Também relativamente à frota do largo descem as verbas que estavam previstas, respectivamente de 145 000 contos para 134 000 contos, sendo esta uma questão que gostaríamos de ver escalpelizada.

Quanto à questão do desenvolvimento da investigação e de uma melhor gestão dos recursos do INIP, estamos de acordo, mas isso não é razão para eventualmente existirem cortes nos projectos que esse Instituto tem em curso. Consequentemente, gostaríamos de sobre isto ouvir o Sr. Ministro,

Outras questões mais parcelares têm a ver com os portos. No ano passado, em resposta a um requerimento que fizemos ao Govemo, foi-nos dito que, do PIDDAC deste ano, iria fazer parte das intenções de investimento da Direcção-Geral dos Portos — e, portanto, do Ministério — uma verba para a ampliação do porto de Peniche. Aliás, ainda recentemente, na primeira vez que o Sr. Ministro foi à Comissão, foi afirmado que o projecto estava pronto, que estava em cima da mesa do Sr. Ministro.

Ora, a minha pergunta é a seguinte: considerando que, em Maio do ano passado, a Secretaria de Estado das Obras Públicas, via Direcção-Geral de Portos, nos respondia que essa era uma obra necessária que iria fazer parte das in-

tenções de investimento para o PIDDAC deste ano e não aparecendo, de facto, nenhuma verba nesse sentido, gostaríamos de saber a razão porque isto se passou.

Está também inscrita em PIDDAC uma verba para a ria de Alvor. Sendo esta uma ria com pouco calado, a questão que se coloca é se esta verba é para apoiar a comunidade pesqueira ou é para o turismo? Esta é também uma questão sobre a qual gostaríamos de ter uma resposta do Sr. Ministro.

Ainda uma última questão relacionada com as pescas, embora tenha também a ver com a agricultura — e porventura terá mais a ver com a agricultura do que com as pescas—, diz respeito ao IFADAP (Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e das Pescas), que é um Instituto que gere fundos comunitários.

Recentemente, tem havido grande controvérsia quanto à forma e ao modo como o IFADAP está a pagar os apoios dos subsídios aos vários beneficiários dos fundos e dos programas comunitários que correm por esse Instituto.

Na pressuposição de que o Sr. Ministro nos possa esclarecer, a questão que gostaríamos de colocar, e que não resulta apenas de uma preocupação minha, mas também do Sr. Presidente da Comissão de Agricultura e Mar, é no sentido de saber, uma vez que o IFADAP, embora gerindo fundos comunitários das pescas, faz parte do âmbito do Ministério da Agricultura, qual a justificação para que aquele Instituto, em volta do qual existe esta discussão do atraso dos pagamentos aos beneficiários de fundos comunitários, apresente, no seu orçamento privativo de receitas, juros da aplicação financeira das verbas que tem à sua disposição e que ascendem a alguns milhões de contos.

Parece incompreensível e gostaríamos que o Sr. Ministro, caso nos possa esclarecer, o fizesse.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): — As questões que gostaria de colocar ao Sr. Ministro do Mar prendem-se, em primeiro lugar, com a comparação dos orçamentos da receita e da despesa dos organismos autónomos ligados ao Ministério. Nesta comparação toma-se evidente que a administração do porto de Sines gera um superavit da ordem dos 4,7 milhões de contos, isto para um nível de despesa orçamentada em 7 milhões de contos, o que evidencia um nível de rentabilidade muito elevado. Da mesma forma, a administração do porto de Leixões apresenta um saldo da ordem dos 3,050 milhões de contos, também positivo, para um nível de receitas da ordem do 7,8 milhões de contos.

A minha pergunta, neste capítulo, prende-se com o destino a dar a estas verbas, pois, obviamente, com este tipo de orçamentos, as administrações portuárias vão guardar o superavit numa situação em que houve enormes investimentos do Estado para a sua construção e para o seu equipamento suportados directamente pelo Orçamento.

Julgo que está presente na memória de todos nós o grande esforço financeiro, certo ou errado, que foi feito à volta do porto de Sines, mas, efectivamente, se existe um nível de rentabilidade superior a 50 % em termos de superavit de receita, das duas uma: ou as taxas do porto estão sobreavaliadas e injustamente penalizados os agentes económicos que ali fazem escala ou, então, há dinheiro que deveria ser devolvido ao Orçamento do Estado, compensando-o do esforço financeiro que fez ao longo de muitos anos.

Página 200

244-(200)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

Esta afirmação aplica-se igualmente ao caso da administração do porto de Leixões^ que, com níveis de rentabilidade talvez não tão elevados (não se aproximam dos 50 %), também está presente na memória de muitos de nós, nas obras recentemente realizadas com um grande suporte do Orçamento do Estado, designadamente a doca n.9 4 e o terminal dos contentores, bem como os respectivos equipamentos.

Ainda sobre as contas de organismos com autonomia, colocaria a questão relativa a organismos como o Instituto do Trabalho Portuário e o Instituto Nacional de Pilotagem de Portos, que evidenciam despesas e receitas que constituem, por si, um ónus, num dos casos pelo menos sem grande proveito para os agentes económicos — no caso do Instituto do Trabalho Portuário são 163 000 contos —, e a minha pergunta é no sentido de saber se, nas intenções do Ministério do Mar, se conta dar continuidade ao Instituto do Trabalho Portuário e se há alguma justificação especial para tal.

Relativamente ao Instituto Nacional de Pilotagem de Portos (INPP) a questão não é da mesma natureza, na medida em que há contrapartidas efectivas de serviço da parte do LNPP, mas pelo facto de se tratar de um serviço que, com grande frequência, gera queixas da parte dos agentes económicos que o têm de suportar, não tanto pelo nível dás receitas próprias do INPP, mas por práticas pouco recomendadas que estão associadas à execução destes serviços e por algum nível de conflitualidade que, periodicamente, vem a marcar a acção dos pilotos no âmbito deste Instituto.

Sem se prender directamente com o Orçamento, mas na medida em que não há grande discriminação das verbas dos organismos com autonomia administrativa e financeira, colocaria a questão da estrutura das taxas portuárias que, neste momento, estão a onerar o comércio marítimo. O sistema de taxas portuárias foi revisto há relativamente poucos anos, mas continua a evidenciar uma estrutura que se pode classificar, em certa medida, como terceiro-mun-dista, porque oferece autênticos bónus aos armadores, em matéria de taxas de porto, acostagem e estacionamento, e sobrecarrega espantosamente as mercadorias, quer em termos de laxas de tráfego, quer em termos de aluger de serviços, conjuntos de equipamentos e de pessoal.

Esta situação é particularmente desfavorável para os importadores, é uma sobrecarga que recai sempre sobre o consumo, e que, por outro lado, está a prejudicar obviamente os exportadores, retirando competitividade e mais--valia às indústrias que alimentam este país.

Uma questão que preocupa os agentes económicos prende-se com alguma falta de cumprimento, por parte do Estado, de compromissos que teria assumido no final de 1989 relativamente a licenciamentos de trabalhadores portuários. Foi prometido aos agentes económicos da época que as dividas que fossem contraídas para financiar o licenciamento de trabalhadores seriam objecto de bonificação, prática que efectivamente não teve lugar.

Gostaria de saber se o Ministério do Mar — e não há possibilidade de descortinar isso nas verbas que tem orçamentadas—, directamente ou através dos organismos com autonomia, pensa suportar, de alguma forma, uma bonificação dos encargos financeiros que os agentes económicos assumiram com esses licenciamentos. E, ainda, se entende que durante o corrente ano de 1992 é necessário renovar essa prática de licenciamentos face à situação de desequilíbrio, novamente, entre a oferta c a procura de mão-de-obra. Isso está a verificar-se já nalguns portos, com

grande repercussão em termos de opinião pública já em Leixões e, de forma relativamente adormecida, em Lisboa, que está a tornar-se cada vez mais evidente em função dos défices crescentes dos organismos que procedem à distribuição e ao pagamento da mão-de-obra portuária.

Uma quarta questão prende-se com declarações que o Ministério do Mar tem produzido em matéria de privatizações, a expectativa que tem gerado e seus efeitos sobre os custos da actividade portuária.

Existe alguma experiência de concessionamento de actividade, designadamente no porto de Lisboa, e alguma expectativa de a mesma vir a ter lugar, com alguma brevidade, nos portos de Sines e Leixões. Simplesmente, em função das condições em que essas concessões foram negociadas —com alguma clareza, na medida em que houve concursos públicos, independentemente de a posteriori ter havido entendimentos entre os agentes económicos, que explicitaram, mas disso não cabe culpa aos governantes —, o que na realidade sucedeu é que os contratos de concessão acabaram por gerar ónus espantosos para os agentes económicos que ficaram com as instalações e com os equipamentos portuários a cargo.

Portanto, não pode afirmar-se que essas privatizações tenham conduzido a redução de custos. Muito pelo contrário, conduziram a alguns aumentos de custos e, inclusivamente, em datas relativamente recentes, tem-se detectado práticas, que eu consideraria detestáveis, de entendimento de preços entre as entidades concessionárias e as próprias administrações portuárias.

Gostaria de saber se o Sr. Ministro está ciente desta situação e de que forma pensa acautelar a inevitável tendência do agente económico para a criação da situação de monopólio e entendimentos com terceiros de forma a favorecê-los nesta matéria, dada a vulnerabilidade que já Adam Smith citava relativamente aos entendimentos entre a Administração Pública e os promitentes monopolistas.

Uma quinta questão relaciona-se com o PIDDAC. A Sr.1 Deputada Leonor Coutinho pediu-me que questionasse as razões da inclusão, no âmbito do PIDDAC, de alguns projectos portuários e da exclusão de outros.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Mar fez o favor de nos remeter um mapa, alistando a totalidade dos orçamentos que está previsto serem realizados pelas administrações portuárias. De facto, verificamos que estes investimentos, no total das administrações portuárias com autonomia, totalizam, no âmbito do PIDDAC, 7,7 milhões de contos, enquanto outros apoios totalizam cerca de 10 milhões de contos e não vêm sequer referenciados.

Não vem referenciado no PIDDAC qualquer investimento na administração do porto de Leixões, vem apenas um para a Administração do Porto de Lisboa, enquanto para a administração dos Portos de Setúbal e de Sines vêm referenciados todos. No entanto, há uma exclusão total na Administração dos Portos do Douro e Leixões e, pelo menos, parcial na administração do porto de Lisboa.

Portanto, qual o critério que leva a incluir no PIDDAC estes investimentos e os leva a excluir noutras situações?

Em particular, gostaria que o Sr. Ministro fizesse o favor de comentar o relativamente baixo nível de investimento da Administração do Porto de Lisboa, que é um ' porto completo, que para fazer face às questões que são solicitadas pelo comércio marítimo é um porto carente de modernização. Por isso, é um pouco estranho que, na lista das quatro administrações portuárias autónomas, designadamente Douro e Leixões, Lisboa, Sines e Setúbal, seja efectivamente o porto de Lisboa o que menor nível de

Página 201

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(201)

investimento apresenta. Preocupantemente o investimento mais significativo que o porto de Lisboa apresenta é o orçamento de dragagem do canal de acesso do porto.

Não questionamos a necessidade de fazer a dragagem para melhorar o acesso ao porto, ainda que o número de agentes económicos que beneficiem directamente dessa dragagem se contem pelos dedos, de uma mão relativamente mutilada, mas preocupa-nos, sim, que esse projecto se possa associar, de alguma forma, à construção de um porto industrial na zona da Trafaria/Bugio.

Gostaríamos de ter da parte do Ministério do Mar uma explicitação do que é que este projecto subentende: se se trata de criar condições físicas para a construção de uma zona portuária industrial na Trafaria/Bugio, projecto que, recordo, tem sido rejeitado pelas populações locais, ou se se trata, pura e simplesmente, de um projecto de dragagem tout court.

Quanto ao projecto de dragagem em si, agradecia que também explicitasse se esse projecto envolve meramente o aprofundamento do canal de acesso ou envolve também a deposição de areias que fechem a Golada até ao Bugio, porque a forma como o projecto está apresentado «dragagem do canal de acesso e protecção do Bugio», faz-nos pensar que o que está em causa é novamente o fecho da Golada.

Quanto aos projectos que ao porto de Sines dizem respeito, gostaria de questionar o Sr. Ministro quanto à consistência dos projectos relacionados com a construção de um terminal de carga geral, envolvendo uma verba, ao longo dos vários anos, no montante de 6,2 milhões de contos e um terminal multi-purpose, com uma verba plurianual também de 2,4 milhões de contos em Sines. O porto de Sines é, neste momento, o maior porto do País, unicamente com dois terminais, o petrolífero e o carvoeiro, que também pode, em certa medida funcionar como terminal mineraleiro, mas não se vê grande justificação em termos de logística nacional para acrescentar novos cais ao porto de Sines com verbas tão significativas.

O porto de Sines em si tem sido sempre uma dúvida, que só a localização de indústrias pesadas tem viabilizado à custa de taxas portuárias que são significativamente elevadas, mas receio um pouco que a construção de novos terminais, carga geral e terminais multi-purpose, seja acrescentar demasiado conduto ao «caldo de pedra» que foi iniciado em 1969, salvo erro, quando esta «Marcelo-tropolis» foi pensada.

Outra questão prende-se com a consideração de verbas do capítulo L do Orçamento do Estado, no porto de Setúbal, mais exactamente 1 021 700 contos no projecto ForcVWolkswagen, não por que o projecto seja desmerecedor mas dada a natureza jurídica da administração. A administração do porto de Setúbal é um organismo com autonomia financeira e administrativa que está em competição com outros portos, designadamente com os portos de Lisboa e Setúbal.

De uma forma geral, já nenhum destes portos está a ser subsidiado pelo orçamento, em função das suas receitas, depois de largos períodos de investimento suportado pelo Orçamento do Estado. No caso do porto de Lisboa há já bastantes anos que o esforço financeiro do Estado é diminuto, mas nos portos de Leixões e Setúbal ainda tem sido significativo. Julgo que era altura de acabar com o esforço financeiro directo do Estado nestes portos e deixar que se manifeste a verdadeira competitividade dessas mesmas infra-estruturas.

De qualquer forma, gostaria de salientar — e agradeço o comentário do Sr. Ministro — alguma desproporção do nível de investimento consignado aos portos dependentes dos chamados portos de primeira importância, que estão dependentes das quatro administrações portuárias, quanto a níveis relativamente pesados de investimento nos portos secundários, geridos pelas juntas autónomas, uma vez que são portos que geram pouco tráfego e têm acarretado muita despesa de investimento, suportada pelo Orçamento do Estado.

Quero ainda fazer algum reparo, talvez também merecedor de comentário, relativamente ao projecto da construção da doca de recreio em Viana do Castelo, projecto que é suposto absorver um total de 686 000 contos. Bem sei que está no fim, mas gostaria de perguntar se o Sr. Ministro subscreve a continuidade de projectos desta natureza, no âmbito do Orçamento do Estado, ou se entende que é possível consignar a sua realização a entidades privadas.

Peço-lhe também um comentário sobre a construção da obra do terminal Cars Ferry no porto de Portimão, um empreendimento de utilidade mais do que duvidosa, porque ao que parece a utilidade teria sido a de um único agente económico, do armador do navio Lusitana Ferries. Mas parece-me que 1 423 000 contos, para não ser rigorosamente útil — pensa-se que poucos ou nenhuns navios lá irão —, é de facto de deixar-nos um pouco perplexos.

Sobre questões relacionadas com a marinha mercante, notamos uma verba significativa para renovação da frota, em apoio aos programas desenvolvidos pelos armadores, e o Sr. Secretário de Estado Adjunto teve a amabilidade de esclarecer-nos que uma pequena redução de verbas se deve à retracção dos projectos de investimento dos armadores do comércio marítimo.

Conhecedores de que a conjuntura internacional é pouco favorável ao investimento na marinha mercante, a nossa pergunta é se efectivamente os agentes económicos se retraem, isto é, se tem havido uma contracção significativa da frota sob a bandeira portuguesa — e ainda não teve grande sucesso no registo internacional da Madeira.

Será que o Governo, além do apoio directo às intenções de investimento dos agentes privados, com projectos próprios, não encara nenhum outro programa que seja capaz de relançar a marinha do comércio português, designadamente um programa de constituição de capital de risco?

Por outro lado, tendo em consideração que a marinha do comércio é um pouco o que os seus marítimos e os seus quadros técnicos proporcionam, será que não consideraria vantajoso reforçar as verbas destinadas à formação profissional, no sentido de qualificar os nossos homens do mar para enfrentarem o mercado de trabalho internacional, no momento em que a marinha do comércio portuguesa entrou em retracção.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr." Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.' Helena Torres Marques (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Quero fazer, muito sinteticamente, duas perguntas.

Dizem-me que o Ministério do Mar continua a ser responsável pela indústria conserveira, que é uma indústria que atravessa uma crise grave em Portugal.

Nestas circunstâncias, qual é a posição do Sr. Ministro para o facto de o IVA sobre a indústria conserveira passar âe 8% para 16 %?

Página 202

244-(202)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

O que é que esta medida, pode ter como consequências no futuro da indústria conserveira? Como é que daqui se apoia a indústria? Qual é a sua posição sobre esta matéria?

As outras duas perguntas concretas que quero fazer-lhe têm a ver com os dois portos que apareciam incluídos no orçamento para 1991 —curiosamente ano de eleições — e desaparecem no orçamento de 1992, ano a seguir à$ eleições. Situam-se ambos no meu distrito, sendo um deles o portinho das Azenhas do Mar, onde estavam previstos investimentos no montante de 50000 contos e o outro o portinho do Canal, em Odemira, onde estava previsto investir-se 80 000 contos.

O que é que aconteceu a estes portos, Sr.- Ministro?

O Sr. José Apolinário (PS): — Posso interpelar a mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Apolinário (PS): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado do meu grupo parlamentar Crisóstomo Teixeira fez uma série de perguntas, caracterizadas pela sua capacidade técnica de argumentar — pelo menos eu aprendi —, mas, de qualquer forma, em relação à pergunta sobre o car-ferry de Portimão, gostava de não deixar passar em claro que, embora concordando com a questão técnica — e gostava de ouvir também o Ministro do Mar pronunciar-se sobre o ponto de vista técnico —, os deputados socialistas do Algarve são a favor deste projecto.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): — Posso interpelar a mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra. St. Deputado.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): — Sr. Presidente, os deputados do PSD pelo Algarve registaram a opinião emitida pelo Partido Socialista quanto à inutilidade das verbas a investir no terminal car-ferry do porto de. Portimão. Dela tiraremos as devidas conclusões.

O Sr. Presidente: — Para interpelar a mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): — Sr. Presidente, quero apenas dizer que me louvei, nesse aspecto, nos resultados da reunião da Comissão de Equipamento Social, onde esteve presente o Sr. Secretário de Estado Adjunto, que partilhou essa opinião.

O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Ministro, Srs. Membros do Governo: Algumas das questões que queria aqui abordar foram tratadas, de alguma forma, pelo Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira, nomeadamente as que se referem aos portos de Lisboa, Sines e Setúbal.

Permito-me, porém, reforçar o que foi dito, colocando mais algumas perguntas sobre o porto de Lisboa e, nomeadamente, sobre a posição do Governo quanto ao plano da Administração do Porto de Lisboa, o denominado «Plano Estratégico do Porto de Lisboa».

A Administração do Porto de Lisboa manifestou — e penso que continua a manifestar— intenções de proceder ao fecho da Golada do Tejo, ligando a Trafaria ao Bugio com a finalidade de aproveitar uma área com cerca de 800 ha para a construção de uma zona portuária e industrial, embora, segundo as informações disponíveis, não disponha de estudos rigorosos e conclusivos sobre o impacte ambiental e até mesmo económico desta obra.

Como o Sr. Ministro sabe, em 1990, foi posto à discussão pública um projecto onde apenas constava a dragagem do canal de acesso destinada — dizia-se — a facilitar não só as condições de acessibilidade do estuário do Tejo e de entrada do porto de Lisboa, mas também a proteger um imóvel classificado de interesse público — o forte do Bugio — e a valorização turística e cultural da margem sul.

Ora, o plano estratégico da Administração do Porto de Lisboa, que me parece não ter sido ainda alterado — o Sr. Ministro o dirá — diz, claramente, que estas obras se inscrevem no âmbito dos trabalhos preliminares da intenção de expansão portuária para a zona da Trafaria/ Bugio.

Assim, uma vez aprovado o fecho da Golada do Tejo, seria fácil implantar a instalação do porto em cima ou ao lado da tal duna de areia feita com o material da dragagem do canal de acesso e teríamos, na Trafaria, mais uns quantos silos, mais umas tantas gruas, mais umas quantas unidades fabris, segundo dizem, de produtos químicos e oleaginosas, etc.

Importa referir, a este propósito, que o projecto do fecho da Golada do Tejo, submetido pelo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais à discussão pública em 1990, nada referia sobre este objectivo.

Por sua vez, o estudo de impacte ambiental realizado apenas menciona possíveis efeitos das obras de dragagem e da construção de uma duna de areia no ambiente ecológico e na hidrodinâmica do estuário.

É do domínio público que a comissão nomeada, no âmbito da Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente, para avaliação do estudo de impacte ambiental, recomendou à Administração do Porto de Lisboa a sua reformulação.

Sr. Ministro, foi feita a remodelação do estudo de impacte ambiental ou ignorou-se, simplesmente, esta recomendação da Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente?

Considerando que, no PIDDAC, está inscrita uma verba para a dragagem, como aqui já referiu o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira, gostava de saber, Sr. Ministro, se a intenção do Governo é a de apenas proceder à dragagem de um canal de acesso.

Sr. Ministro, pretende o Governo aproveitar o material da dragagem para a criação de um banco de areia entre a Trafaria e o forte do Bugio? Neste caso, estão feitos os necessários estudos de impacte ambiental da obra?

Gostava ainda de saber se o Governo está de acordo com o plano estratégico do porto de Lisboa, no sentido da instalação, em cima do banco ou da duna de areia entre a Trafaria e o Bugio, de uma zona portuária e industrial?

A este respeito, importa referir a recomendação dos 17 municípios da Área Metropolitana de Lisboa, aprovada por unanimidade e relativa à elaboração do PROT daquela Área. Permito-me ler o n.8 6.4 deste programa: «Potenciação das diversas instalações portuárias do estuário do Tejo e do Sado, com reforço das relações de intercâmbio com os estabelecimentos comerciais e industriais da Area Metropolitana de Lisboa, sem prejuízo de desocupar, sempre que possível, as zonas ribeirinhas dos aglomerados

Página 203

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(203)

urbanos, impedindo a implantação de novas instalações portuárias em zonas de inequívoco valor tuu'stico ou ambiental, como seja a área de Trafaria/Bugio.

Neste quadro é relevante o reforço das obras em curso relativas à ampliação do porto de Setúbal.»

Por outro lado também — e porque isso nos afecta ainda mais directamente —, importa reter as posições assumidas, os contactos feitos a nível do Governo, da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal de Almada, da Junta de Freguesia e da Assembleia de Freguesia da Trafaria.

Quero assinalar, por último, que no dia 15 de Junho de 1991 esteve na outra banda — a noü'cia foi dada pela comunicação social — o Sr. Primeiro-Ministro, ocasião em que visitou a Trafaria. No parque de viaturas dos bombeiros voluntários daquela localidade o Sr. Primeiro-Ministro disse, relativamente à intenção que a Administração do Porto de Lisboa tem de expandir o porto para a Trafaria: «Sob esse aspecto, a posição do Govemo é não!»

Sobre a questão do fecho da Golada do Tejo disse o Sr. Primeiro-Ministro: «Não venho suficientemente preparado, mas reafirmo que a posição do Govemo é diferente da Administração do Porto de Lisboa e entendo não haver razões para tal ligação.»

Sr. Ministro, no concreto, qual é a posição do XII Governo constitucional relativamente à questão do porto de Lisboa e da sua expansão para a margem sul do Tejo?

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Sr. Ministro, em relação à verba de 625 000 contos atribuída à marinha mercante para reajustamento da frota da marinha de comércio, gostava de saber como pensa o Govemo distribuí-la.

Outro problema que quero abordar é o da cabotagem. O Sr. Secretário de Estado prestou-nos já alguns esclarecimentos na competente comissão. No entanto, sabemos que, em 1993, vai haver uma liberalização das cabotagens nas ligações às ilhas e interilhas. Penso que há pelo menos uma reserva em relação a Portugal, segundo a qual o tráfego para as ilhas será reservado a empresas nacionais até 1999.

O que é que se pensa fazer, Sr. Ministro, para desenvolver — se é que há razões que justifiquem esse desenvolvimento — este tipo de tráfego de cabotagem no nosso país, nomeadamente interilhas?

O Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira referiu há pouco a ausência de investimento no porto de Leixões. Podia o Sr. Ministro informar-me que razões determinaram essa ausência?

Gostava também que me esclarecesse — e isto está na ordem do dia — sobre o problema do registo internacional de navios na Madeira, nomeadamente que tipo de problemas existem e quais as vantagens dessa medida. Qual é a situação actual?

Por outro lado, como o Sr. Ministro sabe, há uma grande confusão com o pessoal ligado, nomeadamente, ao porto de Lisboa—pilotos da barra, guarda fiscal, polícia marítima, pessoal de marinhagem —, que envolve variadíssimos ministérios, entre os quais os da Administração Interna, Defesa, Mar, etc.

Sr. Ministro, está o Ministério do Mar a encarar a hipótese de resolver este problema confuso que está a dar grandes dores de cabeça?

Já agora gostava também de saber se a ideia, muito em voga, da possibilidade de criação de um corpo de guarda costeira para vigilância da nossa zona económica exlusiva merecerá do Ministério do Mar qualquer tipo de estudo.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, quero apenas referir— e, com isto, pretendo apenas ajudá-lo — que pode gerir a sua resposta como entender, incluindo as solicitações que poderá fazer aos Srs. Secretários de Estado para responderem a perguntas específicas.

Tem a palavra, Sr. Ministro do Mar.

O Sr. Ministro do Mar: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder a algumas das muitas questões que aqui me foram colocadas e pedir aos Srs. Secretários de Estado que respondam a outras ou até mesmo que pormenorizam algumas das minhas, dado o conhecimento mais detalhado que têm dos problemas.

Sr. Deputado José Apolinário, a questão das dragagens é sempre um problema extremamente complexo. Sei-o por experiência própria. É impossível fazer todas as dragagens ao mesmo tempo, por falta de equipamento adequado, por falta de verbas suficientes — o que sempre acontece — e até, por vezes, porque são conflituais os interesses em relação às próprias dragagens que se fazem.

No entanto, as prioridades que se encontram definidas parecem corresponder às necessidades dos principais estrangulamentos, às zonas onde é preciso, de imediato, dragar. Peço ao Sr. Secretário de Estado Adjunto que se refira depois à questão do rio Arade, sobre a qual não estou, neste momento, em condições de responder.

Relativamente à aquacultura, há que esclarecer não haver para ela um tecto. O Govemo pensa — e não é muito original nesse pensamento — que a aquacultura é uma actividade que deve ser desenvolvida. De momento, ela tem em Portugal a reduzida expressão de 2,5 %, em comparação com os 12 % ou 13 % da Comunidade Europeia.

Em todo o caso, o Govemo tem também a noção de que o desenvolvimento desta actividade tem de ser feito de forma equilibrada, prudente e sustentável, pois ela pode, por vezes, conflituar com outros interesses nacionais, como sejam a protecção do ambiente de certas zonas do território, tem igualmente de ter-se um certo acesso a know--how que ainda não é muito extenso em Portugal e não podem criar-se expectativas excessivas na Comunidade para projectos que, a curto prazo, podem, por falta de experiência e por circunstâncias diversas, vir a revelar-se como fracassos.

Por conseguinte, a ideia do Governo é a de ir promovendo o desenvolvimento da aquacultura de uma forma sustentada e prudente, para que seja uma actividade que não fique, a curto prazo, em crise e a gerar problemas sociais e económicos complicados.

No que se refere à investigação, que referi muito brevemente, o Sr. Deputado tem toda a razão quando, na sua pergunta, sugeriu — e eu entendi assim — que a investigação, na parte que cabe ao Ministério do Mar, não ficasse encasulada no INÍP e tivesse a capacidade para se articular com os diversos organismos de investigação que existem no Estado e na sociedade civil, por forma que, das actividades correlativas, possam resultar benefícios nacionais. Esse é o ponto de vista do Governo.

Não se trata de disputar competências ou territórios", trata-se — e eu referi a atenção que iria pôr na actividade do INIP—de co/ocar esse importante instrumento de

Página 204

244-(204)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

investigação num maior inter-relacionamento com outras entidades — universidades, centros de investigação e organismos da sociedade civil —, por forma que daí resulte uma investigação mais sofisticada, mais útil e mais avançada.

Quanto ao problema das conservas, quero dizer que a indústria conserveira é uma actividade extremamente importante e tradicional na economia portuguesa, importante sob o ponto de vista económico, que dá complementaridade à própria actividade»das pescas, que, no passado, viveu

muito «pendurada» em sistemas proteccionistas, que tem um tecido empresarial com algumas fragilidades e que vai conhecer, a muito breve trecho, uma elevada competição por parte de países da Comunidade e, principalmente, de países de fora da Comunidade.

Os objectivos do Governo, neste campo, são garantir e proteger a mais-valia que Portugal tem nesta actividade, e que é significativa. Portugal tem um nome extremamente importante no campo de determinado tipo de conservas, razão pela qual o Governo pensa que essa vantagem comparativa pode ser mantida, se essas indústrias forem racionalizadas, redimensionadas, modernizadas com o apoio do Estado. Para isso, estão consignadas um conjunto de verbas nacionais e comunitárias.

Quanto à fiscalização, pergunta-me o Sr. Deputado se o esforço financeiro previsto para 1992 é suficiente. Esta questão da fiscalização, seja das pescas seja do que for, é sempre uma questão que se torna, por vezes, quase metafísica, pois é preciso saber quanto se gasta para proteger o quê.

O ponto de vista do Governo é que, na área da fiscalização, se deram, recentemente, passos muito significativos na melhoria das suas condições, que vão progredir e avançar, tendo sempre em conta que os esforços não podem ser desproporcionados em relação àquilo que é fiscalizado, porque, a alturas tantas, poderíamos cair no absurdo de gastar mais a fiscalizar do que o valor económico daquilo que é fiscalizado.

Os anseios a que se referiu têm acolhimento no seio do Governo, naturalmente, mas têm de ser perspectivados na sua real dimensão, na sua localização e, por vezes, até na sua menor importância em termos gerais. Não que não sejam importantes em termos locais e específicos, mas têm de se inscrever, naturalmente, numa política e numa actividade geral de fiscalização.

Pedia ao Sr. Secretário de Estado das Pescas que, depois, se referisse à questão do consumo de bivalves e à certificação e fiscalização das importações maciças em períodos em que a produção nacional não actua. Em todo o caso, como os Srs. Deputados sabem, uma das palavras chaves do Programa do Governo, que será, certamente, executado e cumprido, é a qualidade. Esta matéria que o Sr. Deputado levantou inscreve-se, manifestamente, na qualidade dos produtos que os Portugueses consomem.

Pedia também ao Sr. Secretário de Estado das Pescas que, depois, também se referisse à questão das frotas e

abates.

Em relação ao que afirmou, isto é, do barlavento ser desfavorável à pesca artesanal, convém dizer que, nesta matéria, as regras mudaram, nomeadamente no que se refere aos apoios comunitários. Referiu-se a dados de 1989-1990, que não conheço, mas o Sr. Secretário de Estado das Pescas, certamente, poderá responder adequadamente à sua pergunta.

O mesmo se aplica às declarações feitas pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Mar sobre a ria de Alvor.

O Sr. Deputado Lino de Carvalho falou no meu optimismo e na minha esperança. Mau era que não os tivesse, pois não sei o que estaria aqui a fazer!

Mas gostaria de referir que este optimismo, que tenho a certeza que é partilhado por todas as bancadas do Parlamento, radica em bastante realismo.

Tenho alguma dificuldade em fazer uma associação directa entre optimismo, realismo e verbas orçamentais. Não tenho essa visão tão economicista das políticas. Muitas vezes, é preciso dinheiro e mais dinheiro, mas mais dinheiro significa, às vezes, mais desperdício, mais irracionalidade, mais elefantes brancos — ouvimos aqui uma referência ao porto de Sines —, pelo que nem sempre a existência de dinheiro corresponde a políticas acertadas, podendo significar pior política.

É isso que o Ministério do Mar, certamente, tentará não fazer. Daí que tenha dificuldade em subscrever a observação de que as verbas desmentem este meu optimismo.

Penso que no início da sua intervenção, Sr. Deputado, também houve algum optimismo, embora isso se destinasse a fundamentar críticas ao orçamento — outra coisa não seria de esperar da sua bancada —, que são, certamente, recebidas e registadas com muita atenção por parte do Govemo. Este optimismo radica em duas ou três questões fundamentais.

Penso que é indiscutível que países como Portugal precisam de ter e, tendo, precisam de desenvolver políticas marítimas cada vez com maior importância. Isso não merece discussão! Na minha intervenção inicial apenas fiz uma breve referência à crescente importância que os transportes marítimos e tudo o que com eles está relacionado terão num futuro, não tão distante quanto isso, e não me espraiei sobre os recursos marinhos, sobre os recursos vivos, sobre os recursos minerais e sobre as questões ambientais relacionadas com o mar, com a sua segurança e com o clima.

Mas, sendo esse de certeza o futuro, tendo Portugal uma tradição marítima, tradição essa que não é meramente de biblioteca ou de museu mas, sim, uma tradição viva, reconhecida, de capacidades e de mais-valias nesta actividade, estou certo de que, conjugando a necessidade, a previsão do futuro e as capacidades já existentes em Portugal, associadas a políticas adequadas, culminaremos, certamente, com uma situação de optimismo e de esperança. E falo em esperança e não em certeza por uma questão de prudência.

O Sr. Deputado falou na questão do projecto Ford/ Volkswagen, um outro Sr. Deputado também se referiu a essa questão e se devia ou não ser inscrito como apoio do Estado. É um projecto muito específico. Julgo que a sua dimensão, a relevância que tem para o distrito de Setúbal e a relevância que tem para a economia nacional justificam que mereça um tratamento especial em termos orçamentais, mesmo quando se possa pensar no saudável desejo da competição entre os portos.

Não reparará o Sr. Deputado que aqui me refira que na minha exposição inicial falei numa rede portuária e na sua racionalização. Gostaria aqui de referir que a competição entre os portos portugueses terá de ter alguns limites, limites esses que dependem de alguma racionalização, da escassez dos recursos e da dimensão do próprio espaço nacional.

Competição sim, mas que tenha como saldo o interesse nacional e não acarrete duplicações desnecessárias de esforços e duplicações ou triplicações desnecessárias de investimento e que, em última análise, possa contribuir não

Página 205

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(205)

para o empobrecimento mas para o enriquecimento nacional.

O Sr. Deputado referiu as grandes políticas da investigação, mas a isso já respondi. Referiu a aquacultura, já disse alguma coisa sobre isso, mas posso dizer mais se for necessário.

Referiu a ausência de uma política nacional de pescas. Bom, penso que é ostensiva a existência de uma política nacional de pescas. Poderá V. Ex.* discordar dessa política — está no seu pleno direito —, agora referir que não existe uma política nacional de pescas, parece-me não corresponder àquilo que efectivamente se passa. Existe uma política nacional de pescas e é minha percepção que ela tem sido prosseguida com bastante sucesso, nomeadamente nos últimos anos e, para poder verificar isso, bastaria analisar o volume imenso de investimentos feitos no sector, a sofisticação dos mecanismos de apoio a essa própria política nacional de pescas que tem vindo a ser montada laboriosamente ao longo dos últimos anos.

Referiu a ausência de uma política de gestão. Bom, qualquer política tem de ser gerida e, havendo essa política, suponho que tem havido uma adequada política de gestão das pescas. É perfeita essa gestão? Naturalmente que não é. O Sr. Deputado disse, e bem, que para haver uma gestão correcta de uma política de pescas, um dos pilares é realmente a recolha segura de dados científicos. Já há pouco referi, Sr. Deputado, que Portugal tem já uma recolha razoável, embora longe de ser satisfatória. Diz-me a minha experiência, pouca embora, que, no âmbito internacional, esta queixa é comum a países com um grau de desenvolvimento muito superior ao de Portugal e onde também existem queixas na área da investigação das pescas e dos recursos marinhos.

Devo dizer que, neste momento, decorre na Comunidade Europeia um debate sobre essa matéria, e é preocupação de parlamentares europeus e de funcionários da Comissão que uma futura política de pescas dê uma especial atenção ao reforço da investigação no capítulo das pescas.

Exemplificou como uma menor investigação a passagem de 190 000 para 180 000 contos. Isto não corresponde a congelamento de projectos e, nesta ordem de ideias, o que lhe poderei garantir é que estão asseguradas verbas suficientes para o INIP prosseguir os seus projectos. Outra coisa diferente é se o INIP, com as verbas de que dispõe, não poderá produzir mais projectos. É um assunto que, certamente, terei oportunidade de conversar com os seus responsáveis.

O Sr. Deputado referiu que os recursos estão a cair muito. É discutível, Sr. Deputado. Com alguns acontece isso, mas com outros até há algum sinal de que estão em fase de recuperação.

Inscreve nessa sua preocupação fazer-se mais prospecção, e deu um exemplo que é positivo, e é nesta área que estamos, naturalmente, a trabalhar. Convém, em todo o caso, não ter também ilusões excessivas em relação à riqueza de pescas da nossa zona económica exclusiva.

Quanto aos incentivos à aquacultura, já referi, Sr. Deputado, a necessidade de os adequar, com prudência. Em todo o caso, convém ter presente que o PIDDAC apoios é um bolo que, conforme forem surgindo os investimentos credíveis, assim ele pode ser gerido com mais adequação.

Referiu-se, ainda, o Sr. Deputado ao porto de Peniche, sobre o que, de facto, já fiz uma alusão, no sentido de que já estaria em fase final de adjudicação a parte dos

estaleiros e que a segunda parte daquele porto me mereceria especial atenção por saber que é uma aspiração de Peniche e que pode, porventura, ter o maior interesse em termos de desenvolvimento da política portuária e da política de pescas.

Gostaria de pedir ao Sr. Secretário de Estado que, depois, também fizesse uma referência à ria do Alvor.

Quanto ao IFADAP, a parte que me cabe é o P do IFADAP. Portanto, naturalmente que estou em articulação com o Sr. Ministro da Agricultura e com o Sr. Ministro das Finanças no sentido de se poder reajustar o funcionamento deste organismo à criação do Ministério do Mar que, por ser tão recente, ainda não encontrou resposta.

Quanto aos mecanismos e aos critérios utilizados pelo IFADAP para a sua gestão e para as suas receitas, de momento não disponho de dados que me permitam ajuizar tal facto, aqui, junto dos Srs. Deputados.

O Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira começou por referir o problema dos organismos autónomos, as suas receitas e as despesas que foram apresentadas. Elas não vêm discriminadas no Orçamento do Estado nem vem, por conseguinte, definido o destino dos saldos que, nalguns casos, existem.

De qualquer maneira, o Sr. Secretário de Estado Adjunto poderá, depois, dizer alguma coisa a esse respeito. Em todo o caso, convém ter presente que são receitas na casa dos 44 milhões de contos e despesas na casa dos 36 milhões de contos, o que também ajuda a dar uma dimensão da actividade do Ministério do Mar.

Dar continuidade ao Instituto do Trabalho Portuário é uma questão que, certamente, está na ordem do dia, mas que se inscreve num problema muito mais vasto que, de resto, o Sr. Deputado também referiu como sendo a pilotagem e outras actividades. Aproveitava para, aqui e agora, responder no sentido de que tudo isto se prende com toda a actividade portuária.

Em relação a algumas questões que pôs, terei ocasião de responder mais detalhadamente. Porém, o Governo tem a noção de que, de uma série de actividades — e são múltiplas as que se exercem no âmbito dos portos —, uma delas, o trabalho portuário, é uma área importante, embora não a única, mas é aquela que, com certeza, mais problemas traz.

O Instituto do Trabalho Portuário poderá, num determinado modelo de funcionamento dos portos, ter razão de existir, e poderá, eventualmente, ter razão para deixar de existir. Neste momento, não está ainda definido, em concreto, qual o modelo a utilizar.

Com a referência às taxas portuárias, o Sr. Deputado iniciou um conjunto de questões que tem a ver, no fundo, com o funcionamento dos portos. As taxas portuárias serão terceiro-mundistas, são desfavoráveis aos importadores e exportadores, etc. Bom, tudo isto tem a ver, de facto, com o preço final do funcionamento dos portos. Ele é elevado e tem de baixar, em termos relativos, naturalmente.

Todos temos a noção, em particular o Governo, de que a factura portuária é elevada e desproporcionada em relação ao que se passa num grande número de outros portos. Isso traz consequências extremamente negativas para o conjunto da economia portuguesa, daí que toda esta actividade portuária tenha de ser apreciada em todas as suas componentes e não apenas através das taxas. O Sr. Deputado sabe bem que não é esta a questão fundamental que faz encarecer o funcionamento dos portos.

Referiu a seguir a falta óe cumprimento relativamente a licenciamentos que prejudicam os operadores. Trata-se,

Página 206

244-(2U6)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

enfim, de uma operação que se passou há dois anos ou dois anos e tal. Neste momento, que seja do meu conhecimento, o que há é a falta de pagamento, por parte dos operadores, das verbas que tinham sido acordadas em ser pagas e que vão, naturalmente, ser cobradas da forma adequada.

Toda esta operação terá de ser articulada, também, com outro conjunto de medidas que estavam previstas nesta operação de licenciamento, o que não aconteceu, mas estou convencido que, em diálogo com operadores portuários e com os sindicatos representativos dos trabalhadores portuários, o Governo conseguirá, juntamente com eles, encontrar as melhores soluções para as dificuldades que, neste momento, ocorrem no sector.

Quanto a haver mais ou menos licenciamentos, é uma matéria que, em boa verdade, deverá ter de competir, no futuro, aos operadores. Tem de ser uma actividade económica mais racionalizada, não podendo o Estado estar, sistematicamente, a apoiar licenciamentos conforme a actividade aumenta e a ser admitido pessoal ou quando a actividade volta a baixar e o Estado volta a ter que pagar novos licenciamentos. É um ciclo vicioso de que o Estado tem de sair e de que, com certeza, vai sair.

Quanto às privatizações, Sr. Deputado, gostaria de referir e esclarecer a Câmara de que o Governo não vê na expressão «privatização dos portos» qualquer objectivo político em si mesmo. A privatização de algumas actividades portuárias e a sua modalidade será ou não um de vários instrumentos para trazer aos portos portugueses maior racionalidade, maior economia e maior funcionalidade.

Ainda a propósito das privatizações, referiu o Sr. Deputado algumas concessões que teriam sido negociadas por concurso público, mas que, na sequência dessas concessões, se terão verificado práticas de entendimento condenáveis nesta actividade.

Sobre o tema, posso esclarecer esta Comissão de que não só o Govemo está a acompanhar as consequências das concessões anteriores como se munirá de todas as cautelas, para que, em futuras possíveis concessões, funcione o mercado, de forma que não se substitua um monopólio do Estado por um qualquer outro monopólio que, em vez de contribuir para a melhoria das condições de funcionamento dos portos e da economia nacional, acabe por agredir essa mesma economia nacional.

Quanto ao problema que foi levantado, suponho que por dois ou três dos Srs. Deputados, da inclusão ou não dos investimentos de Leixões na relação do PIDDAC, peço ao Sr. Secretário de Estado para, depois, esclarecer melhor. Suponho, entretanto, que se prende mais com uma questão de metodologia de envio de documentos para o Ministério das Finanças do que propriamente com questões específicas de haver ou não haver investimentos em cada um desses portos.

Uma outra questão apresentada — e simultaneamente vou responder a alguns dos Srs. Deputados — diz respeito ao problema da dragagem do porto de Lisboa, do porto industrial — a Trafaria, o Bugio, o fecho da Golada, a dragagem do canal de acesso — e às afirmações do Sr. Primeiro-Ministro. Ora, este problema surgiu repetidamente e gostaria de responder fazendo, apenas, uma breve menção desta matéria.

Em primeiro lugar, esclareço que não haverá fecho da Golada se os estudos de impacte ambiental, que estão em curso, assim o recomendarem. Por conseguinte, serão respeitados, naturalmente, os estudos do impacte ambiental.

O plano estratégico do porto de Lisboa não está aprovado por este governo, pelo que os projectos de industrialização ou de alargamento do porto de Lisboa para a zona da Trafaria e para a zona do Bugio são projectos sem acolhimento por parte do Governo.

A dragagem do porto de Lisboa tem de ser feita periodicamente, como é natural. Quanto mais depressa e melhor se fizer melhor será para o funcionamento do próprio porto, pois dispensam-se esperas ao largo, que já se verificam durante determinados períodos de marés, permitindo ainda acesso a navios com maior calado, em suma, permite, com certeza, um melhor funcionamento do porto de Lisboa.

Quanto à questão do porto de Sines, gostaria de a incluir com outras, que se voltaram a pôr, como o projecto Ford, o problema da competição e o investimento em portos secundários.

Já referi, e volto a fazê-lo, que o Governo vai analisar a rede portuária e vai definir uma política portuária, de forma que não haja, nomeadamente na área da tutela do Estado, diversas políticas portuárias, conforme existam administrações portuárias ou juntas autónomas portuárias.

Gostaria também de referir que, neste momento, o Govemo está a ponderar e a acompanhar a evolução do que poderá vir a ser o Fundo de Coesão e, dentro deste, o dossier das transeuropeias. É ideia do Govemo fazer articular alguns portos portugueses com as redes transeuropeias, alargando, enriquecendo e melhorando a ligação dos portos, como há pouco referi, com as redes ferroviárias e rodoviárias.

Sobre a doca de recreio em Viana, foi-me perguntado, suponho, como é que o Govemo encara o apoio a docas de recreio. Penso que não é vocação do Governo fazer docas de recreio. Agora, não tenho dúvidas de que, se a contribuição do Estado para a construção de uma doca de recreio puder ser o elemento de suporte e de apoio a um conjunto muito mais vasto de iniciativas que venham beneficiar, no conjunto, essa região ou essa localidade, ela poderá verificar-se. Isto é, se um projecto muito mais vasto ficar prejudicado sem a doca de recreio, que, em si mesma, pode até não ter qualquer rentabilidade, pensa o Governo que o seu apoio, seja ele qual for, pode revestir, e reveste necessariamente em alguns casos, um apoio social do Estado ao desenvolvimento dessa região ou dessa localidade. Então, a doca de recreio poderá ser entendida como se fosse um pedaço da estrada ou um edifício público ou um equipamento social ao serviço da comunidade.

Reafirmo, porém, que, como actividade em si própria, as docas de recreio não são necessariamente função do Estado. E é segundo este critério que o Govemo actuará no apoio que der ou não der à sua construção.

Quanto ao porto de Portimão e ao seu terminal, já assistimos aqui a alguma polémica a esse respeito. A posição do Govemo é de que deve ser terminada a obra que ali está. Se porventura, neste momento, o seu interesse imediato estiver posto em causa, não será talvez muito atrevido imaginar que, num futuro não muito longínquo, essa infra-estrutura portuária possa servir aquelas populações e aquela região nas modalidades que os próprios agentes económicos e a própria região possam encontar para utilizar aquele equipamento social.

Pediria ao Sr. Secretário de Estado Adjunto que referisse também alguma coisa sobre o registo no mar. Fala-se em pouco sucesso. É uma maneira de contar a história, pois diria que já há algum e que pouco sucesso era há quatro ou cinco meses. Neste momento, há mais navios inscritos

Página 207

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(207)

no Registo Internacional de Navios da Madeira e o Governo pensa que, com as medidas que tomou recentemente e com outras que procurará levar a cabo no futuro, tornará o Registo Internacional de Navios da Madeira mais atrativo para os armadores nacionais e mesmo de outras bandeiras. Em todo o caso, este registo está a ler algum sucesso embora tenhamos que ser moderados nas nossas perspectivas.

Reforçar as verbas de formação profissional em relação aos trabalhadores marítimos, parece-me que não é o caso. Dispomos de capacidade de ensino e de formação profissional francamente suficiente para as nossas necessidades. Aliás temos até disponibilidade para estar já, neste momento, a apoiar o ensino e a formar pessoas de outros países, o que penso ser uma política que merecerá todo o apoio desta Comissão.

A Sr." Deputada Helena Torres Marques perguntou-me o que é que eu pensava sobre o facto de o IVA passar de 8 % para 16 %, uma vez que, frequentemente, lhe dizem que a indústria conserveira está em crise. Bom, direi que a questão do IVA é de carácter geral do Orçamento do Estado e, como Ministro do Mar, limito-me a constatar que o IVA passa de 8 % para 16 % e que a indústria conserveira tem de enfrentar esta realidade, como todas as outras que tenham de acorrer a estas novas circunstâncias.

Em todo o caso, devo dizer-lhe que, de facto, ainda não recebi — e já falei com alguns representantes de associações conserveiras — qualquer referência negativa quanto a esta alteração. De facto, ou os industriais conserveiros estão distraídos — o que não é de prever! — ou, então, o IVA não terá tido o efeito que me parece estar induzido na pergunta que V. Ex." me dirigiu.

Há, ainda, uma pergunta, que pedirei ao Sr. Secretário de Estado para responder, se dispuser de elementos para isso, sobre o portinho das Azenhas do Mar e o de Odemira. Bom, não sei se exagerei a falar em milhares, mas há, com certeza, largas centenas de portinhos ao longo da nossa costa — aliás, tenho no meu Gabinete um mapa dos portinhos, que é uma coisa imensa —, mas, confesso que não estou em condições de poder responder-lhe concretamente à sua questão. Em todo o caso, como já referi, se o Sr. Secretário de Estado puder responder-lhe muito bem, se não terei muito gosto em fazer chegar ao conhecimento da Sr.1 Deputada um esclarecimento adicional à pergunta que fez e que, naturalmente, merece uma resposta.

Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Manuel Maia, sobre o plano estratégico do porto de Lisboa, posso dizer-lhe que — aliás, já abordei esse assunto —, como é normal esperar, esta nova equipa, havendo um ministério novo, estudará com todo o cuidado os planos estratégicos, ou não, de todas as administrações portuárias na linha da apreciação de toda a racionalidade portuária nacional e, necessariamente, o plano estratégico do porto de Lisboa será escrutinado, apreciado e discutido com todo o rigor.

Quanto ao fecho da Golada, canal de acesso, mais patrocínio, etc., posso dizer-lhe que foi feito um estudo de impacte ambiental do qual ainda não conhecemos as conclusões, que, evidentemente, serão tornadas públicas.

De qualquer forma, quero dizer-lhe — e já o afirmei publicamente noutra sede, mas faço-o agora aqui com outra importância, com outra dignidade e com outro compromisso— que, naturalmente, faz parte da política do Ministério do Mar retirar alguma penumbra que, tanto em Portuga/ como em quase todas as partes do mundo, sempre encobre as actividades portuárias — aliás, isto é, uma tradição universal!

Como já afirmei, publicamente, é firme intenção deste governo fazer intervir na apreciação, discussão e análise de todas as actividades portuárias, não apenas os agentes económicos e agentes do Estado directamente ligados a este sector, como também as autarquias e agentes económicos que, não tendo directamente a ver com a actividade portuária, acabam por ser beneficiados ou prejudicados por essa actividade.

Daí que os municípios da área da Grande Lisboa tenham de ser, com certeza, ouvidos com muita atenção sobre esta matéria. Aliás, tal como disse no discurso que proferi em Plenário, uma das preocupações no Ministério do Mar é que as áreas portuárias com vocação para serem locais de lazer, de desfrute de parte das populações, e que não sejam estritamente necessários à actividade portuária, que também, por si, é necessária e vital para a economia do País, possam, segundo orientações dadas pelo Ministério, ser devolvidas ao usufruto das pessoas sempre que não estejam especificamente atribuídas à operação portuária.

O Sr. Deputado José Manuel Maia referiu-se ainda ao IV Governo e à minha recente chegada ao XII Governo. Confesso que fiquei um pouco confuso, porque eu tinha pertencido ao X Governo e estava a começar a fazer uma contabilidade que estava a perturbar-me...

O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca — que, aliás, não está presente, neste momento — questionou-me sobre a forma como se distribuirão os 600 000 contos em função dos projectos. Bom, essa distribuição será feita de acordo com o aparecimento dos projectos e segundo as regras que estão estabelecidas.

Quanto à cabotagem, posso dizer-lhe que esse problema está na ordem do dia e faz parte de uma das prioridades da presidência portuguesa da Comunidade. De facto, é um dossier complicado, em todo o caso estamos esperançados que ele possa ser concluído com vantagens para a Comunidade, em geral, e para Portugal, em particular.

Quanto à necessidade ou não da existência de uma guarda costeira para a ZEE, posso informar os Srs. Deputados de que não tenciono promover ou contribuir para a sua criação, pois suponho que isso são ideias muito generosas, mas muito pouco associadas à realidade do que será montar e manter uma guarda costeira. Assim, em minha opinião, considero completamente desnecessária a existência, em Portugal, de uma guarda costeira.

Finalmente, gostaria de agradecer as questões que me fcíam colocadas e, se houver tempo, creio que o Sr. Secretário de Estado poderá prestar alguns esclarecimentos adicionais.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, pedindo antecipadamente desculpa a V. Ex.', informou-me que não podia estar mais tempo na reunião.

No entanto, manifestou interesse em que o Sr. Ministro fizesse o que fez, isto é, que respondesse às questões que ele colocou, uma vez que, depois, teria oportunidade de consultar a acta da reunião e ler as informações que V. Ex.* lhe prestou.

Dou agora a palavra, para esclarecimentos adicionais, ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Mar.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do

Mar (João Bebiano): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro já referiu basicamente tuào o que havia a dizer. No entanto, há aqui uma ou outra questão que

Página 208

244-(208)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

gostaria de explicitar melhor, tal como foi sugerido pelo Sr. Ministro.

Quanto à questão das dragagens, com o nível das verbas disponíveis, os fundos totalizam 594 000 contos, devemos ter uma visão dinâmica e de controlo permanente, não compartimentando a aplicação dessas verbas, mas hierarquizando, sim, e mobilizando interesses no sentido de satisfazer, tanto quanto possível as prioridades.

Assim, creio que esta visão de acompanhamento rigoroso e de controlo irá fazer com que se optimize a realização das dragagens necessárias em cada caso concreto.

Quanto à questão da ria de Alvor, de facto, confirma--se que as obras iniciar-se-âo em breve e estarão concluídas antes do início da época balnear.

O Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira referiu-se à questão do PIDDAC das administrações portuárias, concretamente da APDL que não tinha qualquer verba inscrita.

A este propósito, julgo que esta questão se prende com a evolução da legislação aplicável a esta matéria. De facto, em 1976, havia legislação que obrigava ao envio, para o Departamento Central de Planeamento, dos elementos relativos ao investimento das administrações portuárias mas, em 1987, a entrada em vigor de outra legislação, permitiu que isso não fosse imperativo.

No entanto, as administrações portuárias continuaram a enviar esses elementos numa óptica, julgo eu, de que as verbas gastas com as infra-estruturas, embora sendo suportadas pelas administrações — e atenção que não se trata de verbas do Estado, mas, sim, das administraçções portuárias —, poderiam continuar a ser enviadas e as verbas relativas a superestruturas não seriam enviadas.

De qualquer forma, trata-se de verbas próprias e não é imperativo inscrevê-las no PIDDAC, porque elas não são do Orçamento do Estado. Em todo o caso, quando elas pertencem ao Orçamento, são devidamente explicitadas, como é o caso do projecto Ford/Volkswagen, que tem uma verba inscrita no PIDDAC para as Administrações dos Portos de Setúbal e de Sines no montante de 729 000 contos.

O Sr. Deputado referiu, também, o facto de haver um superavit e perguntou se ele não deveria ser usado para uma melhor utilização das infra-estruturas, dos equipamentos e, inclusive, da redução da factura portuária.

De facto, o que acontece no caso que frisou é xjue, felizmente, que há esse superavit, porque é da sua aplicação que estão a resultar proveitos para compensar o declínio económico, uma vez que, neste momento, por razões de natureza conjuntural, há menos cargas e há uma certa crise em vários sectores.

Portanto, a actividade económica declinou, pelo que haverá necessidade de uma compensação, que é dada pela via financeira, porque se não os custos da operação portuária teriam de ser incrementados através do aumento de taxas ou por outra via qualquer.

Portanto, há aqui uma compensação que mantém o sistema em equilíbrio, pelo que julgo que é útil ter esse superavit, porque essa compensação permite manter o nível de funcionamento e de viabilidade que, neste momento, está a acontecer.

Gostaria, ainda, de dizer ao Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira que eu não disse — e talvez me tenha expressado mal ou o senhor tenha ouvido mal — que o terminal de Portimão era um elefante branco, mas, sim, que as razões que estiveram na origem do projecto não existem. Em todo o caso, e apesar disso, é necessário concluir esse projecto e dar-lhe uma utilidade, o que julgo ser pacífico.

Em relação à questão suscitada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, sobre a forma como se iria aplicar os 600 000 contos que estão inscritos no PIDDAC para apoio à renovação da frota, gostaria de dizer que essa aplicação é feita de acordo com critérios que têm de ser seguidos e que, basicamente, são os seguintes: os apoios são dados a navios com idade inferior a 10 anos, que se comprometem a manter sob bandeira portuguesa durante um período mínimo de cinco anos.

Portanto, este apoio, que é dado à modernização e renovação da frota, tem vindo a ter um grande sucesso, porque nos últimos anos o Govemo, ao encetar este programa, conseguiu, com um esforço de cerca de 1,5 milhões de contos, cativar com a bandeira portuguesa 19 navios, o que é extremamente importannte.

Por outro lado, o declínio dramático na nossa frota, que o Sr. Deputado referiu, não é assim tão dramático, pois se avaliar bem verá que, nos últimos anos, tem havido uma evolução em termos do número de navios sob bandeira portuguesa e hoje temos cerca de 70 navios nessas condições.

Portanto, não tem havido um declínio assim tão dramático, pois o número de navios sob bandeira portuguesa tem vindo a aumentar ligeiramente, passando de 68, para 70, 72, 74, o que dá uma média de aproximadamente 70 navios.

Por outro lado, a forma como esta política de apoios, em termos de PIDDAC, está a ser feita tem duas componentes fundamentais, sendo uma delas a de apoio aos navios sob registo convencional.

Assim, se reparar, há alguns navios que não podem saúdo registo português porque andam a fazer o tráfego entre ilhas e são obrigatoriamente navios de bandeira portuguesa, pelo que o único apoio de que podem beneficiar é, através do PIDDAC, destinado à sua renovação e modernização.

Uma outra componente do apoio destina-se a navios que andam no longo curso e que têm de competir internacionalmente, os quais têm a possibilidade de dispor de condições de capacidade competitiva, através do Registo Internacional de Navios da Madeira, que lhes dá as mesmas condições ou condições muito análogas àquelas que têm os registos abertos internacionais mais flexíveis.

Portanto, com esta atitude, o Governo está a ter uma boa política de marinha mercante, na medida em que, para os navios que estão registados no registo convencional, há apoios para a renovação da frota que se cifram em 150 000 contos de plafond para cinco anos, o que equivale a cerca de 30 000 contos por ano. Ora, isto é um valor extremamente interessante para compensação dos custos de tripulação, que são os únicos que não são homogéneos no mercado internacional. Com esta possibilidade, quer a nível do registo convencional, quer a nível do registo de mar, estão criadas boas condições, e condições básicas, para a expansão da nossa frota mercante.

Quanto à liberalização da cabotagem, que também aqui

foi referida, a presidência portuguesa está a tratar desse dossier, de forma a evitar que, a partir de 1993, haja uma liberalização total, como está previsto com a aplicação do Acto Único Europeu, propondo nós a existência de um modelo intermédio que consista na existência de derrogações até 1999. Tal modelo deverá permitir algum ajustamento das condições da capacidade competitiva das frotas e, a partir de 1999, a possibilidade da existência de um regime especial de ligação entre o continente e as ilhas, e interilhas. Esse regime especial deverá consubstanciar-se

Página 209

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(209)

num conjunto de requisitos de serviço público que obriguem a regularidade e a frequência nos portos a servir, a capacidade e o controlo de fretes, de forma a acautelar que, nos tráfegos insulares, as ilhas sejam todas abastecidas com qualidade, com regularidade e com eficácia.

Temos contactado com vários outros países europeus e há uma convergência neste momento, no sentido de vir, eventualmente, a concluir-se um dossier com este tipo de características, o que, no nosso caso, é extremamente interessante porque, nos Açores, temos nove ilhas e apenas duas têm atractividade económica, as outras não têm, pelo que, se houvesse uma liberalização total e desregulamentaria, quem é que faria o serviço nas outras ilhas mais pequenas. Ou o Estado tinha de estar disponível para dar compensações de serviço público ou tinha de estar disponível para criar uma empresa pública para fazer os feeder services — em qualquer dos casos, seria uma má solução, em nosso entender.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Gostaria de registar o optimismo do Sr. Ministro, mas creio que V. Ex.! concordará que optimismo sem dinheiro não passará de uma declaração de boas intenções que, depois, dificilmente se concretizará em projectos e programas em relação às várias áreas em que o seu Ministério tem de intervir.

O que gostaria que tivesse sido respondido em concreto, é como é que se compagina a estratégia desse optimismo com quebras de verbas numa série de áreas, porque

0 Sr. Ministro referiu, em relação à aquacultura, que era necessário estimular mas com prudência — mas o Governo, nas GOP, não escreveu isso. Eu leio: «incentivar o desenvolvimento da aquacultura, designadamente, estimulando os investimentos neste domínio». Ora, como é que se pode estimular os investimentos se a contrapartida do Estado para esse investimento diminui mais do que estava previsto? Penso que a questão fundamenta] é esta: não basta termos declarações de intenções, que são boas, mas depois não se concretizam em face dos meios financeiros à disposição dos vários agentes que queiram fazer o esforço de investir.

Em relação ao porto de Peniche, o Sr. Ministro está de acordo comigo acerca da importância desse porto. Mas, no concreto, avança ou não avança? E como é que avança, quando avança, quando é que se cumprem as próprias expectativas criadas? O facto de a própria Direcção-Geral de Portos dizer que a segunda fase do porto dé Peniche iria ser inserida no PIDDAC deste ano, quer significar que isso vai avançar ou vai passar para o PIDDAC de 1993?

O Sr. Secretário de Estado acabou por não me responder à questão da ria de Alvor, sobre o problema do programa de aproveitamento e valorização da ria de Alvor, que está em curso e que abrange uma verba global de cerca de

1 800 000 contos. Tal verba destina-se a quê? À fixação das comunidades piscatórias ou à valorização turística da zona? É esta resposta que queria, e não outra.

Por último, Sr. Presidente, há uma questão que o Sr. Ministro ficou de ver, na última reunião do debate na generalidade, porventura já terá agora alguma resposta, e que se refere às taxas devidas pela primeira venda do pescado, que é, como sabemos, um contencioso que se arrasta. Aliás, a proposta de orçamento altera e restringe as situações em que as autarquias têm acesso a essa taxa, mas, independentemente das considerações de valor sobre

a nova formulação que está agora na proposta de orçamento, existe um contencioso que vem de trás e que precisa de ser resolvido.

O Sr. Ministro tinha ficado de ver e de se esclarecer porque, segundo nos disse, não conhecia bem o problema, pelo que gostaríamos de saber se pensa orçamentar verbas que permitam pagar às autarquias as dívidas que estão pendentes de anos anteriores pelo não cumprimento desta disposição legal.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, informo que já está presente no palácio o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, pelo que solicito brevidade nas intervenções que ainda se vão seguir.

Tem a palavra a Sr.* Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.1 Leonor Coutinho (PS): — Queria apenas aproveitar esta oportunidade para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro.

Em 1986, o Governo criou o Instituto de Portos e Costas Marítimas, cujo objectivo era o de coordenar e apoiar a política portuária portuguesa, prevendo seis meses para definir o estatuto deste Instituto. Em resposta à pergunta que fiz ao Governo no ano passado, esse Instituto não teria sido criado, uma vez que teria havido mudança de titular do Governo e, portanto, não existiria nenhum planeamento da política portuária. Foi esta a resposta que me foi dada por escrito.

Gostaria de perguntar ao novo Ministro quando é que pensa deferir o estatuto e criar este Instituto, ou se pensa revogar o decreto-lei preexistente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): —Sr. Presidente, pretendia registar, e até aplaudir, algo da intervenção do Sr. Ministro.

Primeiro aplauso, quando fala da questão da participação das autarquias na problemática portuária. Penso que é extremamente importante.

Segundo aplauso, quando diz não ao fecho da Golada até que esteja pronto, e caso aponte nesse sentido, o estudo de impacte ambiental — aplausos plenos! Penso que, por parte do concelho de Almada, do distrito de Setúbal, da Area Metropolitana de Lisboa, estamos todos de acordo e julgo que é importante registar isto.

Mas no PIDDAC estão inscritas verbas para a dragagem do canal de acesso! Com certeza que, se estão as verbas, é para serem executadas. Então, a minha dúvida é esta: para onde vão as areias?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): — Sr. Presidente, unicamente para salvaguarda futura da minha integridade física numa deslocação ao Algarve, gostaria de salientar aqui que as respostas do Governo relativamente a problemas de dragagem, no que à ria Formosa se refere, me parecem tão insuficientes como o orçamento. Espero que não levem isto para além de defesa pessoal, em função dos antecedentes do porto de Portimão.

Relativamente às intenções do Sr. Ministro, no que se

refere à participação das autarquias e demais agentes eco-

nómicos, quanto à vida das administrações portuárias.

Página 210

244-(210)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

gostaria de me associar à manifestação de regozijofdo Sr. Deputado José Manuel Maia. Mas lembraria também ao Sr. Ministro que as intenções das administrações:por-tuárias podem não ser concordantes com as suas afirmações e que o excessivo intervalamento das reuniõesrdos conselhos consultivos das administrações portuárias (que, ao fim e ao cabo, são as sedes institucionais próprias.para essas manifestações, de acordo com as leis em vigor) jião ajudará muito a levar por diante essa intenção. Julgo que essas reuniões dos conselhos consultivos e das suas comissões especializadas deveriam ter lugar mais amiudadas vezes.

Finalmente, quanto ao problema das taxas portuárias, convidava o Sr. Ministro a ponderar algum confusionismo que as entidades públicas têm lançado sobre essa matéria, que decorre da existência de taxas muito diferentes nos diversos portos nacionais, dado que este orçamento evidencia claramente que há excessos em Sines e em Leixões, excessos esses que decorrem da cobrança de taxas que oneram excessivamente, em geral, as mercadorias, oferecendo autênticos bónus ao armamento.

Se o Sr. Ministro quiser estudar com mais cuidado a situação, acaba por verificar que as taxas que incidem sobre um navio que traga contentores para o porto de Lisboa, de uma forma geral, em termos de taxas incidentes meramente sobre as mercadorias, tem uma repartição da ordem dos dois terços de pagamentos a administrações portuárias e um terço de pagamentos a outros agentes económicos. Isto indicia que há um problema de taxas portuárias, por parte das administrações, sobretudo nas áreas de maior equipamento, que é significativo e que merece ser encarado.

O Sr. Presidente: — Para responder às questões colocadas, tem a palavra o Sr. Ministro do Mar.

O Sr. Ministro do Mar: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou procurar ser muito breve.

Insisto no meu optimismo e insisto no princípio de que uma boa política não tem de ter, necessariamente, muito dinheiro e que, por vezes, muito dinheiro dá origem a más políticas — é um ponto de vista discordante do Sr. Deputado.

Quanto a Peniche, o que posso dizer ao Sr. Deputado é que vão decorrer os estudos para apreciação da segunda fase; se esses estudos conduzirem ao interesse e à rentabilidade, e ao interesse numa filosofia de uma rede portuária e de actividades de pesca adequadas, certamente que o Estado tentará providenciar verbas segundo um conjunto de prioridades para que a segunda fase do porto de Peniche possa ser concretizada. Mas, primeiro, temos de apreciar cuidadosamente o próprio projecto, a sua rentabilidade e consensualizar os interesses que ali estão.

Sobre as taxas devidas peias primeiras vendas, já estou mais esclarecido desde a última vez que falámos sobre esta matéria. Há, de facto, um contencioso, mas quando chegar a uma decisão final e executória, naturalmente terei de inscrever as verbas — se, porventura, tiver de ser paga essa verba — para cumprir essa decisão.

A Sr.4 Deputada Leonor Coutinho referiu, e muito bem, a criação do Instituto de Portos e Costas Marítimas e, também, que não teve depois sequência, suponho que por um conjunto de dificuldades relacionadas com as próprias regras que regem a existência de institutos quanto a receitas próprias, etc.

O que quero dizer-lhe é que partilho, em termos gerais, da filosofia que inspirava a criação deste instituto, isto é,

é preciso um organismo do Estado que apoie o Governo no estabelecimento de uma política portuária.

Por conseguinte, com esta designação, com as designações já existentes ou com outras, nao terei dúvida nenhuma em pôr em prática uma organização com funções de apoio ao Governo, de estudo genérico e de regulamentação genérica da actividade portuária.

É, de facto, uma falha existente na administração pública portuguesa.

Agradeço ao Sr. Deputado José Manuel Maia os aplausos, penso — sem modéstia — que são merecidos.

Perguntou-me para onde vão as areias. Pois bem, Sr. Deputado, se o estudo de impacte ambiental chegar à conclusão de que o fecho da Golada é do interesse geral, vão para o fecho da Golada; mas se o estudo de impacte ambiental chegar à conclusão de que não pode ser feito o fecho da Golada, vão ser deitadas ao mar, que é o destino que normalmente têm as areias das dragagens dos canais de acesso a Lisboa. E isto já vem do passado.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — A dragagem só começará depois do estudo?

O Orador: — Certamente que se começar antes — e não havendo o estudo — terão que, entretanto, ir deitando as areias ao mar, ou ficam com elas, o que é praticamente impossível.

Gostaria de sossegar o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira, quanto à questão das administrações portuárias não cumprirem as intenções do Govemo. Naturalmente terão de as cumprir, sob pena de terem de ser substituídas. Mas uma coisa é certa: terão de cumprir a política e as orientações do Govemo, sem prejuízo, é claro, do respeito pela autonomia que a lei lhes confere, mas terão de cumprir as orientações do Governo que serão — e isso garanto-lhe, Sr. Deputado — apertadas.

Quanto às taxas e ao confusionismo, há, de facto, um problema de taxas. É que é estranho que no porto de Leixões as taxas conheçam, por vezes, para os mesmos produtos, valores que não tenho de cor, mas não erro muito se falar que são por vezes sete e oito vezes superiores aos praticados noutros portos. O Sr. Deputado fez um ar de alguma hesitação, mas garanto-lhe que é essa a diferença, por exemplo, em relação aos portos de Aveiro ou de Viana do Castelo.

O porto de Leixões exibe, como explicação, alguns argumentos que têm um certo peso, como o facto de não ser apoiado pelo Estado na sua actividade. Suponho, porém, que não é argumento suficiente e posso dizer-lhe que, nomeadamente em relação a Leixões, já estão a ser tomadas medidas para ser revista imediatamente a questão das taxas. Isto porque ou elas estão certas e a dos outros portos são um absurdo ou estas estão certas e aquelas são um absurdo. A curto prazo haverá medidas tomadas sobre essa matéria.

Penso que é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Pescas.

O Sr. Secretário de Estado das Pescas (Marçal Alves): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ser muito breve, pois pretendo apenas tranquilizar o Sr. Deputado Lino de Carvalho e dizer-lhe que, em relação a duas questões que suscitou, o optimismo do Sr. Ministro é bem

Página 211

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(211)

fundamentado e justificado. Essas duas questões são a aquacultura e a pesca artesanal.

Posso dizer-lhe, Sr. Deputado que, por exemplo, relativamente à aquacultura verificamos que, sendo uma actividade praticamente inexistente em Portugal antes da nossa adesão à Comunidade Europeia, o investimento neste sector ascendeu a 9 milhões de contos no período de 1986 a 1991, os apoios da Comunidade e do Estado Português ascendem a 65 % relativamente ao investimento e as verbas consignadas no PIDDAC apoios não são mais do que uma estimativa do que pensamos poder vir a ser a execução material, em 1992, de projectos aprovados em anos anteriores.

Porém, Sr. Deputado, como já devidamente esclarecemos na Comissão de Agricultura e Mar, o PIDDAC apoios tem a flexibilidade bastante para que o Governo possa dispor dos meios financeiros suficientes para pagar tudo o que vier a ser efectivamente executado no plano da aquacultura. A aquacultura é de facto uma actividade importante, os apoios existem, são altamente convidativos, a própria política de pescas comunitária aponta claramente, também, numa expansão da aquacultura e Portugal está apostado nesse caminho — assim nós tenhamos iniciativas empresariais que correspondam às intenções do Governo.

Em segundo lugar, a pesca artesanal, Sr. Deputado — e isto são os números —, em 1990, foi apoiada com 190 000 contos; em 1991, temos 100000 contos no PIDDAC apoios, que virá gerar, pelo menos, cerca de 250 000 contos de apoio da Comunidade. Contrariamente ao que afirmou, o plano zonal para a pequena pesca já foi aprovado pela Comunidade para os anos de 1991 e 1992, o que significa que, em 1992, teremos 100 000 contos do PIDDAC apoios, isto é, de ajudas nacionais para esta área, a nossa previsão de apoios comunitários é de 250 000 contos, mais 79 000 contos que estão no PIDDAC tradicional. Ora, isto dá 429 000 contos de apoio contra 190 000 em 1990, o que significa um aumento muito substancial, de mais do dobro ou de praticamente o dobro do apoio que foi dado em 1991.

Portanto, aqui estão, Srs. Deputados os números que traduzem, com toda a clareza e realismo o optimismo do Sr. Ministro.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Secretário de Estado, antes de terminar, permita-me que lhe coloque uma questão.

O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Secretário de Estado, queria apenas perguntar-lhe se esses apoios do programa de pequena pesca são para abates, para modernização, para recuperação ou para quê.

O Orador: — Sr. Deputado, já na Comissão de Agricultura e Mar esclarecemos que os apoios comunitários serão direccionados para os investimentos de maior valor, pois o próprio regulamento comunitário sujeita a um plafond mínimo, a uma fasquia mínima, os investimentos ilegíveis para apoio comunitário, o que significa que todos os investimentos que puderem ser canalizados para apoios comunitários sê-lo-ão; aqueles que ficarem abaixo da fasquia mínima apontada no regulamento comunitário serão aqueles que, naturalmente, teremos como prioridade na verba de 80 000 contos consignada no PIDDAC tradicional.

OrSr. Presidente: — Muito obrigado Srs. Ministro do MarJi Secretário de Estado das Pescas, Presidentes das Comissões de Equipamento Social e de Agricultura e Pescas. Dou por terminada esta audição.

Em relação aos Srs. Deputados da Comissão de Economia, Finanças e Plano, prosseguiremos com a audição do Sr. Ministro do Comércio e Turismo, pelo que suspendo a reunião por cinco minutos.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados, vamos dar início à última audição antes da audição do Ministério das Finanças que, como sabem, é a terminal.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Temos connosco o Sr. Ministro do Comércio e Turismo e a sua equipa e vamos proceder à discussão e apreciação, na especialidade, do orçamento deste Ministério.

Esta reunião é pública e é gravada, vamos, pois, fazê--la segundo a metodologia habitual, isto é, o Sr. Ministro fará uma pequena intervenção inicial à qual se seguirão as questões que os Srs. Deputados entenderem dever colocar e que considerem pertinentes. No final, o Sr. Ministro do Comércio e Turismo responderá, ele ou a sua equipa, como muito bem entender.

Atrevia-me, uma vez que estamos num âmbito mais restrito, no âmbito da Comissão de Economia, Finanças e Plano, a solicitar-vos alguma capacidade de síntese — que, aliás, todos os Srs. Deputados possuem —, até porque estamos todos muito cansados, nomeadamente os Srs. Deputados desta Comissão que têm estado presentes em todas as reuniões. Hoje, já é a quinta audição que fazemos e, no conjunto de audições que fizemos ao longo destes quatro dias úteis de trabalho, já é a 17.' Portanto, perceberão o sentido deste meu apelo.

É óbvio que também sei que é importante deixar registado aquilo que são as opções de cada grupo parlamentar nas políticas sectoriais e, portanto, temos de ter em conta essa exigência e esse objectivo; aliás, como o Governo, naturalmente, também terá de formular e deixar registadas as suas perspectivas sectoriais.

Posto isto, e estando crentes de que todos me entenderam, dou a palavra ao Sr. Ministro do Comércio e Turismo para a tal intervenção introdutória.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo (Faria de Oliveira): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de apresentar as minhas desculpas pelo facto de a Sr.' Secretária de Estado do Comércio Interno não poder estar presente, mas razões de saúde impedem-na de facto de poder participar neste debate.

Tentarei ser extremamente sintético nesta intervenção inicial, relembrando apenas alguns dos pontos essenciais que já tive oportunidade de referir na discussão na generalidade.

Em termos de economia real, os grandes desafios que enfrentamos no futuro próximo têm a ver fundamentalmente com três áreas: o fortalecimento do tecido empresarial, através da sua modernização e do up grading, quer pela via do aumento da dimensão, pela obtenção da massa crítica constituindo empresas e grupos empresariais de dimensão europeia, empresas e grupos capazes de conquistar partes significativas de mercaâo de modo progressivo, quer através da criação de um tecido empresarial

Página 212

244-(212)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

interligado de pequenas e médias empresas na base de processos de subcontratação e especialização.

A segunda das prioridades tem a ver com a necessidade de um salto qualitativo e de afirmação do produto português, melhorando a qualidade, a capacidade de inovação, o desenvolvimento dos factores complexos de competitividade e criando e promovendo marcas nacionais.

Finalmente, a terceira prioridade tem a ver com a internacionalização das empresas portuguesas, designadamente no que respeita ao investimento português no estrangeiro, tanto na esfera produtiva como, muito cm particular, nas áreas da distribuição e comercial.

Estes aspectos têm muito a ver com a actuação do Ministério do Comércio e do Turismo.

Na área comercial não podemos deixar de tomar em consideração que se está a assistir a uma verdadeira revolução comercial, de algum modo semelhante ao que há décadas se passou com a Revolução Industrial, assistindo--se a uma nova atitude em que são as empresas de distribuição, designadamente no sector dos bens de consumo, que através da concepção de produtos e da criação de marcas acabam por ser os verdadeiros motores da economia ao subcontratarem, depois, à área produtiva a fabricação dos produtos que concebem e colocam junto do consumidor final.

O Ministério do Comércio e Turismo é particularmente responsável pela área da promoção, tanto da imagem genérica do País como do comércio e, em particular, das exportações e ainda da promoção do investimento directo estrangeiro que interessa ao nosso país, da promoção do investimento português no estrangeiro e pela promoção da actividade do turismo.

Ao mesmo tempo, também, temos a responsabilidade de criar o quadro legal mais favorável ao exercício da actividade comercial no País, designadamente no que diz respeito ao fortalecimento da concorrência, à criação de uma maior transparência e lealdade nas trocas, a assegurar um sistema e circuitos de distribuição eficazes, à criação de canais cada vez mais inovadores que possam assegurar o abastecimento do consumidor nas melhores condições — de preço e de qualidade — e, simultaneamente, de ser também capaz de escoar a produção nacional e, como referi há pouco, através de modalidades mais sofisticadas de distribuição ser elemento motor da economia.

Na área do comércio externo, a nossa principal prioridade vai para a alteração progressiva do perfil da nossa oferta e para uma nova dinâmica de fomento das exportações portuguesas.

Na área do turismo, temos em curso uma política diferente para o sector baseada nas vertentes, qualidade, diversificação, profissionalismo e progressão agressiva, no sentido de, a um prazo de 10 a 20 anos, sermos capazes de haver em Portugal uma oferta turística da alta gama da qualidade e, ao mesmo tempo, também, mudando um pouco o perfil dos turistas que nos visitam.

O Orçamento do Estado procura, nas suas grandes linhas, uma consonância com estas prioridades. O orçamento do Ministério para 1992 soma, aproximadamente, 55,1 milhões de contos, o que corresponde a mais 9 % do que o orçamento de 1991 e cerca de 1,4 % do orçamento por grandes funções.

A repartição das rubricas é mais ou menos a seguinte: membros do Governo, 726 200 contos, dos quais 280 500 contos são verbas do PIDDAC destinadas, principalmente, a acções de promoção relacionadas com a imagem do País;

a Direcção-Geral do Comércio Externo absorve 631 000 contos; a Direcção-Geral do Comércio Interno 330 000 contos; a Direcção-Geral da Concorrência e Preços 485 500 contos; a Direcção-Geral da Inspecção Económica 1,738 milhões de contos, e a Direcção-Geral do Turismo 929 700 contos.

Grosso modo, as direcções gerais da área do comércio interno têm aumentos da ordem dos 18 % a 19 %, que se destinam a melhorar a eficácia da sua actividade, designadamente através da modernização dos serviços e através de uma reestruturação muito ampla, que está em curso, da Direcção-Geral de Inspecção Económica.

No que diz respeito à Secretaria-Geral, o aumento é de 14 % em relação ao ano anterior, para uma verba de 376 500 contos, enquanto que para os outros serviços do Ministério, designadamente para a comissão de aplicação de coimas em matéria económica, é de 46 600 contos e para o Gabinete de Assuntos Comunitários de 20000 contos.

Em relação aos institutos e serviços autónomos, o ICEP tem um aumento de cerca de 11 % — o orçamento de funcionamento do ICEP é de 7249 milhões de contos; o IPT terá um orçamento de 3 732 500 contos; o Instituto Nacional de Formação Turística, de 1,770 milhões de contos, a que acrescem mais algumas verbas para um total de 2 624 100 contos; o Fundo de Turismo terá 36,300 milhões de contos, e a Inspecção Geral de Jogos tem um orçamento previsto de 1 446 200 contos. Tudo somado, encontramos os tais 55,1 milhões de contos.

A maior parte deste orçamento destina-se a cobrir despesas de funcionamento. Para a área promocional prevemos gastar em 1992 5,7 milhões de contos, contra 4,6 milhões de contos em 1991, o que corresponde a um aumento superior a 20 %, e que se distribuem do seguinte modo: para promoção das exportações 2,128 milhões de contos, para a campanha de imagem 346 000 contos, para promoção do investimento estrangeiro 153 000 contos, para apoio à internacionalização das empresas 407 000 contos e para a promoção do turismo teremos 2 640 000 contos. Esta verba tem as seguintes origens: 1,517 milhões de contos do PIDDAC, 900 000 contos do Fundo de Turismo e 223 400 contos do FEDER. De notar que o Fundo do Turismo financiará ainda, por conta do seu orçamento corrente, acções de promoção e outras no montante de 1 400 000 contos, sendo 400 000 contos para campanha de promoção do turismo interno.

Admite-se, ainda, de acordo com algumas conversações em curso, que as verbas promocionais possam vir a ser reforçadas, designadamente através de acções patrocinadas ou comparticipadas por instituições públicas e privadas como aconteceu no passado recente. Por outro lado, não podemos esquecer que a promoção do turismo tem outros agentes, designadamente as regiões de turismo e os operadores turísticos, que também têm um papel muito significativo no desenvolvimento das acções no lado da procura e que, obviamente, não são contempladas no Orçamento do Estado.

Em linhas gerais, creio que apresentei os dados essenciais, e, juntamente com os Srs. Secretários de Estado, ficarei à vossa disposição para todos os esclarecimentos que entendam necessários.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

Página 213

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(213)

0 Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Ministro, a questão que quero colocar-lhe refere-se ao co-financia-mento nacional relativamente a projectos na área do turismo respeitantes à Região Autónoma da Madeira que, de harmonia com a legislação vigente, designadamente com o Orçamento do Estado do ano passado — e está de novo consignado na proposta de lei do Orçamento para 1992 —, é suportado pelo Orçamento do Estado ou pelos fundos e serviços autónomos, designadamente no caso do SIFIT pelo Fundo de Turismo.

Acontece que há alguns projectos — creio eu — que se situam entre 1987 e 1989, nesta área da Região Autónoma da Madeira, que foram aprovados pelos serviços nacionais competentes, pelas instâncias comunitárias, que já estão executados, e os respectivos empresários investidores não receberam nem a comparticipação comunitária nem a comparticipação nacional.

A Secretaria de Estado do Planeamento e do Desenvolvimento Regional, que diz dispor da verba comunitária, não a transfere para a Região, e esta não a entrega aos investidores porquanto a parte nacional não foi transferida, neste caso, pelo Fundo de Turismo. A informação do Fundo de Turismo é a de que não terá sido oportunamente dotado dos meios financeiros próprios, designadamente por não haver na altura legislação expressa no sentido de que o Fundo de Turismo deveria custear essa parte nacional nestes projectos.

Na minha perspectiva, e em termos de unidade nacional, penso que para se excluir essa aplicação era necessário que se encontrasse legislação que excluísse a Região Autónoma da Madeira dessa participação. Mas, na verdade, pelo menos legislação posterior tornou expressa essa comparticipação nacional por via desses fundos.

Sr. Ministro, atendendo que, neste momento, é insustentável manter esta situação face aos empresários que viram lograda esta posição e que, designadamente, pretendem intervir junto das instâncias comuitárias, desejava saber se se confirma que, efectivamente, o Fundo de Turismo não foi dotado na altura própria de meios para isto.

Em segundo lugar, tendo esta situação já sido veiculada para a Secretaria de Estado e para o Fundo de Turismo— e estando lá pendente —, desejava saber se, neste Orçamento do Estado, o Fundo de Turismo está dotado de verbas necessárias para cobrir esta parte, que se aproxima dos 500000 contos, precisamente 440 500 contos, e que são indispensáveis para ser recebida a comparticipação comunitária que está, como digo, à disposição da Secretaria de Estado do Planeamento e do Desenvolvimento Regional.

Era esta a questão que lhe colocava para que, em sede deste orçamento, se resolva definitivamente esta pendência desagradável, que tem de ser esclarecida e equacionada a nível nacional, já que nos parece serem estes o momento e o lugar próprios para o efeito.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP). — Sr. Presidente, Sr. Ministro, só pretendia colocar uma única questão, já que me parece ser a altura oportuna de arrumar esta matéria em sede de orçamento, e que tem a ver com o IVA turístico.

Como o Sr. Ministro sabe, existe nesta matéria uma pendência que se arrasta, designadamente com as regiões

de turismo, relativa à arrecadação da receita do IVA turístico que está prevista na legislação.

Recentemente, no Algarve, penso que houve algum consenso entre o Governo e as regiões de turismo que estavam presentes — salvo erro, penso que foi no congresso de Vila Moura — no sentido de que o espírito do legislador é na perspectiva de as regiões de turismo arrecadarem o IVA bruto e não o IVA com as deduções, como tem vindo a acontecer e que acaba por acarretar sérios prejuízos.

A minha primeira questão consiste, pois, em saber se o Sr. Ministro confirma este entendimento, que terá sido adquirido, tanto quanto fui informado, no debate ocorrido no congresso de Vila Moura, onde a equipa ministerial esteve presente, e se, no caso de o confirmar, estará disponível para introduzir uma redacção clara no orçamento que esclareça esta questão de uma vez para sempre e que resolva esta pendência.

A segunda questão prende-se com o texto do próprio orçamento, que diz que os montantes a transferir para as câmaras municipais e para os órgãos de turismo nos termos da legislação não poderão ser inferiores aos que foram efectivamente pagos no ano de 1991. Esta redacção, tal como está, pode dar lugar a duas interpretações. Quando se diz que não são inferiores pode falar-se em termos nominais ou pode falar-se em termos efectivos, reais, contando já com a taxa de inflação.

Portanto, pensando que esta segunda leitura é a única aceitável e partindo do princípio que o Sr. Ministro está de acordo com ela, pergunto se o Governo e o PSD estão de acordo em alterar a redacção para que amanhã não restem dúvidas na aplicação deste preceito do orçamento.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): —Sr. Ministro, a minha pergunta relaciona-se com a compatibilização que o Sr. Ministro encontra entre a introdução que fez hoje aqui, e que também fez na Comissão de Economia, Finanças e Plano, e a medida que foi tomada recentemente, que consta de uma portaria assinada pela Sr.9 Secretária de Estado, que não se encontra aqui — e aproveito para desejár-lhe as melhoras —, respeitante ao regresso a um sistema de preços fixados em relação ao pão. Aliás, tem aspectos caricatos já que para além de, efectivamente, fixar preços novamente, é evidente que, ao abrigo de uma disposição que se mantém em vigor mas que julgávamos perfeitamente ultrapassada, vai mais longe e fixa mesmo os tipos de pão a poderem ser fabricados e limita a capacidade de decisão empresarial de uma forma completamente inaceitável.

Sr. Ministro, que significa isto? Significa que se retrocedeu completamente em matéria de definição de política de preços ou significa que se trata de uma medida puramente conjuntural e explicada, verdadeira e realmente?

O Sr. Presidente: — Por troca com a Sr.9 Deputada Helena Torres Marques, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Tenho duas questões a colocar-lhe, sendo a primeira ligada ao comércio externo.

Por ocasião da anterior reunião desta Comissão para o debate na generalidade do Orçamento do Estado, o

Página 214

244-(214)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Comércio Externo, Prof. António de Sousa, deu-nos um quadro respeitante a um conjunto de acções, obedecendo a uma deterrrrinda coerência, no tocante à promoção da imagem do produto português no estrangeiro e à diversificação dos mercados.

Assim, gostaria de saber se os meios que o Orçamento consagra serão os suficientes para que, em 1992, possa levar-se a efeito, de forma substantiva, o que aqui foi traçado em termos de programação, ou se vão obrigar a uma dilação de acções que, de facto, não poderão ser tão concentradas mas mais espalhadas no tempo, uma \ei que os meios serão menores do que aqueles com que poderia contar-se à partida.

A segunda questão prende-se com a matéria abordada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito no tocante ao comércio interno. j

Não será que esta necessidade de regressar a uma política de controlo de preços já afastada terá sido absolutamente determinada pelo receio — mais do que pelo receio, pela quase certeza — de que as medidas relativas ao IVA vão mesmo ter uma repercussão, não instantânea mas ao longo do tempo?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Serei muito breve e referir-me-ei a duas questões suscitadas pela sua intervenção, quando anunciou alguns objectivos que o Ministério pretende prosseguir. Aliás, julgo que os objectivos anunciados serão relativamente pacíficos, pelo que a questão que se põe é a de saber se, de facto, são passíveis de concretização com as políticas que estão a ser seguidas e com os meios que o Ministério tem à disposição.

Em primeiro lugar, todos estamos de acordo em que haja uma política activa no sentido de procurar que as empresas portuguesas consigam ganhos significativos de quotas de mercado em termos de exportação. Mas como é que o Sr. Ministro do Comércio e Turismo consegue avançar para a concretização deste objectivo se, simultaneamente, tem uma política cambial que inviabiliza qualquer ganho significativo de quota de mercado no que respeita à generalidade das empresas portuguesas?

Em segundo lugar, temos a questão do princípio e do objectivo de uma internacionalização das empresas portuguesas. Aliás, julgo que, quando referiu este ponto, o Sr. Ministro estaria a pensar, tal como eu próprio, numa internacionalização activa das empresas portuguesas e não passiva, o que daria lugar à assunção de partes ou da totalidade de capital por empresas estrangeiras.

A internacionalização activa das empresas portuguesas é um objectivo que nos parece pacífico e absolutamente correcto. Mas no contexto de uma estrutura empresarial como a portuguesa, com um grande peso das chamadas pequenas e médias empresas, como é que o Estado pode auxiliá-las na prossecução daquele objectivo — e só estou a referir-me ao aspecto de ajuda material —, apenas dispondo de uma verba da ordem de 400 000 contos?

O segundo grupo de questões tem a ver com o PIDDAC.

Em 1991, o PIDDAC do Ministério era da ordem de 1900 milhões de contos, mas o que me interessa é o PbODAC sectorial que era de 1,3 milhões de contos. Ora, no PIDDAC deste ano aparece-nos a concretização daquele no valor de 160 000 contos, isto é. 13 % do que tinha sido orçamentado. O que é que se passou, Sr. Ministro? Por que é que

não se concretizou o investimento do valor que tinha sido previsto?

Por fim, temos a questão permanente em termos do Ministério de Comércio e Turismo que é a do problema do Fundo de Turismo, principalmente numa perspectiva. Qual a concretização da aplicação dos fundos disponíveis e obtidos pelo Fundo de Turismo?

É que, olhando para o orçamento deste ano, verifica-se o que já vem sendo tradicional: é que há um saldo muito grande de gerência, que está na posse da Direcção-Geral do Tesouro, a qual vai utilizando os recursos disponíveis do Fundo de Turismo, ao que nada tenho a opor, em termos de gestão. A minha questão é a de saber se não há aplicações para estes fundos. Julgo que há e que o Fundo de Turismo tem objectivos a prosseguir que poderiam ser concretizados com muito mais rapidez se fosse feita uma aplicação atempada dos fundos disponíveis. Por outro lado — e está relacionado com o mesmo aspecto —, há o facto de dispor de uma verba substancial das receitas do Fundo de Turismo, que são os juros, precisamente por estarem a fazer-se aplicações financeiras em vez de outras aplicações que, do nosso ponto de vista, poderiam ser mais úteis e mais urgentes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.1 Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.! Helena Torres Marques (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: O aumento extraordinário do IVA para este ano tem vindo a provocar-nos a sensação de que a inflação — o principal obstáculo à entrada do escudo no mecanismo da taxa de câmbios do sistema monetário europeu — não poderá atingir, em 1992, valores próximos da taxa que o Govemo se tinha proposto. É claro que há sempre a hipótese de mudar o índice de preços e, então, num só dia, a inflação baixa de 11,4 % para 10,6 %. Mas essa não é a solução sustentada para a resolução do problema.

Aliás, já noutro dia falámos neste assunto, só que o Sr. Ministro se limitou a dar-nos uma resposta cheia de boas intenções. Disse que acha que não é assim e que o aumento do IVA não tem grandes reflexos sobre o índice de preços. No entanto, quanto mais se conhecem as tabelas do IVA mais se aprofunda a nossa convicção em contrário. É que há que ter em atenção que, embora o Govemo tenha anunciado a diminuição da taxa do IVA de 8 % para S %, esta só atinge um quarto dos produtos sujeitos ao imposto, enquanto, relativamente aos outros três quartos, a taxa do IVA aumenta de 8 % para 16 %. Ora, este aumento vai ter um impacte muito grande sobre a actividade industrial e o índice de preços, pelo que é importante saber como é que o Sr. Ministro do Comércio e Turismo responde a estas questões.

Assim, passo a concretizar alguns dos problemas que nos têm sido colocados acerca deste problema.

Tomemos o caso da restauração, em que o IVA passa de 8 % para 16 %. Trata-se de uma actividade exercida por pequenas empresas espalhadas por todo o País. Ora, um tão grande aumento nos impostos que impacte tem, quer sobre a sobrevivência destas empresas, quer sobre o índice de preços? Em contrapartida, e julgo que para compensar, o IVA sobre a hotelaria passou para 5 % no que diz respeito às dormidas, e para 16 % no que diz respeito à restauração, enquanto que para os parques de campismo a taxa é de 16 %.

Página 215

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(215)

Ora, o Sr. Ministro há-de concordar que nada disto tem lógica à luz de uma política de turismo. Diria que é mais uma política de compensações — dou um bocadinho por um lado e tiro por outro — do que uma lógica coerente relativamente ao comportamento da actividade turística. Repare: 16 % de IVA para os parques de campismo e de 5 % para a hotelaria, independentemente de serem hotéis de luxo ou pensões, enquanto o restaurante, seja de um seja de outra, paga 16 %. É que nada disto tem lógica nem constitui prática usual nos outros países.

Finalmente, há vários anos que, sucessivamente, o Governo vem prometendo avançar com a construção da pousada de São Francisco, em Beja, mas, mesmo assim, ainda não está prevista no orçamento para 1992. Assim, gostaria de saber o que pensa o Governo fazer sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Castro Almeida.

O Sr. Manuel Castro Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, de acordo com os números fornecidos pelo Ministério das Finanças, a taxa média efectiva do IVA em Portugal, com as alterações que são propostas, passa de 10,2 % — salvo erro — para 12,6%. Portanto, é pressuposto que haja um agravamento médio dos preços decorrente da alteração das taxas do IVA da ordem de um pouco mais de 2 %.

Todos ouvimos notícias recentes segundo as quais, à custa da projectada alteração das taxas do IVA, se gerou nalguns sectores e nalgumas áreas do País tentativas de subida de preços exorbitantes face a um crescimento das taxas do IVA, que, aliás, ainda não está em vigor. A confirmar-se e a generalizar-se este procedimento, tal poderia pôr em risco as boas regras da economia bem como o objectivo de inflação que o Governo projecta para este ano. Penso que uma das formas de controlar esta febre que se indiciou seria através de um reforço de actuações por parte dos serviços de fiscalização do Ministério do Comércio e Turismo.

Assim, gostaria de saber se, a curto prazo, o Ministério projecta alguma intensificação de medidas no sentido de evitar esta especulação que tendeu a surgir.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Nogueira de Brito, como me pareceu que queria interromper o Sr. Deputado Manuel Castro Almeida, pergunto-lhe se quer usar da palavra para deixar registado algum comentário.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Já não quero, Sr. Presidente. No entanto, aproveito para fazer dois agradecimentos muito importantes ao Sr. Deputado Manuel Castro Almeida

Em primeiro lugar, agradeço-lhe ter reconhecido que o aumento médio das taxas do IVA poderia repercutir-se nos preços, facto que o Governo tem muita dificuldade em aceitar.

Em segundo lugar, agradeço-lhe ter aceite a ideia de que o melhor combate contra repercussões abusivas nos preços não é, porventura, este tabelamento de preços a que se recorreu.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Castro Almeida.

O Sr. Manuel Castro Almeida (PSD): —Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito: Na minha intervenção nada

disse a mais do que o que tenho vindo a dizer em ocasiões anteriores, nem do que o PSD ou o Governo têm vindo a afirmar. Aliás, o número que referi está escrito nocrelatório com que o Governo fez acompanhar o Orçamento, sendo público e reconhecido desde o princípio. Posso tê-lo dito utilizando uma outra linguagem mas nada do que afirmei é novo relativamente ao discurso do PSD ou do Governo nesta matéria. i

(X Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

(

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: — Sr. Presidente, proponho que, antes de usar da palavra, os Srs. Secretários de Estado pudessem responder a algumas das questões colocadas, que depois eu complementaria.

Neste sentido, peço ao Sr. Secretário de Estado do Turismo que responda às questões relacionadas com esse sectdr.

O Sr. Secretário de Estado do Turismo (Alexandre Relvas): — Começo por responder à questão colocada pela Sr.! Deputada Helena Torres Marques, que diz respeito à pousada de São Francisco, em Beja.

Sr.! Deputada, a pousada de São Francisco, em Beja, é um empreendimento a ser realizado pela INATUR com verbas do PRODIATEC. Não se trata, portanto, de verbas que estejam previstas no orçamento do Ministério do Comércio e Turismo mas, sim, no orçamento do Ministério do Planeamento e da Administração do Território. De qualquer forma, para um melhor esclarecimento sobre a pousada de São Francisco, devo dizer que os projectos estão todos aprovados e devem iniciar-se ainda durante o 1.° semestre.

Sobre o Fundo de Turismo, quero, em primeiro lugar, esclarecer que neste momento os saldos do Fundo não são aplicados pela Direcção-Geral do Tesouro, mas geridos e aplicados pelo próprio Fundo de Turismo nas instituições bancárias que entender, conforme as taxas de bonificação apresentadas, ou seja, em termos de concorrência de mercado.

Neste momento, o Fundo de Turismo tem saldos aplicados, pois, como sabe, é depositário das verbas do jogo, o que obriga a um escalonamento temporal na aplicação dessas verbas por parte das câmaras municipais que venham a executar obras de interesse para o turismo.

Deve ter reparado que no orçamento do Fundo de Turismo existe um total de despesas de capital previstas correspondente a essas aplicações, entre os 13 e os 14 milhões de contos, que se encontram inscritas nas rubricas «Construções diversas» e «Aquisição de bens de capital», que fazem parte da rubrica «Administrações públicas e serviços autónomos».

Por outro lado, o Fundo de Turismo tem saldos de gerência acumulados e previstos da ordem dos 13,4 milhões de contos, que se encontram inscritos na rubrica «Outras receitas de capital» e que permitem, no futuro, fazer face a essas responsabilidades. O Fundo de Turismo tem, além destas, responsabilidades correntes relativas ao SIFIT, de compromissos já assumidos, e, neste momento, ainda relativas ao SIIT.

Portanto, este saldo tem a ver com uma programação temporal feita pelo Fundo de Turismo relativamente às aplicações futuras que terá de executar.

Em termos da sua actividade directa, o que posso di-zer-íhe é que os valores previstos para o prdximo ano,

Página 216

244-(216)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

quanto ao crédito concedido pelo Fundo de Turismo, são da ordem dos 10 milhões de contos, que poderão não ser utilizados na sua totalidade, e quanto à sua participação no pagamento da componente nacional do sistema de incentivos, quer do SlhlT, quer do sistema de incentivos que vier a ser criado e que são da sua responsabilidade, os valores rondarão os 3 milhões de contos.

Quanto ao IVA turístico, houve duas preocupações fundamentais no estabelecimento da redacção prevista. No entanto, em relação a este ponto gostaria de complementar a sua afirmação referindo que, como o estabelecido na proposta de lei do Orçamento do Estado, se irá aplicar o Decreto-Lei n.° 35/87, de 21 de Janeiro, com a alteração introduzida no n.9 1 do artigo 32.9 da Lei n.9 105/90, não podendo as verbas serem inferiores ao que foram efectivamente pagas no ano de 1991.

Como dizia, a primeira preocupação, relativamente a esta clausula do Orçamento, é a de esclarecer, em definitivo, a questão polémica do IVA bruto e do IVA líquido. O entendimento do Governo foi sempre o de as verbas serem pagas com base no IVA líquido e o de as transferências serem feitas com base no IVA ü'quido. Nem faria sentido ser de outra forma, porque isso implicaria a possibilidade de haver transferências de verbas superiores às que fossem realmente arrecadadas pelo Governo, em sede de IVA turístico.

A segunda preocupação foi a desestabilidade de receitas das regiões. Nesse sentido, fica previsto que o montante recebido pelas regiões não é, pelo menos, inferior ao arrecadado em 1991, em termos nominais. É este o entendimento. E, portanto, uma segurança prestada às regiões de turismo, porque o que o diploma diz e o entendimento que se tem é o de que as regiões vão receber 90 % do IVA líquido, ficando, deste modo, com a segurança de haver uma estabilidade de receitas em relação ao ano precedente.

Quanto à Região Autónoma da Madeira, o problema está actualmente resolvido. Em relação à situação passada, como deve saber, há contactos entre as Secretarias de Estado do Turismo, do Orçamento e do Planeamento e o Governo Regional e é um problema que, penso, se irá resolver a curto prazo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: — Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou complementar algumas das respostas dadas pelo Sr. Secretário de Estado, começando pelo grau de concretização do PIDDAC no sector do turismo.

O Sr. Deputado Octávio Teixeira falou num baixo coeficiente de utilização. Diria que a utilização foi quase, senão mesmo, total no que diz respeito à aplicação das verbas para a promoção do turismo. Em compensação, quanto às escolas de hotelaria, houve uma redução substancial das despesas previstas, na medida em que entendi dever suspender a execução do projecto relacionado com a escola de hotelaria do Algarve por considerar que era, chamemos-lhe assim, demasiadamente ambicioso para as necessidades reais. O valor previsto para a realização dessa escola de hotelaria era superior a 4 milhões de contos, o que, do meu ponto de vista, não se justifica, pois é possível concretizar a obra com um montante substancialmente inferior, conseguindo-se, rigorosamente, o mesmo objectivo final contemplado neste projecto.

Mandei, pois, reformular o projecto, que neste momento está em fase de estudo e de análise por um valor significativamente inferior, o que permitirá canalizar verbas

para outro tipo de despesas, que são também essenciais e indispensáveis realizar, e eventualmente, até, para outros sectores de.actividade, visto o orçamento ter sempre de ser olhado no seu aspecto global e não sectorialmente.

Quanto ao IVA bruto e ao IVA líquido no turismo, começo por referir que não tem significado falar-se em IVA bruto. Houve, no passado, efectivamente, uma tendência para se designar por IVA bruto uma determinada realidade que não tem sentido, que não existe. E a nossa preocupação ao estabelecer os termos em que é apresentada esta proposta de lei foi a de assegurar que as regiões de turismo arrecadassem, pelo menos, receitas idênticas às que tiveram em 1991. Porém, tudo indica que irão receber muito mais, na medida em que o elemento restauração tem uma enorme influência no sector, para o qual contribui positivamente o facto de o IVA sobre a restauração ter aumentado e de, em compensação, o IVA da hotelaria ter diminuído, pois também é um elemento que corre a favor da arrecadação do IVA líquido por parte das regiões de turismo. Isto também tem a ver com a questão levantada pela Sr.1 Deputada Helena Torres Marques.

A nossa preocupação na harmonização foi a de tomar em consideração os valores praticados, designadamente pelos nossos principais concorrentes, em matéria de oferta turística, e em particular por aquele que mais se nos aproxima, que, de alguma maneira, é mais concorrente, como o caso da Espanha.

Em Espanha, o IVA para os serviços de alojamento hoteleiro é de 6 %, sendo de 13 % para os estabelecimentos de luxo, e em relação à restauração, embora não tenha trazido comigo a cópia do documento, quase poderia assegurar que é de 18 %, mas, de facto, não tenho a certeza; em França, o valor do IVA para o alojamento hoteleiro é de 5,5 %, sendo de 18,6 % para os estabelecimentos de luxo; na Alemanha, é de 14 %; em Itália, é de 19 %; na Holanda, é de 6,5 %; na Bélgica, é de 6 %.

Estes são elementos significativos, e procuramos mesmo uma harmonização, quer no IVA sobre o alojamento hoteleiro, quer sobre a restauração, com o que se pratica na maior parte dos países europeus, designadamente nos que são mais competitivos em relação à nossa oferta turística.

No que diz respeito ao problema do co-financiamento nacional, respeitante aos projectos turísticos na Região Autónoma da Madeira, devo dizer que, quanto ao futuro, o problema é, neste momento, muito claro e quanto ao passado, como o Sr. Secretário de Estado referiu, está-se a procurar uma solução que permita satisfazer algumas responsabilidades. De facto, o Fundo de Turismo não havia sido dotado de verbas para esse efeito, mas está-se praticamente a encontrar, entre o Governo Regional e as Secretarias de Estado do Planeamento e do Turismo, uma solução que, penso, pode vir a resolver a curto prazo este problema

Peço agora ao Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Comércio Externo que se reporte às questões relacionadas com o comércio externo e à internacionalização.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Comércio Externo (António de Sousa): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou referir-me, fundamentalmente, às questões levantadas pelos Srs. Deputados Guilherme Oliveira Martins e Octávio Teixeira, dado incidirem sobre o comércio externo.

O Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins perguntou se os meios do Orçamento do Estado e, portanto, as

Página 217

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(217)

transferências orçamentais para o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) serão suficientes para levar a cabo os efeitos pretendidos. Tal como tive oportunidade de explicar na reunião anterior, poderia dizer que são suficientes fundamentalmente por duas razões.

Em primeiro lugar, como já aqui foi referido, o aumento das transferências do Estado para o ICEP sofrem, em relação a 1991, um aumento de 11 % em termos nominais, o que, atendendo que uma boa parte das despesas do ICEP são feitas em termos internacionais, representa um reforço real relativamente considerável, o que significa, portanto, que a taxa de inflação de referência não é a taxa interna mas, sim, a dos países onde estão localizadas as delegações e uma grande parte das acções do ICEP.

Por outro lado, todas as acções que referi na comissão especializada são, precisamente, as que estão consideradas no orçamento, que estão orçamentadas, e não fiz referência e nenhuma outra em que, eventualmente, se poderia estar a pensar realizar e que não está, como é óbvio, orçamentada. Logo, o que foi falado corresponde ao orçamento aqui apresentado.

Por outro lado, ainda, gostaria de referir apenas um número: este ano, o ICEP já está envolvido — e isto é apenas um número, pois há muitas outras acções — em 62 feiras especializadas. Penso que em termos de presença em feiras este número dificilmente poderá ser ultrapassado, até pelo interesse dessas próprias feiras.

Relativamente a uma das vertentes que se falou bastante nessa altura e que tem a ver com a maior presença nos mercados de Leste, apenas uma notícia de coisas que já aconteceram: a delegação de Berlim já foi aberta e começou a funcionar normalmente, estando, aliás, pronta desde Dezembro; as missões empresariais, nomeadamente à Hungria, vão ter lugar já na semana que vem. Portanto, esse üpo de acções está em curso, bem como a presença nos países árabes, tal como o Koweit, que também terá lugar para a semana e está perfeitamente assegurada.

Em termos genéricos, diria que não vai haver uma dilação no tempo das acções apresentadas. O Orçamento corresponde perfeitamente àquilo que é necessário para o que foi planeado.

Por outro lado, há que referir que também o ICEP, cada vez mais, está a tentar obter receitas próprias e o facto de ter uma maior comparticipação das empresas e de desenvolver determinadas actividades poderá, inclusiva e progressivamente, vir a potenciar a sua capacidade de intervenção. Isto tem vindo a acontecer no passado e, espero bem, que este ano mantenha essa tendência e até, se possível, a fortaleça, porque isso poderá levar, não digo a mais acções, uma vez que isso não será muito praticável, mas a acções com mais qualidade e com maior presença e afirmação.

Em relação as questões colocadas pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, uma parece muito clara: como ganhar quotas de mercado com uma potítica cambial que todos conhecemos e que tem a ver com o grande objectivo da convergência monetária. Como também é conhecido e foi divulgado, o que está previsto em termos de aumento real das exportações para 1992 é um valor relativamente moderado de 2 %, mas é claro que, mesmo assim, representa uma melhoria em relação ao ano transacto em que foi de cerca de 0 %.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — O Sr. Secretário de Estado é muito optimista!

O Orador: — Lembro que este é o valor provisório de Novembro e não tenho, efectivamente, os números de Dezembro.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — E é real?

O Orador: — É real. Isso foi, aliás, referido na Comissão. O número de Novembro dá exactamente 0,0 % e, portanto, é o zero absoluto, em termos reais.

A questão que se põe não é tanto a de ganhar a quota de mercado, porque um incremento real de 2 % em relação ao que ê previsível em termos de aumento do comércio internacional não significa, efectivamente, ganhar quota de mercado, mas sim, provavelmente, a de mantê-la ou aumentá-la ligeiramente nos nossos principais mercados de exportação.

No entanto, o que para nós é fundamental, e é isso que tem vindo a ser acentuado, é que este ganho tem de ser essencialmente em termos da qualidade dos produtos que são exportados, e é claro que isto implicará um aumento não apenas em volume mas em termos daquilo que é exportado.

Em relação a esta questão há um aspecto que nos modelos macroeconómicos não é, muitas vezes, fácil de diferenciar, porque a alteração de preço parece ser apenas uma alteração do mesmo preço para o mesmo tipo de bens e não é isso que está em causa. O que está em causa é uma maior presença internacional das nossas empresas que significa, nomeadamente, uma maior capacidade para adquirir uma maior parte do valor total do produto, ou seja, implica avançar nas cadeias de distribuição, que é para nós um aspecto fundamental e que ligaria, então, à segunda questão, a que se pretende das nossas empresas e que é a da internacionalização activa.

Todos sabemos que o nosso tecido empresarial se caracteriza por ser amplamente dominado pelas pequenas e médias empresas mas aquilo que importa saber é como fazer a internacionalização com base num tecido empresarial deste género. E, enfim, vem logo à consciência um caso muito típico e de algum, diria bastante, sucesso nesta área, que é o caso da Itália, que, com uma estrutura muito baseada em PME, foi efectivamente capaz de fazer essa internacionalização. Esta situação vai implicar claramente uma necessidade de alteração de estratégias empresariais e penso que uma boa parte do papel activo que o Govemo deverá ter nesta área será a tentativa de facilitar esse tipo de estratégias empresariais fazendo, inclusive, alguma explicitação e, diga-se mesmo, algum convencimento dos próprios empresários no sentido da alteração dessas estratégias, que passará por associações de empresas.

As associações de empresas não se processarão necessariamente através de fusões mas através de actuações concertadas no mercado externo, muitas vezes até para complementar produtos em termos de comércio retalhista, de forma que possam ter uma presença mais importante e mais directa nesses mercados externos.

Por outro lado, há um conjunto de instrumentos de diversos carismas, todos eles com repercussão financeira, que estão muito para além dos 400 000 contos que foram mencionados e que têm a ver concretamente com um instrumento específico que é o NIDE, o chamado Novo Instrumento de Desenvolvimento e Exportação, que por si só tem um impacte relativamente reduzido. Daí ser nossa ideia integrá-lo numa acção mais vasta para potenciar esses 400 000 contos que têm pouca relevância numa actuação deste género.

Página 218

244-(218)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

No âmbito do capital de risco, temos vindo a estabelecer contactos e a dinamizar a actuação, orientando-o para investimentos em estratégias de internacionalização e, portanto, para a participação em aquisições ou constituições de empresas no estrangeiro. Há até um caso concreto, que está neste momento em curso mas que não vou mencionar por uma questão de confidencialidade, que poderá ser um caso interessante, uma vez que, infelizmente, em Portugal ainda há poucos casos. A questão do capital de risco parece-me muito importante, porque será através dele que muitas das nossas empresas poderão suprir, internamente, uma das suas carências típicas que é a carência de capitais próprios, como todos sabemos.

Como já tive oportunidade de referir na comissão especializada, a nível de linhas de crédito há já a disponibilização de um conjunto mas em condições dos mercados de destino dos investimentos das empresas em termos de internacionalização. Isto está a ser feito fundamentalmente com o apoio do Banco de Fomento Exterior, dada a orientação e o cariz que foi definido para este Banco, mas também com o apoio de um conjunto de outros bancos que começam a ter representação em países estrangeiros, havendo já, como sabemos, um conjunto de filiais de bancos portugueses que podem dar um primeiro cartão de visita para a entrada dessas empresas nos mercados financeiras dos países de destino desses mesmos investimentos.

Também ao nível dos seguros de créditos, que são outro aspecto essencial, nomeadamente nos mercados em que o risco do País é mais elevado, há a ideia clara de ir gerindo

e fazendo um certo find-tuning desses seguros de créditos. Um exemplo muito recente é o aumento relativamente substancial, dados os montantes envolvidos, do plafond de seguro de crédito para Angola. Tratou-se de um aumento de 75 milhões de dólares, o que é relativamente substancial para Portugal e para o volume das nossas exportações.

Importa ainda referir um projecto, que está neste momento em estudo, de apoio ao investimento imobiliário, no sentido do escritório ou da loja que a nossa empresa pretende adquirir no estrangeiro para iniciar a sua actividade a partir daí. Como todos sabemos, normalmente é um investimento pesado que muitas vezes cria dificuldades a empresas pouco capitalizadas e, nesse sentido, está em estudo a criação de um instrumento financeiro que em termos de mercado poderá fazer a dicotomia entre o investimento produtivo na actividade final da empresa e o investimento imobiliário que é geralmente indispensável à sua actuação.

Por último, gostaria ainda de referir que há um conjunto de aspectos relacionados com fiscalidade que irão potenciar a internacionalização das nossas empresas quer a nível de questões relacionadas com a consolidação de contas, quer a nível de incentivos fiscais de tipo contratual e que têm vindo a ser discutidos e estudados e, muito provavelmente, virão a ser considerados nesta lei do orçamento.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: — Creio que em relação às questões do comércio externo o Sr. Secretário de Estado foi praticamente exaustivo.

Importa referir, apenas, a importância que terá, na obtenção de quotas de mercado mais significativas, a conclusão positiva do Uruguay Round. Designadamente as negociações relacionadas com o acesso aos mercados, com o abaixamento dos picos tarifários e com as concessões no domínio das pautas aduaneiras pelas diferentes panes

contratantes, podem ser essenciais para o tipo de oferta externa que Portugal apresenta hoje, nomeadamente no âmbito dos sectores têxtil e do calçado e de alguns sectores relacionados com a indústria automóvel e de componentes automóveis. Trata-se, pois, de sectores que poderão beneficiar fortemente de uma conclusão positiva do Uruguay Round, na medida em que se prevêem abaixamentos tarifários significativos em alguns mercados que já são importantes para estes sectores industriais.

Para terminar o conjunto de questões colocadas, falta apenas abordar as que estão ligadas com, chamemos-lhe assim, o comércio interno.

O Sr. Deputado Nogueira de Brito suscitou a questão da fixação do regime de preço máximo para o pão. Trata--se de uma medida que tem, efectivamente, um carácter conjuntural. Eu próprio, no ano passado, entendi que se devia liberalizar o preço do pão e, durante todo o ano, essa liberalização não teve efeitos que se pudessem considerar penalizadores do consumidor mas, de uma forma inexplicável, verificou-se que em alguns distritos do País, por razões eventualmente de natureza psicológica ou especulativa, registaram-se aumentos de preço totalmente injustificados e altamente lesivos dos interesses dos consumidores.

Compete ao Estado, de forma indiscutível, actuar neste tipo de situações, e o que fizemos foi para evitá-las, depois, e de a Direcção-Geral da Concorrência e Preços ter estabelecido diálogo com várias das empresas de panificação que tinham determinado aumentos da ordem dos 20 % e de ter falado com as associações do sector, constatando indícios de situações pouco transparentes.

Após a realização de um cem número de inspecções a vários estabelecimentos, por parte da Direcção-Geral da Inspecção Económica, e depois de analisada a estrutura de custos no sector da panificação, concluiu-se que o aumento de 8 % era o aumento máximo justificável por aumento dos factores e dos custos de produção. Nesse sentido, como já referi, a título excepcional, e para corrigir uma situação claramente do tipo especulativo, decidiu-se fixar transitoriamente o regime de preços máximos que é aplicável a todos os tipos de pão, para evitar algo que aconteceu no passado que era, digamos assim, uma fuga, criando tipos de pão diferente para iludir o referido regime. Para que o aumento de 8 % fosse efectivo, entendemos que não deveríamos, nesta fase, deixar margem para a utilização desses meios de fuga.

Finalmente, o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, a Sr.' Deputada Helena Torres Marques e o Sr. Deputado Manuel Castro Almeida referiram o impacte do IVA no índice de preços ao consumidor ou na inflação.

Pouco mais tenho a acrescentar ao que já referi na reunião onde houve oportunidade de debater este assunto. Não existe, de facto, uma relação automática entre a alteração do IVA e a inflação; a acomodação do efeito do IVA faz--se do lado da oferta e do lado da procura e o impacte no IPC e na inflação depende da repercussão efectiva real no custo dos diferentes factores.

A harmonização do IVA também não pode ser entendida ou vista numa óptica de curto prazo, porque aquilo que se pretende com esta harmonização fiscal é algo que tem efeitos no médio e longo prazos. Temos, seguramente, de procurar prosseguir um conjunto de objectivos essenciais no domínio da política macroeconómica, que estão corporizados no programa de convergência Q2 e num

conjunto de medidas complementares que nos permitam obter, o mais rapidamente possível, a convergência real e

Página 219

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(219)

a convergência nominal. A harmonização do IVA é um destes instrumentos e terá algumas consequências, que não serão homogéneas em relação a todos os produtos. Portanto, quando o Sr. Ministro das Finanças referiu há dias que a taxa média efectiva passa de 10,2 % para 12,6 %, isto é uma indicação em termos nominais mas que não é mais do que uma indicação de carácter geral — aquilo que vai acontecer na realidade não podemos prever neste momento, muito menos com rigor. A acomodação far-se-á, e creio que poderemos vir a atingir o objectivo prioritário, que é a redução da inflação, até ao final deste ano.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Vou referir um aspecto anteriormente abordado pelo meu camarada Lino de Carvalho, muito específico, sobre o IVA turístico.

O Governo pode fazer e propor o que quiser (é uma questão de discussão política), mas há algo que não posso aceitar, que é dizer-se que nunca foi pensado nem nunca esteve no espírito de ninguém aplicar o chamado IVA bruto. Isto porque, precisamente, isso foi feito assim. E preciso ver — e não é a primeira vez que o refiro, isso constará dos Diário da Assembleia da República — que quando foi introduzido o IVA em Portugal fizeram-se as contas e apareceram os 37,5 % precisamente porque é 3 %, que era o antigo imposto do turismo, sobre 8 %, que era a taxa do IVA — por conseguinte, era bruto sobre bruto, e dava 37,5 % porque os 3 % são 37,5 % de 8 %. A ideia foi, desde o início, explicitamente, o IVA bruto. Era este aspecto que eu queria referir, sem pretender polemizar mas apenas repor a verdade histórica.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Complementando aquilo que já disse o meu camarada Octávio Teixeira, gostaria de referir ainda dois pontos: em primeiro lugar, sendo o IVA turístico um imposto que veio substituir o antigo imposto de turismo (que não sofria qualquer dedução, era meramente arrecadado pelo Estado o encargo da sua cobrança mas era entregue às entidades que dele beneficiavam), mantendo o mesmo nível de receitas, é evidente que o raciocínio é este, tem de ser o mesmo, e não aquele que o Governo tem vindo a fazer e do qual o Sr. Secretário de Estado acaba de ser portador ao afirmar, de uma forma que penso não ser completamente rigorosa, que sempre foi entendimento do Governo que o IVA era líquido. De facto, isso não tem nada a ver com as razões que levaram à criação do IVA turístico e à tal percentagem, referida pelo meu camarada Octávio Teixeira, de 37,5 %. Aliás, penso que se o Sr. Secretário de Estado falar com o anterior Secretário de Estado do Turismo e vir com ele a correspondência que foi trocada com as regiões de turismo, porventura corrigirá a opinião que aqui trouxe.

A segunda questão que me deixou também preocupado tem a ver com a resposta que me foi dada (e que, francamente, esperava que não fosse essa), de que a interpretação que o Governo faz do que está no Orçamento do Estado de que as receitas deste ano serão idênticas às do ano passado é uma interpretação em termos nominais. Ora, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, ao dizer que estão a fazê-lo em termos nominais, é evidente que não podem dizer que, com isso, pretendem manter as receitas das

regiões de turismo porque se somar a taxa de inflação aos termos nominais a manutenção em termos nominais significa uma quebra em termos reais.

E se o espírito do Govemo é o de manter o mesmo nível de receitas— naturalmente tem de incluir a inflação — então o Govemo e o PSD terão de estar disponíveis para aceitar uma proposta — que já apresentámos — no sentido de se clarificar esta redacção, porque me parece ser o mínimo que se pode fazer. Se todo o Orçamento tem em conta a taxa de inflação, se todas as receitas e despesas do Estado têm em conta este elemento, já não discutindo sequer os 8 %, então por que razão é que, para este efeito, existe essa leitura nominal? Não se percebe, há aqui uma contradição que não é aceitável.

Uma outra questão tem a ver com o tomar a dar algum rigor às afirmações feitas quanto ao IVA sobre a actividade de restauração, hotelaria e turismo, em comparação com outros países, porque não é bem assim. Para além da questão geral que todos conhecemos, de não ser obrigatório este agravamento da taxa do IVA nas condições em que está a ser feito — as conclusões do conselho da ECOFIN são claras quanto a isso —, portanto, esse ponto, que inicialmente o Governo pretendeu vender aos Portugueses, está hoje desmistificado, também não é verdade que as taxas do IVA na Europa sejam em média superiores a Portugal. E só dou um exemplo concreto, porque tem a ver connosco em matéria de concorrência quanto ao turismo: em Espanha, a taxa do IVA sobre a actividade hoteleira e turística é de 8 %. Ora, a Espanha é o nosso principal concorrente nesta matéria — é evidente que ao fazer-se isto, além de não ser obrigatório, estão a degradar-se as condições de competitividade da nossa indústria turística e das nossas correntes turísticas em relação a um concorrente tão importante e tão forte como é a Espanha.

Mas, para além desta questão geral, há ainda uma questão que, essa sim, até é mais chocante: trata-se de um subsector que diz respeito àquilo a que as organizações do sector referem como restauração colectiva, isto é, os serviços que são prestados com base em apoios sociais, a cantinas, a lares de terceira idade, a associações de estudantes, a creches, a empresas, etc. Essa actividade tem uma função social pelo que em toda a Europa as taxas dessa actividade são reduzidas e, ainda por cima, estão sujeitas a devoluções.

Recordo, só para dar alguns exemplos, em relação à restauração colectiva, dirigida a serviços sociais ou com interesse público e social, que na Bélgica não existe taxa, nem na Dinamarca, nem na Alemanha, na Grécia é de 8 %, em Espanha é de 6 %, em França é de 5,5 %, na Itália é de 4 %, no Luxemburgo é de 6 %, na Holanda é de 6 %, no Reino Unido é de 0 %, e em praticamente todos os países onde há taxa, onde não vigora taxa 0, há recuperação do IVA..Ora bem, neste caso, o que acontece em Portugal é que, em relação a esta área da chamada restauração colectiva, da área social, vamos ter um reforço para 16 %, e ainda por cima sem dedução. Parece-me que há qualquer coisa aqui que não é lógica e que certamente merecia ser reponderada.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.* Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.! Helena Torres Marques (PS): — Em primeiro lugar, direi que o IVA turístico era 37,5 % porque era bruto e foi assim que foi combinado — quem escreveu o texto foi o então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Página 220

244-(220)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

exactamente nesta perspectiva. Quando a lei mudou, no ano passado, nós dizíamos «o Governo até pode pôr 100 %» porque agora pode ser 100 % sobre 0 % de modo

que não adianta nada, uma vez que é líquido— mas ¿ uma alteração que este governo introduziu, isto que fique claro e gravado.

Sr. Ministro, pode depreender-se da sua intervenção que está a prever que o GATT termine positivamente as negociações este ano? A Escola Hoteleira do Algarve é outro projecto ou o mesmo projecto reduzido? O que é? Não consegui perceber pela sua intervenção.

Entretanto, posso pedir ao Sr. Secretário de Estado do Turismo que me envie a lista das pousadas em construção e a programação plurianual dos investimentos?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: — Em relação ao IVA turístico, essa matéria já foi amplamente debatida no ano passado.

No artigo 76.' da Lei n.9 9/86 — Lei do Orçamento do Estado para 1986 —, onde pela primeira vez foi introduzida a questão do IVA, no que diz respeito à tributação das actividades turísticas, estava consagrado o seguinte: «Das receitas do imposto sobre o valor acrescentado OVA), provenientes da tributação das actividades turísticas cujos serviços sejam prestados nas zonas de turismo e na área dos municípios integrados em regiões de turismo, a percentagem de 37,5 % será afecta às câmaras municipais onde estas actividades são efectivamente prestadas, constituindo receita própria dos respectivos municípios. Sempre que existam órgãos locais ou regionais de turismo, 50 % das receitas referidas no número anterior serão entregues directamente a este órgão pelos serviços competentes do Ministério das Finanças.»

Quando esta disposição foi determinada não havia nenhum sentido de existência de um IVA turístico bruto nem de um IVA turístico líquido, até porque a noção de IVA turístico bruto, que apareceu mais tarde e começou a ser consagrada em termos praticamente globais, não correspondia a nenhuma realidade sensível

Quando a Sr.' Deputada Helena Torres Marques diz que mesmo que cedêssemos 100 % do IVA líquido isso não correspondia aos 37,5 % do IVA bruto não significa que a noção de IVA bruto estivesse correcta. É verdade que, mesmo que concedêssemos toda a receita do IVA da actividade turística às câmaras municipais, poderíamos ficar aquém daquele valor que corresponderia ao antigo imposto de turismo — isso é verdade. O Sr. Deputado Octávio Teixeira já o referiu e é exactamente assim.

Esta situação, do meu ponto de vista, nunca foi clarificada totalmente, de maneira a deixá-la sem possibilidade de manter permanentemente uma controvérsia, e talvez seja

a altura de o fazer. Mas, neste Orçamento do Estado, uma vez mais, a preocupação principal que tivemos foi a de assegurai que as diferentes regiões de turismo não iriam arrecadar receitas inferiores àquelas que tiveram no ano

passado. Lembro-me — e os Srs. Deputados lembrar-se-ão certamente — de que discutimos durante uma tarde inteira no Plenário da Assembleia da República, depois de termos passado aqui mais de uma hora também a discutir este mesmo assunto, as enormes preocupações das regiões de turismo sobre a nova formulação da lei e se iriam receber menos dinheiro. A verdade é que aquilo que aconteceu acabou por confirmar a nossa opinião sobre o assunto: a grande maioria das regiões de turismo do nosso país—creio que só há uma excepção — arrecadou receitas muito superiores àquelas que teriam resultado se se mantivesse a redacção que tinha sido sugerida por algumas bancadas. E em relação a este ano também é minha firme convicção que as regiões de turismo vão arrecadar receitas substancialmente superiores às que obtiveram no ano anterior.

A Sr.1 Deputada Helena Torres Marques pergunta-me se se pode concluir da minha intervenção que há uma perspectiva de conclusão do GATT. Só posso dizer-lhe que continua a ser uma das negociações mais difíceis que se realizam em termos mundiais, onde será seguramente bastante complexo atingir um resultado global equilibrado, coerente e aceitável por todas as partes, mas envidam-se imensos esforços no sentido de se limarem as dificuldades principais que ainda existem e que se radicam fundamentalmente na área da agricultura.

É-me particularmente difícil responder à sua questão e nada mais lhe posso dizer a não ser que tenho alguma esperança num resultado positivo, mas tenho consciência que será extremamente difícil chegar ao fim, designadamente em tempo útil. No entanto, a presidência portuguesa tem feito tudo o que está ao seu alcance de forma a contribuir para uma solução negociada que será extremamente difícil até pelo facto de estarem envolvidas 108 partes contratantes. Algum caminho se percorreu mas existem ainda muitas dificuldades.

Em relação à Escola de Hotelaria do Algarve gostaria de responder-lhe muito claramente que, do meu ponto de vista, é de abandonar, em definitivo, o projecto anterior e fazer um projecto novo muito mais realista e muito menos oneroso para o erário público.

O Sr. Presidente: —Muito obrigado, Sr. Ministro do Comércio e Turismo, pela sua presença e da sua equipa.

Srs. Deputados, prosseguiremos os nossos trabalhos amanhã às 10 horas e 30 minutos com a audição do Ministério das Finanças.

Está encerrada a reunião.

Eram 21 horas e 30 minutos.

Página 221

21 DE FEVEREIRO DE 1992

244-(221)

Documento enviado à mesa para publicação a pedido do Deputado José Vera Jardim (PS) e referente ao orçamento do Ministério da Justiça.

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Página 222

244-(222)

II SÉRIE-C — NÚMERO 15

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Página 223

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Página 224

DIÁRIO

da Assembleia da República

Depósito legal n.' 8819/85

imprensa nàcionàl-cásá da moeda, e. p. aviso

Por ordem superior e para constar, comunica--se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

PORTE PAGO

1 — Preço de página para venda avulso, 6$; preço por linha de anúncio, 178S.

2 — Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 — Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 480§00

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×