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Sábado, 27 de Novembro de 1993

II Série-C — Número 5

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

4° SUPLEMENTO

SUMÁRIO

Pelas li horas e 30 minutos, o Sr. Presidente da Comissão de Economia. Finanças e Plano (Manuel dos Santos) deu inicio ao debate, na especialidade, das propostas de lei n." 79/Vl (Grandes Opções do Plano para 1994) e 80/VI (Orçamento do Estado para 1994).

Sobre o orçamento do Ministério da Saúde intervieram, além do Sr. Ministro (Arlindo de Carvalho) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Jorge Pires), os Srs. Deputados Luís Peixoto (PCP). Ferraz de Abreu e Helena Torres Marques (PS). Jorge Paulo Cunha (PSD), João Rui de Almeida, Joel Hasse Ferreira e Joaquim da Silva Pinto (PS), João Corregedor da Fonseca (Indep.) e Fernando Andrade (PSD).

Sobre o orçamento do Ministério da Administração Interna intervieram, além do Sr. Ministro (Dias Loureiro), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), João Corregedor da Fonseca (Indep.), José Magalhães (PS), Antunes da Silva e Rui Rio (PSD), André Martins (Os Verdes), Ferro Rodrigues (PS). Octávio Teixeira (PCP), Silva Marques (PSD), Mário Tomé (Indep.). Narana Coissoró (CDS-PP),

Eduardo Pereiro (PS), Manuel Alegre (PS). Rui Carp (PSD) e José Vera Jardim (PS).

Sobre o orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais intervieram, além da Sr.' Ministra (Teresa Patrício Gouveia), os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Mário Maciel (PSD). José Manuel Maia (PCP), Júlio Henriques (PS). João Corregedor da Fonseca (Indep.), António Morgado (PSD), Gameiro dos Santos, Fialho Anastácio e António Campos (PS), Olinto Ravara (PSD) e José Sócrates (PS).

Sobre o orçamento do Ministério da Justiça intervieram, além do Sr. Ministro (Laborinho Lúcio), do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro) e da Sr.° Secretária de Estado da Justiça (Eduarda Azevedo), os Srs. Deputados Alberto Costa (PS). Margarida Silva Pereira (PSD), Odete Santos (PCP), José Vera Jardim (PS). Manuel Silva Azevedo (PSD) e José Magalhães (PS).

O Sr. Presidente encerrou a reunião era 1 hora e 45 minutos do dia seguinte.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, peio que declaro aberta a reunião.

Eram II horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, vamos prosseguir o debate, na especialidade, das propostas de lei referentes às Grandes Opções do Plano e ao Orçamento do Estado para 1994, apreciando, em concreto, a área tutelada pelo Sr. Ministro da Saúde, que se encontra aqui presente com o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde e com a Sr. Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento.

A metodologia que temos utilizado nestas reuniões tem sido a de os membros do Governo presentes fazerem uma pequena intervenção inicial, onde apresentam, segundo a sua óptica, o orçamento dos seus ministérios, à qual se segue um período de debate.

Estas sessões são públicas e gravadas, o que significa que pode haver uma certa repetitividade em relação a eventuais reuniões que se tenham realizado anteriormente, na respectiva comissão especializada, o que, aliás, é perfeitamente compreensível, na medida em que os Deputados e membros do Governo podem querer ver registados alguns pontos de vista, alguns esclarecimentos e algumas informações.

Para uma intervenção inicial, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde (Arlindo de Carvalho): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência da apresentação do orçamento à Comissão Parlamentar de Saúde, efectuada há 8 ou 10 dias atrás, voltaria a este assunto para dizer que o ano de 1994 vai ser um ano importante, na medida em que, no domínio da saúde, será o momento da implantação de grande parte das reformas que foram legisladas em 1993 e que se sediam no que está estabelecido na Lei de Bases, aprovada, em 1990, por este Parlamento.

Em 1993, concretamente, -foram aprovados diplomas extremamente importantes, como é o caso do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, do Regulamento das Administrações Regionais de Saúde, das leis orgânicas do próprio Ministério da Saúde, que alteram profundamente a filosofia dos órgãos centrais do Ministério, e de muitos outros diplomas que se situam na regulamentação da Lei de Bases da Saúde, que, como já referi, foi aprovada, em 1990, por este Parlamento.

Os principais objectivos de toda esta reforma situam-se em três ou quatro grandes linhas, sendo a primeira delas uma maior descentralização.

Como se sabe, irão ser criadas cinco administrações regionais de saúde, abolindo a estrutura actual das mesmas a nível distrital e passando a ser verdadeiras administrações regionais, na medida em que têm a ver com toda a política de saúde na área geográfica onde se sediam. Além disso, irão ser criados os grupos especializados dos centros de saúde, que irão ter também autonomia administrativa e financeira e que, conjuntamente com os hospitais das diversas zonas, criarão as unidades funcionais de saúde. -

Portanto, há aqui uma alteração substancial ao nível da organização, com uma maior descentralização e, sobretudo, uma maior participação dos utentes e das entidades mais representativas nas diversas regiões, no que diz respeito ao plano de actividades das diversas instituições, bem como no desenvolvimento desse mesmo plano de actividades.

Um outro aspecto que vai ser desenvolvido no ano de 1994 será a melhoria da acessibilidade às condições de saúde. Naturalmente que a reorganização que se leva a cabo promoverá, desde logo, uma melhor acessibilidade, ou seja, o doente estará no centro do sistema e não será mais um «caixeiro-viajante» ou um «correio» que circula de cuidados de saúde primários para cuidados de saúde diferenciados, antes pelo contrário serão as diversas instituições dos serviços que deverão encaminhar o doente no sentido correcto para a prestação correcta dos cuidados de saúde.

Este aspecto da melhoria dos cuidados, da melhor e maior acessibilidade, será também conjugado com outros aspectos que respeitam à construção de novas unidades, à melhoria das já existentes, ao apetrechamento e reapetrechamento de grande número de unidades.

Quero dizer-vos que, neste momento, estão em construção variadíssimos hospitais novos e estão em remodelação muitos outros, como adiante irei significar.

Também ao nível dos centros de saúde há, de facto, uma grande actividade no domínio da sua construção e da de extensões de saúde.

Há também um outro aspecto, não menos importante, neste programa de reforma que estamos a desenvolver, que é a melhoria da qualidade e da humanização, que passa, obviamente, pela melhor e mais equitativa distribuição do pessoal, de forma a que haja os recursos humanos necessários para prestar os cuidados de saúde às populações, evitando que estas tenham de se deslocar sistematicamente aos grandes centros para poderem utilizar ou ser objectos de cuidados mais diferenciados.

Estamos a procurar desenvolver acções concretas no domínio da humanização, melhorando as zonas de atendimento, de hotelaria, de recepção das pessoas e o nível da informação, quer para os utentes quer para os familiares destes. Este aspecto, que naturalmente tem muito a ver com a humanização, tem também muito a ver com a qualidade.

No ano de 1994 será desenvolvido um plano de avaliação da qualidade das instituições. É um programa vastíssimo, que temos desde já desenhado e que será implementado em 1994, que classificará as diversas unidades de saúde ao nível da qualidade da prestação dos cuidados, o que do nosso ponto de vista é muito importante.

Para tudo isto, contamos, no ano de 1994, com um orçamento da ordem dos 530 milhões de contos, a partir do Orçamento do Estado. Há uma transferência prevista de 530 milhões de contos, o que significa, em relação ao orçamento inicial de 1993, um acréscimo de 10,4 %, ou seja, partimos de 480 para 530 milhões de contos. Além disso, prevemos que as receitas próprias, que em 1993 se situaram na ordem dos 70 milhões de contos, passem para 77 milhões de contos.

Resumindo, prevemos que, no ano de 1994, o orçamento global para a saúde, em Portugal, seja da ordem dos 608 milhões de contos, uma vez que contará também com um milhão de contos que advirá das receitas fiscais do tabaco. Portanto, pensamos que este montante de 608 milhões de contos será o suficiente para encaixar a despesa preconizada.

Gostaria de dizer que pensamos que, em 1994, irão sei colocados à disposição do público, sobretudo nutria primeira fase, os Hospitais de Amadora-Sintra, de Matosinhos, de Elvas e uma boa parte da ampliação do Instituto Português de Oncologia do Porto.

Em 1994, também, e com este orçamento, irão ser lançados programas especiais, que já foram anunciados em

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1993 mas que irão ser implementados em 1994, designadamente o Programa da Visão, que visa estabelecer um programa nacional de oftalmologia, a nível de todo o País, por forma a evitar listas de espera e a diferenciar as unidades em diversos níveis para prestar os cuidados de saúde à população neste domínio.

Simultaneamente, desenvolveremos um grande programa de prevenção a nível nacional, o programa de luta antituberculose, que também foi anunciado recentemente e que irá ser desenvolvido em 1994, além do programa infantil que já foi anunciado também em 1993 e que terá o grande impacto em termos orçamentais no ano de 1994 e seguintes.

Serão mantidos os programas especiais que já são do conhecimento dos Srs. Deputados, como é o caso dos programas oncológico nacional, materno-infantil, da sida e da toxicodependência. Aliás, a este respeito, gostaria de dizer que só para a toxicodependência está prevista uma despesa global, em 1994, na ordem dos 2,1 milhões de contos.

O orçamento para o ano de 1994 é desenvolvido com base nos seguintes pressupostos: o pessoal crescerá cerca de 2 %\ os medicamentos crescerão cerca de 2 %; as convenções 10 %, os consumos 6,2 % e as novas actividades 3,3 %.

Neste aspecto, gostaria de esclarecer, desde já, que no respeitante ao pessoal existe apenas aqui uma verba consignada de 2 %, uma vez que não estão incluídas, como não estavam em 1993, na versão inicial do orçamento, as verbas para aumentos com pessoal, uma vez que, neste momento, ainda não estão definidas, porque se encontra em curso o processo negocial.

Há um outro aspecto também, relacionado com o preço dos medicamentos, que gostaria de assinalar. Este crescia na ordem dos 10 %, 15 % e 20 % nos anos anteriores e o que acontece é que prevemos, para 1994, um crescimento apenas de 2 %, porque foi possível chegar a um acordo, recentemente, com a indústria farmacêutica, na sua globalidade, no sentido de tornar o preço dos medicamentos, para 1994, ao nível do final de 1992.

De facto, este é um acordo que, do nosso ponto de vista, deverá ser considerado de grande importância, na medida em que nunca, que eu saiba, houve uma redução do preço dos medicamentos. Nalguns casos teria havido aumentos mais ligeiros ou mas fortes, mas o que é certo é que reduzir o preço dos medicamentos, tal como vai ocorrer já em Dezembro de 1993, em valores que se situam entre os 3 % e os 8 %, consoante os diversos escalões, e ao mesmo tempo congelar, em 1994, esse mesmo preço dos medicamentos, penso que é uma clara vitória do diálogo que foi possível travar com os múltiplos laboratórios que actuam em Portugal, nacionais e multinacionais, através da associação que os representa, a APIFARMA.

Como disse, as novas actividades estão aqui definidas como representando cerca de 3,3 %, reportando-se, fundamentalmente, às unidades que, há pouco, acabei de referir e que entrarão em funcionamento, grande parte, no último trimestre do próximo ano.

Este é o orçamento de exploração que temos para vos apresentar, mas gostaria de dizer também que, em relação ao orçamento de investimento, passamos para 1994 com um montante de 42 milhões de contos, ou seja, o orçamento de investimento apresenta o maior crescimento de sempre já alguma vez considerado na área da saúde, passando de 28 milhões de contos, em 1993, para 42 milhões, em 1994, orçamento este que quadriplicou nos últimos quatro a cinco anos.

Resta-me dizer-vos que, em 1989, o orçamento estava na ordem dos cerca de nove milhões de contos, não chegava a dez milhões de contos, e, portanto, mais que quadriplicou desde 1989 até 1994, o que significa bem o esforço que o Governo tem vindo a desenvolver no sentido de dotar os equipamentos de saúde com os meios financeiros necessários para a sua melhoria. Isto significa bem, do nosso ponto de vista, que a saúde tem sido considerada pelo Governo como uma área prioritária, no que diz respeito ao desenvolvimento das suas infra-estruturas.

Iremos lançar, em 1994, oito novos hospitais. É o caso do Hospital da Feira, do Hospital da Cova da Beira, do Hospital do Vale do Sousa, do Hospital do Barlavento Algarvio, do Hospital de Tomar, do Hospital de Torres Novas, do Hospital de Lamego e também o Centro Materno-infantil do Norte.

Concluiremos, em 1994, os Hospitais de Amadora--Sintra, de Matosinhos, de Leiria, de Elvas e também de Viseu — que ficará em 1994 quase em fase de conclusão, ou pelo menos quase concluído, sobretudo no que diz respeito à parte de construção civil, uma vez que o ano de 1995 será fundamentalmente para a parte dos equipamentos.

Continuaremos a operar grandes remodelações em muitas unidades espalhadas pelo País, como é o caso do Hospital de Santo António, onde decorre uma grande remodelação que transforma completamente o hospital actual, e do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, que vai ser objecto de uma grande remodelação, criando-se o espaço necessário para toda a zona técnica e para a zona das consultas externas. Também o Instituto Português de Oncologia do Porto verá melhorada a sua área laboratorial e de equipamento técnico e o Instituto Português de Oncologia de Coimbra terá também profundas alterações na sua estrutura, designadamente ao nível dos equipamentos de laboratório.

Haverá remodelações também no Hospital de São Francisco de Xavier, que irá iniciar a sua operacionalidade e duplicará a sua capacidade; no Hospital das Caldas da Rainha, onde será também introduzida uma profunda remodelação, sobretudo ao nível dos blocos operatórios e na zona de internamento; no Hospital da Guarda, que deixará, de uma vez por todas, de se dividir por duas instalações separadas por cerca de meio quilómetro, como acontece hoje, em que a urgência está num lado e o hospital noutro, construindo-se uma nova unidade sediada na zona do sanatório.

O Hospital de Egas Moniz sofrerá também profundas alterações, designadamente ao nível dos blocos operatórios e outras unidades. O Hospital de Pulido Valente continuará em remodelação e virá a sofrer profundas alterações, na medida em que este hospital estará destinado a servir a zona de Loures, pelo que o iremos dotar condições necessárias para o efeito e o Hospital de Setúbal será também um dos que continuará com a profunda remodelação e, praticamente, duplicará a sua capacidade de intervenção.

Gostaria, ainda, de referir que, em 1994, continuarão, de acordo com o plano que temos previsto, a fazer-se melhorias em cerca de 40 hispitais distritais, fundamentalmente ao nível da sua diferenciação, ou seja, novos blocos, novas salas, novas e mais unidades de cuidados intensivos e enfermarias, procurando-se melhorar a qualidade, comodidade e diferenciação das diversas unidades espalhadas pelo País.

Construiremos ou daremos início a construção de cerca de 60 centros de saúde em todo o País, procurando aca-

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bar, de uma vez por todas, com unidades de saúde instaladas em casas de habitação sem o mínimo de condições quer para os profissionais trabalharem quer para receber os utentes que acorrem a estes centros de saúde.

Avançaremos também com o programa da toxicodependência. Como já disse, existe uma verba elevada para este programa e o objectivo do Ministério da Saúde e, por consequência do Governo, é o de dotar todos os distritos, até ao final do nosso mandato, com centros de atendimento de toxicodependência.

Ao nível da formação, que é também uma área que importa, na medida em que é ainda necessário fazer um esforço no sentido da formação, sobretudo a nível dos enfermeiros e de pessoal técnico, serão lançadas quatro novas escolas técnicas e de enfermagem no próximo ano.

Apoiar-se-ão os programas de investigação e saúde com a transferência de uma verba de cerca de 150 000 contos, que é a maior verba já alguma vez transferida para a área de investigação e saúde no nosso País.

Avançar-se-á, ainda, com a dotação necessária para o lançamento de unidades oncológicas em praticamente todos os hospitais do País, construindo os hospitais de dia para apoiar os centros oncológicos e evitando, assim, que os utentes tenham de deslocar-se aos grandes centros de oncologia.

Com estas medidas, procuraremos continuar a melhorar os indicadores de saúde no ano de 1994. Aliás, esses elementos são hoje inequívocos e os indicadores de que dispomos, quer a nível nacional quer a nível internacional, são de modo a informar o País de que estamos no caminho certo ao dotá-lo de unidades de saúde e de uma política de saúde adequadas, que no final do século não nos envergonhem em relação aos nossos parceiros comunitários.

Devo ainda dar-vos alguns números relativos ao período entre 1988 e 1992. Nesse período, houve uma diminuição do tempo de espera de 9,4 para 8,6 dias; a taxa de ocupação continua a manter-se na ordem dos 25 %; o número de doentes tratados, por cama, aumentou de 29,1 para 31,6; as consultas externas passaram de 4 milhões para 4,6 milhões; as urgências reduziram-se, como é lógico, uma vez que aumentaram as consultas externas; a esperança de vida à nascença é hoje praticamente idêntica à registada na maior parte dos países da Comunidade, bem como outros indicadores que já não vale a pena referir, como seja, por exemplo, a taxa de mortalidade infantil.

São estes os aspectos que gostaria de referir e não vou alargar-me muito mais, porque gostaria de poder responder, tanto eu como o Sr. Secretário de Estado que está aqui comigo, às questões que vierem a ser colocadas pelos Srs. Deputados, uma vez que, em termos globais, prestei as informações que considero importantes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): — O Sr. Ministro, provavelmente dado ao dia de sol que hoje faz, chegou aqui bastante optimista e a tónica dominante do seu discurso inicial foi a de que o ano de 1994 iria ser um ano importante, tendo concretizado esta ideia dizendo que seria o ano em que se iria implementar a maior parte das reformas que foram publicadas este ano.

Esta questão suscita-me algumas dúvidas porque, se bem me parece e o que está escrito na legislação é isso, a grande aposta para a reforma do sistema de saúde, para

além das privatizações de alguns centros, passa também por uma filosofia diferente para a prestação de cuidados, ou seja, aposta-se nas convenções e no seguro de saúde.

Assim, a primeira questão que gostaria de colocar prende-se exactamente com este tipo de funcionamento, pois não me parece que este orçamento reflicta, nem de perto nem de longe, qualquer tentativa de mudança desta filosofia, não estando claro que o seguro de saúde seja possível de implementar com alguma facilidade, pelo menos com a dimensão que o Ministério pretende que ele tenha, porque, como é lógico, as companhias de seguro também quererão ter o seu lucro e não querem, como algumas vezes já tem sido referido, substituir-se ao governo na prestação de cuidados de saúde.

Por outro lado, gostaria de saber se o Sr. Ministro engloba na implementação que pretende fazer das reformas para 1994, o pôr em funcionamento este esquema de convenções que está consignado no novo estatuto do Serviço Nacional de Saúde.

Assim, se pensa implementar este sistema de convenções, gostaria que me explicasse, em termos orçamentais, como é que vai dar cobertura a isto e como é que justifica que este tipo de funcionamento não vá fazer disparar em flecha os custos do sistema nacional de saúde, aliás, a exemplo do que tem acontecido noutros países, nomeadamente em França.

É verdade que houve um aumento das verbas disponíveis para a saúde, mas isso não quer dizer que não continuemos a ser o País onde menos se financia a saúde e não quer dizer que o sistema funcione bem, porque, é uma verdade, existem listas de espera e outras coisas que não vale a pena referir, pois já estão mais do que debatidas aqui.

A segunda questão que gostaria de colocar prende-se com o Hospital do Patrocínio. Como Sr. Ministro bem sabe, tem havido uma «guerra», que já teve vários capítulos, entre a Misericórdia e o Governo, e, embora no Orçamento do Estado não esteja lhe destinada qualquer verba, gostaria que me esclarecesse sobre qual vai ser o futuro deste Hospital. Vai haver obras? Quem vai fazer as obras? Quem o vai gerir? A Misericórdia ou o Hospital Distrital de Évora? Enfim, gostaria que me esclarecesse acerca de uma série de questões que se relacionam com este importante problema, que tão arrastado tem sidó.

Finalmente, gostaria de referir-me aos centros de atendimento a toxicodependentes, relativamente aos quais o Sr. Ministro disse — e eu registei com agrado — que se pretende estabelecer um centro em cada distrito. Só que para isso são necessárias verbas e no orçamento não estão consignadas verbas que estejam à altura disso. Aliás, o PCP irá apresentar propostas de alteração a estas verbas, precisamente para permitir que, a curto prazo, possamos

ter um centro de atendimento para toxicodependentes em cada distrito.

Neste sentido, pergunto ao Sr. Ministro se acha que o PSD deverá ou não votar favoravelmente essa nossa proposta de alteração, porque sem verba, a não ser que o Sr. Secretário de Estado tenha aí algum saco azul ou a verba na manga, não me parece que seja possível, fazendo bem as contas, fazer esses centros de atendimento.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): — Sr. Ministro, ouvimos aqui a repetição do discurso que fez na Comissão de

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Saúde e, como é óbvio, temos as mesmas dúvidas que na altura referimos.

O Sr. Ministro anunciou que vai pôr em execução o novo estatuto do Serviço Nacional de Saúde e a primeira pergunta que lhe coloco é se, na realidade, também vai pôr em execução o pagamento dos cuidados médicos a nível hospitalar.

Em segundo lugar, gostaria de contestar a sua afirmação de que o orçamento do Ministério da Saúde para 1994 aumentou 10 %. Se for confrontado com a verba que foi orçamentada para 1993, há esse aumento, mas se o confrontarmos com o reforço que o orçamento teve em 1993, nessa altura, teremos, sim, um aumento de 5 %. Aliás, no próprio quadro que o Sr. Ministro nos apresentou para as despesas do Serviço Nacional de Saúde, o aumento é de 5,5 %.

De facto, ficamos com muitas dúvidas de que, com este aumento do orçamento, V. Ex." vá ter oportunidade de fazer tantas coisas como as que acabou de referir, visto que, para além da inflação, que naturalmente vai «comer» estes 5 %, vão entrar em funcionamento novos hospitais, que vão exigir verbas para a sua manutenção e funcionamento, mesmo que este seja retardado por etapas, como é costume, e mesmo que a sua abertura seja anunciada só no fim do ano, não estando consagrada no orçamento.

Por outro lado, temos algumas dúvidas quanto às receitas, visto que não sabemos como é que elas são calculadas e, portanto, não havendo um fundamento para o seu cálculo,... a não ser que entre em execução o tal pagamento dos cuidados prestados.

Bom, em relação ao programa e à implantação do Serviço Nacional de Saúde, temos muitas dúvidas de que ele seja posto em execução, dado que a nova filosofia se fundamenta em «sacudir» a responsabilidade do Estado e do Governo nos cuidados de saúde, responsabilidade essa que seria transferida para o seguro de saúde alternativo.

Ora, a informação de que dispomos é a de que as companhias de seguro recusam as propostas que lhe foram apresentadas e, portanto, não há, a nível nacional, perspectivas de isto ser implantado no próximo ano. Aliás, este seguro de doença é muito discutível e os resultados que foram registados nos Estados Unidos levaram à remodelação substancial, que o Presidente Clinton está a pretender impor, dado que o seguro alternativo nos Estados Unidos deixou de fora milhões de pessoas que não tinham dinheiro para o pagar.

Assim, perguntamos, se atendermos ao princípio da livre escolha do médico e do centro hospitalar que o doente necessite, estabelecido no novo estatuto, quem é que vai pagar a diferença entre a clínica privada, se o doente a escolher, e o serviço público. É que isto nunca foi esclarecido e o público julga que pode escolher livremente, que tanto pode ir ao consultório privado e apresentar o recibo ao Ministério da Saúde, como ao serviço público.

Por outro lado, sabemos que está em vias de ser posta em execução a gestão privada dos hospitais, até pela movimentação que já se observa em certos sectores capitalistas, havendo já quem se retire da actividade bancária para se apresentar a fundar empresas de gestão hospitalar.

É que se os hospitais têm um orçamento tão magro que permite uma assistência e/ou um internamento em condições tão deficientes, o que será depois, se desse orçamento ainda tem de sair uma boa fatia para os lucros desses capitalistas que estão interessados em gerir os hospitais?

Finalmente, gostaria de lhe fazer uma pergunta muito concreta: consta que o Sr. Ministro andou por aí a pro-

meter a abertura de zonas de internamento em centros de saúde que já tinham sido encerradas. Assim, gostaria de saber se isso é verdade e, se for, onde é que V. Ex.° vai buscar o dinheiro para os pôr a funcionar, até porque o senhor anunciou isso em alguns locais sem sequer ter conversado com a Misericórdia local. Portanto, presumo que é o próprio Ministério da Saúde que vai criar uma zona de internamento anexa ao centro de saúde existente. Então, de onde vem o dinheiro? É que não está qualquer verba consignada no Orçamento para esse efeito.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, se quiser — e deixo

isso ao seu critério —, poderá usar já da palavra para responder, mas como há ainda bastantes oradores inscritos para pedir esclarecimentos, talvez fosse melhor ouvir mais algumas perguntas.

O Sr. Ministro da Saúde: — Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr." Deputada Helena Torres Marques.

A Sr." Helena Torres Marques (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, V. Ex." anunciou que, em 1994, o preço dos medicamentos vai fixar-se ao nível do que foi fixado em 1992.

Sabemos também que, de acordo a análise económica e social, elaborada pelo Governo e que nos foi apresentada pelo PDR, o sector da saúde, em Portugal, tem indicadores que estão, sistematicamente, abaixo da média da Comunidade. Há certas circunstâncias em que chegam a ser três vezes menores, isto segundo valores fornecidos pelo Govemo, que tenho aqui à minha frente.

Por exemplo, a despesa hospitalar per capita, em Portugal, é duas vezes e meia menor do que a média europeia; as despesas das famílias com a saúde é também cerca de metade da média europeia; a despesa pública em saúde, em percentagem do PIB, em Portugal, não chega a 4 % e a média europeia é 5,6 %, e assim sucessivamente. De facto, de acordo com estes dados, o que em Portugal é superior à média europeia é o número de médicos e o número de medicamentos tomados pelos doentes. Ora, isto significa que as despesas com medicamentos, em Portugal, são muito elevadas, com certeza, porque, sendo a estadia média, as despesas médias, tudo inferior, os medicamentos que se consomem são mais.

Por outro lado, sabemos que existem dívidas importantes do Ministério da Saúde para com os laboratórios farmacêuticos, o que, portanto, deverá significar um encargo orçamental, porque temos de comprar os medicamentos mais caros para compensar o atraso dos pagamentos.

Em face disto, a minha primeira pergunta é no sentido de saber a quanto se eleva o montante das dívidas não pagas, no final deste Orçamento do Estado para 1993, que se transferem para 1994?

A segunda pergunta é se o Sr. Ministro, ao conseguir este acordo com os fornecedores de produtos farmacêuticos, fez alguma negociação no sentido de o Estado passar a ser bom pagador, efectuando os pagamentos em prazos curtos, no sentido de reduzir os preços dos medicamentos.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Coelho.

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, gostaria de colocar duas questões,

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sendo a primeira semelhante à que a Sr.a Deputada Helena Torres Marques acabou de colocar, mas muito mais concreta.

Com efeito, Sr. Ministro, considero que este acordo, que posso apelidar — sem qualquer estultícia da parte do PSD, que suporta este Governo — de histórico, é particularmente importante, já que convencer os industriais da indústria

farmacêutica a não aumentarem os medicamentos é algo

que deve ser registado.

Ora, em relação a este aspecto e uma vez que estamos em sede de discussão orçamental, gostaria de saber quanto é que é previsível que o Estado poupe neste acordo. É evidente que é difícil referir um número preciso, porque há muitas variáveis que não são controláveis, nomeadamente as prescrições, a doença das pessoas, mas gostaria de saber, aproximadamente, quanto é que é previsível que o Estado poupe neste acordo.

A segunda questão tem a ver com os centros de atendimento a toxicodependentes, em relação aos quais o PCP resolveu apresentar um projecto de lei no sentido de serem criados em todas as capitais de distrito, o que, naturalmente, demonstra alguma desatenção sobre o que tem sido feito nesse sentido. Deste modo, solicitaria ao Sr. Ministro que nos indicasse os centros de atendimento de toxicodependentes que foram inaugurados ou, mais correctamente dizendo, postos ao serviço das populações, no último ano, e aqueles que se prevê estarem aptos a servir as populações nos próximos seis meses.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O/Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Sr. Deputado' Luís Peixoto, V. Ex.° começou por dizer que eu tinha aparecido aqui com um ar optimista em relação ao ano de 1994.

De facto, estou optimista em relação a 1994, como estava optimista em relação a 1993 e os resultados estão à vista! Aliás, como sabe muito bem, ainda há muito pouco tempo, uma revista estrangeira de grande divulgação, cuja idoneidade não pode ser posta em causa, dizia que, em Portugal, as duas principais cidades de Lisboa e Porto se colocavam, respectivamente, num conjunto de 30 cidades europeias, no 5.° e no 3.° lugar. Ora, isto significa que, no sector da saúde, em Portugal, não há só miséria ou miserabilismo e não podemos, de modo algum, confundir casos pontuais com o que se passa em geral.

Existem, na verdade, algumas listas de espera e temos, claramente, a noção disso, assim como das dificuldades de internamento, mas o Sr. Deputado Luís Peixoto, como profissional de saúde que é, sabe muito bem que muito se tem feito, nos últimos anos, para melhorar o sistema de saúde, em Portugal, e que nós, os portugueses, iniciámos um trabalho, nesta área, com um atraso de mais 30 ou 40 anos em relação aos outros países, que já estavam muito mais avançados em matéria de cuidados de saúde. • Por consequência, penso que o esforço que se fez, nos últimos anos, em relação à melhoria da qualidade e da quantidade de prestação .descuidados de saúde, está agora a ter os seus resultados e deve ser considerado altamente positivo. Por isso mesmo, estou tão optimista em relação ao que se fez este ano como em relação ao que vai acontecer no próximo. Aliás, quer a revista estrangeira, que há pouco referi, quer algumas instituições internacionais, quer mesmo os órgãos de estatística nacionais têm vindo a revelar esse aspecto.

Ainda ontem foram publicadas pelo INE e já estão, hoje, a ser divulgadas, algumas estatísticas no domínio da saúde que dizem respeito à realização de partos. Neste momento, cerca de 98 % dos partos realizados em Portugal são feitos em meio hospitalar, o que significa que o número de partos que não é realizado em meio hospitalar é praticamente desprezível, o que quer dizer que o sistema está a responder com alguma eficácia, que tem melhorado a qualidade e a humanização.

No entanto, é evidente que um sistema que conta com 102 000 funcionários, com milhares de instituições espalhadas pelo País, com muita gente de boa vontade mas com alguns de má vontade, naturalmente, sempre apresentará, aqui como em qualquer outra parte do mundo, algumas dificuldades.

Ainda não há muito tempo, a mesma revista estrangeira, já citada, apresentava, em relação ao sistema de saúde francês, um rosário de queixas dos cidadãos sobre a prestação dos cuidados de saúde e, como todos sabemos, trata-se de um sistema considerado, hoje, como a jóia da coroa europeia, pois é até o mais caro e o mais desenvolvido.

Penso que devemos olhar para o que temos da melhor maneira, fazendo sempre um apelo à nossa memória, comparando com o que era há cerca de dois, três, quatro ou cinco anos atrás, não esquecendo também o que estamos a fazer no sentido da aproximação em relação aos outros países que são nossos parceiros comunitários. Assim, continuo a reafirmar que o ano de 1994 será, com segurança, o ano da introdução das reformas preparadas nos anos anteriores, designadamente em 1993.

E, já agora, aproveitava a oportunidade para me referir ao seguro alternativo de saúde. Os Deputados Luís Peixoto e Ferraz de Abreu vieram colocar a questão do seguro alternativo de saúde e, mais uma vez, sobretudo o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, referiu-se-lhe como se ele viesse «sacudir» — foi a palavra que utilizou — a res-ponsablidade do Estado para outros.

A este propósito, quero dizer-lhe que a comparação que fez com o sistema americano de seguros não tem nada a ver com o assunto, e o Sr. Deputado sabe isto muito bem, porque já expliquei este assunto variadíssimas vezes em sede de Comissão de Saúde. Portanto, todas as pessoas estão esclarecidas e se o Sr. Deputado vem aqui dizer o contrário é porque entende que o deve dizer para ir registando a sua afirmação, pois «água mole em pedra dura, tanto dá até que fura», assim diz o ditado, e, certamente, quererá que uma «desinformação» passe melhor do que uma informação.

Mas devo dizer-lhe que, com o sistema preconizado pelo Governo, todos os portugueses têm direito aos cuidados de saúde, o que significa que não haverá cidadão nacional que não fique coberto pelo sistema nacional de saúde.

Com seguro ou sem seguro, todos ficarão abrangidos pelo Serviço Nacional de Saúde, que tem as suas estruturas, os seus mecanismos, a sua organização e é a ele que os cidadãos irão recorrer quando necessitarem de cuidados de saúde. Essa questão não é iludida, nem alterada. Ou seja, se nenhum português quiser optar pelo seguro alternativo de saúde, quando ele estiver instituído, fica abrangido pelo Serviço Nacional de Saúde e assim ficará, tal como já está hoje em dia, porque o Serviço Nacional de Saúde continuará, como acabei de afirmar, a exercer um grande esforço no sentido da melhoria das suas infra-estruturas e da prestação dos cuidados de saúde, melhorando a distribuição de pessoal, admitindo mais pessoal,

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instalando novos hospitais, novos centros de saúde e reequipando os que já existem.

Por consequência, se os Portugueses, porventura, não quisessem optar pelo seguro alternativo de saúde continuavam tal como estão hoje, ou seja, inseridos, em plenitude, no Serviço Nacional de Saúde, que é universal, global e tendencialmente gratuito.

Ora, isto significa que não haveria qualquer alteração. Mas não é isso que irá acontecer. O seguro alternativo de saúde virá promover a liberdade de escolha, a concorrência entre as instituições, a melhoria da qualidade dos serviços e estou convencido que, no ano de 1994, iremos ter o seguro alternativo de saúde instituído em Portugal. Não posso afirmar, com segurança, que, em 1994, será instituído o serviço alternativo de saúde, porque, neste caso, não depende exclusivamente do Governo, mas essa vitória que os Srs. Deputados têm vindo a alardear cheira-me a falsa vitória, uma vez que as companhias de seguro já estiveram mais longe, bem mais longe, de aderir a este projecto.

Assim, quero dizer-lhe, com segurança, que do ponto de vista político, as companhias de seguros já não colocam questões; do ponto de vista do funcionamento ainda colocam algumas reservas, mas temo-las reduzidas praticamente a dois pontos, pelo que estou convencido de que será possível negociá-las num prazo tão breve quanto possível, por forma a concretizar a institucionalização do seguro alternativo de saúde no ano de 1994.

Não posso assumir aqui, perante esta Assembleia, o compromisso de que, em 1994, teremos instituído o seguro alternativo de saúde, mas a minha previsão aponta nesse sentido, o que significa que, de alguma maneira, «cheirará a falso» essa vossa expectativa de não tornar possível uma situação que considero importante e que é, realmente, útil para os Portugueses, porque há muitas pessoas que já hoje têm os seus seguros de saúde e o Serviço Nacional de Saúde continua a existir. E se elas têm o seu seguro de saúde, por que é que o Estado não há-de comparticipar nele? É isso que queremos!

Se as pessoas quiserem optar pelo seguro de saúde, como já hoje acontece com muitas, então, o Estado irá comparticipar nele e transferirá para a conta delas ou para a da companhia de seguros o quantitativo a que tinham direito no âmbito do Serviço Nacional de Saúde. Isto significa que o Estado está a procurar ser uma pessoa de boa fé, ou seja, está a transferir para o cidadão aquilo a que ele tem direito, porque, actualmente, há muitos cidadãos que têm seguros de saúde e não recebem rigorosamente nada.

Portanto, o que queremos é melhorar o sistema e fazer que o Estado assuma a sua postura de pessoa de boa fé em relação aos cidadãos, transferindo para eles os quantitativos respeitantes ao seguro alternativo de saúde se, porventura, os cidadãos optarem por ele. Por isso digo que o ano de 1994, dado que já temos uma ou duas companhias que aderiram ao nosso projecto, bastará agora alargar o leque de adesões, será aquele em que será possível instituir em Portugal o seguro alternativo de saúde.

Mas os Srs. Deputados Luís Peixoto e Helena Torres Marques disseram também que os indicadores são muito negativos, referindo-se, designadamente a Sr." Deputada Helena Torres Marques, ao preço por cuidado prestado e por cama. Mas quem é que lhes disse que o dinheiro faz melhor? Quem é que disse que só com muito dinheiro é que se pode fazer melhor saúde em Portugal? Isso não está provado! Tanto não está provado que, neste momento, uma boa parte dos países estão a recuar em relação ao desperdício verificado em grande parte dos países da Comunidade Europeia

Assim, países como a França, a Holanda, a Alemanha, o Reino Unido ou a Itália estão, neste momento, a procurar consensos, a nível internacional, no sentido de encontrarem uma plataforma comum para a prestação de cuidados de saúde, evitando o desperdício que se verificou e alastrou por todos esses países.

Sabe-se, seguramente, qual é o crescimento da receita no orçamento da Alemanha ou no da França para o ano de 1994. Tenho esses elementos disponíveis e, seguramente, os Srs. Deputados também os terão, o que, do meu ponto de vista, significa que há um recuo, pois não é com mais dinheiro que se prestam melhores cuidados de saúde, uma vez que o que interessa é rentabilizar ao máximo o que temos, os recursos humanos, os equipamentos, os recursos financeiros, e só assim é que, sem pesar muito no orçamento dos cidadãos portugueses, podemos prestar um bom serviço, ou seja, prestar os cuidados de saúde adequados aos cidadãos nacionais.

Relativamente à afirmação do Sr. Deputado Luís Peixoto de que o nosso PD3 é muito inferior, gostava de dizer-lhe que, por exemplo, temos, em Portugal, um PIB público entre os 4 % e os 4,6 %, que não é tão despiciendo como isso e que nos últimos anos tem vindo a crescer. Mas não é esse o nosso objectivo e eu não estou nada preocupado se o PIB cresce ou não. O que me preocupa é se o dinheiro chega ou não para prestar os cuidados de saúde que programámos para o País. Do nosso ponto de vista, isso é que é extremamente importante.

Não se avalia o volume, a qualidade ou a quantidade dos cuidados de saúde só pelo PIB. A avaliação tem de ser feita pelos indicadores, ou seja, pela taxa de mortalidade, pela esperança de vida à nascença, pelo número de suicídios, pelo número de operações que são feitas, pela rotação das camas, pelo número de urgências ou pelo número de consultas que cada cidadão faz. Esses é que são os indicadores, Sr. Deputado e não o que se gasta. Isso não interessa, pouco importa.

Sr. Deputado Ferraz de Abreu, o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, tal como a Lei de Bases, que foi aprovada nesta Assembleia, apontam para que possa haver uma taxa de serviço. Mas quando, há dias colocou essa questão, esclareci que não está prevista, para 1994, a criação de uma taxa de serviço para pagamento dos serviços médicos. Aliás, se ela estivesse prevista, teria de fazê-la reflectir no orçamento do Ministério da Saúde. Como tal não aconteceu, isso significa que, em 1994, não está prevista a criação de qualquer taxa de serviço, ou seja, o Governo não quer dar por um lado e tirar por outro.

Se negociámos um acordo para a redução do custo dos medicamentos, para dar aos cidadãos uma melhoria que se situa entre os 4 % e os 5 % na taxa de comparticipação, iríamos depois tirá-la introduzindo a taxa de serviço? Sr. Deputado, não é esse o nosso objectivo. O único pagamento que introduzimos no sistema, há alguns anos atrás, foram as taxas moderadoras, que deram os seus resultados e os partidos da oposição, apesar de na altura terem feito uma grande guerrilha sobre a matéria, não estarão hoje arrependidos de nos terem visto introduzi-las, porque elas trouxeram, efectivamente, alguma moderação no consumo de pessoas que não tinham necessidade de utilizarem os cuidados de saúde.

No que respeita à toxicodependência, como disseram os Srs. Deputados Jorge Paulo Cunha e Luís Peixoto, o nosso objectivo — aliás, isso está consignado no Programa do Governo que foi apresentado a esta Assembleia e por ela aprovado — é a instalação de um centro de apoio a toxicodependentes em todos os distritos do País.

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Lembro aos Srs. Deputados que, só no ano de 1993, foram introduzidos mais quatro centros, o que, com os cinco que já existiam, totaliza nove, ou seja, metade dos distritos do País têm, hoje, centros de apoio a toxicodependentes. Ampliámos também os centros do Porto e de Coimbra, dotando-os com uma unidade de internamento, e estamos na previsão de, em 1994, iniciar a construção de um novo centro de apoio e internamento no parque de saúde de Lisboa, que irá reforçar o Hospital

das Taipas.

Em relação aos próximos anos, há já uma programação feita, para a qual dispomos de uma verba de de 2,150 milhões de contos consignada no orçamento, tanto ao nível do orçamento de exploração como ao do orçamento de investimentos. Consideramo-la suficiente para continuarmos, em 1994, o percurso que definimos em 1991, no que diz respeito à criação de centros de apoio a toxicodependentes em todos os distritos do País, o que me leva a crer que não será necessário introduzir qualquer alteração em relação a este orçamento, uma vez que o programa já estava previamente definido pelo Governo, como lhe disse. Isto está no Programa do Governo, está a ser por ele cumprido e estará cumprido no final de 1995, seguramente.

Passando à questão que o Sr. Deputado Ferraz de Abreu colocou quanto à abertura de unidades intermédias, lembro que anunciei neste Parlamento, há dois anos, que iríamos promover a reabertura de 20 unidades intermédias em todo o País. Aliás, devo dizer-lhes, com toda a tranquilidade, que considero a falta de unidades intermédias de assistência que a grande falha do nosso sistema de saúde.

Estamos hoje bem servidos, do meu ponto de vista, ao nível dos cuidados primários e dos cuidados diferenciados, mas falta-nos uma rede de cuidados intermédios, que apoie os cuidados diferenciados quando já não é necessário ter o doente internado para além da intervenção cirúrgica ou médica a que foi submetido e precisamos que ele esteja mais próximo das populações, mais próximo dos seus familiares e dos seus amigos.

Portanto, há que dotar o País de uma rede de cuidados intermédios que se situe, como o próprio nome indica, entre os cuidados primários e os cuidados de saúde diferenciados. Penso que é na conjugação desta linha de orientação, com a abertura de algumas unidades de cuidados intermédios, como está a ser feito, que conseguiremos colmatar esta dificuldade do sistema de saúde.

Aliás, o Sr. Deputado certamente estava a referir-se à Nazaré e eu esclareço-o que a Nazaré foi dotada de um determinado montante para que a Confraria da Nossa Senhora da Nazaré...

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): — Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: — Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): — O Sr. Ministro prometei; que ia abrir um hospital em Sever do Vouga. V. Ex.° esteve lá, clandestinamente, fez essa promessa e é sobre isso que eu estou a perguntar. Onde é que vai buscar o dinheiro?

O Orador: — Lá está o Sr. Deputado a partidarizar estas coisas!

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): — Isto é muito importante, Sr. Ministro.

O Orador: — Não partidarize estas coisas, Sr. Deputado.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): — V. Ex.a é que partidarizou, porque foi pedir para votarem no PSD e prometeu que, se ganhassem a câmara, teriam um hospital.

O Orador: — Sr. Deputado, se o PSD não ganhar a

câmara, aquela localidade não deixará de ter a mesma unidade de cuidados de saúde intermédios.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Trata-se de uma acção programada e não desgarrada e, por consequência, pode estar tranquilo que se, porventura, o seu partido ganhar a câmara, naturalmente que irá ter, da mesma maneira, a unidade de cuidados de saúde intermédios que está prometida e que está programada há muito tempo.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): — E onde está o dinheiro para isso?

O Orador: — O que acontece é que o Sr. Deputado, também do ponto de vista político, deu um tom especial à possibilidade de as unidades de saúde virem a ser geridas por privados.

Sr. Deputado, creio que nisso não haverá mal nenhum e até mesmo haverá muitos benefícios, porque não é na gestão pública — e isso está provado — que residem todas as seguranças e todas as virtudes.

Vamos procurar desenvolver, através de experiências em unidades públicas de saúde, a gestão privada, com a da constituição de grupos de médicos ou através mesmo de entidades privadas e estou convencido que iremos ter melhorias. Isto não tem nada a ver com ser capitalista ou deixar de ser capitalista, não há aqui lucros! O que acontece é que uma gestão mais correcta podem dar resultados positivos. Então, se conseguirmos resultados positivos, havemos de desperdiçá-los? Não vejo razão para isso! Se, com essa atitude, conseguirmos melhorar a prestação dos cuidados de saúde e aumentar essa mesma prestação, não vejo por que razão não haveremos de ensaiar esta experiência, que, seguramente, em 1994, irá ser levada a cabo.

A Sr." Deputada Helena Torres Marques colocou a questão do número de medicamentos existente em Portugal. Devo dizer-lhe que, em Portugal, existem 12 400 apresentações de medicamentos e 4031 medicamentos. De facto, tem razão quando diz que, no nosso país, existe um número de medicamentos substancialmente superior ao da maioria dos países da Comunidade Europeia. Isso é verdade, mas é por isso mesmo que estamos a procurar resolver o problema, mediante um programa que temos em curso com vista a retirar a autorização a medicamentos que não têm um mínimo de utilização e de representação no mercado. O facto de existirem, em Portugal, 4031 medicamentos ou 12400 apresentações, não significa que todas elas estejam a ser utilizadas e é preciso fazer uma limpeza, que é o que está a ser feito.

Quanto às dívidas que referiu, peço ao Sr. Secretário de Estado para apresentar alguns elementos sobre essa questão, porque não podemos falar de uma maneira tão simplista das dívidas do Ministério da Saúde.

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De facto, temos de reconhecê-lo, existem alguns atrasos de pagamento, mas a seguir daremos uma resposta mais aprofundada.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): — Faltou o Hospital do Patrocínio.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro. O Sr. Deputado Luís Peixoto está a referir que faltou responder à questão do Hospital do Patrocínio.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Jorge Pires): — Eu falo já sobre o assunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: — Srs. Deputados, antes de responder à questão da dívida dos medicamentos e sobre o Hospital do Patrocínio, dado que foi aqui levantado o problema do PEB, peço ao Sr. Deputado que faça o favor de ler a p. 145, do 4.° suplemento do Diário, do dia 15 de Dezembro de 1992, onde está claramente explicitado o problema do PIB.

Estas coisas estão ditas, estão escritas, e não vale a pena continuar a insistir na matéria, lançando para a opinião pública números que nada têm a ver com a realidade. Os senhores são capazes de estar a falar em números de 1988 ou de 1989, acredito, mas os números actuais nada têm a ver com isto.

Já agora e sobre esta matéria, gostava de dizer, muito clara e definitivamente, que o PIB português, neste momento— e é fácil fazer as contas, pois sabe-se qual é a despesa pública de saúde e sabe-se também que o produto interno bruto português, em 1993, é de 12,5 biliões de contos —, é de 6,7 % e não do valor que tem vindo a ser referido. Aliás, na página do Diário que eu referi está dito o que é público e o que é privado. Está lá tudo.

Ainda relacionado com o PIB, tem-se afirmado muito, talvez para iludir a opinião pública, que a despesa privada de saúde atinge, em Portugal, valores que não são atingidos em qualquer outro país. Sr. Deputado, se fosse verdadeira essa afirmação, então o PIB português não seria de 6,7 % mas, sim, de quase 9 %.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): — Isso é que é iludir a opinião pública'.

O Orador: — É conveniente que estas coisas sejam clarificadas e que não seja apenas lançada uma certa confusão sobre a matéria.

Relativamente ao Hospital do Patrocínio a questão é simples. Como sabe, foi celebrado um protocolo com a Santa Casa da Misericórdia, dando-lhe a exploração desse Hospital, dentro de um espírito de legalidade. Como sabe, podendo o Ministério da Saúde atribuir subsídios a instituições particulares de solidariedade social, o acordo previa que a gestão de determinada área de actividade fosse atribuída à Santa Casa da Misericórdia. O que está em questão, neste momento, é uma situação completamente diferente e que é a de saber quem irá encarregar-se das restantes actividades que vão ser desenvolvidas no Hospital do Patrocínio.

Quanto à sua conclusão, como sabe, estão neste momento em fase de acabamento as obras que estavam em curso.

Sr." Deputada Helena Torres Marques, terei muito prazer em responder-lhe sobre o problema das dívidas, porque me parece que há alguma falta de informação. Portanto, como disse, terei muito prazer, no final desta sessão, em oferecer-lhe uma publicação que editamos periodicamente sobre o medicamento, onde encontrará a realidade dos números oficiais.

A Sr.* Helena Torres Marques (PS): — Posso interrompê-lo, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: — Faça o favor, Sr.a Deputada.

A Sr." Helena Torres Marques (PS): — Sr. Secretário de Estado, quero agradecer-lhe, mas a informação que tenho — e que estudei minuciosamente — foi a que o Governo me forneceu. Se o Governo não forneceu mais, tenho pena mas só tenho esta.

No entanto, quando falei no problema dos medicamentos, o que queria saber, fundamentalmente, era a repercussão que eles tinham sobre as dívidas do Ministério da Saúde.

O Orador: — Eu vou responder, Sr.° Deputada.

A Sr.' Helena Torres Marques (PS): — Espero que esse relatório esteja mais actualizado do que o meu.

O Orador: — Sr.4 Deputada, a informação que tem em seu poder é o documento síntese, que abrange variadíssimas actividades, e o que eu estou a referir abrange, especificamente, informação actualizada sobre o medicamento em Portugal.

Para que fique claro, e ainda relativamente ao consumo de medicamentos, devo dizer que não é verdade que Portugal tenha um consumo de medicamentos acima da média comunitária. Na realidade, o nosso país está em 6.° lugar no que se refere ao consumo, ou seja, exactamente a meio da tabela.

Muito se tem falado no problema das dívidas, mas diz--se também — e, antes de chegarmos aí, se quiser, podemos falar de outros indicadores — que a estada média, em Portugal, é superior à da Comunidade Europeia, o que não é correcto. Como foi referido pelo Sr. Ministro, é oito...

A Sr.* Helena Torres Marques (PS): — Posso interromper, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: — Faça o favor, Sr." Deputada.

A Sr.° Helena Torres Marques (PS): — Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, estou a referir-me a números dados pelo Governo. Se não estão certos, foi o Governo que não os deu certos.

Em segundo lugar, comparando com a média da Comunidade Europeia, podemos perfeitamente estar em 6." lugar, mas como não estou a comparar com a média, dá estes valores.

Os valores que lhe indiquei são os que estão aqui publicados.

O Orador: — Sr.° Deputada, se me permite, estou a falar-lhe de números actuais. Certamente, esses números que a Sr." Deputada indicou deve/» referir n ano a que se reportam.

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Quanto ao problema das dívidas relativas aos medicamentos, vamos separá-lo por duas áreas, a Associação Nacional de Farmácias e a APIFARMA.

Em relação à ANF, a questão é simples: devo dizer-lhe que a dívida nunca oscila e tem variado apenas entre os 5 e os 22 dias de atraso. Agora, o que temos de considerar é que, neste momento, em Portugal, consomem-se cerca de 8,5 a 9 milhões de contos de medicamentos por mês, na área dos medicamentos comparticipados, e, portanto, é natural que se fale em 2, 3 ou 4 milhões de contos de dívidas, pois, para isso, basta haver um atraso de 15 dias no pagamento.

Como sabe, a dívida verifica-se em cerca de 10 dias, desde o dia em que se vence a factura e o dia em que se processa o pagamento, pelo que podemos atingir picos de atrasos, como lhe disse, no máximo de 22 dias, mas têm sido, em média, 10 ou 11 dias, descendo, por vezes, a 5, conforme se vai avançando no mês.

Portanto, em termos de atrasos de pagamento, não se pode considerar que exista uma dívida significativa. Aliás, todas as actividades que se desenvolvem neste país certamente gostariam de ter este tipo de pagamentos.

No que diz respeito à APIFARMA, quero salientar que os 35 milhões que têm aparecido por aí, não sei como, não correspondem à verdade. Neste momento, incluindo aquilo que está dentro e fora de prazos de pagamento, existe efectivamente um total de 22 milhões de contos — e tenho mapas da própria APEFARMA através dos quais se demonstra isto—, dos quais 13 milhões de contos estão dentro de prazo e apenas 9 milhões de contos estão fora dele.

Mas, neste caso concreto, e estou a referir-me sempre a números da APIFARMA, há uma coisa engraçada: quando comparamos a evolução da dívida, em termos de prazo, desde o início do ano até este momento, o que se passa é que, efectivamente, em escudos, houve um aumento — o Serviço Nacional de Saúde, em termos de escudos, conseguiu elevar esse montante até uma determinada altura —, mas, em termos de prazos de pagamento, descemos de 5,88 meses para 5 meses. Isto significa que conseguimos recuperar em termos de prazo, simplesmente o crescimento do preço do medicamento hospitalar, em virtude de novos medicamentos e de novas moléculas que surgiram com alguns preços exagerados, acabou por ocasionar um consumo bastante superior. E posso dizer-lhe que o consumo hospitalar é superior em cerca de 9 % relativamente ao consumo das farmácias.

Esta é que é a realidade, ou seja, conseguimos recuperar em termos de prazo, em termos de meses, mas, em termos de escudos, face a um evoluir demasiado rápido da facturação hospitalar nos medicamentos, houve efectivamente um crescimento. De qualquer modo, não são os tais 35 milhões de contos, como já disse, mas, sim, um total de 22 milhões de contos, dos quais 13 milhões de contos estão dentro do prazo normal de pagamento.

O Sr. Castro Almeida (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): — Sr. Presidente, antes de colocar duas ou três questões, ocorre-me fazer um comentário à intervenção do Sr. Ministro da Saúde, pois ele deixou aqui transparecer uma enorme confusão de conceitos e políticas de saúde.

Todos registamos uma evolução positiva no Sr. Ministro da Saúde em relação ao chamado Serviço Nacional de Saúde, ao serviço público de saúde, pois sendo o Serviço Nacional de Saúde um «bicho», uma coisa enorme e má — daí o Governo e o PPD/PSD se terem dirigido durante muitos anos contra ele—, verificámos que o Sr. Ministro, hoje, referenciou-o de forma positiva e, portanto, existe, de facto, um trabalho realizado em termos de participação de cuidados de saúde.

Sucede que, a seguir, o Sr. Ministro da Saúde deitou por terra todo o conceito geral e nobre que preside a qualquer serviço nacional de saúde, ou seja, o de que é o Estado que tem de assumir, ele próprio, a responsabilidade da prestação de cuidados de saúde aos cidadãos.

Por outro lado, o Sr. Ministro exterioriza a ideia de que os seguros também devem participar, talvez fruto da tal confusão de conceitos e de políticas de saúde, falando depois na privatização da gestão dos órgãos dos serviços públicos de saúde. E, se continuássemos, iríamos chegar ao preço dos cuidados de saúde, que é outra novidade que o Sr. Ministro vai dar, certamente depois das eleições autárquicas, fazendo os Portugueses pagarem, de uma forma mais sentida, os cuidados de saúde.

Ora, estão em causa conceitos completamente diferentes. O Sr. Ministro aligeirou responsabilidades do Governo e do Ministério da Saúde, mas tem de concordar que são responsabilidades que lhes cabem, se quer continuar a dizer bem do conceito de serviço nacional de saúde.

Por outro lado, não quero fazer o juízo errado de que o Sr. Ministro mantém só a expectativa de que tem novidades para a saúde e de que os Portugueses, nesse domínio, vão ter novos programas, designadamente os tais seguros, que nunca mais chegam e relativamente aos quais não se sabe bem como vão ser. Aliás, já tivemos oportunidade de dizer várias vezes que, no dia em que esses seguros chegarem, o Sr. Ministro da Saúde vai ter de dizer aos portugueses, concretamente, quais os apregoados benefícios com que podem contar.

O mesmo se diga em relação à tão apregoada boa gestão, quando se verificar a privatização da gestão dos serviços públicos de saúde. Fazemos votos para que, nessa altura, diga toda a verdade aos Portugueses, pois são conceitos completamente contraditórios e que nada têm a ver uns com os outros.

O Sr. Ministro da Saúde referiu ainda que se verifica uma evolução na maior parte dos países europeus, e não só, mas também aqui demonstrou alguma confusão de conceitos e de políticas. O que se verifica, e isso é indesmentível, é que em todos os países da Comunidade Europeia, e não só, está a chegar-se, cada vez mais, à conclusão de que um serviço público de saúde, estruturado nos conceitos do chamado serviço nacional de saúde do tipo do inglês ou até do português, é mais eficaz e menos dispendioso. Isto é uma realidade.

Os países que não têm estruturado o seu serviço de saúde com base nestas «balizas» estão exactamente a fazer uma aproximação ao conceito de serviço nacional de saúde, que, no caso português, engloba, e bem, outras participações positivas, que lhe conferem o cariz de um sistema nacional de saúde cuja espinha dorsal é, de facto, o serviço nacional de saúde.

Vou agora fazer duas ou três perguntas, embora não pudesse deixar de tecer estes comentários.

Voltemos á questão da dívida. E voltemos à questão da dívida, porque o Ministério da Saúde não tem tido a preocupação de dizer toda a verdade nesta matéria, pese em-

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bora a nossa insistência para que toda a verdade seja exposta e para que possamos, enfim, conhecer a verdadeira situação da dívida dos hospitais, no nosso entender catastrófica.

A primeira questão que quero colocar em relação à dívida tem a ver com o facto de lamentarmos — e já tivemos oportunidade de dizer isso ao Sr. Ministro, mas é bom que fique novamente aqui registado — que tenha desaparecido, por arte mágica, das folhas que geralmente nos entregam, muito estreitas e muito condensadas em números, a coluna referente à dívida. Esta coluna tem aparecido todos os anos,...

Vozes do PS: — No ano passado já não apareceu!

O Orador: — Esta coluna já não apareceu no ano passado, mas este ano, quando esta questão é cada vez mais importante, também não apareceu. Não vemos aqui os números referentes à dívida nem a previsão do seu aumento, embora seja previsível que vá aumentar.

Na reunião que tivemos com o Sr. Ministro, se bem entendi, foi dito pelo Sr. Secretário de Estado que o crescimento da dívida era igual a zero.

De qualquer modo, isto é tão difícil de entender que hoje coloco novamente a questão: o Ministério da Saúde reafirma que a evolução da dívida vai ser igual a zero, isto é, não vai haver aumento da dívida?

Ainda no que diz respeito à dívida dos hospitais, gostava que fosse referido nesta reunião, para constar das actas, o montante da dívida dos hospitais, quantos milhões de contos devem os hospitais.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Por outro lado, gostava ainda de colocar a seguinte questão: o Sr. Ministro pode confirmar ou desmentir aqui que, quando se falou deste problema das dívidas, disse que a dívida era dos hospitais, que a responsabilidade era dos administradores dos hospitais e que o Ministério da Saúde não devia nada? Gostava de saber se isso é ou não verdade. É que nós, às vezes, ouvimos, lemos e vemos coisas que, depois, não correspondem à verdade.

Relativamente ao preço dos medicamentos, registamos, de forma positiva, que vai diminuir. No entanto, há uma coisa, relativamente à qual, nós, talvez por desconfiança

— e desculpe dizê-lo, não sei bem se será o termo mais correcto—, temos dúvidas. É que às vezes o preço dos medicamentos desce mas as embalagens não contêm o mesmo número de unidades que tinham anteriormente. Isto aconteceu e não pode ser desmentido! Aliás, posso dar-lhe o exemplo de um caso que se passou com um familiar meu, concretamente com a minha mãe, que um dia chegou lá a casa e disse: «Olha, o preço manteve-se mas o que lá está dentro diminuiu!» Isto é verdade!

Sendo assim, Sr. Ministro, gostava de saber se, neste caso, havendo uma redução do preço, existe algum acordo com a indústria farmacêutica que altere as regras neste sentido, isto é, permitindo a diminuição do número de unidades por embalagem. É que isso seria uma fraude bastante desagradável.

Por Último, quero suscitar a questão do financiamento para o investimento nos hospitais.

É do conhecimento do Ministério da Saúde que muitas unidades de alguns hospitais, algumas das quais vitais

— e tive conhecimento de algumas —, estiveram encerra-

das porque não havia possibilidade de manutenção normal do material nem de as pôr a funcionar. A razão apresentada foi a de que não havia verbas para esse efeito.

Mas, mais grave ainda, foi o facto de algumas empresas que tinham a responsabilidade de fazer essa manutenção, pura e simplesmente, se terem recusado a fazê-la, porque a dívida era de tal forma astronómica que só com dinheiro adiantado, o que provocou algumas dificuldades,

Gostava, pois, de saber se o Ministério da Saúde considera que nessa área existem as verbas suficientes para fazer face à necessária renovação do material médico e cirúrgico dos hospitais e, inclusivamente, para a própria manutenção.

Por último, para dar uma ideia bastante colorida em relação ao que se passa no serviço de saúde, o Sr. Ministro referiu há pouco que havia algumas listas de espera. Não sei se dispõe de dados suficientes mas, em caso afirmativo, era importante que explicitasse se, afinal, as listas de espera são muitas ou só algumas. É que suponho que o Sr. Ministro saberá — como todos nós — que, como algumas são tão longas, estão encerradas as inscrições para consulta nessa especialidade.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, peço desculpa por alterar a metodologia que estava a ser seguida, mas o Sr. Deputado João Rui de Almeida referiu alguns aspectos a que, pela sua gravidade, deve ser dada desde já uma resposta.

Começou por elogiar o Serviço Nacional de Saúde e depois disse que há listas de espera. Afinal, o que é que está bem? É o Serviço Nacional de Saúde? São as listas de espera? Se calhar, o Serviço Nacional de Saúde criado pelo Partido Socialista não funciona tão bem como devia, razão pela qual estamos a modificá-lo.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): — É a tal confusão!

O Orador:—A sua mentalidade estatizante não lhe permite ver aquilo qué é visível por todos e, depois, classifica essa atitude como confusa. Não é nada disso! Não há qualquer confusão, Sr. Deputado! Recomendo-lhe que faça a leitura da Lei de Bases da Saúde, pois contém a distinção entre Serviço Nacional de Saúde e sistema de saúde. E um documento pequeno, contém meia dúzia de bases e certamente que todas as suas dúvidas serão esclarecidas.

Repito, não há qualquer confusão, o Sr. Deputado é que quer lançar a confusão. Não ponho em dúvida que esteja devidamente esclarecido, apenas quer lançar a confusão, mas recuso peremptoriamente essa atitude!

Além do mais, disse que as embalagens têm menos medicamentos. Ora, nesses casos, só há uma atitude a tomar, apresentar queixa na Polícia Judiciária porque, provavelmente, trata-se de um roubo.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): — É uma fraude!

O Orador: — Se, porventura, num supermercado, comprar uma caixa que, devendo conter 20 unidades, só tem 10, naturalmente que deve apresentar queixa desse facto à polícia e, relativamente aos medicamentos comprados em farmácias, deve proceder da mesma forma. O senhor está a querer lançar a confusão sem qualquer razão!

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Reduz-se o preço dos medicamentos, mas não há qualquer alteração na sua fórmula ou apresentação porque, caso contrário, essa redução de preço não seria real, pelo que pode ficar tranquilo. Se, porventura, for enganado, recomendo-lhe vivamente que comunique esse facto às autoridades deste país para que denunciem esse engano.

Mencionou igualmente que os serviços nacionais de saúde da Europa são mais eficazes, menos dispendiosos e mais humanos. Mas quais são os serviços nacionais de saúde da Europa? Conhece algum? Com a estrutura de serviço nacional de saúde só conheço o britânico, em que o português se inspirou. Desde logo, não há dois serviços de saúde iguais na Europa e, por consequência, não pode, de maneira alguma, comparar uma coisa com outra que não existe.

O nosso Serviço Nacional de Saúde está em modificação, e bem; está a avançar na corrente das modernas teorias do desenvolvimento dos serviços de saúde da Europa, pelo que não posso, de maneira alguma, querer que o Partido Socialista, que várias vezes tem afirmado que é preciso modificar, alterar e melhorar as coisas, venha agora dizer que, afinal, o Serviço Nacional de Saúde tout court, tal como foi concebido pela lei Arnaud, deve vigorar para sempre.

E preciso mudar e o senhor está afectado por uma enorme resistência à mudança.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, depois desta discussão de elevado nível cultural, vou tentar retomar a discussão, na especialidade, do orçamento do Ministério da Saúde.

Vários colegas colocaram uma série de questões que, para ser diplomático, nem sempre foram respondidas e vou questioná-lo sobre outras situações.

Em primeiro lugar, julgo que se passa algo nesta área, pois os distintos titulares da pasta da Saúde não têm clarificado um aspecto central que, a ser verdade — e não o ponho neste momento em causa — o que expuseram quanto à evolução recente das dívidas globais da saúde, não se percebe por que razão não é evidenciado. Se estivesse no vosso lugar, como a evolução das dívidas da saúde é tão positiva, pensava num quadro deste género: «Nós somos formidáveis por termos reduzido as dívidas numa determinada proporção.»

A verdade é que não compreendo por que razão no debate, na especialidade, do Orçamento para 1993 o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde foi muito mais esclarecedor do que este ano. Fez, com extremo rigor, a caracterização das dívidas e confirmou-nos os valores a que tínhamos chegado depois de procedermos ao cálculo dos dados que nos foram enviados. Este ano, por razões que desconheço — não sei se deva atribuí-las à Comissão, ao Governo ou às campanhas eleitorais —, não foi possível realizar atempadamente a segunda reunião para esclarecer estes assuntos, apesar de solicitada por vários Deputados. E a situação foi tai que, contrariamente ao ano passado, nem sequer se chegou a um único relatório, pois foram votadas duas propostas de relatório de que resultou — e quem tem votos não tem necessariamente razão — uma estrutura de relatório.

Ora, julgo que seria vantajoso, para que a discussão do orçamento do Ministério da Saúde não fosse inquinada pela averiguação dos factos, esclarecer devidamente esses ele-

mentos, pois se podem deduzir-se dos quadros, por que razão não são claramente explicitados para evitar depois qualquer dúvida ou discussão? É que não podemos esquecer-nos dos «mais papistas que o Papa»!

Quando o Governo diz: «É tanto», há sempre uns que

referem: «Vocês não entenderam bem, ainda é menos.» Em seguida, vem outro que quer subir mais, que tem ambições e diz: «Ainda é menos.» Por fim, alguém diz: «Não, não, o Governo já não deve nada.» Ou seja, quando o secretário de Estado refere que o crescimento é zero, há um Deputado entusiasmadíssimo que diz: «Não, não, a dívida é zero», ao que retorquimos: «Não é isso que lá está.» Estas afirmações perturbam a discussão, apesar de sabermos que faz parte da lógica dos parlamentos que nem todos os Deputados sejam esclarecedores e que alguns intervenham para louvaminhar. São em número reduzido, aceitamo-los, pois sabemos que essa atitude faz parte das regras e até nos distraímos com esse acontecimento que muda o sistema de funcionamento.

Porém, representaria um avanço se, por um lado, as dívidas e o mapa relativo à sua evolução fossem discriminados e, por outro, se as dívidas internas ao próprio sistema de funcionamento da saúde fossem clarificadas, não com um detalhe excessivo, bem como as dívidas externas do sistema de saúde e do Ministério, questão que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde levantou — e bem — e que o Sr. Ministro também referiu na reunião da comissão especializada.

Penso que existem dados suficientes e que só ganharíamos em não misturar as duas coisas, porque também se dá o reverso da situação a que há pouco fiz referência quando aparecem pessoas a dizer: «A dívida é esta» e, como somam dados que não são adicionáveis, atingem o dobro dos valores a que chegamos. Logo, podia acabar-se com esta discussão se ficasse assente o valor dessa dívida.

Em segundo lugar, parece-me importante que O orçamento da saúde evolua no sentido de uma maior clareza orgânica e funcional. Quando pretende discutir-se seriamente um orçamento e se diz «Nós achamos que deve haver um reforço nesta área», era necessário que essa proposta fosse clara.

No ano passado, o Partido Socialista — contrariamente ao que foi afirmado em público, aqui há tempos, por um Deputado do PSD que mentiu — apresentou algumas propostas de reforço de verbas. Do que chega ao meu conhecimento sobre o funcionamento interno e de acordo com a análise das contas, até os próprios titulares das pastas, nalgumas áreas, o fizeram parcialmente ao longo do ano, o que não me parece criticável. Se conseguirem «sacar» mais dinheiro ao Ministério das Finanças, na sua oscilação entre o oásis e a teoria das vacas esbeltas, não vejo por que razão não há-de verificar-se esse reforço.

Mas o problema, à partida, é que, quando queremos propor reforços para umas áreas, nem sempre se evidencia com uma clareza absoluta a sua classificação na parte que diz respeito ao Ministério da Saúde. Dizemos: «Queremos reforçar esta área», que não aparece evidenciada, por vezes, com a clareza suficiente, o que leva a que o Ministro diga: «Vocês estão a querer reforçar essa área, mas já está prevista outra forma.»

Portanto, julgo que haveria vantagem em fazer evoluir a apresentação do orçamento de maneira a que fossem progressivamente mais evidentes as despesas por áreas de actuação e por serviços. Ganharíamos em clareza porque, então, a discussão só incidiria nas alterações e não nos factos.

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Normalmente, perdemos bastante tempo, não só na saúde, mas também noutras áreas, quando tentamos fazer esse trabalho de clarificação. Por exemplo, no ano passado, dissemos que queríamos reforçar as verbas para a toxicodependência, ao que o Ministro respondeu: «Atenção, pois a toxicodependência implica despesa através dos serviços, etc.» O Ministério tem feito um esforço e, este ano, enviou um conjunto de quadros. Esse tipo de dados, fornecido atempadamente, permitiria que a própria discussão destes reforços fosse feita com mais rigor.

Em terceiro lugar, continuamos a chamar a atenção para o problema complicado de dívidas dos hospitais a um conjunto de entidades e não só, como foi referido, também às farmácias, o qual, para além de se manter, se agudiza. Ainda há dias, estive numa associação de bombeiros voluntários e tive conhecimento de que um hospital muito próximo de Lisboa nada lhes paga desde Janeiro, não porque tenha dito que não podia pagar mas, sim, que não pagava.

Parece-me que não há um critério quanto a estas situações, que urge resolver, e o problema não se coloca só em relação aos bombeiros mas também a outras entidades. Alguns hospitais mantêm uma filosofia de atraso nos pagamentos e se, globalmente, a dívida se reduz, há casos em que aumenta e não vemos por que razão, em relação a grandes grupos de entidades, não pode ser clarificada.

Fala-se muito da redução progressiva ou do crescimento zero da dívida mas julgo que haveria toda a vantagem em clarificar a sua evolução e em seguir uma política clara de limpeza da dívida. Quando se negoceia a evolução de uma dívida e os prazos de pagamento e se mantém um buraco, há que explicar que fim vai ser-lhe dado, em quanto tempo se pensa eliminá-lo.

Por vezes ouve-se: «O Ministério das Finanças não nos deixa, não conseguimos, vamos tentando que não cresça mas mantemos a dívida.» Mas continuo a querer saber de que forma vão resolver esse problema da dívida.

Para a clarificação das dívidas, internas e externas, dos mapas de evolução da dívida, qual é o tempo que consideram claro, gerível e negociável? Já obtivemos uma primeira resposta quando nos falaram dos prazos negociados com vários organismos mas, como há um diferencial entre a dívida total e essa dívida que consideram razoável, torna-se necessário ter uma perspectiva quanto à sua eliminação.

Quanto aos seguros, de que muito se tem falado, a questão foi lançada pelo Sr. Ministro com um certo impacte público, mas a generalidade das companhias e dos especialistas de seguros que contactámos foram extremamente reticentes.

O Sr. Ministro — parece a história daquela pessoa que pediu, por telegrama, «1 o 2» macacos e recebeu 102 macacos — falou numa ou duas companhias, mas quais? Certamente que estabeleceu alguns contactos: uma disse que sim e outra talvez? É que, de acordo com os contactos que estabelecemos com seguradores e peritos em seguros, a resposta que obtivemos não foi nada elogiosa quanto à forma como essa política foi apresentada. Como estamos preocupados, gostávamos que o assunto fosse melhor esclarecido.

A minha colega Helena Torres Marques referiu um conjunto de dados, mas parece que o Sr. Secretário de Estado forneceu alguns que não batem certo com os que constam da análise de síntese feita pelo Governo. Não será tanto pelo facto de serem mais detalhados, pois pode resultar de um problema de actualização, apesar de esses

dados terem sido remetidos há muito pouco tempo pelo Governo. Limito-me a apelar para o Sr. Secretário de Estado que nos fornecer dados melhores e mais actualizados, se deles dispuser — não sei se através do Dr. Tabau se do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que é amigo do Deputado Rui Rio —, pois há-de haver uma forma de confiarmos no Governo no seu conjunto.

Aceitamos que os dados fornecidos pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde sejam os mais correctos, mas gostaríamos que fornecesse essa informação a todos os membros do Governo para que não tenhamos de escolher entre o que cada uni diz. Nesta situação, opto pela informação fornecida pelo Sr. Secretário de Estado, mas pode haver outros colegas, até do PSD, que queiram escolher um outro.

Logo, o melhor é acertar estes dados, em relação ao que a Dr.° Helena Torres Marques e o Sr. Secretário de Estado apresentaram.

Este era o conjunto de questões que queria colocar.

Não deixo, no entanto, de lamentar que não tenha sido possível aprofundar este trabalho em Comissão, pois teria enriquecido o debate do Orçamento. Sabemos da existência de vários condicionalismos, como os eleitorais ou os de calendário, mas todos teríamos a ganhar — Governo, maioria e oposição — com uma maior clarificação dos dados, no debate orçamental, para que as alternativas que se vierem a propor sejam cada vez mais sólidas, mais consistentes.

Agora, larguemos a discussão dos dados passando ao debate mais aprofundado das medidas políticas.

Vozes do PS: —Muito bem!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço, mais uma vez, se houver documentação a entregar à Mesa, o favor de o fazerem, sem prejuízo de esta seguir os trâmites habituais, porque, infelizmente, e digo isto para que fique efectivamente registado, tem-se verificado que a documentação oficial entregue pelas vias normais demora muito tempo a chegar aos destinatários e, às vezes, chega quando já não é necessária. É o problema dos corredores, que realmente demoram muito tempo a percorrer.

Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: Já abordámos, na Comissão de Saúde, a questão das verbas com a INFARMED, em que uma parte é da dotação e a outra da taxa, quanto à perspectiva que os membros do Governo teriam no que toca a um eventual alargamento do âmbito daquela taxa e à sua limitação. Levantou-se o problema da eventual compatibilização com o esquema orçamental geral.

Ora, o que pretendo saber é se, da parte do Governo, há alguma evolução,, alguma clarificação, sobre este ponto, para ser um elemento de ponderação na eventual redacção definitiva de um proposta — porque, como sabe, as propostas terão de ser entregues até amanhã — no sentido de haver um alargamento do âmbito do artigo 58." da proposta de lei, relativa à taxa da INFARMED.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a meta indicativa das 13 horas para a interrupção dos nossos trabalhos está ultrapassada em 2 minutos e vai, seguramente, ser ultrapassada em muito mais, pelo que peço aos Srs. Deputados que irão usar da palavra a seguir — os Srs. Depu-

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tados Joaquim da Silva Pinto, João Corregedor da Fonseca e Fernando Andrade —, que lenham isso em conta, obviamente sem prejuízo de dizerem o que tiverem a dizer. Aliás, a possibilidade de os Srs. Deputados poderem exprimir as suas opiniões tem sido a regra de ouro deste debate e desta Comissão, mas, às vezes, é possível encurtar um pouco o discurso.

Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saüde, não pertenço à Comissão de Saúde, sou, sim, membro da Comissão de Economia, Finanças e Plano, pelo que é possível que algumas das observações que agora venho fazer tenham já sido explanadas em sede de Comissão de Saúde, do que, antecipadamente, peço desculpa.

De qualquer modo, quero dizer que a minha perspectiva sobre a política de saúde desenvolvida pelo governo de Cavaco Silva é, nesse sector, mais do que em qualquer outro, com características marcadamente fontistas e VV. Ex.M, naquilo que nos apresentam, se é realmente um programa de obra, de equipamento, menosprezam um aspecto fundamental: o dos recursos humanos.

Gostaria, Sr. Ministro, que nos dissesse, com a mesma franqueza com que tantas vezes temos falado em situações diferenciadas das nossas vidas, o que neste momento está a fazer, concretamente, para o aperfeiçoamento da administração hospitalar. Considero que, ao não darmos passos determinantes neste domínio, estamos, de facto, a delapidar recursos.

Pergunto também se a aproximação entre a universidade e o mundo da saúde está, em seu entender, a processar-se em termos adequados.

Gostava ainda de colocar-lhe uma outra questão, que, para mim, é de fundo. Em 1994, um ano decisivo da vida nacional, ponto em que estou inteiramente de acordo com V. Ex.a, vamos consagrar o funcionamento das áreas metropolitanas.

Ora, penso que, se olharmos para as grandes metrópoles de Lisboa e do Porto, temos de encarar com outra perspectiva a nossa administração sanitária. Muito concretamente, em meu entender, a área administrativa do concelho tem de ser revista.

Temos, por exemplo, a situação do concelho de Oeiras, que, por razões várias, tenho estudado com alguma atenção — e cada um fala do que mais sabe. Devo dizer que não estou muito preocupado com o facto de este concelho ter ou não uma dimensão demográfica que justifique um hospital ou se se deve esperar um pouco mais, porque já nada disso interessa. O que interessa é que a população precisa de um hospital, que servirá, em grande parte, a população de Lisboa e parte da população de Oeiras, a outra parte desta população terá de ser servida por um outro hospital.

Se olharmos para uma política de acessibilidades e de coesão social, que transcenda as áreas limitadas dos concelhos, se continuarmos e persistirmos nessa linha, Sr. Ministro — e a sua formação, que conheço, faz-me acreditar que vale a pena conversarmos sobre este tema—, estaremos a limitar-nos a uma visão passadista, quando, em termos de modernidade, temos, em minha opinião, de olhar para a grande área metropolitana de Lisboa e fazer um arranjo mais consentâneo do que propriamente o da divisão administrativa concelhia.

Um outro aspecto que gostaria de referir tem a ver com a forma como o Sr. Ministro e o seu Ministério estão a

encarar o domínio das doenças do foro reumatológico. Isto tem, digamos, uma implicação concreta no absentismo,

com implicações ao nível das empresas — não escondo que sou empresário —, o que no contexto nacional é altamente preocupante até porque penso que o nosso pa/s anda muito atrasado e distraído neste domínio.

No mesmo sentido, gostava igualmente de pedir-lhe uma palavra relativa ao foro psiquiátrico, que, como todos sabemos, é um cancro que não devemos menosprezar.

Finalmente, três questões muito concretas.

Primeira, como é que o seu Ministério se articula com o da Educação no âmbito dos serviços médico-escolares?

Segunda, como é que o seu Ministério encara a problemática do apoio à terceira idade no domínio dos serviços médicos?

Terceira, apesar de o Sr. Deputado que há pouco, com tanto optimismo, falou no acordo histórico com a indústria farmacopeia não estar presente, penso que este é, de facto, um acordo histórico, mas um acordo que merece as mais vivas preocupações pela situação em que se encontra a indústria em causa.

Ora, gostaria que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado, como é evidente, e a Sr.' Secretária da Estado, que aproveito para cumprimentar, me dissessem como é que encaram este problema? Os senhores vão estoirar com a indústria farmacopeia portuguesa, pondo-a ao serviço de laboratórios estrangeiros e eu gostava que, depois, o Sr. Ministro da Indústria não viesse dizer que isto é o Diabo, quando neste momento estamos a falar num acordo histórico como se de Aljubarrota se tratasse.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, todos estamos de acordo em que o sector de saúde, em Portugal, é, sem dúvida, dos mais carenciados e graves, com um orçamento parco e agravado por uma filosofia governamental que conduz a que a generalidade dos portugueses, nomeadamente os das classes mais desfavorecidas, se vejam em grandes dificuldades para terem um tratamento condigno, já que quem dispõe de meios financeiros adequados pode ter acesso a uma melhor saúde e quem não tempossibilidade encara com dificuldades acrescidas.

Calculo que o Sr. Ministro também gostaria de dispor de um orçamento mais alargado, mas o Governo não o distribui, daí que vejamos com apreensão o orçamento para a saúde, que é, repito, um dos sectores mais importantes e desfavorecidos da nossa sociedade.

A propósito, vou fazer-lhe uma pergunta, relacionada com uma doença, considerada das mais difíceis de tratamento, em Portugal. O Sr. Ministro já deve saber qual é. Trata-se da paramiloidose. Alguns ensaios terapêuticos estão a ser levados a efeito, quer no Centro de Estudos de Paramiloidose no Porto, quer no Hospital de Santa Maria em Lisboa. No Orçamento do Estado não há qualquer verba atribuída a este tipo de ensaios terapêuticos, para o combate a uma doença que é, realmente, muito grave. Várias outras iniciativas clínicas têm sido tentadas, como os transplantes de fígado, com resultados a determinar pelos cientistas, pelo que também tem de haver dotações orçamentais para se proceder a este tipo de iniciativas.

Sr. Ministro, muito claramente, dado que este é um assunto muito grave — sabe-se agora que, no Japão, está em curso outro tipo de ensaios e de tratamentos, positivo no

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sentido de se minorar o avanço desta doença, que é mortal, pergunto-lhe: o seu Ministério está ou não disponível para proceder a uma dotação orçamental, a fim de se prosseguirem ensaios terapêuticos, quer no Porto, quer em Lisboa? Como é evidente, vou apresentar uma proposta de transferência de verbas, por forma a não haver, como é óbvio, um agravamento do défice. Em suma, gostava de saber se realmente existe disponibilidade governamental para se poder prosseguir com o tratamento e ensaios terapêuticos desta doença?

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, é com alguma estranheza e perplexidade que chegamos ao fim deste debate e vemos que os partidos da oposição, que têm estado a intervir até agora, passaram a maior parte do tempo a falar sobre as dívidas sem apresentarem e se preocuparem com as soluções para diminuir as despesas.

Aliás, devo dizer, em vez de perplexidade e estranheza da minha parte, fico satisfeito, porque significa que os partidos da oposição concordam com este orçamento, com a política de saúde e só vêm apresentar umas pequenas alterações de pormenor, concordando na base essencial com o que está proposto pelo Ministério, e, nesse sentido, congratulo-me com a vossa posição.

Há algumas matérias que deveriam ser referidas e não só as dívidas. Essa preocupação parece-me estar mais ligada aos industriais do que aos doentes. Ora, a meu ver, o orçamento do Ministério da Saúde tem de reflectir a preocupação para com o doente e não só a parte da dívida.

Por exemplo, tem de questionar-se o Ministério no sentido de saber como foi possível diminuir em três anos de 26 para 10 e, em 1994, aumentar a contenção de despesas de medicamentos, quando todos sabemos que, ainda este ano, a Alemanha aumentou o custo, ou diminuiu a comparticipação, em 40 % dos medicamentos.

Ao inverso, em Portugal, em vez de se diminuir a comparticipação, diminui-se o preço, o que é, obviamente, uma grande vantagem quer para o Ministério quer para os utentes, que têm de pagar sobre esse mesmo custo.

Deveriam, pois, ser estas as questões aqui colocadas, o que, porventura, levaria os partidos da oposição a apresentarem outras propostas, para uma melhor e mais rápida contenção de despesas. Não as ouvimos, mas gostaríamos de ter ouvido.

Depois fazem aqui um grande alarido quanto aos problemas de saúde. Relativamente a estas questões, quero referir duas ou três publicações bastante recentes. A Organização Mundial de Saúde, a revista L 'Express e a SEDES, que é uma organização médica, sita no Porto, crítica do sistema de saúde, vêm dizer que Portugal está de parabéns por ter conseguido descer, tão rapidamente, a mortalidade infantil. A previsão era a de baixarmos 10/1000 no ano 2000 e neste momento já estamos em 8,8/1000, o que quer dizer que as medidas propostas pelo Ministério, colocadas à disposição dos médicos, mais a colaboração dos profissionais de saúde, em conjunto, estão de parabéns por terem conseguido uma descida tão rápida da mortalidade infantil.

A revista L'Express contém 20 itens de estudo dos sistemas de saúde nas 20 principais cidades da Europa e, no que toca aos cuidados de saúde, coloca a cidade do Porto em 3." lugar e a de Lisboa em 5.° lugar e, obviamente, ficamos à frente de Paris, de Londres, de Amsterdão, de Barcelona, de Madrid, etc. Isto quer dizer que a política de saúde está correcta.

Também quero referir o aumento do PIDDAC para 1994, que é de 42,3 %, o que é importante, e a prossecução da política de saúde em dotar o País de infra-estruturas capazes de responder quer a um melhor trabalho quer a uma melhor prestação de cuidados. O orçamento do Ministério da Saúde aumentou 10,4 %, o que é importante para o Ministério e para os cuidados de saúde a prestar aos doentes.

Pela primeira vez se nota no Orçamento — e é uma medida positiva — que a verba destinada ao consumo é superior à das despesas com pessoal. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que o sistema está estabilizado em termos de despesas fixas com pessoal, que o vencimento do pessoal de saúde foi mantido. Logo, esta inversão não é por diminuição de vencimento, que foi mantido e será acrescido pelos naturais aumentos por progressão na carreira, o que quer dizer que o Ministério passa a dispor, a partir de 1994, de uma verba superior para consumos, portanto para melhor prestação de cuidados.

Assim, gostaria de colocar duas questões ao Sr. Ministro.

Peço-lhe que faça uma melhor explicitação do acordo conseguido com a indústria farmacêutica e da limpeza de alguns dos medicamentos que ainda estão no nosso formulário, pois não entendi bem.

Quanto à política dos genéricos, Sr. Ministro, como é que estamos? Sei que tem havido uma preocupação do Ministério em colocá-los no mercado, mas gostaria de ouvir a sua opinião.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): — Gostaria de esclarecer algumas afirmações que foram feitas.

Enquanto o Sr. Deputado Fernando Andrade se limitar a elogiar o Governo, tudo bem, pois já estamos habituados e, de resto, é esse o seu papel. Só que o Sr. Deputado ultrapassou esse desiderato e atacou a oposição, dizendo que ela nada tinha a apresentar em relação a este orçamento, que estava contente com ele, o que não é verdade! Estamos descontentes com este orçamento, que consideramos insuficiente!

Salientámos aqui a questão das dívidas, porque estamos convencidos de que elas ainda vão aumentar mais com este orçamento.

Pusemos em questão os 10 % de aumento, porque isso não corresponde à verdade. Em relação às despesas do ano passado, o aumento é de 5 %. Comparando as despesas do ano passado com as deste ano, chegamos à conclusão de que esse valor não corresponde à realidade!

Criticámos o PIB, que é inferior à média de todos os países europeus.

Portanto, continuamos a não estar satisfeitos e até foram apontadas aqui, embora este não seja o momento adequado para fazê-lo, as falhas e deficiências de funcionamento das nossas unidades hospitalares, centros de saúde, etc. (isto para não falar no défice de equipamento e dos equipamentos obsoletos). Não estamos, pois, satisfeitos com este orçamento.

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É umá invenção do Sr. Deputado Fernando Andrade, pelo que era melhor ter ficado calado e limitar-se a elogiar o Governo, pois esse é que é o seu papel

O Sr. Presidente: — Quero lembrar aos Srs. Deputados que não estamos em sede de discussão orçamental. Estamos, sim, em sede de discussão orçamenta] e de Grandes Opções do Plano. Portanto, a apreciação das políticas é correcta, quer no sentido de apoio quer não.

Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): — Sr. Presidente, é só para dizer que desconheço qualquer proposta de alteração do PS a este orçamento. Se o PS apresentou essa proposta, gostaria de a ter.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Sr. Presidente, não quero fazer mais comentários à intervenção do Sr. Deputado Fernando Andrade. As coisas falam por si!

Diria só o seguinte: a única proposta que deu entrada na Mesa, que é subscrita pelo Sr. Deputado Fernando Andrade, é cópia de uma formulação verbal que fiz na Comissão de Saúde. O assunto está, pois, esclarecido e esta forma de intervir é ridícula!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, começava por referir-me à questão colocada pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu do aumento de 10 % do orçamento de 1994 em relação ao aumento do orçamento de 1993. Temos de comparar o que é comparável, não podemos tentar iludir os números! Vamos comparar o que é comparável! O orçamento aprovado por esta Assembleia da República, em 1993, foi de 480 milhões de contos e a proposta para 1994 é de 530 milhões de contos. Se a máquina não me falha, o diferencial é de 10,1 %, mas o Sr. Deputado pode sempre dizer «bom, mas então houve reforços».

Houve, Sr. Deputado, mas isso esteve, desde sempre, previsto. Previmos que haveria um reforço, como, aliás, acontece este ano. Não o neguei! E vai haver um reforço para quê? Para compensar os aumentos com pessoal (e no ano passado já dissemos isso, está escrito no Diário). No ano de 1994 haverá, seguramente, o reforço necessário para compensar os aumentos com pessoal.

Mas vamos comparar orçamento/base com orçamento/ base, que tem um aumento de 10,1 % e não de 5,5%. Aliás, o Sr. Deputado agora mesmo acabou de tirar-lhe 0,5 %. Primeiro esse aumento era de 5,5 % e agora já diz que é de 5 %, mas não faz mal, pois nós ficamos com os 10,í %>.

O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira falou muito sobre a questão das dívidas. Quero dizer-lhe o seguinte: ninguém diz que não existem algumas dívidas das instituições aos fornecedores e aproveito esta oportunidade para reforçar aquilo que já disse algumas veies", o Ministério da Saúde não deve nada a ninguém! Quem deve, de acordo com o que está determinado na lei, são as instituições, na medida em que estas têm autonomia administrativa e financeira, tendo os seus administradores a obrigação de responsabilizar-se pela boa administração dos meios que lhes são

confiados, quer do ponto de vista financeiro quer do ponto de vista humano.

O Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira é gestor e sabe muito bem que tem de ser assim, porque não é só gastar, tem de haver responsabilidades. Como é óbvio, quando existirem justificações plausíveis o Governo dará o reforço necessário para compensar as dificuldades que ocorram excepcionalmente nas unidades de saúde, mas, por norma, não podemos considerar que as instituições passem a dever dinheiro. Não é esse o nosso método!

Temos de responsabilizar os gestores, evitando o recurso abusivo às horas extraordinárias, ao uso de medicamentos que não devem ser utilizados, a meios auxiliares de diagnóstico, enfim, a todo um conjunto de meios que devem ser geridos da melhor forma. Temos de gerir bem para melhor tratarmos. Se não gerirmos bem não podemos tratar! Se gastarmos tudo no Hospital de Santa Maria garanto-lhe que não há nada para o Hospital de São João, pelo que temos de dividir o orçamento pelas instituições e promover a melhor gestão possível.

Aliás, devo dizer-lhe que alguns grupos profissionais ou os seus representantes, que já viram que vão perder as suas mordomias, estão muito irritados com a lei de gestão hospitalar, que foi uma medida tomada em tempo e adequada, na medida em que, efectivamente, os gestores hospitalares são, hoje, quase profissionais, tendo um comando das instituições e uma segurança no desenvolvimento das suas actividades, o que é completamente diferente daquilo que existia há uns anos atrás.

É por essa razão que algumas pessoas, que apenas faziam uma ou duas horas por dia, têm agora de trabalhar quatro ou cinco e, num futuro próximo, as seis ou as sete, tal como estipula a lei. Agora já fazem mais alguma coisa e é por isso que não lhes convêm os gestores hospitalares profissionais. Alguns até levavam equipamentos e mantas para casa, o que, se calhar, hoje não pode acontecer. Estamos a tratar de profissionalizar a gestão das nossas unidades de saúde e, portanto, temos de responsabilizar as instituições.

Não podemos estar, sistematicamente, a assumir a responsabilidade política quando há responsabilidades técnicas. As responsabilidades técnicas são dos técnicos, as responsabilidades políticas são dos políticos, pelo que temos de dividi-las e fazer, de uma vez por todas, a separação de poderes, como muito bem disse ainda há pouco o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto — e que muito apreciei!

Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, que estamos a fazer um trabalho profundo no que respeita aos recursos humanos, desde logo ao nível da enfermagem, dos técnicos e dos próprios médicos. Como muito bem sabe, na enfermagem estamos a formar em duplicado, ou seja, as nossas escolas de formação estão a formar em duplicado de forma a poder compensar o défice ainda existente em meios de enfermagem, porque, por um lado, reconheceu-se que é necessário existir mais meios e, por outro, abriram-se novas unidades. É preciso mais pessoal de enfermagem e, por isso mesmo, desde há três anos a esta parte estamos a reforçar, a duplicar a formação de pessoal (e já está determinado que no próximo ano vamos continuar a fazê-lo!). Este é um aspecto extremamente importante! Além disso, também existem as escolas de pós-graduação que, hoje, atribuem títulos completamente diferentes daqueles que eram concedidos há alguns anos trás. Hoje o curso de Enfermagem é um curso superior e, em casos especiais, pode ir mesmo à licenciatura.

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No que respeita aos técnicos de saúde, ainda recentemente foi aprovado um diploma que reconhece o nível superior das escolas de técnicos de saúde. Estamos a construir novas escolas e a reforçar os meios para que elas possam desenvolver adequadamente a sua actividade.

Em relação aos médicos, neste momento, Portugal tem um ratio de habitante/médico igual ao da maior parte dos países da Europa, o que significa que temos de fazer um esquema de manutenção — e não de crescimento — quanto à formação de pessoal, dado que tudo indica que, no futuro, não será necessário um crescimento de médicos. Temos de distribuir os médicos da melhor maneira possível, eliminando as injustiças e as iniquidades ainda existentes e procurar que o pessoal médico, em vez de estar situado em Lisboa, Porto e Coimbra, vá também para Portalegre, Évora, Faro, Castelo Branco, Mirandela ou Viana do Castelo. É isso que estamos a fazer!

Portanto, existe uma política de recursos humanos que está perfeitamente definida!

Temos os nossos programas e penso que não há — como se vê! —, por parte das organizações profissionais representativas, grandes reclamações, o que significa que, aparentemente, está tudo bem.

Quanto à sua questão de repensar os grandes centros, designadamente Lisboa e Porto, acho que tem toda a razão e, de resto, é isso que estamos a programar. Foi feita uma programação há alguns anos atrás, que se mostrou claramente inadequada, porque elaborada numa determinada perspectiva. Os centros cresceram de forma diferente, as populações são, hoje, muito mais exigentes do que aquilo que eram há alguns anos atrás (e pensa-se que o serão ainda mais no futuro).

É, pois, preciso repensar tudo isso, porque alteraram-se os elementos demográficos constantes dos dossiers. Em todo o caso, tal como já disse, o Hospital São Francisco Xavier vai duplicar a sua capacidade, o Hospital de Amadora/Sintra irá abranger uma boa parte do concelho de Oeiras e, para o futuro, de acordo com o novo Quadro Comunitário de Apoio, está prevista a instalação de uma nova unidade, que abrangerá o concelho de Cascais, não ficando sediada seguramente nesse concelho de Cascais mas, sim, numa zona mais central que promova a concentração das populações em relação aquela unidade.

Em relação ao Porto, neste momento, estão em construção os Hospitais de Matosinhos, do Vale do Sousa e da Feira e em reformulação os Hospitais de Santo António e de Vila Nova de Gaia, que vai transformar-se num verdadeiro hospital central.

Portanto, há realmente um conjunto de medidas que estão tomadas, mas, como muito bem disse, ainda faltam outras. É o caso dos cuidados intermédios, que é algo que nos preocupa. Já atingimos os cuidados diferenciados e estamos hoje com um número suficiente e adequado em relação à prestação de cuidados, mas falta algo que promova a prestação de cuidados intermédios, a consulta externa em local mais próximo. Não podemos pedir às pessoas que andem 40 km ou 50 km para ir a uma consulta de estomatologia ou de gastrenterologia. O médico é que tem de ir ao local e é por isso mesmo que vamos criar estas unidades de cuidados intermédios, para promover a consulta externa, o internamento e a prestação de cuidados mínimos que sejam considerados adequados.

É esse o plano que temos em desenvolvimento para o País nos próximos anos: a dotação de um conjunto de unidades de cuidados intermédios, para resolver — ou, pelo menos, ajudar a resolver — alguns problemas que ainda hoje se colocam.

No que respeita à relação universidade/saúde, penso que nenhum outro sector em Portugal terá uma relação tão estreita, como o sector da saúde, com a universidade. Desde logo, porque a maior parte dos nossos hospitais são hospitais universitários, porque é neles que é prestado o ensino aos médicos e enfermeiros, o mesmo se passando com os técnicos. Essa interdependência é notória também ao nível da investigação, pois, como sabe, o Ministério da Saúde é hoje responsável por grande parte dos custos com a investigação, no domínio da saúde, desenvolvida pelas universidades, não sendo possível destrinçar o que está a ser feito para a universidade ou para o Ministério.

Há, de facto, uma grande interdependência, e ela é, do nosso ponto de vista, cada vez maior, porque nada tem sido feito no sentido de proceder a um afastamento entre a universidade e a saúde.

O Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto colocou três ou quatro questões, muito concretas, sobre oncologia, psiquiatria e serviços médicos escolares. No que diz respeito à oncologia, temos em desenvolvimento o plano oncológico nacional, que está a ser financiado, especialmente, com uma verba que se situa na ordem dos 2 a 2,5 milhões de contos/ano, prevendo-se, desde logo, a modernização dos Institutos Portugueses de Oncologia de Lisboa, Porto e Coimbra. Como sabe, o Instituto Francisco Gentil do Norte, tem sorrido profundas alterações e é hoje um hospital modelo em toda a Europa.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): — Sr. Ministro, a minha pergunta era sobre reumatologia.

O Orador: — Eu tinha percebido oncologia. Mas, já agora, se não vir inconveniente, acabo de falar sobre o programa de oncologia.

O Instituto Português de Oncologia de Coimbra foi dotado, muito recentemente, de um acelerador linear, que não existia, e está a sofrer profundas remodelações. Aliás, o mesmo se passa com o Instituto Português de Oncologia de Lisboa.

Outros hospitais centrais estão a ser objecto de adaptação, no sentido de melhor poderem prestar cuidados aos doentes oncológicos.

Por outro lado, está também em curso a descentralização do tratamento dos doentes oncológicos, através da criação de hospitais de dia em praticamente todos os hospitais distritais, sendo que, para o efeito, durante o ano de 1994 irá ser distribuído cerca de 1 milhão de contos — o que já aconteceu este ano — para os dotar dos meios necessários.

No que diz respeito à reumatologia, há, como sabe, uma grande polémica sobre se é ou não especialidade e se está ou não enquadrada em outras especialidades médicas.

Actualmente, existe o Instituto Português de Reumatologia que é co-financiado, ou subsidiado, pelo Estado. Esse co-financiamento é pouco, é certo, mas nós próprios procurámos fazer uma análise e um estudo sobre o fenómeno da reumatologia em Portugal e, apesar de ainda não haver conclusões firmes, o estudo indicia que uma boa parte das que são consideradas grandes doenças reumatológicas estão inseridas noutro tipo de doenças, que podem ter tratamento em outras áreas. Em todo o caso, não é um dossier fechado mas, sim, que está em aberto e, por isso mesmo, continuamos a trabalhá-lo.

No que diz respeito à psiquiatria, há uma reformulação grande. Acabámos com os centros de saúde espalhados pelo País e comandados a partir de Lisboa, de uma forma

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centralista. Hoje, as unidades de psiquiatria estão integradas em hospitais, em departamentos com autonomia técnica e financeira, e estou convencido de que melhoraremos — ou é essa a nossa intenção, como, aliás, já é patente — a vocação dos hospitais psiquiátricos puros e, ao mesmo tempo, passaremos a assistir o doente de saúde mental em unidades hospitalares, porque ele não é apenas um doente mental, é um doente, é uma pessoa que pode precisar de outra assistência, prestada em melhores condições pelas unidades hospitalares do que por um hospital psiquiátrico.

A questão da terceira idade é, de facto, um problema delicado. Penso que, da cooperação entre o Ministério do Emprego e da Segurança Social — através da segurança social, dos lares e das instituições particulares de solidariedade social — e o Ministério da Saúde hão-de resultar vantagens. Nomeadamente, através das unidades de cuidados intermédios, poderemos também dar algum apoio à terceira idade.

A verdade é que, por parte do Ministério da Saúde, sempre houve a disponibilidade para um relacionamento com as instituições particulares de solidariedade social, no sentido de prestar assistência, em termos de enfermagem ou de clínica geral — e existem imensos protocolos, cujo desenvolvimento estamos a promover—, de forma a que os centros de saúde possam proceder à assistência dos idosos instalados nos lares de terceira idade.

Sr. Deputado, no que respeita à indústria farmacêutica, é bem sabido que, em Portugal, não existe uma indústria farmacêutica de grande dimensão. Temos, sim, pequenas unidades, sendo a grande parte da indústria farmacêutica sediada em Portugal constituída por departamentos das multinacionais.

Em todo o caso, neste momento, existem condições para que a nossa indústria possa dar passos significativos. Existem, inclusivamente, conversações com o Ministério da Indústria e Energia no sentido de desenvolver uma linha de financiamento específico, através do PEDIP n, para apoio à indústria farmacêutica no ano de 1994 e seguintes.

No entanto, nos termos do Código da Propriedade Industrial, e na sequência de termos conseguido obter a prorrogação do prazo da patente até 1997, foram criadas condições para que a nossa indústria aproveite este período de 1994 a 1997 para produzir uma boa parte dos medicamentos que estão com patente a descoberto e têm condições para vir a ser introduzidos no mercado. Aliás, tenho

contactado com vários industriais, que têm manifestado

esse empenho, tendo havido, inclusivamente, negociações com as associações .que lideram a indústria portuguesa.

O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca deu um sentido humanitário à questão que colocou. Devo dizer--lhe que eu, mais do que ninguém, como Ministro da Saúde, estou de acordo consigo, porque sinto, como ninguém, as dificuldades de alguns sectores da nossa população. A meu ver, a questão não se coloca apenas em relação aos pobres, porque essa é outra matéria. A verdade é que toda a população portuguesa tem direito à prestação de cuidados de saúde gratuita.

Não entendo como é que os pobres têm menos cuidados do que os ricos, pois, como muito bem sabe, hoje, qualquer pessoa vai ao centro de saúde e paga apenas a taxa moderadora, se para isso tiver condições; vai a um hospital, nem a alimentação paga, e só pagará a taxa moderadora se para isso tiver condições.

Assim, creio não haver qualquer diferenciação ou iniquidade entre pobres e ricos, no sector da saúde em Portugal. Portanto, quando se diz isso, penso que é apenas um chavão...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Não é chavão! '

O Orador: —... que mereceria a pena, até, irmos desfazendo, para melhorarmos a nossa imagem, por exemplo, face aos que nos procuram no estrangeiro, uma vez que, nesse aspecto, somos um país de vanguarda, prestam-se os cuidados de saúde de forma gratuita e global a toda a população.

Sr. Deputado, a tónica que colocou em relação aos para-miloidóticos também me toca a mim e, como sabe, o Ministério da Saúde, o Governo, tem vindo a financiar um ensaio, com os melhores resultados, no Porto, desenvolvido através do INSA, sediado no Porto. Esse ensaio, no ano passado, foi desenvolvido com um número restrito de pessoas e em 1994 será desenvolvido com um número substancialmente diferente — creio que 10—, sendo para isso o INSA financiado no montante solicitado pelo director do Centro de Estudos de Paramiloidose, no Porto.

Isto significa que toda a verba solicitada será entregue por considerarmos que este ensaio poderá vir a ser extremamente importante, na medida em que estas pessoas não têm, hoje, qualquer esperança de vida para além dos 35 ou 40 anos.

Sei que o Sr. Deputado gostaria de ver esse ensaio alargado ao Hospital de Santa Maria ou ao Centro de Estudos de Paramiloidose existente nesse Hospital. Estamos a analisar, conjuntamente com o INSA, se vale ou não a pena desenvolver ensaios paralelos, uma vez que existe um centro de estudos, o qual fabrica os filtros — porque, como sabe, eles não existem no mercado uma vez que não têm fabricação industrial — e, em conjugação com outras entidades, boa parte dos equipamentos que estão a ser utilizados.

Ora, tal significa que, se, porventura — posso deixar aqui esta afirmação, que, aliás, responde a uma questão colocada, há dias, por um Deputado do PSD —, o Centro de Estudos do Porto disser que vale a pena desenvolver o ensaio também no Hospital de Santa Maria, não será por falta de dinheiro, dos tais 25 ou 30 000 contos, que isso não acontecerá.

Gostava, por último, de responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Fernando Andrade.

Começo por lhe falar sobre os medicamentos genéricos, que têm sido, obviamente, uma aposta forte por parte

do Ministério da Saúde e do Governo. Os medicamentos genéricos já passaram por três fases distintas: a primeira foi a aprovação da legislação, nos anos de 1990 e 1991; a segunda ocorreu nos anos de 1992 e 1993, quando foi preciso fabricar produtos; a terceira está em execução, pois, por um lado, há produtos que já estão nas prateleiras das farmácias — apesar de não serem em grande quantidade, são cerca de 15 ou 20 produtos — e, por outro, existem já cerca de 50 produtos aprovados pelo INFARMED, o que significa que estão disponíveis para serem produzidos pelos laboratórios.

A verdade é que não tem havido grande apetência, por parte dos laboratórios, na fabricação dos produtos, porque os médicos também não prescrevem aqueles que já estão fabricados.

O ano de 1994 terá de ser um ano para a criação do mercado dos genéricos. Haverá que tomar as medidas necessárias a fim de se criarem condições para que este mercado progrida, pois ele trará vantagens para o cidadão, que pagará os medicamentos mais baratos, e para o Estado, o que, certamente, também se traduz, de uma forma

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indirecta, *na bolsa do cidadão, porque os seus impostos serão melhor geridos.

No que diz respeito à subscrição do acordo, solicito ao Sr. Secretário de Estado que responda a essa questão, uma vez que ele seguiu com mais pormenor esse aspecto. Já falei, em geral, sobre o acordo, mas, visto que pretende alguns elementos mais pormenorizados, peço ao Sr. Secretário de Estado que responda.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Jorge Pires): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, relativamente ao acordo celebrado com a indústria farmacêutica, continuarei a considerá-lo um acordo histórico, apesar de alguns comentários já aqui feitos no sentido de que poderia ter alguns perigos para a própria indústria. Para mim, é um acordo histórico por dois motivos essenciais.

Primeiro, penso que é o primeiro acordo estabelecido entre parceiros sociais — neste caso, a Administração Pública e uma área de actividade industrial e comercial —, em que se consegue, efectivamente, fazer uma redução de preços de comum acordo e estabelecer, para o ano seguinte, o congelamento de preços. Por isso, acho que é efectivamente histórico.

Em segundo lugar, porque se conseguiu chegar, através do diálogo, a um acordo que satisfez ambas as partes: o sector que paga e o que recebe.

Existe ainda uma terceira razão: este acordo veio introduzir, no sector, a estabilidade que a própria indústria necessitava. Essa estabilidade relaciona-se com alguns aspectos do que será o futuro desta indústria a médio prazo e com o edifício legislativo que vai reger a actividade da indústria farmacêutica.

Como sabem, o acordo teve, essencialmente, três cláusulas, que chamarei de carácter financeiro. A primeira consistiu na redução de preços já há pouco falada: 2,85 %, para os medicamentos mais baratos, até 8 %, para os medicamentos mais caros. A segunda é uma cláusula que congela, para o ano de 1994, qualquer tipo de aumento. Na terceira cláusula, as partes comprometem-se a ter em conta o crescimento harmonioso da facturação.

Apesar de não haver aumento de preços e de existir uma diminuição de preços, o Ministério da Saúde poder--se-ia ver confrontado, se não fossem tomadas medidas cautelares, com uma situação de aumento de facturação ainda mais exagerada do que seria de esperar. As empresas vão para o mercado com marketings evoluídos — a indústria farmacêutica tem, efectivamente, um marketing evoluído — e poderia haver como que uma guerra comercial, sendo, no fundo, o resultado da «factura» final, para nós, ainda mais gravoso.

Portanto, estabeleceu-se uma cláusula segundo a qual este controlo e o chamado crescimento harmonioso da facturação seriam tidos em conta pelas partes.

Por último, foram introduzidas neste acordo algumas questões, que, julgo, vêm sossegar a indústria. E foram-no porquê? Porque há sempre um certo receio de. que a Administração possa tomar determinadas medidas unilateralmente. Assim, dentro de um espírito de colaboração e de diálogo, foi instituído, através deste acordo, um grupo de trabalho que irá funcionar durante todo o ano de 1994, precisamente no sentido de analisar e de poder prever as medidas a tomar para que haja efectivamente uma estabilidade dentro do sector.

Perguntar-me-ão que medidas são essas. Posso citar-lhes algumas: por exemplo, o próprio Ministério comprometeu-se a dar o seu acordo e suporte a que o Código da Propriedade Industrial, e este ponto também já se liga ao aspecto dos genéricos, avance precisamente no sentido de que as empresas tenham uma certa garantia de protecção às inovações que queiram introduzir no mercado — como sabe, existem, neste momento, no mercado cópias de medicamentos —, o que é extremamente importante. E, se tal vier a acontecer, a própria indústria prontifica-se, então, sim, a avançar com os genéricos, porque já tem a protecção para os seus produtos inovadores.

Penso que isto é relevante numa área que é extremamente importante quer para o Governo, na medida em que um medicamento genérico é 20 % mais barato, quer para o próprio utente, que passa a poder dispor de medicamentos de qualidade a um preço bastante mais razoável.

Por outro lado, houve um comprometimento, que diria envolver já a própria administração do medicamento, o INFARMED, no sentido de haver uma maior prontidão quer na análise dos processos de introdução no mercado quer na própria análise do pedido de comparticipação dos medicamentos.

Há, pois, um conjunto de medidas deste género, consignadas nos cerca de 19 pontos componentes deste acordo, que, efectivamente, vêm dar uma estabilidade e um sossego bastante grandes à indústria farmacêutica, porque, como disse, aqui não se trata apenas do aspecto financeiro — importante para as partes, para o Ministério e para os utentes — mas também de outros pontos complementares.

Para finalizar, gostaria de fazer referência a algumas afirmações aqui feitas — e lamento que o Sr. Deputado João Rui de Almeida, que nos acusou de não dizermos toda a verdade e falou numa situação catastrófica da saúde, já não esteja presente —, no sentido de que se tentam ocultar coisas quando, afinal, a realidade é bem diferente.

Quero chamar a vossa atenção para o seguinte: nunca, como agora, houve tanta informação à disposição dos Srs. Deputados! Por outro lado, gostaria de perguntar-lhes em que outro ano os senhores tiveram à disposição, no próprio ano, as contas do ano anterior. Como sabem, havia sempre um desfasamento de vários anos na prestação de contas.

Ora, neste momento, em 1993, as contas de 1992 estão fechadas! Portanto, a informação está completa e foi toda fornecida. Os dossiers que entregamos quando viemos aqui discutir à Comissão Parlamentar de Saúde revelam todos estes números, são claros e permitem-vos calcular o montante da dívida. Mas não vamos falar novamente sobre a dívida, porque julgo ser um problema perfeitamente ultrapassado.

Por último, em resposta a algumas observações aqui feitas, pretendendo transmitir um estado de miserabilismo do sistema, colocaria a seguinte questão: quando é que se investiu tanto no sistema como agora?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, resta-me agradecer, em vosso nome e no meu, ao Sr. Ministro da Saúde e ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde os esclarecimentos dados e a participação tida neste debate.

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Vamos prosseguir, às 15 horas, com a audição do Sr. Ministro da Administração Interna. Srs. Deputados, esti interrompida a reunião. Eram ¡3 horas e 45 minutos.

Após a interrupção, assumiu a presidência o Sr. Vice- Presidente Guido Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, esta é uma reunião conjunta da Comissão de Economia, Finanças e Plano e da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para a discussão do orçamento do Ministério da Administração Interna, estando presentes os Srs. Ministro da Administração Interna e Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. António Filipe (PCP): — Peço a palavra, Sr. Presidente

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, todos temos naturalmente o maior interesse em discutir com o Sr. Ministro da Administração Interna a proposta orçamental para a área que tutela, mas acontece que, estando o Sr. Ministro presente nesta reunião conjunta, não podíamos deixar passar este momento sem ouvir o Sr. Ministro acerca de acontecimentos muito graves, envolvendo o Corpo de Intervenção da PSP, ocorridos, ontem, em frente a esta Assembleia.

Efectivamente, durante a tarde de ontem, um grupo de estudantes do ensino superior de Lisboa, manifestava-se pacificamente em frente à Assembleia da República, como já tem acontecido noutras ocasiões, e, no momento em que muitos dos estudantes se encontravam sentados na escadaria deste edifício,...

Vozes do PSD: — Então e o orçamento?

O Orador: —... foram acometidos por uma carga violenta do Corpo de Intervenção da PSP.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, ao abrigo de que figura regimental está V. Ex.° a apresentar esta matéria?

O Orador: — De uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente. Peço desculpa por não o ter referido no início.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Agradeço-lhe que seja breve para podermos dar início à matéria propriamente dita dos nossos trabalhos.

O Orador: — Com certeza, Sr. Presidente.

Consideramos, pois, que estes acontecimentos são de extrema gravidade e que em nada dignificam este órgão de soberania, na medida em que foi aqui que as coisas se passaram.

Voi«s do PSD: — Aqui, onde? Aqui dentro?!

O Orador: — Tratou-se de uma carga de grande violência, que provocou ferimentos em diversos estudantes e mesmo em vários transeuntes, e absolutamente

desproporcionada e injustificada, dado não ter resultado de qualquer acontecimento mas, sim, de uma decisão de carregar contra os estudantes que pacificamente se manifestavam, alguns dos quais, como referi, estavam sentados na escadaria.

Portanto, como consideramos este facto de extrema gravidade, pensamos, por um lado, que o Sr. Ministro da Administração Interna deve explicações a esta Assembleia pelo comportamento das forças policiais, ontem, mesmo aqui em frente deste edifício, e, por outro, que esta Assembleia deve exigir um apuramento de responsabilidades no sentido de se saber quem foi efectivamente

responsável por esta acção violenta das forças policiais contra estudantes, que, repito-o, pacificamente se manifestavam em frente desta Assembleia.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Assim sendo, Sr. Presidente, peço que, antes de analisarmos o orçamento do Ministério da Administração Interna, o Sr. Ministro se pronuncie sobre esta questão e nos diga que medidas irá tomar para que o apuramento de responsabilidades se faça.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Os senhores é que têm de se explicar! Os senhores foram incitar os desordeiros!

Vozes do PCP: — Prove isso! Essa é uma acusação muito grave!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Agradecia que os Srs. Deputados se acalmassem.

Sr. Deputado António Filipe, a sua interpelação à Mesa não versou propriamente a matéria em discussão.

De qualquer maneira, como já foi feita uma interpelação à Mesa acerca deste assunto, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Mário Tomé para o mesmo efeito, mas peço--lhe que o faça sucintamente, para iniciarmos a discussão da matéria que aqui nos traz hoje.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): — Sr. Presidente, muito rapidamente, até porque considero que o Sr. Ministro da Administração Interna estará com certeza interessado em dar algumas explicações a esta Assembleia.

Eu próprio estava junto dos estudantes aquando da carga policial.

Vozes do PSD: — Ah!

O Orador: — A reacção da bancada do PSD revela uma má consciência e um sentido do «pidismo», do secretismo e do golpismo, que não é aceitável.

Protestos do PSD.

Os Srs. Deputados deviam estar preocupados, sim, com o que se passa em frente desta Assembleia, cuja obrigação era a de estar de braços abertos para os cidadãos,

nomeadamente para os estudantes, e, em vez de permanecerem aqui fechados, deviam ir lá abaixo falar com eles, como eu e outros Deputados, nomeadamente do PCP, fizemos. Contudo, em vez exigirem explicações ao Sr. Mi^ nistro pelo sucedido, estão a fazer esta arruaça interna!

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É já a segunda vez, num prazo relativamente curto, que a polícia de intervenção investe contra trabalhadores e estudantes. É curioso que os dois Ministros, quer o da Educação quer o das Obras Publicas, Transportes e Comunicações, nessas duas vezes, tenham afirmadado não saber de nada, parecendo que só o Sr. Ministro da Administração Interna teria a responsabilidade... Porém, a responsabilidade é do Governo e nós não temos nada a ver com as intenções do Sr. Ministro da Administração Interna, nomeadamente a de, nesta situação actual, deixar ficar mal este Governo, no que me parece também estar muito interessado.

O que não podemos aceitar é a brutalidade e a violência que se abatem sobre cidadãos pacíficos,...

Vozes do PSD: — Pacíficos?!

O Orador: —... que manifestam as suas reivindicações, demonstrando que o Governo não tem respostas para a situação e que está desacreditado do ponto de vista institucional.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca. Peço-lhe que seja sucinto, Sr. Deputado, para podermos passar à análise do orçamento do Ministério da Administração Interna.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Sr. Presidente, vou ser muito breve. Em minha opinião, o que se passou junto ao Parlamento ontem é grave, evidenciando um crescendo de repressão. Evidentemente, não posso dizer que o Sr. Ministro é o responsável directo, mas a verdade é que as suas funções neste sector são de grande responsabilidade, pelo que temos de saber o que realmente está a passar-se no País.

Sr. Ministro, tendo V. Ex.a sido Deputado durante muito tempo, sabe que é hábito às comissões da Assembleia da República chegarem petições escritas e é usual todos os grupos parlamentares, incluindo eu próprio, receberem em audiência trabalhadores, estudantes, ou seja, a sociedade civil, como o Governo gosta de apelidar. Todos vêm expor — não só à Assembleia da República mas também aos outros órgãos de soberania — os seus anseios, as suas dúvidas, as suas reivindicações, os seus protestos.

Mal seria, Sr. Ministro, se, em todas as manifestações realizadas em frente à Assembleia — e são inúmeras as que aqui têm lugar ao longo dos anos—, houvesse este tipo de actuação policial. De facto, Sr. Ministro, não houve cuidado em estabelecer qualquer diálogo, o que foi grave. Aliás, nunca esteve em causa por parte dos estudantes qualquer tipo de invasão do Palácio e o Parlamento tem à sua disposição forças de segurança. E até agora, o seu comandante, o capitão Cunha, e os elementos da PSP, que aqui exercem funções, nunca extravasaram as suas competências, porque têm experiência suficiente para conseguirem evitar que, em cada manifestação de reivindação justa em frente à Assembleia da República, haja violência.

Contudo, quando outras forças mais vocacionadas para a repressão do que para manter a ordem pública são utilizadas como ontem, isso é extremamente criticável. Foi um acto injustificado pelo que o Sr. Ministro não deve, nem pode — conhecendo-o eu como conheço — ficar satisfeito com o que se está a passar. Creio, Sr. Ministro, que há explicações a dar...

O Sr. Silva Marques (PSD): — Ah, isso há! Sobretudo vossas!

O Orador: — ... para eclarecer o sucedido. É necessário chamar os chefes destas divisões policiais e comunicar-lhes que, antes de tentarem exercer a força sobre manifestantes, devem estabelecer um diálogo, porque através do diálogo evitam-se — e ontem isso tinha sido extremamente fácil — situações repressivas como as que tiveram lugar.

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães. Peço-lhe que seja breve, Sr. Deputado, uma vez que temos de iniciar a discussão sobre o orçamento.

O Sr. Antunes da SQva (PSD): — Mas esta interpelação à Mesa também não tem nada a ver com a condução dos trabalhos!

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, exactamente nos mesmos termos em que foi autorizado o uso da palavra e sendo certo que a presença do Sr. Ministro da Administração Interna aqui hoje torna absolutamente incontornável a necessidade de debater este tema, estamos não apenas inteiramente de acordo com a sua discussão como tivemos ocasião, em reunião do Grupo Parlamentar do PS, realizada esta manhã, de aprovar um texto onde, por um lado, se considera que os acontecimentos são graves, contendem com o direito de manifestação e de expressão e lembram imagens de outro tempo.

De facto, não são actos isolados, inserindo-se numa lógica e numa filosofia de repressão, que precisamente devemos discutir aqui no momento em que estamos a definir uma política orçamental para a política de segurança interna, sendo isto exactamente os antípodas do que se devia fazer.

Por outro lado, estamos inteiramente de acordo com a necessidade de apurar responsabilidades, integralmente, e cremos que o Sr. Ministro da Administração Interna tem o dever ético e político de, perante a Assembleia da República e hoje, dar as primeiras explicações liminares, sem prejuízo de todas as que devem resultar de um inquérito adrede feito segundo todas as regras.

Entendemos que nesta matéria se excedeu tudo o que é imaginável e que isso não é desligável da situação de crise do Ministério da Administração Interna e do próprio Ministro da Administração Interna, cuja eventual substituição é intensamente anunciada e parece justificar um certo descontrolo ou falta de controlo num domínio em que esse controlo é uma exigência de Estado.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Está a apoiar os desordeiros?!

O Orador: — Por isso, estamos inteiramente de acordo com a necessidade de debater de imediato esta matéria, para que.pessoas como o Sr. Deputado Silva Marques, que dizem coisas inteiramente desbragadas, possam dizê--las para a acta e de cara levantada, e para podermos apurar rigorosamente se quem se excedeu foram os estudantes, como ele diz, o que é um absurdo e, de resto, não é digno,...

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O Sr. Silva Marques (PSD): — Quem se excedeu foram os Deputados que foram apoiar os estudantes!

O Orador: —... ou se foram as forças policiais descomandadas, o que é um sinal extraordinariamente grave de falta de macanismos de correcta aplicação da política de segurança interna e de anomia na sua condução.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Quem se excedeu foram os desordeiros que foram apoiar os estudantes!

O Orador: — Insistimos, por isso, Sr. Presidente, que esta matéria seja mesmo discutida como ponto prévio.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, quero apenas dizer que fui convocado para discutir, na especialidade, o Orçamento do Estado, conjuntamente com a Comissão de Economia, Finanças e Plano e com o Ministro da Administração Interna, mas, verifico que o Sr. Presidente tem aceite pedidos de palavra, utilizando a figura da interpelação à Mesa, sem que, no entanto, os Srs. Deputados tenham colocado questões que tenham a ver com a interpelação, porque nada tiveram a ver com a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Presidente, gostaria apenas de relembrar que são 15 horas e 30 minutos da tarde e que, às 17 horas, teremos aqui a Sr." Ministra do Ambiente para discutir o orçamento do seu Ministério.

Ontem, não conseguimos discutir com o Sr. Ministro da Justiça o orçamento do seu Ministério e tivemos de adiar essa discussão para hoje à noite, por isso, agradecia que, hoje, não acontecesse a mesma coisa em relação à Sr.' Ministra do Ambiente.

Para que tal não aconteça, proponho que se passe, de imediato, à ordem de trabalhos, a não ser que o Sr. Ministro da Administração Interna queira dar uma breve explicação as interpelações que foram dirigidas à Mesa.

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa, nos mesmos termos em que o fizeram os outros Srs. Deputados que usaram da palavra.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado. Peço-lhe que seja breve.

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Sr. Presidente, naturalmente que, de acordo com a agenda dos trabalhos parlamentares, hoje deveria discutir-se, na especialidade, com o Sr. Ministro da Administração Interna o orçamento do seu Ministério.

No entanto, face aos acontecimentos que ontem ocorreram, em espaço próprio da Assembleia da República, os Deputados não podem ficar indiferentes.

Por outro lado, penso que as organizações representativas da sociedade portuguesa e os órgãos de soberania, pelo menos alguns, já se pronunciaram sobre o que aconteceu ontem na Assembleia da República.

Penso que é muito estranho que haja Deputados, eleitos pelo povo português, que, pelas manifestações que, hoje, já aqui verificámos, tenham ficado indiferentes àquilo que se passou e se está a passar em Portugal.

O que me parece importante, aproveitando a oportunidade de ter aqui o Sr. Ministro da Administração Interna, é ouvirmos o máximo responsável não sobre, o que se passou ontem, mas, sim, sobre a forma comq.se vão desenrolando acontecimentos como estes.

Em meu entender, Srs. Deputados, aproveitar esta oportunidade é, efectivamente, procurar resolver.da melhor forma situações que acontecem no País, onde, nos últimos tempos, se vem degradando a situação social.

Certamente que o Sr. Ministro há-de justificar que a forma como se tem degradado a situação social, em Portugal, merece intervenções como as que ontem foram feitas, como já aconteceu com os agricultores, com os pescadores e como, certamente, irá acontecer com outras organizações de trabalhadores e representativas da sociedade portuguesa.

Penso que procurar escamotear, como representantes do povo português, situações como as que aconteceram ontem aqui em nada se contribui para aquilo que podemos designar a pacificação da sociedade portuguesa.

É precisamente pelo facto de os Srs. Deputados se terem manifestado dessa forma que faço esta intervenção.

Sr. Ministro, como já aqui foi feito, pedia-lhe que nos desse a informação e a justificação possíveis para a actuação das forças policiais, uma vez que elas estão sob a sua tutela.

Finalmente, Sr, Presidente, quero dizer que é muito estranho que as forças policiais, que actuaram ontem da forma como todos, infelizmente, tivemos oportunidade de ver na televisão, tenham utilizado o espaço da Assembleia da República para preparar os ataques aos estudantes.

É que tudo foi feito no interior da Assembleia da República. As forças policiais entraram na Assembleia da República em autocarros e prepararam aqui a estratégia para intervir contra os estudantes.

Isto é lamentável e, naturalmente, nós havemos de, pelos meios próprios, aqui, na Assembleia da República, procurar esclarecer a forma como tudo isto se passou.

O Sr. Perro Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado. Espero que seja breve, porque estamos a tratar do Orçamento do Estado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, como Deputado e como...

O Sr. Silva Marques (PSD): — Vá para a barricada! Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Faça favor de continuar, Sr. Deputado!

O Orador:—Sr. Presidente, estou silencioso exactamente para que as palavras do Sr. Deputado Silva Mar-

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ques fiquem em acta, para ver se conseguem apanhar tudo aquilo que foi dito!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — V. Ex. quer ditar para a acta as palavras do Sr. Deputado Silva Marques?

O Orador: — Não! Quando muito o Sr. Deputado Silva Marques é que poderá estar interessado em fazê-lo!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: — Como membro da Comissão de Economia, Finanças e Plano, quero apenas sublinhar o conceito que o PSD tem do debate orçamental. É que, realmente, o debate orçamental é o momento mais importante para se discutirem as políticas e os meios. Porque até admito que aquilo que se passou ontem seja um exemplo de falta de meios ou de incapacidade de conduzir os meios que existem!

O Sr. Silva Marques (PSD): — Excesso de meios!

O Orador: — Exactamente! Como diz o Sr. Deputado Silva Marques, também pode ser um caso de excesso de meios para determinadas áreas, quando se sabe que há tantas outras que não têm os necessários.

Portanto, apenas quero sublinhar — e o Sr. Presidente, como membro da Comissão de Economia, Finanças e Plano, certamente, me dará razão — que todas estas questões têm óbvias implicações no debate orçamental.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tudo tem a ver com o Orçamento do Estado, efectivamente!

Terminadas as interpelações, passamos à análise do Orçamento do Estado, a menos que...

O Sr. José Magalhães (PS): — E o Sr. Ministro não fala?!

O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — O Sr. Ministro faz questão de responder sobre esta matéria, porque, se não, começaríamos já a discussão do Orçamento.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. José Magalhães (PS): — Faz questão e faz muito bem!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vim aqui para falar do Orçamento do Estado, mas não me eximo de falar sobre esta matéria, durante todo o tempo que quiserem.

Vozes do PS e do PCP: — Ainda bem!

O Orador: — Quero que fique claro que não é por minha culpa nem por falta de vontade que VV. Ex." não discutirão este problema ou outro qualquer relacionado com o meu Ministério, durante todo o tempo que quiserem.

O Sr. Presidente e a Comissão de Economia, Finanças e Plano disporão do tempo como quiserem. Estarei ao vosso dispor, nesta matéria como em outras, o tempo que for necessário.

O Sr. José Magalhães (PS): — Chá à Rio, um!

O Orador: — Mas, já agora, gostava também de dizer qual é a minha opinião sobre esta matéria e também sobre outras.

Em primeiro lugar, Sr. Presidente, quero dizer o seguinte: nesta matéria, como em todas, sou sempre o responsável pelo que corre bem e pelo que corre mal no meu Ministério. Quando há intervenções, seja a que título for, de instituições ou direcções-gerais, como tal, do meu Ministério, sou o responsável.

Se alguma ideia política forte tenho é, entre outras, a de que a responsabilidade é um dos primeiros critérios da democracia e da política.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Muito bem!

O Orador: — E, em muitos casos, o País está como está porque esteve órfão de pessoas que eram capazes de assumir as suas responsabilidades.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Portanto, fica assente perante W. Ex." que, no meu Ministério, sou o primeiro e último responsável tanto pelo que corre bem como pelo que corre mal. Esta a primeira ideia que quero deixar aqui.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Já tínhamos chegado a essa conclusão!

O Orador: — Ainda bem, porque não cheguei a essa conclusão em relação a muita gente do nosso país que faz política! Ainda bem que, em relação a mim, já tinha chegado a essa conclusão!

Segunda ideia: também não sou ingénuo! Sou político, mas não sou ingénuo! E, portanto, também sei avaliar e relativizar o peso das palavras que aqui foram proferidas sobre esta matéria. Também não tenho qualquer ingenuidade!

Sei que estamos em época pré-eleitoral e, portanto, sei inserir tudo o que aqui se disse na conjuntura e no contexto próprios. Também não pensem que me levam...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — E a carga da polícia!?

O Orador: — Sr. Deputado, também sou respeitador, ouço toda a gente com muita atenção! Ouvi-os a todos com imensa atenção! Estive aqui calado, pacientemente, a ouvi-los e a tomar nota de tudo aquilo que disseram!

Portanto, se me permitem, também gostaria de ter a mesma atenção da vossa parte, se não for pedir demais!

Terceira ideia: também penso, na política como em relação à vida de um modo geral, que julgar é das coisas mais difíceis que há.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Orador: — E penso mais do que isso: penso que quando se tem responsabilidades, seja de ministro, de Deputado ou seja a que nível político for, devemos ter o

maior cuidado e o maior critério no acto de julgar. Não podemos ser levianos a julgar.

Pode haver, da parte de quem quer que seja, na apreciação deste facto ou de qualquer outro, leviandade, mas não me exijam — porque não o farei — que seja leviano a julgar este caso ou qualquer outro, porque não julgo de qualquer maneira.

Não me peçam, por exemplo — nem acho que deva ser pedido a ninguém, seja Deputado, seja titular de que órgão de soberania for —, que faça o julgamento do que se passou por imagens televisivas, porque ninguém com responsabilidade pode julgar devidamente este caso concreto através desse meio audiovisual. Tenho de ter outros critérios para julgar.

O Sr. José Magalhães (PS): — Não viu as imagens?!

O Orador: — Vi algumas imagens, Sr. Deputado! Mas não posso julgar só por aquelas imagens! Em quarto lugar,...

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — Que eu saiba não foram meiguices!

O Orador: —Não posso, desculpe! Já lhe vou responder, Sr. Deputado!

Em quinto lugar, quero dizer que já sei, por aquilo que aqui ouvi, que um conjunto de Deputados, aliás, todos os Deputados das várias oposições que aqui falaram, já fizeram o seu julgamento sobre esta matéria. Como, aliás, o fizeram no momento imediato ao dos acontecimentos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): — Eu estava lá!

O Orador: — É evidente, Sr. Deputado! Eu sei perfeitamente! E já sei que, para os Srs. Deputados, a conclusão,...

O Sr. José Magalhães (PS): — Mesmo antes de ter acontecido?!

O Orador: —... mesmo antes dos factos terem acontecido, era uma: a polícia teve culpa e os estudantes não. Isso já era um dado adquirido para W. Ex.u, mesmo antes de acontecer! Era um resultado que estava nas vossas cabeças, porque, se não, não teriam feito o julgamento que fizeram.

O Sr. José Magalhães (PS): — Isso é completamente abusivo!

O Orador: — Em sexto lugar, quero também dizer, em relação ao julgamento que fazem, que, para mim, não é indiferente as pessoas de quem ele parte. Também levo isso em conta.

Estiveram aqui' vários Srs. Deputados a falar, que eu respeito muito, mas sei o que pensam politicamente e que ideia têm sobre os direitos fundamentais, sobre as forças de segurança, sobre a repressão, etc, e sei, sobretudo, a dualidade de critérios que utilizam no julgamento de casos como este, que eu não procuro utilizar.

Tenho uma ideia de direitos humanos, do que é a democracia e de qual deve ser o papel das forças de segurança, onde e em relação a quem quer que seja. Aqui ou em Tiananmem, hoje, ao tempo da repressão da Primavera de Praga ou há 500 anos no tempo da inquisição, a ideia do que são direitos humanos tem de ser a mesma.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Portanto, tenho de avaliar o julgamento que fazem, que, nesta matéria, vindo de quem vem, tem sempre dualidade de critérios. Isto tanto é válido para a bancada do PCP como para o Sr. Deputado José Magalhães! Também é válido para si! Já devo distinguir a posição do Partido Socialista.

O Sr. José Magalhães (PS): — Também não é!

O Orador: — Esta é a minha interpretação! Dou o apreço que dou ao julgamento, tendo em atenção a história política de cada pessoa e a matriz política em que se filiam.

O Sr. José Magalhães (PS): — Claro!

O Orador: — É legítimo!

O Sr. José Magalhães (PS): — É?!

O Orador: — É uma apreciação honesta e legítima!

O Sr. José Magalhães (PS): — Aliás, é uma má desculpa!

O Orador: — Postos estes considerandos prévios, quero dizer o seguinte: tenho uma ideia sobre aquilo que devem ser as forças de segurança em democracia, que não é de hoje, pois já a deixei clara, desde que tomei posse no Ministério, num discurso que fiz e que pode ser lido — aliás, foi solicitado por vários Deputados desta Casa, para melhor conhecerem o meu pensamento político nesta matéria.

Como dizia, nele deixo clara qual a minha ideia sobre o papel das forças de segurança em democracia. E, nesse discurso, está dito — e é isso que orienta o Ministério e as forças de segurança — que, do meu ponto de vista, as forças de segurança estão investidas da autoridade que o Estado lhes confere para servir os cidadãos e o cumprimento das leis.

Esta é a ideia fundamental e a matriz fundamental...

O Sr. José Sócrates (PS). — Isso já se sabe!

O Orador: — Por aquilo que ouvi, parece que não,

Sr. Deputado!

Repito: esta é a matriz fundamental das forças de segurança em democracia.

Em segundo lugar, tenho defendido sempre a ideia — mesmo na prática, em actuações de forças de segurança, ela tem sido patente — de que o diálogo é o primeiro instrumento a que devemos recorrer: foi assim na tropa e tem sido assim constantemente porque é desse modo que as forças de segurança são e têm de ser formadas.

Em terceiro lugar, também em democracia o uso da

força por parte das forças de segurança pode justificar-se e ser legítima.

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O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Isso é teoria geral!

O Orador: — É teoria geral, sim, Sr. Deputado. Mas agora passarei aos factos concretos.

O Sr. José Magalhães (PS): — É teoria geral!

O Orador: — É teoria geral, mas é muito diferente da sua teoria gerai! Muitíssimo diferente!

O Sr. José Magalhães (PS): — Felizmente que é!

O Orador: — A sua teoria geral em relação a esta matéria está a anos-luz! Isto, para pior, Sr. Deputado... Para muito pior!

Repito, é teoria geral más é a boa teoria geral da democracia!

Aplausos do PSD.

Em relação ao que se passou ontem, logo a seguir aos acontecimentos, foi-me fornecido um relatório verbal pelo Sr. Comandante-Geral; depois de o ler, pedi à Polícia de Segurança Pública que tornasse do conhecimento da opinião pública aquilo que, no seu entender, se tinha passado. Foi o que se fez: ontem à noite a PSP divulgou um comunicado que não é mais do que,...

O Sr. António Filipe (PCP): — Não é mais do que uma vergonha!

O Orador: —... do ponto de vista da PSP, um relato dos acontecimentos.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Até agora nada disso é diferente do que se fazia há 20 anos!

O Orador: — Já lhe digo, Sr. Deputado... Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, estamos a ouvir o Sr. Ministro.

O Orador: — Sr. Deputado, estou a relatar como as coisas se passaram. Por enquanto, o senhor está fora do leque, mas já lhe respondo!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Queria chamar a atenção dos Srs. Deputados para fazerem o silêncio necessário para que se consiga ouvir o Sr. Ministro da Administração Interna.

Sr. Ministro, faça favor de continuar.

O Orador: — Depois disso, pedi à PSP para, durante o dia de hoje, me fornecer um relatório mais circunstanciado sobre o que se passou, para dispor de dados para julgar e para não o fazer levianamente.

E digo-lhe mais, Sr. Deputado: respeito muito a visão dos estudantes sobre os factos mas não respeito menos a visão da polícia e o relato que ela faz! Também quero que isso fique claro na cabeça de W. Ex." e, por isso, repito: também tenho muito respeito, e não tenho razão para não ter, sobre o relato que a PSP me faz!

Portanto, espero ter todos os dados, circunstanciadamente, para fazer o julgamento sobre se, em minha opinião, a polícia agiu ou não mal. Neste momento não o tenho como

adquirido e, repito, em princípio não tenho nada que me leve a pôr em causa aquilo que a polícia me diz.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Mas ouviu alguém sem ser a polícia?!

O Orador: — Agora respondo ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues: Sr. Deputado, que o Partido Comunista, o Sr. Deputado Mário Tomé, o Sr. Deputado, seu colega de bancada José Magalhães façam sobre estas matérias o julgamento que fazem, acho normal! Penso até que está de acordo com as suas histórias, ideias que defendem, etc. Agora, da parte do Partido Socialista, esperava uma outra postura em relação aos acontecimentos verificados: a de querer conhecer os factos em pormenor, a de querer julgar com critério as situações.

É por isso, Sr. Deputado, e não leve a mal o que lhe vou dizer,...

O Sr. José Magalhães (PS): —Ai, levo a. mal!

O Orador: — ... que gostava de discutir estas matérias —já o disse uma vez, da tribuna — com, da parte do Partido Socialista, os Srs. Deputados Jaime Gama, Eduardo Pereira... Gostaria muito de as discutir com eles!

De facto, é lamentável que o maior partido da oposição entenda, por exemplo, que nunca há razão, em teoria sequer, para que haja uma «carga» da polícia. É muito grave que um Deputado do Partido Socialista possa dizer, de uma qualquer «carga» policial em democracia, que isto é igual ao que acontecia há 20 anos. É gravíssimo!

Vozes do PSD: —Muito bem!

O Orador: — Gostaria de ouvir falar sobre estas matérias os Srs. Deputados Jaime Gama e Eduardo Pereira! Mas como não posso, tenho de as discutir consigo! Talvez o Sr. Deputado José Lello pudesse dar uma ajuda...

O Sr. José Lello (PS): — Gosto de o ouvir falar sozinho!

Risos do PS.

O Orador: — Realmente, o que não pode acontecer é a visão do Partido Socialista nesta matéria ser igual — não me conformo com isso — à do Partido Comunista ou à do Sr. Deputado Mário Tomé.

Portanto, aquilo que se exige...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Sr. Ministro, permite-me que o interrompa?

O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Há dois factos que gostaria de sublinhar nesta altura do debate: em primeiro lugar, até agora, o que o Sr. Ministro disse que tinha feito e que ia fazer não tem quaisquer diferenças com aquilo que acontecia quando havia repressão noutro regime, há 20 anos atrás.

Vozes do PS e do Deputado independente Mário Tomé: — Muito bem!

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O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — De facto, o Sr. Ministro não disse uma coisa muito simples: que queria também ouvir a versão dos estudantes e dos Deputados que estiveram «lá em baixo» a apanhar pancada!

Aplausos do PS.

Neste momento, registaram-se aplausos do público presente nas galerias.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Segunda questão,...

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, um momento só...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Deixe-me acabar, Sr. Presidente!

Segunda questão: o Sr. Ministro não pense que pode dividir a bancada do PS porque os Srs. Deputados Jaime Gama e Eduardo Pereira estiveram na reunião do Grupo Parlamentar do PS onde a decisão foi tomada!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, não lhe dou neste momento a palavra.

Devo informar que o público presente nas galerias não se pode manifestar...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — É de todo o Partido Socialista a decisão que foi, há pouco, tomada!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Mandarei evacuar o público presente nas galerias se se voltar a repetir qualquer intervenção durante o debate.

Sr. Ministro da Administração Interna, agradecia que continuasse no uso da palavra.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Muito bem! Impo-nha-se a ordem!

O Orador: — Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o que lhe quero dizer — faço-o, aliás, com alguma tristeza — é que nesta matéria, como noutras, o que se nota das suas palavras é que o Partido Socialista não está preparado para ser Poder em Portugal. Não tem jeito para ser poder em Portugal, e vou explicar-lhe porquê!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Se o Poder é isto, não

está!

O Orador: — Não, não é isto! Ser capaz de ser Poder é diferente! É ser capaz de ter outra postura, coisa que os senhores, nesta matéria, não são capazes de revelar! Isso é que é ser capaz de ser Poder.

Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o que lhe vou dizer é o seguinte: pedi que me fosse fornecido um relatório mais circunstanciado, o que é normal da parte de um governante! Tal como é normal que, caso esse relatório aponte que houve falhas, se mande fazer o inquérito: ouvir uma e outra parte e, só então, reunir todos os elementos. E, portanto, eu não podia ainda ter dado esse passo.

No seu julgamento precipitado sobre esta matéria, o Sr. Deputado diria, como Ministro: «Meus amigos, agora quero ouvir já a polícia e os estudantes.» Sr. Deputado, tal atitude é de quem não está preparado para ser ministro nem para ser Poder!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Essa situação exige outra postura! E a

postura é esta: pedir um relatório mais circunstanciado e,

no caso de haver indícios naquele relatório de que a polícia agiu precipitadamente e sem ser de acordo com aquilo a que está obrigada numa situação destas, então o que devo fazer, como Ministro, é mandar fazer um inquérito e, no âmbito desse inquérito, obter mais dados e, então, decidir!

O Sr. Deputado não pode ser ministro e, por isso, nesta matéria, o PS não pode ser Governo...

O Sr. José Magalhães (PS): — Mas agora decide quem pode ser ministro?!

O Orador: — O que o senhor faria, como Ministro, era chegar — ontem à noite — às câmaras de televisão e dizer «Eu sou o Ministro da Administração Interna e venho aqui para condenar a polícia porque 'carregou1 sobre os estudantes. Amanhã ouvirei os estudantes e a polícia.» Sr. Deputado, não é modo de se ser Governo!

Há um abismo entre a nossa e a vossa postura. Um abismo!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Ah, isso é verdade!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Entre demagogia e responsabilidade!

O Orador: — Mas, infelizmente, a vossa postura não dá para que os Portugueses vos confiem o Poder. É o que tem acontecido, Sr. Deputado!

O Orador: — Os Portugueses durante anos e anos e anos não lhes têm reconhecido capacidade nem sequer o bom,senso para poderem lidar com estas matérias e, por isso, as entregaram a nós!

Vamos esperar que, daqui as uns tempos, os Portugueses julguem a nossa e a vossa atitude.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Durante 40 anos foi esse o discurso da Democracia Cristã!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, vou dar a palavra, por três minutos, a um representante de cada grupo parlamentar, para darmos por concluídas estas intervenções.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): —Muito bem!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Uma vez terminadas as intervenções, iniciaremos a discussão do Orçamento do Estado para 1994.

Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): — E o Orçamento, Sr. Presidente?!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Talvez o Sr. Deputado possa ir tomar uma bica enquanto não começa o

«seu» Orçamento! Protestos do PSD.

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Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, gostaria de começar por realçar a frontalidade com que assumiu, como lhe compete, a responsabilidade política...

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sempre!

O Orador: —... pelos actos e pelas actuações das instituições que são tuteladas pelo Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sempre, Sr. Deputado!

O Orador: — Como digo, repito, gostaria de começar por realçar isso. E, nesse sentido, julgo que é legítimo que possamos acusar, desde já, política e directamente, o Ministro da Administração Interna por aquilo que sucedeu ontem, nas escadarias, em frente à Assembleia da República.

Vozes do PCP: — Muito bem!

Neste momento, registaram-se aplausos do público presente nas galerias.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Agentes da autoridade, peço-lhes que evacuem o público presente nas galerias.

Vozes do PSD: — Muito bem!

Neste momento, registaram-se protestos do público presente nas galerias.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Presidente, talvez não seja necessário tanto.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, está suspensa a reunião, por cinco minutos.

Eram ¡5 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião. Eram 16 horas.

Sr. Ministro da Administração Interna e Sr." Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento e Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Sr. Presidente, não sei o que faz o Sr. Deputado José Magalhães «burguesmente» sentado nas cadeiras do Parlamento, em vez de, pelo contrário, acompanhar solidariamente os manifestantes! O Sr. Deputado José Magalhães não devia estar aqui por razões de solidariedade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Ora bem, retomando os nossos trabalhos, quero reafirmar — depois de

termos alguma tranquilidade — o seguinte: da primeira vez que houve manifestações de público presente nas galerias, não dei qualquer indicação porque admiti que o tivessem feito por ignorância; da segunda vez que o fizeram, avisei que o público presente nas galerias não se poderia manifestar. A terceira vez, a única solução é a sua evacuação das galerias. Foi o que se fez.

Depois deste pequeno esclarecimento, vamos então retomar os trabalhos da Comissão de Economia, Finanças e Plano, em conjunto com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Presidente, não se esqueça que fiquei a' meio da intervenção!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, já lhe dou a palavra. Peço-lhe que aguarde só um momento.

Como dizia, voltando aos nossos trabalhos, volto a repetir que, depois da intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna, a Mesa — neste caso sou só eu — decidiu dar a palavra, por três minutos, a cada um dos representantes dos grupos parlamentares, por forma a poderem pronunciar-se, eventualmente, sobre este tema. Só depois retomaremos a discussão do Orçamento do Estado.

Como o Sr. Deputado Octávio Teixeira estava no uso da palavra aquando da interrupção, peço-lhe que retome a sua intervenção, fazendo uso do poder de síntese que lhe é largamente reconhecido.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP). — Sr. Presidente, o poder de síntese é conhecido e vai ser comprovado mais uma vez.

Continuando, Sr. Ministro da Administração Interna, ao assumir dignamente a responsabilidade política por aquilo que aconteceu, também teremos de o acusar politicamente por aquilo que aconteceu. E gostaria de começar por acusar o seguinte, Sr. Ministro: o comunicado do Comando-Geral da PSP, a que há pouco fez referência — e é com toda a frontalidade, clareza e certeza que o digo —, é uma inqualificável falsificação e deturpação dos factos que se passaram ontem à tarde aqui, em frente à Assembleia da República.

O Sr. António Filipe (PCP):—Exactamente!

O Orador: — Para além da deturpação e falsificação, o recurso a sofismas inaceitáveis deveria ser banido pelo Sr. Ministro e não apenas dentro do Comando-Geral da PSP. Dou-lhe como exemplo desse sofisma inaceitável o que se diz no comunicado da PSP: «Registaram-se ferimentos ligeiros em três elementos do Corpo de Intervenção, não tendo sido participados à PSP quaisquer ferimentos de manifestantes...». Não foram participados à PSP! Acredite, Sr. Ministro, houve muitos! Pelo menos, nas imagens que foram exibidas pela televisão tem de acreditar.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Tem de acreditar na realidade dos factos e essa realidade foi a agressão violenta e os resultados da mesma de que foram objecto os estudantes....

Vozes do PCP: — Exacto!

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O Orador: —... porque eles, ao irem queixar-se à Polícia depois de terem sido agredidos, poderiam ter o receio legítimo de tomarem a ser agredidos.

Protestos do PSD.

Sr. Ministro, relativamente à questão de fundo, criticamos e, fundamentalmente, acusamos as forças de segurança— e politicamente responsabilizamos o Sr. Ministro— porque aquilo que se passsou ontem não é uma atitude isolada, antes vem sendo, infelizmente, uma forma habitual de intervenção dessas mesmas forças. A violência gratuita com que ontem intervieram contra os estudantes foi igual à que utilizaram não há muito tempo, por exemplo, em relação aos trabalhadores da TAP, e não só a esses trabalhadores mas também a pessoas que lá estavam. Ontem, aconteceu também com pessoas que não eram estudantes e que passavam por aqui nessa altura. É esta questão de fundo que deve ser analisada e discutida politicamente, Sr. Ministro.

Pergunto: que tipo de orientações estão a ser transmitidas pelo Sr. Ministro e pelos órgãos dependentes do Sr. Ministro aos corpos de intervenção para actuarem desta forma?

Sr. Ministro, se não quer acreditar totalmente nas imagens que ontem foram transmitidas pelos vários canais de televisão, admito que tenha, pelo menos, a filmagem completa destas situações que normalmente é feita pelos Serviços de Informações e Segurança ou por outros corpos da PSP. Veja através dessas imagens o que aconteceu, porque aquilo que veio — repito e reafirmo, mais uma vez — o comunicado que foi emitido é uma falsificação completa.

Sr. Ministro, em relação às alusões que fez ao pensamento do PCP, devo dizer-lhe que não temos dúvidas de que num sistema democrático, em determinadas circunstâncias, se pode justificar o uso da força, mas o que posso garantir-lhe é que a situação ontem aqui verificada nunca poderia justificar a forma como os corpos de intervenção da PSP intervieram.

Aplausos do PCP, do PS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Protestos do PSD.

Finalmente, Sr. Ministro, gostava de dizer-lhe que não tiramos conclusões antes da intervenção da PSP ou do Corpo de Intervenção mas depois daquilo que se passou. E não há dúvida de que o que se passou é indigno de um regime democrático,...

Vozes do PCP e do PS: — Muito bem!

O Orador: —... de um sistema que queremos regido pelas leis e pela democracia. Aquilo que sucedeu é inaceitável, não pode tornar a repetir-se, e o facto é que se vem repetindo com demasiada frequência. O Sr. Ministro, como responsável político, tem de tirar daí as suas inevitáveis e inequívocas consequências.

Sr. Ministro, quero crer que, quando há tempos referiu, numa reunião do seu partido, que este devia actuar de forma mais política, não se referia à bordoada a que ontem aqui assistimos!

Por conseguinte, apure responsabilidades rapidamente e tome as medidas essenciais, necessárias, urgentes e inadiáveis.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para uma intervenção, em nome do Partido Socialista, pelo período de três minutos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente,

Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados... Protestos do PSD.

Srs. Deputados, não sejam grosseiros!

O Sr. Ministro da Administração Interna teve a hombridade de não seguir a sugestão da sua bancada e de se calar para passar imediatamente àquilo a que chamaram a ordem do dia. A ordem do dia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é esta, de facto. Foi a ordem de ontem, continua a ser a ordem de hoje, para desgraça de todos nós! E, portanto, devemos discuti-la! Só que o Sr. Ministro, nesta matéria, não se apresentou numa postura adequada e correcta ou, sequer, numa postura de Estado. E não o fez por várias razões.

Primeira, porque, em vez de assumir frontalmente a gravidade dos acontecimentos, não aceitou minimamente que o Governo tem sobre si o dever de uma explicação e tem uma responsabilidade liminar a assumir perante a Câmara. Procurou furtar-se a ela, e discordamos profundamente dessa postura.

Segunda, fez teoria geral. E nessa teoria geral que fez, e que é inaceitável — foi essa, no fundo, a posição que esta manhã o Grupo Parlamentar do PS, em bloco, condenou —, entende que é função do Estado comportar-se assim perante o exercício normal da liberdade de manifestação e de expressão. Nós entendemos que essa doutrina gera! é má, condenável e inaceitável num Estado de direito democrático.

Mais ainda, Sr. Ministro: concordo que quem não condena Tienanmen tem uma legitimidade diminuta para condenar a bastonada de ontem, mas quem condena Tienanmen e não condena a bastonada de ontem não tem coerência nenhuma. É o caso de V. Ex.a, não é seguramente o nosso caso

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Tenham calma, Srs. Deputados. Daqui a bocado estão iguais à claque do Macário!

O Orador: — Terceira, a ideia que V. Ex." aqui nos trouxe sobre o treino das forças de segurança é inteiramente inaceitável e indescritível. Sobre essa matéria, lamento que V. Ex." não tenha resistido a fazer duas coisas: em primeiro lugar, uma ilibação liminar absolutamente irresponsável e, em segundo lugar, uma intriga, que V. Ex.a aqui pratica. Mas uma intriga que pratica mal e hoje redobradamente mal, Sr. Ministro!

Queria V. Ex." insinuar que os Deputados Jaime Gama e Eduardo Pereira estão de acordo com a carga de bastonada de ontem? Quer V. Ex.° insinuar que esses dois Deputados que citou estão de acordo com a política repressiva do Governo em relação à TAP, em relação aos agricultores ou em relação aos cidadãos em geral?

Vozes do PS: —Muito bem!

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O Orador: — É isso que V. Ex.° quer insinuar?

Isso é altamente ofensivo e a tomada de posição desta manhã do Grupo Parlamentar do PS é um cabal desmentido a essas tentativas de intriga, que nem nobilitam V. Ex.° nem têm passagem, devo dizer-lhe, de livre alvedrio nesta Casa.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Por último, e mais grave ainda, porque esse é um mexerico em que V. Ex.a é vezeiro, é ter dito que caucionar esta política é um must, é uma condição essencial numa espécie de teste imaginário de aptidão para o Poder. Devemos dizer, Sr. Ministro, que não é! Por um lado, porque isto lembra uma forma de exercer o Poder de antanho, que ainda esta manhã condenámos em bloco — mais uma vez, Sr. Ministro! Por outro, porque não é normal, e não aceitamos, que V. Ex.° queira normalizar isso e que, no dia seguinte à cena de ontem, se apresente na Câmara — e havendo Deputados que estiveram no sítio e que, aliás, foram perturbados nessa matéria—

Protestos do PSD.

... e seja capaz de não ter uma palavra de preocupação liminar, que seja, procurando, ao invés, assumir, por que V. Ex.a assumiu aqui, palavra a palavra, uma versão altamente distorcida dos factos e que contende com o olhar que lançámos directamente sobre os factos ou com o olhar que todos os portugueses puderam lançar, através das estações de televisão, sobre a maneira como as forças da ordem se comportaram.

Sr. Ministro, a maneira como as forças de segurança se comportaram não é nem necessária, nem adequada, nem proporcionada. E inquietante que V. Ex." não seja capaz de emitir aqui, de imediato (no dia seguinte), um juízo liminar que o distancie dessa forma de comportamento inaceitável!

Por isso, Sr. Ministro e Srs. Deputados, a posição da bancada do Partido Socialista nessa matéria é, por razões de coerência do passado e do presente, frontalmente contra e não aceitamos nenhuma insinuação. Fica aqui lavrado o nosso firme e veemente protesto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna, já muitas coisas foram ditas, só quero acrescentar, em primeiro lugar, que o Sr. Ministro tentou insinuar a ilegitimidade da apreciação dos Deputados em função daquilo que pensam ou não pensam do seu posicionamento político, o que não é legítimo e cai inteiramente sobre a própria apreciação do Sr. Ministro e das forças da ordem. Em segundo lugar, para além de se questionar ou não da oportunidade de intervenção da polícia de choque — e no meu entender é absolutamente desadequada e inoportuna —, quero aqui deixar o meu veemente protesto pela forma brutal que a actuação da PSP assumiu ontem — e que já assumiu também na TAP —, que é o espancamento indiscriminado, orientado para os que estão caídos no chão, para os que estão parados, encolhidos ou atemorizados. Isso é absolutamente inaceitável...

Protestos do PSD.

É o Sr. Ministro quem deve, e muito bem, assumir a responsabilidade, como o fez, por aquilo que aconteceu, e até ao fim. Isto não pode continuar a acontecer, porque é uma violência animalesca que cai sobre cidadãos e, no caso em apreço, sobre jovens estudantes, o que é inqualificável.

Protestos do PSD.

0 Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, é bom que V. Ex.° tenha estado aqui presente hoje, antes de passadas vinte e quatro horas sobre os acontecimentos de ontem. V. Ex.a foi estudante, foi reinvindicativo nos seus tempos de Coimbra e sabe perfeitamente onde é que acaba a justa reinvindicação e começa a perturbação à ordem, onde é que acaba verdadeiramente a paz e a tranquilidade públicas quando os estudantes querem manifestar as suas legítimas ou com tal pensadas reinvindicações.

Ora, é sabido de todos, V. Ex." sabe, que a Polícia só deve intervir quando há um perigo iminente de a paz pública estar verdadeiramente ameaçada.

E a Polícia só deve intervir — esta é a doutrina ensinada até pelo Prof. Marcelo Caetano, no seu Manual de Direito Administrativo, e ninguém há-de duvidar da sua doutrinação de Estado autoritário — quando as reinvindicações não sejam para defender os legítimos direitos de quem manifesta.

Protestos do PSD.

Sr. Deputado, V. Ex." anda a saltar de lugar em lugar para poder boicotar a intervenção dos Deputados da oposição com «bocas», apartes ou perguntas! Ou se inscreve para fazer uma intervenção a favor da acção da Polícia ou então diga apartes civilizados!

Se tem coragem faça uma intervenção...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, vamos ver se reconduzimos a calma a esta reunião.

Devo dizer que, ao longo dos meus 10 anos de vida parlamentar, esta é a reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano mais participada e menos tranquila.

Srs. Deputados, mantenham a calma e o silêncio adequados para podermos ouvir o orador.

Faça favor de continuar, Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Orador: — Sr. Ministro, o que lhe quero perguntar é o seguinte: V. Ex.a foi avisado de que ia haver a carga policial?

Em segundo lugar, V. Ex.ª assistiu, ao menos viu na televisão, a maneira como a Polícia actuou? Mesmo que tivesse razão!

Em terceiro lugar pegunto a V. Ex.a, como cidadão, como pai de família e não como Ministro, como homem e como cidadão: V. Ex.' aceita que depois de um rapaz estar caído no chão e indefeso ainda lhe dêem cacetadas quando não pode defender-se ou sair dali?

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Aceita V. Ex." este procedimento.'?. Protestos do PSD.

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Aceita V. Ex.° que se empurrem jovens e que depois

de caírem lhes continuem a bater e não enquanto eles estão de pé?

E pergunto a todos os Deputados que estão aqui presentes se este procedimento de bater os jovens que estão caídos no chão é aceite por vv. Ex."?

Em quarto lugar, pergunto: acha V. Ex." que, efectivamente, reprimiu o movimento de luta contra as propinas com o espectáculo que deu ao País? Se os estudantes não tinham razão — e eu sou daqueles que pensa que os estudantes não têm razão quando protestam contra as propinas -

Vozes do PSD: —Ah!...

O Orador: —... a partir de ontem, o País começou a dar razão aos estudantes...

Protestos do PSD.

... pelo espectáculo que V. Ex.a permitiu, porque aquilo que até agora era uma reivindicação, relativamente à qual se pensava que os estudantes poderiam ou não ter razão, o facto de V. Ex.a passar a tratar os problemas de educação como uma questão de ordem pública, como um problema de cacetada, como um problema de violência, como um problema não de estudantes mas, sim, de protecção da sociedade contra terroristas, agitadores ou provocadores da universidade, pode ter modificado o pensar da opinião pública.

Assim, pergunto-lhe se foram estas as ordens que deu, ou seja, se autorizou a polícia a bater nos estudantes do modo como foram agredidos.

(0 orador reviu.)

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins, que dispõe de três minutos.

Vozes do PSD: — Outra vez?!...

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Sr. Presidente, a primeira...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Peço o favor de manterem silêncio, Srs. Deputados.

O Orador: — De facto, os Srs. Deputados do PSD estão bastante perturbados...

Vozes do PSD: —Estamos...! Estamos...!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): — O problema é que não estão!

O Orador: —... com os resultados da acção de um Governo que sustentam aqui, na Assembleia da República, sendo incapazes de tomar uma posição crítica e frontal. Quando o Governo vem aqui apresentar propostas e, agora, quando a oposição questiona o Governo pela responsabilidade que tem na acção que desenvolve junto dos trabalhadores e dos Portugueses, os Srs. Deputados do PSD manifestam-se desta forma.

Protestos do PSD.

Sr. Presidente, há pouco, referi que ontem as forças de segurança que, como vimos, actuaram da forma repressiva junto dos estudantes partiram da Assembleia da República, preparando aqui a acção repressiva que depois veio a ter

lugar na escadaria do Palácio de São BetltO.

Sr. Presidente, acabo de ser informado de que estão a

entrar na Assembleia da República várias camionetas da

Polícia de Intervenção, pelo que gostaria de saber se se está a passar, ou se está prevista, alguma acção que possa afectar a integridade dos Deputados ou da Assembleia da República para que, de uma forma anormal, estejam a chegar à Assembleia camiões carregados de Polícia de Intervenção.

Pergunto isto para que não sejam os Deputados que, perante a opinião, possam ter alguma coisa a ver com a acção repressiva, como a que ontem teve lugar na escadaria da Assembleia.

Protestos do PSD.

Peço, pois, ao Sr. Presidente que se inteire de alguma razão extraordinária que possa levar a que estejam a ter lugar acontecimentos como os que referi.

Fico a aguardar a informação que, pelas vias normais, seja possível o Sr, Presidente trazer ao conhecimento dos Srs. Deputados.

Protestos do PSD.

Quanto à intervenção que o Sr. Ministro fez, compete--me salientar, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, a posição que o Sr. Ministro aqui tomou ao assumir todas as responsabilidades políticas do que se passou ontem com a Polícia de Intervenção. No entanto, a argumentação de defesa do Sr. Ministro foi a de que, em primeiro lugar, ouviu as razões da Polícia de Intervenção e, depois, de acordo com essas razões, isto é, de acordo com as razões de quem acusamos do procedimento que ontem aqui teve lugar, que repudiamos, e face à informação de quem accionou os mecanismos ou participou na acção, então, vai decidir se irá ou não desenvolver um inquérito.

Sr. Ministro, não é assim que entendemos o regime democrático, que se baseia, em nosso entender, em ouvir as razões das partes.

Protestos do PSD.

O Sr. Ministro recusa-se a ouvir... Protestos do PSD.

Sr. Presidente, assim eu não consigo expressar a minha opinião...

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): —: Srs. Deputados, peço o favor de fazerem silêncio.

Queira concluir, Sr. Deputado André Martins.

O Orador: — Sr. Ministro, entendemos a democracia e o funcionamento do regime democrático ouvindo as partes envolvidas, mas o Sr. Ministro, por aquilo que disse, recusa-se, à partida, a ouvir uma das partes, ou seja, aquela que foi afectada.

Sr. Ministro, os estudantes têm-se manifestado contra a legislação das propinas, isto depois de o Sr. Ministro da Educação, várias vezes, ter reconhecido que, em vastos aspectos da política educativa, os estudantes e as suas organizações têm razão nas questões que levantam. Assim

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sendo, espanta-me que o Sr. Ministro da Educação venha obrigar os estudantes que não pagaram as propinas a abandonar o ensino. Isto é o livre arbítrio, Sr. Ministro! É o livre arbítrio num Estado democrático!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: — Quando o Governo se comporta desta

maneira, como é que o Sr. Ministro, num regime democrático, quer que os estudantes e o povo português se comportem? E tudo isto é feito na assumpção de um direito que está previsto na Constituição da República.

Por isso, a questão que se coloca é esta: o Sr. Ministro não estará aqui a sofrer as consequências de uma política desastrosa de um Governo e de determinados ministros desse Governo?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

Vozes do PSD: —Outra vez?!...

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, estão inscritos os Srs. Deputados João Corregdor da Fonseca e Silva Marques. Depois, não darei a palavra a mais ninguém para se pronunciar sobre esta matéria.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Sr. Presidente, eu fui citado, por isso quero falar!

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, ele foi citado, logo tem o direito de resposta!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Sr. Ministro, V. Ex." foi frontal, mas o problema é grave e ultrapassa, sem dúvida, a sua resposta.

O Sr. Ministro sabe que, em democracia, se repudiam certos excessos e cito-lhe um pequeno e notório exemplo que deu azo, ao que parece, a um inquérito policial: há duas ou três semanas, num jogo de futebol internacional que teve lugar na cidade do Porto, no final do desafio houve algum excesso por parte dos jovens italianos a que respondeu a PSP. Foram publicadas fotografias e reportagens televisivas da polícia a carregar sobre os jovens — que se entusiasmam nestas coisas do futebol — e de um agente a sacar da sua arma de fogo. Foi uma atitude grave! Foi uma imagem que percorreu o mundo, e o Sr. Ministro sabe-o! Ora, isto é desagradável, e, mais tarde, vim a saber pela imprensa que teria sido aberto um inquérito interno ao comportamento desse e dos outros polícias. Já agora, pergunto-lhe se tem alguma informação sobre o resultado desse inquérito.

Mas o que está em causa não é o comportamento apenas de um polícia mas, sim, todo o tipo de ambiente que se está a criar em torno dos corpos policiais, nomeadamente dos que estão treinados, não para a segurança da ordem pública como é desejável, mas para a repressão, o que é mais grave!

Há momentos, dizia eu que era necessário um permanente diálogo com a população e não a adopção de actos de violência gratuita. No entanto, Sr. Ministro, está a instalar-se na sociedade portuguesa um certo clima de repres-

são e de violência com actos praticados sobre Os agricultores no Centro do País, na TAP, sobre os estudantes, etc. Por isso, o Sr. Ministro, que tem as suas responsabilidades — assumiu-as aqui e eu já lhe disse que nesse aspecto foi frontal —, não pode, num regime democrático, aceitar tudo o que estes polícias fazem e dizem, nomeadamente os chefes policiais e os comandantes destas unidades repressoras.

Ainda ontem o Sr. Deputado Narana Coissoró anunciou

aqui a violência que estava a ser exercida sobre os jovens, o que fez que eu saísse do Plenário e fosse perguntar ao comandante da segurança do Parlamento e aos chefes policiais que aqui prestam serviço o que estava na realidade a passar-se...

Tudo isto é grave e, assim, pergunto-lhe que vai o Governo fazer para que as forças policiais moderem este tipo de comportamento, para que se comportem como se exige num regime democrático e não da forma como o têm vindo a fazer, porque se o Sr. Ministro aceita de bom grado tudo o que acontece há o perigo de ascensão da violência policial.

(O orador reviu.)

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Sr. Presidente, eu fui citado pelo Sr. Ministro num momento em que não estava presente, inclusivamente penso que o Sr. Ministro fez referências que nos igualavam a todos na direcção da segurança deste país, o que não é verdade.

O meu camarada Jaime Gama não se encontra presente e por isso não pode defender-se, mas eu, porque estou presente, gostava de responder ao Sr. Ministro.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Com certeza, Sr. Deputado. Foi efectivamente citado.

Tem a palavra, Sr. Deputado. Agradecia que fosse sucinto, por razões óbvias.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Sr. Presidente, vou ser telegráfico.

Sr. Ministro, a sua atitude de, para se defender, atacar os que tiveram a mesma responsabilidade é feia.

Vozes do PSD: — Ninguém o atacou!

O Orador: — Ó Srs. Deputados, por que é que não guardam essa energia para os debates com o Jorge Sampaio? É que precisam disso!...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio, porque, a continuarmos assim, nunca iremos discutir o orçamento do Ministério da Administração Interna.

Faça favor de continuar, Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Orador: — A argumentação do Sr. Ministro na minha ausência, fosse a que título fosse, não é feliz.

Por outro lado, quero dizer-lhe que, no período em que fui ministro da Administração interna, a polícia nunca actuou como está a fazê-lo ultimamente.

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O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Muito bem!

O Orador: — Repito, nunca actou como está a fazê-lo ultimamente.

A Polícia actou sempre debaixo das minhas instruções e a pedido de qualquer entidade idónea para que eu

determinasse o avanço da Polícia. É o caso, por exemplo, dos barcos da LISNAVE cujos trabalhadores não queriam entregá-los aos armadores, etc.

Porém, o que nunca fiz foi mandar a Polícia, à bastonada, calar a voz dos estudantes!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Muito bem!

O Orador: — Isso eu nunca fiz! Aplausos do PS.

Portanto, porque os estudantes estão a encaminhar-se para a Assembleia da República, não para dialogar com o Sr. Ministro, visto que eles não conseguem fazê-lo nem no Terreiro do Paço mas para expor a situação aos Deputados, proponho ao Sr. Presidente e aos grupos parlamentares aqui presentes que se interrompa a reunião, por forma a que os grupos parlamentares possam constituir um grupo de atendimento a um grupo de estudantes a fim de ouvir as suas queixas, por forma a que eles possam ir em paz sabendo que alguém se interessa pelos seus problemas.

Aplausos do PS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Manuel Alegre tem razão. Há uma completa mistificação acerca do heroísmo pela liberdade...

Vozes do PSD: —Muito bem!

O Orador: — ... e, sobretudo, uma mistificação grosseira, chocante e escandalosa daqueles que confundem regime. Decerto, se calhar, porque nunca levaram uma boa cacetada antes do dia 25 de Abril de 1974!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Deputado Manuel Alegre, não me esqueci, nem nunca me esquecerei, das cacetadas que levei da Polícia antes do 25 de Abril e a prova de que não me esqueci dessas cacetadas da ditadura que existiu até ao dia 25 de Abril de 1974 é que, depois desse dia, continuei o meu combate contra o PCP e, nessa altura, também contra o Sr. Deputado José Magalhães.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): — Então, viva a porrada! Tudo serve!

O Orador: — Não, Sr. Deputado! Viva a liberdade e a luta pela liberdade, sem concessões àqueles que são contra a liberdade e que, por isso mesmo, estão sempre do lado dos desordeiros!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): — E aos que estão do lado da porrada!

0 Orador.-—Srs. Deputados, o que mais surpreende

e, da parte de todos os democratas, decerto, o que é mais lastimável neste incidente é a postura do Partido Socialista.

Ninguém se pode surpreender com o comportamento dos Deputados do PCP, dos que se ligam à UDP e de outros extremistas, que sempre assumiram ser contra a democracia parlamentar, que eles designam de democracia burguesa.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Temos, sim, que nos surpreender com os socialistas, que se pretendem assumir como um dos pilares da democracia.

Srs. Deputados do PS, os senhores, em momentos limite, assumem atitudes muito semelhantes às dos comunistas. E porquê? Os comunistas são pela liberdade quando estão na oposição, mas revelam-se os mais ferozes ditadores quando detêm o Poder. Os Srs. Deputados socialistas, sempre que estiveram no Poder, não tiveram dúvidas em assumir as operações policiais que se impuseram, mas como agora estão na oposição colocam-se na posição dos desordeiros, manifestando-se imediatamente contra a Polícia, sem sequer esperar por uma devida averiguação dos factos.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Qual averiguação? A da Polícia?!

O Orador: — Os Srs. Deputados do PS esquecem-se, inclusivamente, dos factos recentes. Quem não se lembra de a Polícia, com certeza perante a circunstância e obrigada a isso, ter prendido o Deputado Manuel Lopes, que, decerto, impelido pelos seus imperativos de sindicalista, foi preso em frente da residência do Primeiro-Ministro, que se chamava, então, Mário Soares?

Aplausos do PSD.

Os Srs. Deputados socialistas esquecem-se dos mortos no Alentejo, numa altura em que estavam no poder, pelo facto de ter havido resistências à actuação policial?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Não é verdade! É falso! Está a mentir!

O Orador: — Srs. Deputados socialistas, o que é mais surpreendente não é o vosso desequilíbrio quanto à vossa coerência, aos princípios que dizem defender. O que é surpreendente, e lastimamos, é que se revelem que estão, pura e simplesmente, atordoados e não sabem que posição seguir relativamente ao Estado, aos princípios do Estado de direito e ainda à forma de saber quem está com quem nos momentos em que está em causa a democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — O senhor não tem autoridade para dar lições, depois da vergonha de ontem!

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O Orador: — Srs. Deputados, o princípio supremo da liberdade é o da responsabilidade. E sendo assim, os primeiros responsáveis no Estado democrático são os Deputados, membros do órgão legislativo que faz as leis. Se os Srs. Deputados da oposição entendem que as leis não estão bem, tomem iniciativas para as alterar, mas não se virem contra aqueles que executam as leis da República, nomeadamente em relação aos órgãos policiais, porque isso revela mesquinhez, falta de frontalidade e de responsabilidade. Se os senhores não estão de acordo com as leis da República, alterem-nas, mas não se virem contra os seus executores.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Srs. Deputados, não me façam lembrar momentos tristes...

O Sr. José Magalhães (PS): — Lembre!

O Orador: —... porque, após o 25 de Abril, muitos dos senhores, sobretudo os comunistas, viraram-se contra agentes da polícia política, passando a dar bênçãos e loas aos responsáveis políticos do regime da ditadura. Não me lembrem isso!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — O senhor é parvo ou estúpido?!

O Orador: — Estou a dizer-lhe e posso repeti-lo!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — O senhor é um provocador profissional!

O Orador: — Muitos dos senhores protegeram responsáveis políticos da ditadura e puseram-se a perseguir os agentes da polícia política.

O Sr. António Filipe (PCP): — O senhor é um mentiroso!

O Orador: — Os Deputados são os primeiros responsáveis do regime democrático. Somos os responsáveis pelas leis em vigor, não devemos virar a nossa crítica àqueles que executam as leis da República.

O Sr. António Filipe (PCP): — Tenha vergonha!

O Orador: — Sr. Ministro, V. Ex. diz que jamais julgará sem apreciar e ponderar todos os factos. Tem toda a razão e a nossa solidariedade! Se quer um testemunho — e já hoje, aqui, recebeu vários —, tem também o meu. Assisti a tudo e garanto-lhe que a Polícia apenas actuou depois de reiteradamente provocada. Isto é, depois de alguns estudantes, claramente constituídos em grupo provocatório, terem derrubado a primeira barreira colocada pela Polícia, resistindo às indicações da mesma no sentido de recuar e abandonar a parte frontal da escadaria que dá acesso à Assembleia da República.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — O senhor é um execrável mentiroso!

O Orador: — Sr. Ministro, é o meu testemunho contra outros testemunhos. A Polícia apenas agiu, repito, depois de reiteradamente provocada.

Alguns Srs. Deputados levantam a questão de averiguar eventuais excessos da Polícia. Por que não colocarão eles a questão de se inquirir e averiguar sobre os excessos de certos activistas colocados entre os estudantes, que tinham, deliberadamente, a intenção de provocar?

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — O senhor é um execrável mentiroso!

O Orador: — Sr. Ministro, eu e outros colegas meus vimos a Polícia apedrejada, tão apedrejada que, em certo momento, teve de recuar, porque um grupo de agitadores, actuando deliberadamente, levantou pedras da calçada e, com violência, tentou ripostar e, num primeiro momento, conseguiu fazê-la recuar.

Vozes do PCP: — É falso! O senhor é um mentiroso!

O Orador: — Pergunto aos Srs. Deputados, tão preocupados com os excessos, por que é que não querem averiguar os excessos de certos agitadores e provocadores que, deliberadamente, provocaram a violência.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Queira terminar, Sr. Deputado!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Deputados, neste momento, até porque considero que é uma obrigação da nossa parte, sobretudo quando vemos que aqueles que dizem defender o Estado democrático põem em causa a actuação correcta relativamente às leis da República, não queria deixar de invocar o 25 de Novembro de 1974.

Na verdade, foi um dia em que vários cidadãos, sobretudo alguns militares, graças à sua coragem e abnegação, correram riscos, inclusivamente de vida, a tal ponto que alguns a perderam. Por isso, invoco e homenageio hoje aqui, sobretudo, o tenente José Coimbra e o furriel Pires, que morreram no 25 de Novembro para se oporem aos que tentavam acabar e derrubar a democracia. Invoco todos esses que tiveram a ousadia e a coragem de não recuar nos momentos limites em que esteve em causa a democracia e a liberdade. Invoco o seu nome, a sua abnegação e heroísmo, em nome do meu grupo parlamentar e, decerto, em nome de todos aqueles que, sem qualquer hesitação, estão, quando é necessário estar, do lado da democracia e da liberdade contra aqueles que a querem torpedear.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Eduardo Pereira (PS):—Sr. Presidente, também

quero usar da palavra para defesa da honra.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 5

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, de acordo com o Regimento, só poderão usar da palavra, para esse efeito, no fim do debate.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra, porque fui directamente mencionado.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Presidente, só poderá usar da palavra no final do debate, como sabe.

Neste momento, vou dar a palavra ao Sr. Ministro da Administração Interna e, posteriormente, aos Srs. Deputados que queiram exercer o direito de defesa da honra.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Há pouco, o Sr. Deputado pediu a palavra para defesa da honra, agora pede para fazer uma interpelação à Mesa, o que é diferente. Se é, efectivamente, para interpelar a Mesa, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Sr. Presidente, já tinha feito a interpelação e já tinha defendido a honra, se V. Exa não fizesse um discurso.

Como fui directamente atingido por mentiras que o Sr. Deputado Silva Marques invocou, solicito ao Sr. Presidente que me conceda a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. José Magalhães (PS): — Imediatamente, como o Regimento prevê!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — O Sr. Deputado Eduardo Pereira defenderá a honra no final da intervenção do Sr. Ministro.

Protestos do PS.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compreendo o que é o calor dos debates parlamentares e a época em que este debate, particularmente, está a ter lugar, mas atrevia-me a pedir--Ihes que discutíssemos este assunto com a serenidade que ele merece. Tenho estado, atentamente, a ouvir tudo aquilo que me quiseram dizer. Estarei o tempo que acharem necessário a discutir este problema, não será por mim que efe chegará ao fim, mas gostaria de o discutir com serenidade, pois é o mínimo que estas matérias requerem.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — É melhor o Sr. Ministro dirigir-se à bancada do PSD!

O Orador: — Sr. Deputado, dirijo-me a todos! Dirijo--me à Câmara de um modo geral, pois quem está, neste momento — se me é permitido dizê-lo —, a quebrar a serenidade são os senhores!

Sr. Deputado Octávio Teixeira, de um modo mais geral, penso que há duas maneiras de encarar este problema, que, em minha opinião, é só o que está em causa, não valendo sequer a pena referir, como fiz há pouco, os princípios em que assentava a minha actuação à frente do Ministério da Administração Interna.

A questão fundamental é esta: de um lado, há a posição do Governo, aliás corroborada, como se viu agora pelo PSD, segundo a qual julgar uma situação, qualquer que ela seja, quando se tem responsabilidades, implica não se ser ligeiro, nem leviano, mas dotar-se de todos os meios necessários para poder fazer o julgamento e não de uma vontade, que a priori está concebida, de condenar uns e

ilibar outros. Isso, Sr. Deputado — disse-o desde o início —, não faço, nem posso fazer.

E até lhe digo mais: se me dispusesse a fazer o tipo de julgamento que aqui vi fazer sobre essa matéria, eu não devia ser membro do Governo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Se o PSD, perante essa matéria, tivesse a mesma ligeireza, leviandade e falta de senso, não merecia a confiança dos Portugueses para ser governo. Esta é a minha ideia sobre Estado!

Aplausos do PSD.

Contrariamente ao que os Srs. Deputados Octávio Teixeira, José Magalhães e Eduardo Pereira pensam, não é a imagem que eu possa ter visto na SIC que me dá o pano de fundo e os elementos de pormenor para eu fazer um julgamento sobre a actuação da Polícia, neste caso concreto.

É evidente que vi, através das câmaras de televisão, tal como os senhores — e, pelos olhos de cada um, foram vistas coisas diferentes; quando se tratou de expor aqui os problemas, foram aqui expostas versões diferentes—, a Polícia a usar meios de força. Mas essa não é a questão, pois essa atitude poderá ser perfeitamente legítima. A questão está em saber se a usou adequadamente, se a postura da Polícia foi o meio mais adequado para repor uma situação de acordo com a lei ou se foi inadequado. Essa é que é a questão!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Ora, é aqui, penso eu, que se faz a fractura entre quem tem uma posição de Estado e quem não a tem, entre quem quer fazer demagogia eleitoral sobre essas matérias e quem quer ter sobre elas uma posição consentânea com a de ser governo. Isso é que está aqui em causa! Tudo o resto, Srs. Deputados, peço imensa desculpa, é floreado parlamentar em época de eleições, e eu não posso atender a isso.

Quer dizer, a circunstância de ser membro do Governo, de nele ter especial responsabilidade e de ter a tutela de quem pode usar, em nome do Estado, a força legítima obriga-me a não ter essa leviandade e essa ligeireza. São estas duas posturas que estão em confronto.

Sr. Deputado Octávio Teixeira, certamente não pensará também que saber de quem vêm as ideias, de quem vêm as condenações, não é um assunto que eu tenha de levar em consideração.

Digo-lhe, aliás, com todo o respeito intelectual, que, a menos que o Sr. Deputado tenha mudado muito, o seu partido, que, com ligeireza, condena os acontecimentos de ontem — e porque os direitos humanos não têm fronteiras nem limites de geografia ou de tempo —, não condena coisas que, essas sim, são bem mais graves, como seja a invasão, pelos tanques, da Praça Tienanmen e da cidade de Praga.

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Sr. Deputado, o seu testemunho, vindo do partido que vem — e não se trata do seu caso pessoal —, para mim não colhe! Eu não posso, só pelo seu testemunho, condenar a Polícia ou ilibá-la, tenho de ter outros elementos. Desculpe-me, mas isto é o que manda a honestidade intelectual de quem quer julgar e de quem tem de ver também, em razão da ciência, o crédito de quem está a testemunhar ou a emitir opiniões sobre uma determinada matéria.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Aliás, o Sr. Deputado, a terminar a intervenção, disse o seguinte: «Se nós, Partido Comunista, fôssemos Poder, não teria havido esta carga.» Ó Sr. Deputado, eu acredito nisso. Mas sabe por que é que não teria havido? Porque não teria havido manifestação. É essa a diferença!

Vozes do PSD: —Muito bem!

O Orador: — Acredito perfeitamente nisso. Os Srs. Deputados não deixavam os estudantes chegarem sequer aqui perto. Só por isso é que não havia carga.

Sr. Deputado, vai desculpar-me, mas, nesta matéria, tanto eu, como membro do Governo, como o Governo, não podemos sair desta postura.

Em relação ao Partido Socialista, apenas manifestei qual é o entendimento que o Ministério da Administração Interna tem sobre o uso da força. Disse-o várias vezes, escrevi-o, está impresso para quem quiser ler. E aquilo que está escrito, disse-o repetidamente, é o que as forças de segurança devem fazer em democracia.

Srs. Deputados do Partido Socialista, em relação a esta matéria, os senhores assumiram aqui — digo-o com lamento — uma posição que eu não esperava e, Sr. Deputado Eduardo Pereira, quando há pouco falei, não foi para atacá-lo. O Sr. Deputado sabe que o estimo demasiado para atacá-lo no que quer que seja. O que eu disse foi que gostaria de discutir consigo ou com o Sr. Deputado Jaime Gama estas questões, que são de filosofia do Estado, de como deve ser o Estado.

Sr. Deputado Eduardo Pereira, apercebi-me hoje de que, nesta matéria, os senhores não querem distinguir-se do que pensam a UDP e o PCP, e isso parece-me grave!

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — A sua afirmação é que é grave!

O Orador: — Os senhores fizeram aqui a mesma apreciação ligeira dos factos, porque, se eu não tenho ainda — e já os pedi — factos suficientes para poder julgar a situação, os Srs. Deputados — perdoem-me esta afirmação — também não podem tê-los. Desculpem, mas não podem ter ainda todos os dados para poderem julgar a situação. Isso é que me parece grave!

Srs. Deputados, pensem comigo, durante um segundo, no seguinte: já houve aqui, frente à Assembleia dezenas de manifestações. Por que «carga de água» é que a polícia ontem, e logo com os estudantes, havia de querer bater? Pensem nisso também. Porquê?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Boa pergunta!

O Orador: — Isto para mim é o indício de que, certamente, se passou alguma coisa de diferente em relação a

outras manifestações em que a Polícia esteve sossegada e quieta, como, aliás, o Sr. Deputado Silva Marques, que é tão Deputado como qualquer um dos senhores, disse.

O Sr. José Magalhães (PS): — Nele já acredita!

O Orador: — Sr. Deputado José Magalhães, peço-lhe desculpa mas eu não posso, nesta matéria, até porque estamos em fase pré-eleitoral, julgar precipitadamente as coisas. E, mais do que isso, reafirmo o que já aqui disse, ou seja, nos dois anos que estou à frente do Ministério da Administração Interna, nunca tive qualquer razão para duvidar do que a hierarquia da Polícia me disse serem factos passados.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Não é essa a questão!

O Orador: — Sr. Deputado Eduardo Pereira, até hoje, não tive, nem tenho, qualquer razão para dúvidas. Aliás, mal seria se o ministro da tutela tivesse, em cada momento, de duvidar daquilo que a hierarquia da Polícia lhe diz. Se assim fosse, Sr. Deputado, só havia que substituí-la e, até hoje, não tive razão para fazê-lo. Se a hierarquia da PSP se mantém é porque tem a minha confiança e, até agora, não tive razão para duvidar do que me dizem. Trata-se de oficiais generais, de oficiais superiores, de respeitáveis pessoas de quem, até hoje, pela prática, eu não tive razão para duvidar do que me disseram. Fique com a certeza de que, se um dia entender que tenho razões para duvidar daquilo que o comando da Polícia me diz, eu demito-os, não tenho qualquer problema em relação a isso. Mas, enquanto lá estiverem, têm a minha confiança, é porque eu acredito neles.

Srs. Deputados, eu não posso, como governante, ter aqui outra atitude, e lamento muito que o Partido Socialista tenha, em relação a esta matéria, uma atitude diferente desta, que eu não gostaria de ver.

Além do mais, Srs. Deputados do Partido Socialista, quero dizer-lhes que se entendem que a nossa lei, nesta matéria do recurso à força por parte das forças de segurança, é inadequada, se entendem que, em nenhuma circunstância, uma força de segurança pode usar a força em nome do Estado, tenham a coragem de vir aqui propor uma lei e dizer que em nenhuma condição ã Polícia pode carregar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — O problema não é da lei mas da prática!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Isso é demagogia barata, Sr. Ministro!

O Orador: — Não é demagogia, Sr. Deputado, porque eu estou a dizer isto a Deputados de um partido que, à primeira bastonada da Polícia, dizem que ela é repressiva, que não tem razão. É isso o que os senhores têm dito e, se o dizem sempre, então assumam as consequências. Proponham uma lei que determine que as forças de segurança não podem, em caso algum, usar a força em nome do Estado. Assumam essa posição e vão ver o que é que os Portugueses pensam, depois, do Partido Socialista.

Vozes do PSD: —Muito bem!

O Orador: — Srs. Deputados do Partido Socialista, se este debate, apesar de tudo, acabou por ser importante

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— disse-o há pouco e repito-o—, foi por ter mostrado, mais uma vez, e com razão, que os Portugueses não estão dispostos, há muitos anos, a entregar-vos a responsabilidade da governação. Este debate prova, mais uma vez, que ainda têm razão para a não dar.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Narana Coissoró, dirijo-lhe, com igual vigor — não digo com mais — as palavras que dirigi ao Partido Socialista.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): — Ele já está arrependido!

0 Orador: — Este debate está a ser gravado e eu vou ficar com a respectiva acta. Mas como também tenho direito a criar um facto político, pergunto ao presidente do CDS-PP, Sr. Dr. Manuel Monteiro, se ele está de acordo com aquilo que o senhor aqui disse.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Inscreveu-se, para defesa da honra, o Sr. Deputado Eduardo Pereira relativamente a uma intervenção do Sr. Deputado Silva Marques.

Sr. Deputado, tem a palavra para esse efeito, durante três minutos.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Sr. Deputado Silva Marques, quero fazer uma curta referência ao que disse.

Já em alguns debates, nesta Câmara, tive ocasião de ouvi-lo defender os seus pontos de vista, mas nunca como hoje me pareceu que o Sr. Deputado se tenha servido de falsidades e de mentiras para construir o seu raciocínio e fazer a sua defesa.

Primeiro ponto: não é verdade que o Sr. Deputado Manuel Lopes tenha sido preso.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Essa agora!...

O Orador: — Sr. Deputado, ouça-me até ao fim e aceite o conselho do Sr. Ministro para estar calmo.

Como dizia, nunca o Sr. Deputado Manuel Lopes foi preso. Houve, na verdade, uma manifestação em frente dos portões da casa do Primeiro-Ministro e houve, na verdade, o envio de determinadas pessoas que estavam junto a esses portões a uma esquadra para serem identificadas. Quando esse grupo lá chegou e o Sr. Deputado Manuel Lopes se identificou, foi com grande surpresa que se constatou que ele estava no grupo dos que tinham sido transportados, sendo-lhe então solicitado que abandonasse a esquadra. Porque o Sr. Deputado Manuel Lopes levantou esse problema na Assembleia, foi feito um inquérito em que ficou provado — provado, repito — que a Polícia

não tinha prendido o Sr. Deputado Manuel Lopes.

Como o Sr. Deputado Silva Marques sabe isto tudo, volto a dizer que mentiu, pois fez alegações falsas para construir uma defesa.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Segundo ponto: o Sr. Deputado disse que, com ministros socialistas no Ministério da Administração Interna, houve mortes no Alentejo.

O Sr. Silva Marques (PSD): — E no Porto!

0 Orador: — É falso! Os incidentes do Porto ocorreram quando era ministro da Administração Interna o Sr. Deputado Angelo Correia e os do Alentejo quando era Primeira-Ministra a Sr." Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo. Nunca houve qualquer incidente desse tipo com

Jaime Gama ou comigo à frente daquele Ministério. Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Como o Sr. Deputado sabe que assim foi, pois é daqueles que exibem aqui arquivos muito documentados, também acerca disto mentiu propositadamente para fazer a sua defesa.

Também gostava que o Sr. Ministro me ouvisse, porque deturpou aqui a situação.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado Eduardo Pereira, lembro-lhe que está no exercício da figura regimental da defesa da honra em relação a afirmações do Sr. Deputado Silva Marques.

O Orador: — Em relação aos dois!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, o Sr. Ministro da Administração Interna é como se não estivesse aqui neste momento.

O Orador: — Ó Sr. Presidente, é em relação aos dois. Quando pedi a palavra, o Sr. Ministro ainda não tinha falado e eu não podia saber o que é que ele ia dizer.

Quero dizer ao Sr. Ministro, que, certamente, me dará 30 segundos de atenção, que não se trata de um problema de Polícia.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Então o que é?

O Orador: — O problema de ontem foi o de os senhores, à moda antiga, terem querido resolver as dificuldades do Ministério da Educação à bastonada. Esse é que é o problema!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Isto porque, quando um grupo de estudantes anda, há um ano, a dialogar com o Ministério da Educação e ao fim desse tempo, cansado de ouvir permanentemente desculpas, dizendo-lhes que o diploma em causa tem nove alterações a serem feitas, recebe como resposta a anulação das suas matrículas, sem haver diálogo algum, e se dirige à Assembleia da República, não é um problema de polícia, não é um problema do Ministro da Administração Interna mas, antes, é um problema da Assembleia, que deve ouvi-los, que deve ter em atenção a sua argumentação e, como órgão fiscalizador do Governo, deve transmitir a esse mesmo Governo o que ouviu dos estudantes.

O Sr. Ministro não actuou como devia, já que a Polícia actua segundo instruções que tem do Ministério da Administração Interna. O defeito não é do comando da Polícia! Se a Polícia está a actuar assim é porque talvez já não se perceba que o senhor está no vértice da hierar-

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quia de segurança deste país e que o Ministro da Educação já não é Ministro da Educação!

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para também exercer o direito de defesa da honra, tanto a minha como a da minha bancada, dado que fui directamente atingido.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Relativamente à intervenção do Sr. Deputado Silva Marques?

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Sr. Presidente, eu pretendo responder primeiro ao Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado Manuel Alegre, peço-lhe que aguarde um minuto. Tem a palavra, Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): — Sr. Deputado Eduardo Pereira, julguei que não havia divergências entre nós relativamente aos princípios do Estado democrático e de direito.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Livra!...

O Orador: — Com toda a franqueza, julguei. E, se calhar, ainda estou convencido disso! Penso que a divergência aparente que existe entre nós resulta da conjuntura política. O Sr. Deputado, neste momento, está na oposição e noutras circunstâncias não esteve.

Repare, Sr. Deputado, já que o problema é de nomes, de saber quem mandou e não mandou e em que momento, quando a polícia de choque foi mandada intervir...

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Não há polícia de choque em Portugal!

O Orador: — Corpo de Intervenção, Sr. Deputado. O Sr. Deputado tem receio dos choques da Polícia quando eles são legais e legítimos!

Como eu estava a dizer, quando o Corpo de Intervenção foi chamado a agir nos Açores, e sabe com que violência actuou, quem era ministro? Era um socialista ou era um execrável fascista? Como sabe, Sr. Deputado, era um ilustre socialista! Como sabe, era o Sr. Deputado Jaime Gama!

Mas, Sr. Deputado, felizmente que os socialistas, em certos momentos, quando se tratou de defender a democracia, foram capazes de usar de violência. Aliás, lembro-lhe que quando esteve em causa a democracia no nosso país, nomeadamente se vencia a tentativa totalitária ou não, os socialistas receberam armas para defender a democracia. Não me diga que essas armas eram para fazer bolas de sabão?!

Risos do PSD.

Sr. Deputado, felizmente que os socialistas ou, antes, certos socialistas foram capazes de estar do lado da liberdade e da democracia quando foram chamados a lutar por elas.

Quanto ao Corpo de Intervenção nos Açores, era um ilustre Deputado...

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Sr. Deputado Silva Marques, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: — Faça favor.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — O Sr. Deputado está a falar de qualquer coisa que parece ter-se passado com o Sr. Deputado Jaime Gama e ele devia estar aqui para se defender...

O Orador: — Ó Sr. Deputado...

O Sr. Eduardo Pereira (PS): — Desculpe, dê-me licença.

De qualquer modo, os senhores deviam antes dizer quem lhe incendiou a casa e os carros. Isso é que os senhores deviam dizer!

Aplausos do PS.

Quando ele, simples cidadão deste país, foi mandado alvejar, os senhores calaram-se. E era nessa altura que tinham de falar! Os separatistas tinham de falar!

Protestos do PSD.

O Orador: — Sr. Deputado, continuemos...

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, façam favor de criarem condições para podermos prosseguir.

O Orador: — Sr. Presidente, vou já terminar.

Sr. Deputado Eduardo Pereira, quanto ao incidente com o Deputado Manuel Lopes, ele, de facto, se não quiser utilizar a expressão «foi preso»,...

Protestos do PS.

Srs. Deputados, se me permitem, gostava de terminar.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio, para que se possa terminar esta discussão.

Pode prosseguir, Sr. Deputado Silva Marques.

O Orador: — Srs. Deputados, dá a impressão de que, afinal, os esforços do Sr. Deputado, e ministro, Jaime Gama pela democracia não valeram de nada, porque os socialistas não deram um passo em frente.

Sr. Deputado Eduardo Pereira, relativamente à detenção, se quiser, do Deputado Manuel Lopes, ele veio aqui protestar — eu lembro-me do seu protesto — contra o facto de ter sido detido. Ora, isto é um duplo ensinamento em benefício dos socialistas, porque o que o Deputado Manuel Lopes quis foi criar um incidente com a Polícia. O Deputado Manuel Lopes, em vez de dizer imediatamente à Polícia que era Deputado, não o fez, nem o quis fazer. Ele quis ser preso, ele quis ser detido, para provocar escândalo, para provocar o incidente, para vos pôr em causa. E os senhores, socialistas, uma vez que ele actuou assim, fizeram muito bem em detê-lo e em libertá-lo a partir do momento em que ele se identificou como Depu-lado.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 5

Como vê, Sr. Deputado Eduardo Pereira, os socialistas, quando têm obrigações de Estado, são capazes de agir com rigor.

Por isso, Sr. Deputado, quando a Polícia é deliberadamente provocada, como o foi ontem, quando é deliberada e violentamente agredida, como o foi ontem, a ponto de ter de recuar, não faz sentido que os Srs. Deputados ponham em dúvida a acção da Polícia, que se esganicem contra ela, em vez de reclamarem uma investigação sobre os desordeiros que organizaram a desordem de ontem e

que a apedrejaram.

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

Sr. Deputado Eduardo Pereira, felizmente, os socialistas nem sempre têm estado do lado da desordem; pelo contrário, em momentos limites, têm estado do lado da liberdade e da democracia.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para exercer o direito regimental de defesa da honra em relação a uma intervenção do Sr. Deputado Silva Marques, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente, porque a desordem não está na rua mas, antes, nesta Assembleia e na intervenção do Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Deputado Silva Marques fez uma das piores mistificações políticas que me foi dado assistir aqui, nesta Assembleia, e fez a pior coisa que se pode fazer em política, isto é, uma amálgama de situações e de comportamentos de tempos diferentes. Mas nós não estamos aqui a discutir os comportamentos do passado, estamos a discutir o comportamento que a Polícia teve ontem. Além disso, o Sr. Deputado Silva Marques comportou-se aqui como o pior dos desordeiros, como desordeiro intelectual e político.

Quero saber que lei da República está a Polícia a cumprir, quando arrasta trabaihadores da TAP e agride os estudantes, nos termos em que o fez ontem.

Ora, o que está aqui em causa é o comportamento da Polícia, é verdade, mas é também o comportamento do Governo e é uma questão de cultura. E que cultura está aqui a prevalecer e é transmitida à Polícia? É uma cultura cívica, democrática e de persuasão? Ou é a cultura do cassetete, da repressão e da primeira bastonada, que, singularmente, parece a política e a cultura do safanão a tempo?

Pela nossa parte, somos contra a cultura do safanão a tempo, somos contra a cultura da repressão, somos contra toda e qualquer forma de despotismo, mesmo o despotismo encapotado em que está a cair este Governo.

Aplausos do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para dar explicações ao Sr. Deputado Manuel Alegre, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques. .....

O Sr. Silva Marques (PSD): — St. Deputado Manuel

Alegre, com toda a franqueza, ainda bem que os senhores usam da palavra. Ainda bem! É que põem a claro as vossas contradições e, se me permite, elas são tão flagrantes que, sem ofensa, classifico-as de hipocrisia política.

Sr. Deputado Manuel Alegre, em relação aos incidentes na TAP, pelo menos parte deles, a Polícia foi deliberadamente afrontada e, mais do que afrontada, provocada por desordeiros com barras de ferro.

Protestos do PS.

Srs. Deputados socialistas, se os senhores, alguma vez, quiserem voltar a ter responsabilidades de Estado, compenetrem-se das vossas obrigações.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Das nossas obrigações democráticas!

O Orador: — Exacto, Sr. Deputado! De defender o Estado democrático e as suas leis!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Isso não foi feito ontem!

O Orador: — Sr. Deputado Manuel Alegre, a Polícia, ontem, foi reiteradamente provocada e revelou uma paciência que é digna de louvor e de respeito.

Protestos do PS.

A Polícia, ontem, revelou uma paciência e uma contenção que são dignas de louvor e de respeito.

Por isso, presto a minha homenagem aos polícias que foram provocados e que correram riscos de segurança e aos seus dirigentes, que os souberam conduzir.

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Espero que o Sr. Deputado Silva Marques nunca comande a Polícia!

O Orador: — Sr. Deputado, afinal, aquilo de que o Sr. Deputado tem medo é da liberdade e das responsabilidades que ela implica.

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Não tenho nada! Eu enfrento o autoritarismo e a repressão!

Protestos do PSD.

O Orador: — Sr. Deputado Manuel Alegre, só espero que o senhor não volte tão depressa ao poder, porque, quando o exerceu, revelou uma tal frieza, eu diria, um tal cinismo de homem de Estado perante os mais graves dramas humanos que não hesitou em tomar decisões que levaram, inclusivamente, ao suicídio de alguns trabalhadores.

Protestos do PS.

O Sr. Deputado mandou encerrar O Século, dando a primeira machadada num dos principais e mais credíveis órgãos de comunicação social, em nome de quê? Em nome da liberdade? Ou em nome da lógica do cifrão? Alguns trabalhadores suicidaram-se em consequência da sua decisão. O Sr. Deputado, nesse momento, estava sensibilizado? E ao serviço de que ideais? Estava ao serviço do cifrão e da repressão? Ou estava ao serviço da liberdade e da democracia?

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Que miséria moral!

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O Orador: — Srs. Deputados, ainda bem que falam, porque ajudam-nos a avivar a memória. E é bom que ninguém perca a memória, quando se trata da liberdade e da democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, dá-me licença que use da palavra?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Rui Carp (PSD): — Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. José Lello (PS): — Então, e eu?

Vozes do PS: — Por que é que há privilégios aqui dentro?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, agradecia que criassem condições para a continuação dos trabalhos. Eu tenho paciência e aguardo.

Pausa.

Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Catp.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Há meia hora que o Sr. Deputado José Vera Jardim pediu a palavra para fazer uma interpelação à Mesa. Por que é que o Sr. Deputado Rui Carp tem privilégios?

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, se os senhores não criarem condições para que se continuem os trabalhos, vou interromper a reunião.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Há uma interpelação antes desta!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado Rui Carp, faça favor de prosseguir.

O Orador: — Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa no sentido de saber quando é que esta entende que a Comissão de Economia, Finanças e Plano, reunida nesta data, com agenda fixada, pode iniciar os trabalhos. É que estamos há duas horas para iniciar a ordem do dia e não podemos reunir outra vez. Quando é que a Mesa entende que devemos parar com esta sessão plenária, que poderei chamar de «sessão plenária pirata», e começar a discutir a matéria da ordem do dia?

Vozes do PS: — Pirata é você!

O Orador: — E trata-se de uma «sessão plenária pirata» por responsabilidade de muitos dos Srs. Deputados da oposição, que. têm estado aqui a dar uma péssima imagem da Assembleia ao desvirtuar completamente o serviço desta Assembleia e os trabalhos desta Comissão.

No fundo, os Srs. Deputados estão-se perfeitamente nas «tintas» para o Orçamento do Estado e para os interesses dos portugueses, pretendendo, mais do que nunca, fazer chicana e esquecendo-se de que aqui devem respeitar o Estado de direito e a democracia em que vivemos e em que queremos viver.

Portanto, Sr. Presidente, para daí tirarmos as devidas conclusões, volto a perguntar a V. Ex.a, que está a exercer a presidência da Comissão de Economia, Finanças e Plano alargada, se entende que devemos entrar na ordem de trabalhos ou continuar esta sessão, que, repito, está a evidenciar uma situação muito triste.

O Sr. Deputado José Magalhães, que não dá lições de democracia a ninguém, devia, pelo menos, partilhar deste sentimento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado Rui Carp, quero dizer-lhe que os nossos trabalhos serão interrompidos após a intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira para defesa da honra relativamente a uma intervenção do Sr. Deputado Silva Marques. Depois, recomeçaremos a reunião com a discussão do Orçamento do Estado.

Antes disso, vou dar a palavra ao Sr. Deputado José Vera Jardim para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, queira desculpar-me mas, antes, vou fazer uma pequena crítica. Cheguei a este Parlamento há 40 minutos...

Vozes do PSD: — Atrasado!

O Orador: — Atrasado, porque tenho o meu pai no hospital desde ontem!

Vozes do PS: — Tenham respeito pelas pessoas!

Vozes do PSD: — Ninguém sabia disso!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, agradeço que prossiga a interpelação.

O Orador: — Nessa altura, pedi a V. Ex.1 para fazer uma interpelação à Mesa e V. Ex.° entendeu não me conceder a palavra, só o fazendo agora. Talvez já seja tarde, mas, antes que seja demasiado tarde, quero suscitar a V. Ex.' a seguinte questão: estão em frente desta Assembleia, tal como ontem, milhares de estudantes em manifestação. Quando aqui cheguei, a Assembleia já estava praticamente cercada por várias forças policiais, inclusive pelo Corpo de Intervenção.

Assim, Sr. Presidente, secundando a intervenção do meu colega Eduardo Pereira, que já foi feita há muito tempo mas não foi ouvida, parece-me que, para prestígio desta Casa — e faço este apelo ao bom senso de todas as forças políticas—, é urgente que seja constituída, de imediato, uma comissão, com representantes dos vários partidos, para poder falar com os estudantes e recebê-los condignamente nesta Assembleia.

Vozes do PS: — Muito bem!

Vozes do PSD: — Já lá está uma delegação! Já lá estão os Srs. Deputados António José Seguro e Mário Tomé!

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O Orador: — Também sob a forma de interpelação à Mesa, e porque o Sr. Ministro tem estado informado, minuto a minuto, da situação, faço um apelo no sentido de o Sr. Ministro poder dar lá fora o ambiente de serenidade que também queremos criar aqui dentro, para encarar esta questão a favor do prestígio desta Casa.

Vozes do PS: —Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, peço a V. Ex.a, antes que seja demasiado tarde — repito, antes que seja demasiado tarde —, que suspendamos os trabalhos durante 30 minutos e que seja constituída uma comissão para, de imediato, receber os estudantes.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, é evidente que esta sua interpelação não pode ser dirimida pela Mesa porque, lembro a VV. Ex", esta reunião é da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

Protestos do PS.

Por razão extraordinária, vou terminar esta reunião após o pedido de defesa da honra do Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — O Sr. Deputado André Martins não se inscreveu oportunamente, pelo que, depois de o Sr. Deputado Octávio Teixeira usar da palavra, vou terminar a reunião. Nessa altura, o Sr. Presidente da Assembleia da República e os grupos parlamentares estarão em condições de tomar as atitudes que entenderem relativamente à proposta do Sr. Deputado José Vera Jardim.

Tem a palavra, Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Presidente, queria apenas referir à Câmara que os dislates, as aleivosias, as calúnias boçais do Sr. Deputado Silva Marques não merecem ser levadas a sério, porque ele é um mero Tartufo! Por isso, e só por isso, não usarei do direito de defesa da consideração da bancada do PCP.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o St, Deputado Silva Marques, para responder ao Sr. Deputado Octávio Teixeira relativamente à defesa da honra.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Mas eu não usei esse direito! Eu disse que não o usava!

O Sr. André Martins (Os Verdes): —Sr. Presidente, não pode dar a palavra com esse fim!

O Sr. Silva Marques (PSD): — Sr. Deputado Octávio Teixeira, há pouco, acusei-vos, e mantenho, de que os Deputados que ontem, e pelos vistos hoje, estão junto daqueles que deliberadamente provocam a Polícia, com o seu gesto, estão objectivamente a incitar a desordem e a dificultar a actuação das forças da ordem.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Isso é uma ordinarice!

O Orador: — Acusei-vos disso e volto a afirmá-lo!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Isto não é um insulto pessoal aos senhores, como aqueles que o Sr. Deputado Octávio Teixeira acabou de me dirigir. A esse propósito, queria apenas dizer-lhe, Sr. Deputado Octávio Teixeira, que se estamos hoje aqui é graças não aos senhores e muito menos ao senhor, porque os comunistas e a Intersindical cercaram este Parlamento, tentaram abater a democracia...

A Sr." Odete Santos (PCP): — Não seja provocador!

O Orador: — E isso, Sr. Deputado, não pode ficar encoberto por muitos insultos que o senhor me dirija, a mim, pessoalmente, ou seja a quem for. Os senhores bateram--se contra a democracia, cercaram o Parlamento, perseguiram os democratas, perseguiram-nos fisicamente, espancaram muita gente, prenderam várias pessoas, causaram prejuízos à vida pessoal de muita gente, que perdeu os seus empregos, ficou na miséria, perdeu os seus bens e a sua propriedade.

A Sr.' Odete Santos (PCP): — Coitadinhos!

O Orador: — Por isso, Sr. Deputado, pode insultar à sua vontade porque, por muito que insulte, não consegue apagar a memória de ninguém!

Aplausos do PSD.

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado André Martins, e, a seguir, suspenderemos a reunião.

O Sr. André Martins (Os Verdes): — Sr. Presidente, nós iniciámos este debate, prévio ao debate do Orçamento do Estado, no sentido de, aproveitando a presença do Sr. Ministro, obtermos informações sobre a opinião do Sr. Ministro acerca dos acontecimentos de ontem. Verificámos que este processo se arrastou — fomos até acusados de arrastar o processo—, mas quem assistiu a esta sessão e quem tiver oportunidade de ler a acta poderá verificar quem é que teve a culpa e quem é que, em situação difícil, procura trazer aqui fantasmas do passado. Foi o Sr. Deputado Silva Marques quem arrastou todo este processo!

A interpelação que faço à Mesa é a seguinte: solicitei ao Sr. Presidente que obtivesse uma informação junto dos serviços da Assembleia no sentido de saber quais os perigos que os Deputados que aqui estão e que não acompanham nem têm informações sobre o que se passa lá fora podem correr face ao facto de, numa situação extraordinária, entrarem carros com Polícia de Intervenção para as traseiras da Assembleia.

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Querem fazer disto um quartel!

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O Orador: — Levanto esta questão, Sr. Presidente, porque grande parte das forças de intervenção que, ontem, atentaram contra os estudantes o fizeram a partir das instalações da Assembleia da República e naturalmente que não podemos aceitar que a opinião pública portuguesa e, em particular, os estudantes pensem que é da Assembleia da República que emergem as ordens de repressão contra os estudantes.

Por isso, Sr. Presidente, peço, mais uma vez, a informação relativamente ao que de extraordinário se está a passar, bem como do risco que os Deputados possam correr, dado o facto de as forças de intervenção estarem novamente instaladas na Assembleia da República.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, não tenho possibilidade de lhe dar qualquer informação.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado. Terminaremos a reunião logo de seguida.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, peço--lhe para ser claro nas palavras que utiliza. V. Ex." pode, e deve, suspender a reunião, mas não pode terminá-la, porque, como é evidente, a ordem de trabalhos não está esgotada relativamente àquilo que aqui nos trouxe.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): — Vocês é que não deixaram!

O Orador: — Não, desculpe, Sr. Deputado. Do meu ponto de vista, como é óbvio, estamos a discutir as Grandes Opções do Plano na área da Administração Interna, materializadas na presença de um caso iminentemente prático e grave.

Protestos do PSD.

Queria ainda dizer-lhe o seguinte, Sr. Presidente, se V. Ex.° abdicar da responsabilidade que tem, neste momento, de conduzir os trabalhos, os grupos parlamentares ver-se-ão na obrigação de ter de se dirigir ao gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República para que tome qualquer providência imediata em relação àquilo que se está a passar lá fora. É evidente que é uma irresponsabilidade, como o Sr. Deputado José Vera Jardim chamou a atenção, que a Assembleia da República continue sem nada fazer e que não encontre uma plataforma de diálogo imediato com os estudantes que estão lá fora.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado Perro Rodrigues, esta reunião, pelas razões que se sabe, atrasou-se até agora, mas o Sr. Ministro da Administração Interna só tem disponibilidade para estar cá, por compromissos anteriormente assumidos, até às 17 horas e 45 minutos. Portanto, não é possível continuar esta reunião de discussão do orçamento do Ministério da Administração Interna, pelo que este Ministério será objecto, ulteriormente, de uma análise pela Comissão de Economia, Finanças e Plano. Nesta altura, não é possível ao Sr. Ministro da Administração Interna continuar presente. Por tal razão, vou suspender a reunião.

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, estamos cá desde as 15 horas para ouvir o Sr. Ministro da Administração Interna a propósito do orçamento do seu Ministério e as oposições, deliberadamente, fizeram as perguntas que entenderam. Neste momento, são 17 horas e 30 minutos e já estamos com meia hora de atraso relativamente à audição da Sr." Ministra do Ambiente e Recursos Naturais. Não compreendemos como é que a Mesa pode rea-gendar a reunião com o Sr. Ministro da Administração Interna. Estamos e estávamos disponíveis, mas há um limite para tudo! E depois deste péssimo serviço que as oposições fizeram à Assembleia da República e à discussão do Orçamento...

O Sr. José Magalhães (PS): — Péssimo serviço foi a bastonada!

O Orador: — Há limites para tudo! Agora, segue-se a Sr." Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, é isso o que temos a dizer, como Grupo Parlamentar do PSD!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, está suspensa a reunião.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Mas afinal quem é que manda aqui? É o Sr. Presidente ou é o Deputado Rui Carp?

Eram 17 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião. Eram 18 horas e 20 minutos.

Vamos dar início aos trabalhos no que se refere ao debate do orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, gostaria de saber o que se passa com o PS, por que razão está ausente.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Sr. Presidente, temos de prosseguir os trabalhos, contudo, dados os incidentes parlamentares que ocorreram hoje, encontram-se fora do Plenário os grupos parlamentares do PS, do CDS e de Os verdes. Assim, talvez pudéssemos suspender um pouco mais os trabalhos e alertar os De-

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putados, nomeadamente da Comissão de Economia, Finanças e Plano e da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente que estão reunidas.

(O orador reviu).

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado, quando suspendi a reunião, fixei meia hora para o recomeço dos trabalhos e já passa um pouco dessa meia hora. No entanto, agradeço aos Srs. Deputados que façam o

favor de dizer aos vossos colegas para virem para a Sala.

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, queria apenas dizer que o Grupo Parlamentar do PSD, como é evidente, está preparado para ouvir a Sr." Ministra do Ambiente e Recursos Naturais sobre o seu orçamento, embora compreenda que, da parte do Partido Socialista, haja alguns problemas.

Vejo que, neste momento, há Deputados do PS que regressam à Sala, pelo que creio que poderemos prosseguir os trabalhos.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr.° Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, é costume, nestas reuniões da Comissão de Economia, Finanças e Plano com outras comissões especializadas da Assembleia da República, que os membros do Governo façam uma breve apresentação inicial, dado que estamos a abordar a matéria na especialidade porque, na generalidade, já foi objecto de tratamento em reuniões anteriores. Neste caso, admitindo que a Sr.* Ministra queira fazer uma breve introdução, dar-lhe--ei a palavra, após o que os Srs. Deputados farão as intervenções que entenderem.

Para este efeito, tem a palavra, Sr.* Ministra.

A Sr.° Ministra do Ambiente e Recursos Naturais

(Teresa Patrício Gouveia): — Sr. Presidente, farei uma intervenção brevíssima porque o essencial que havia a dizer já o disse, quer na Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, quer no Plenário. Penso que será mais útil a fase de perguntas e respostas, pelo que farei apenas uma breve introdução.

O orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais para 1994 enquadra-se nas opções estratégicas que foram definidas pelo Governo até 1999 e também no Plano de Desenvolvimento Regional definido com o mesmo horizonte temporal e que contém orientações de investimento nacionais. As opções orçamentais devem, portanto, ser vistas a esta luz e, neste enquadramento, o orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais para 1994 traduz, por seu lado, orientações estratégicas próprias, específicas, que podemos enunciar como as seguintes: em primeiro lugar, uma prioridade à educação ambiental, como uma tarefa primordial da administração, no pressuposto de que as políticas ambientais devem ser uma exigência da própria sociedade e, portanto, que a gestão do ambiente começa e acaba nessa sociedade e que o alcance das políticas deve ser determinado pela maior mobilização e sensibilização da mesma.

Em segundo lugar, quanto à superação das carências básicas e infra-estruturas, é uma realidade que o País tem carências inaceitáveis no contexto europeu. A sua superação é imperativa e, do ponto de vista financeiro, esta orientação terá forçosamente um impacte prevalecente, dada a natureza dos custos deste tipo de acções. Por outro lado, também é dada importância à conservação da natureza e à valorização do património natural. Para além dos objectivos estritos da conservação, temos objectivos que trarão vantagens ao nosso país, também no plano económico, no sentido de promover o desenvolvimento sustentável, com

incidência, em primeiro lugar, nas populações que habitam essas áreas que pretendemos proteger com prioridade.

Outra orientação fundamental é a da redução do impacte ambiental na actividade produtiva. É um desiderato integrar a preocupação ambiental nos vários sectores da actividade produtiva e, por isso, é feito um esforço, não só por parte do Ministério do Ambiente mas também de outros departamentos da Administração, no sentido de chamarem a si valores e preocupações ambientais e de os traduzirem com dotações orçamentais diversificadas. Para além desta abordagem integrada sectorialmente, há também uma preocupação de integrar territorialmente certas parcelas do território (unidades territoriais), que merecem especial atenção por parte do Ministério do Ambiente no que diz respeito à conservação da natureza e do ambiente — estou a referir-me às áreas protegidas, ao litoral e às bacias hidrográficas e, com uma atenção especial, ao interface do ordenamento do território com aqueles que são os planos de ordenamento regionais e municipais.

Também desenvolvemos o conceito da responsabilidade partilhada, que se liga com a prioridade da educação e da sensibilização que referi. Esse conceito traduz-se num esforço de colaboração com outras instâncias da sociedade, desde as autarquias, às empresas, às associações empresariais, às organizações não governamentais, etc. O reforço da capacidade do Ministério do Ambiente, através da formação e dos recursos humanos, a clarificação de competências orgânicas no seio do Ministério e na instalação de infra-estruturas e redes de controlo de qualidade ambiental, bem como uma codificação de procedimentos, penso dever ser também um esforço que o Ministério deve promover, embora nem sempre com uma tradução orçamental muito significativa, no sentido de que essas são questões que não requerem necessariamente um grande investimento de capital, mas que são importantes para a prossecução da política do ambiente.

Para além destes objectivos e destas orientações mais sistemáticas, não podemos deixar de dar atenção a situações pontuais que correspondem a disfunções acumuladas no tempo e que resultam em problemas específicos, de poluição, etc., a que o Ministério do Ambiente obviamente terá de atender de uma forma também pontual, mas em relação à qual existe uma obrigação social de atendimento.

Entrando propriamente no PIDDAC para 1994 e na incidência orçamental destas prioridades — e não vou referir-me serviço a serviço —, quero apenas chamar a atenção para algumas áreas em que há alterações mais significativas em relação ao passado. E elas são: em primeiro lugar, a área dos recursos hídricos, onde temos dotações significativas para aquilo que se convencionou chamar sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento, no valor de 22 milhões de contos; os contratos-programa com as autarquias, também para esta área, no valor de 1,6 milhões de contos, que correspondem a uma parte das contrapartidas nacionais em que o Ministé-

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rio do Ambiente comparticipa com as ditas autarquias; os investimentos na área das reservas estratégicas de água, na sua maior parte a cargo do IN AG, no valor de 12 milhões de contos, e as infra-estruturas, como disse há pouco, de monitorização e de controlo ambiental, que se traduzem, mais concretamente, no equipamento de um laboratório nacional no âmbito da DGA e num sistema acreditado de normalização, sobretudo na área da qualidade da água.

No que diz respeito à conservação da natureza, como disse há pouco, os objectivos são, por um lado, o da estrita conservação e valorização do património natural e, por outro lado, a valorização económica de certas zonas e o objectivo de nelas promover o desenvolvimento sustentável, com incidência sobretudo nas populações. Como disse, esses objectivos podem classificar-se em quatro tipos: conservação da natureza, desenvolvimento das populações,

educação ambiental e iniciativas de lazer. O Instituto de Conservação da Natureza, este ano, tem um volume de investimento no valor de 4 800 000 contos, que se distribui por uma série de programas que constam no mapa que foi distribuído e que correspondem a uma quase duplicação de recursos relativamente a esta área.

Do ponto de vista da educação e da formação ambiental, gostaria de destacar que estão previstos protocolos com o Ministério da Educação, bem como programas de apoio às associações ambientais e, ainda, um importante programa de formação — para o qual se recorrerá, pela primeira vez, a fundos estruturais—, que vai incidir em estratos diversificados da sociedade e também nos próprios agentes da Administração.

Sr. Presidente, penso que, neste momento, talvez fosse melhor passarmos à fase das perguntas.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr." Ministra, muito obrigado pela sua intervenção. Vamos, então, passar à fase das questões colocadas pelos Srs. Deputados.

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Carp (PSD): — Sr. Presidente, quero chamar a atenção.para o facto de o Sr. Deputado José Sócrates, do Partido Socialista, que é um especialista da área do ambiente, não se encontrar presente na bancada da oposição.

Risos do PSD.

Para que, depois, o PS não venha dizer que o Governo não respondeu à oposição, quero que fique registado que o Sr. Deputado José Sócrates, que é o principal crítico por parte do PS relativamente à política do ambiente do Governo, não está presente neste momento.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr. Deputado Rui Carp, ficou devidamente registado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, nós agradecemos muito a preocupação que o Sr. Deputado Rui Carp manifesta pela gestão da bancada do PS, mas dispensamos a colaboração!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.a Deputada Isabel Castro.

A Sr." Isabel Castro (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.a Ministra, penso que V. Ex.a, em traços muito genéricos, explicou o essencial daquelas que são as Grandes Opções do Plano e da forma como elas se articulam com o Plano de Desenvolvimento Regional. No entanto, há algumas questões que gostaria que fossem mais concretizadas.

De todos estes valores — e há aumentos signficativos —, penso que uma quota parte extremamente grande, cerca de 80 %, é absorvida pela construção de estruturas de saneamento. Dado o marasmo nessa matéria que nos caracterizou todos estes anos e os atrasos estruturais que existem relativamente aos demais países comunitários, da leitura deste Orçamento parece ser claro que ele é, fundamentalmente, pensado em função de «obras». Ora, penso que as obras são interessantes, mas construir ETAR não é propriamente o mesmo que construir qualquer coisa que não é dinâmica. As ETAR têm um funcionamento, uma verificação, um controlo e uma manutenção, e a experiência que nos é dada por muitas que estão a funcionar diz-nos que nada disto tem o mínimo de lógica, pois os gastos têm sido absorvidos e não há um funcionamento eficaz. Assim, julgo que este aspecto teria de ser considerado de uma forma integrada e parece-me que o não é. As ETAR são importantes se se pensar que elas são o resultado, a jusante, de qualquer coisa que existe a montante. Ora, por exemplo, em termos da produção de resíduos sólidos urbanos, não vejo investimentos e, por consequência, não vejo um pensamento estratégico relativamente à forma como se vai reduzir a produção de determinado tipo de resíduos ou se se vai reutilizá-la e reciclá-la. Parece-me que, relativamente a esta matéria, não há um pensamento, nem incentivos fiscais significativos ou um fio condutor pelo qual se alterem os modos de consumo e os modos de produzir, porque são esses que conduzirão àquilo que se considera ser o desenvolvimento sustentado.

Por outro lado, coloca-se-me uma dúvida relativamente à produção — toda uma área que está em aberto — e gostaria que a Sr." Ministra nos explicasse melhor as questões relativas à energia. Nós produzimos e continuamos a produzir com um gasto energético muito superior ao dos demais países, o que significa maiores custos, maiores impactes, maior dependência económica e, utilizando uma linguagem ao gosto do PSD, maior «despesismo»; os gastos e os desperdícios energéticos são extremamente elevados, o investimento nas energias alternativas está parado e pergunto o que é que, a nível de intervenção, está programado quanto a esta matéria.

Um outro aspecto que se prende com tudo isto é o próprio funcionamento das indústrias e gostaria de saber que medidas é que estão a ser tomadas nesse campo. É que, na observação e no entender das várias comissões, não vejo esse objectivo claramente materializado, no sentido de serem feitos grandes investimentos tecnológicos e de apoio às empresas portuguesas, com as características e as dimensões que elas têm, de forma a estas poderem usufruir de uma adaptação tecnológica que lhes permita resistir e so-

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breviver no quadro competitivo em que passarão a estar, com a dimensão e a falta de informação que têm e, portanto, com atrasos abismais relativamente ao acesso a tecnologias, que, manifestamente, não têm existido e que me parece continuam a ser postas à margem. Isso foi visível na discussão das questões da educação, da cultura e da ciência, o que quer dizer que a comunidade científica não está a intervir directamente em projectos de adaptação tecnológica — mais, está a ser disponobilizada — e, assim sendo, gostaria que ficasse mais claro como é que tudo isto funciona e se articula. É que aparentemente podemos

ter muito dinheiro, mas se esse dinheiro é mal aplicado — como muitas vezes tem sido — ou se não é aplicado com uma estratégia bem definida, no sentido de não servir apenas para fazer cosmética nos efeitos, mas para diagnosticar as causas e alterar na raiz o que está mal, penso que, daqui a alguns anos, poderemos vir a concluir que o dinheiro foi pouco, serviu para pouco, serviu para dar umas pinceladelas que suavisaram os problemas, mas que não alteraram significativamente nada e, no nosso entendimento, isto é um pouco o que parece ser visível neste Orçamento.

Depois, entendo que, neste Orçamento, há, pelo menos, três aspectos que me parecem francamente maltratados: a protecção do litoral; a fiscalização dos poluidores e a forma como essa fiscalização funciona; e a conservação da natureza, que aparece no PIDDAG e que a Sr.' Ministra referiu como uma das três áreas com alterações significativas. Para além do sector hídrico, onde as acções programadas se reduzem um pouco a obras, resíduos e conservação da natureza, parece-me que as verbas reservadas à conservação da natureza são perfeitamente simbólicas e não vão alterar de modo significativo a situação. Relativamente aos resíduos não há nenhuma alteração de fundo, para além de projectos pontuais, no sentido de se poder resolver um problema que se prende com todo o circuito e, em relação aos recursos hídricos, há aqui obras, há a entrega ao sector privado e há acções que resultam até das dificuldades sentidas recentemente pelas características climáticas do nosso país, mas não me parece haver um objectivo estratégico definido.

Creio que a questão da fiscalização poderia ser vista, depois, em separado. De qualquer modo, o relatório da OCDE coloca essa como umas das questões em aberto, mas, em nosso entendimento, não é o princípio do poluidor-pagador mecanicamente transposto que vai solicionar este problema. Assim, gostaria de ver esta questão mais explicitamente pormenorizada.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, quero referir, por uma questão de registo, que esta é uma reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano em conjunto com a Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente e está aberta ao público.

Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): — Sr. Presidente, Sr.' Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, focalizarei a minha atenção na área da conservação da natureza.

De facto, legislação muito recente veio reordenar toda esta área. Sabemos que há uma nova lei quadro das áreas protegidas plasmada num decreto-lei muito recente, de 1993, que classifica essas áreas, de forma sistematizada, em áreas de interesse nacional, regional e local.

As áreas protegidas de interesse nacional terão de ser geridas, obviamente, por um serviço nacional e terão de ter a atenção da Administração Central. Todavia, é lógico — nesse sentido aponta a legislação — que as áreas criadas de natureza regional e local tenham também a colaboração e mesmo a participação activa das autarquias.

Nesse contexto, gostaria de saber até que ponto têm sentido da parte do poder local a abertura e o interesse na gestão das áreas protegidas de natureza regional e local que venham a ser criadas. Parece-me importante que haja uma participação activa das autarquias desde logo na criação dessas áreas, mas também na sua gestão, porque são

áreas t3o localizadas e às vezes com interesse tão directamente ligado à vivência das populações que a não participação da autarquia não faz sentido.

Por outro lado, a nossa rede nacional de áreas protegidas tem registado significativas melhorias, mas ainda se torna indispensável que haja uma salutar convivência entre os valores ambientais que as direcções dos parques obviamente representam e as populações que vivem dentro dessas áreas protegidas. Recordo que o nosso único parque nacional abrange vários concelhos e há muita população residente nesse parque. Que acções de divulgação dos valores ambientais estão previstas e, nomeadamente, que acções as direcções dos parques têm em vista para chamar mais as populações a participarem na preservação do parque?

De vez em quando surgem notícias alarmantes de que espécies protegidas, nomeadamente espécies ornitológicas, estão a ser destruídas sistematicamente dentro de áreas protegidas. Para além do desaparecimento do seu potencial genético, é evidente que temos obrigações internacionais no sentido de proteger essas aves — trata-se sobretudo de aves — até porque a sua protecção faz parte de anexos de convenções internacionais de protecção. Estou a lembrar-me, por exemplo, da Convenção de Berna. Parece-me, pois, importante fazer incidir a educação ambiental na protecção das espécies protegidas que vivam dentro de áreas protegidas.

Penso ainda que a filosofia moderna da política de ambiente já não entende uma área protegida como uma espécie de museu ou como uma área com fronteiras rígidas. Hoje em dia, uma área protegida é um centro de divulgação ambiental e deve ser entendida desde logo como uma área não só onde os valores ambientais devem ser respeitados, mas também onde as populações possam tomar conta do que é a preservação ambiental. Ou seja: uma área protegida tem de ser um exemplo eloquente do que é a correcta convivência entre uma política de ambiente, a vivência de populações e até os fluxos turísticos respeitadores do ambiente.

O turismo ecológico cada vez mais se afirma nos nossos dias e deve constituir, sem dúvida, uma fonte de receita para o nosso País, que dispõe de óptimas paisagens, mas deve ser correctamente enquadrado, para que esse turismo ecológico não se transforme numa fonte que venha perturbar os próprios ecossistemas. Penso que temos óptimas potencialidades para as nossas áreas protegidas receberem fluxos de amantes da natureza que possam constatar o nosso esforço de conservação da natureza e, ao mesmo tempo, que as nossas áreas protegidas devem também divulgar os valores ambientais às novas gerações.

Por outro lado, tendo em conta a grande realização que vai ser a Expo 98, gostaria de saber em que pé está a criação da zona Tejo internacional. Sei que o projecto CORINE, relativo aos biótopos, classifica este biótopo

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como área importantíssima — é a designação nele utilizada — e que no âmbito da UNESCO se desenvolveram recentemente esforços muito significativos para que esta zona fosse classificada como reserva da biosfera, tendo em conta o grande interesse ecológico da zona do estuário do Tejo. Sei também que a nível central se desenvolvem esforços para que essa zona seja considerada um parque natural. Seria óptimo que, conjugando a renovação urbana que se irá fazer naquela área de Lisboa, na zona oriental, pudesse igualmente oferecer-se não só aos Lisboetas, mas aos portugueses em geral, um parque natural ecologicamente equilibrado como é aquela zona.

Termino dando conta do regozijo que o meu grupo parlamentar sente ao saber das conclusões do relatório da OCDE sobre o estado do ambiente em Portugal. Não é nem tinha de ser um relatório laudatório, já que foi proposto em condições de total isenção e independência. É, todavia, um relatório muito animador para a política de ambiente em Portugal.

O Sr. Rui Carp (PSD): —Muito bem!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Sr. Presidente, Sr.a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, quero colocar-lhe algumas questões gerais e também de pormenor.

O relatório sobre o estado do ambiente refere alguns dados que importa trazer a debate no quadro da discussão na especialidade do Orçamento. Diz o mencionado relatório que 25 % das águas dos rios estão classificadas como medianas ou muito polufdas; que apenas 25 % das praias portuguesas apresentam águas de má qualidade; que só 75 % da população é servida por água ao domicílio, enquanto as percentagens da Comunidade atingem já os 95 %; que só 55 % dos portugueses são servidos por rede de esgotos, enquanto a percentagem da Comunidade aponta para os 86 %. Além disso, segundo o mesmo relatório, continuam a ter valores elevados as emissões provenientes dos efluentes urbanos, cerca de 10% superiores ao limite imposto pela legislação em vigor, e as emissões dos efluentes industriais, cerca de 13% superiores a essa mesma legislação.

É claro que toda esta situação tem reflexos numas regiões, mais do que noutras, mais no Norte — o que é compreensível — do que no Sul, embora o Sul se debata também com problemas desse tipo. Atentando no PIDDAC, verificamos que a grande maioria dos projectos nele previstos relativamente ao abastecimento de água está a terminar. Não se notam, por isso, projectos novos, pelo menos aqui inscritos. Também relativamente à rede de esgotos, não se vislumbra qualquer projecto novo, embora haja lugar nesta área, sem dúvida, a uma acção interligada com o Ministério do Planeamento e da Administração do Território.

A questão que, no fundo, pretendo colocar à Sr.* Ministra — embora concorde em que de um dia para o outro não é possível fazer tudo — é a de saber que perspectivas tem o Ministério, neste quadro, que atenue a grande discrepância que existe entre a nossa situação e a situação comunitária e que medidas, acções e projectos estão equacionados, a curto prazo, para serem lançados e que possam obviar a esta situação.

Outra questão que lhe quero colocar tem a ver com um programa que, embora no Orçamento do Estado do ano passado estivesse previsto para acabar precisamente no fim

deste ano, não aparece no actual PIDDAC. Réfiro-me à protecção contra os riscos de instalações nucleares. O que pretendo saber é o que pensa relativamente ao fim deste programa, não por causa das nossas instalações, mas pelas instalações vizinhas. Como tal, os riscos em relação ao nuclear continuam a existir. Que perspectivas existem relativamente a esta questão?

Um outro programa e projecto que desaparece — não consegui detectar que tenha passado para outro Ministério, mas a Sr." Ministra dirá se passou ou não — é o relativo à navegabilidade do rio Douro. É um projecto que estava previsto até 1995, mas que desaparece. É um projecto que terá tido início em 1984 ou 1988 e iria até 1995.

Um outra questão — poderá haver dificuldade em fornecer hoje uma explicação para o assunto, mas solicitaria que, não sendo possível, tal explicação fosse dada em

prazo útil — refere-se a vários programas do sector da defesa e protecção do ambiente, que passo a assinalar.

É o caso do programa de gestão integrada dos recursos hídricos. O Orçamento do Estado para 1993 dizia-nos que tinham sido gastos, até 31 de Dezembro de 1993, 2 725 120 contos e que a execução prevista em 1992 dava um resultado de cerca de 373 000 contos, o que quer dizer que entre 1991 e 1992 teriam sido gastos aproximadamente 3 100 000 contos. No presente Orçamento diz-se que foram gastos, até 1992, 1 889 000 contos. Aceito que haja dificuldade em dar resposta à questão neste momento face aos números que indiquei. Se não for possível, solicitar-lhe-ía que me desse a resposta noutra altura.

Se no Orçamento para 1993 — bem sei que a Sr.a Ministra não era nessa altura, embora já estivessse no Governo, a responsável máxima do Ministério—já estava adquirido que em 1991 tinham sido gastos 2 725 120 contos, como é que agora aparece como gasto, até 31 de Dezembro de 1993, 1 889 000 contos?

Este facto repete-se a propósito de outros programas e outros sectores. Seria importante esclarecê-lo; caso contrário, não haverá possibilidade de se comparar e de, ao fim e ao cabo, a Assembleia exercer uma das suas funções, a da fiscalização.

No que respeita ao sector da defesa e protecção do ambiente, coloco-lhe a questão do projecto de despoluição da ria de Aveiro, pela simples razão de que continua a haver um arrastamento desse projecto, tanto mais que no Orçamento do ano passado — volto ao mesmo argumento, mas a verdade é que não tenho outra forma de analisar esta situação — se dizia que tinham sido gastos 95 000 contos. O que se passa no Orçamento apresentado pelo Governo é que em 1992 não foi gasto nem um tostão e que apenas está prevista para 1993 uma execução de 112 000 contos.

Por outro lado, o programa que deveria terminar em 1994 é agora arrastado para 1995. O aumento não existe, mas a verdade é que há uma arrastamento do programa, o que — é claro — se reflecte no problema da ria de Aveiro.

Outra questão ainda refere-se ao projecto de saneamento da Quinta do Conde, em Sesimbra. Regista-se igualmente um arrastamento do programa, mas a questão que pretendo colocar é de outra natureza. O problema da Quinta do Conde — penso que a Sr.° Ministra e o Governo o conhecerão — não é, sem dúvida, apenas da responsabilidade da administração central, mas, dada a área que abrange e os milhares de residentes da zona, só uma acção conjugada entre os vários níveis da Administração permitirá atenuar estes problemas, nomeadamente urbanísticos, de saneamento e ambientais, como os relacionados com a rede de esgotos e as estações de tratamento.

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Embora esteja já em execução a ETAR da Quinta do Conde, a verdade é que o que consta do projecto inscrito no PIDDAC — 35 000 contos para 1994 — é realmente muito pouco. Dada a imensidade dos problemas, que perspectiva tem V. Ex.a do ponto de vista do reforço deste projecto e da sua continuação ao longo de mais anos?

Quanto ao programa de preservação e valorização do património natural das áreas protegidas, assinalo com agrado os vários projectos inscritos, até porque muitos deles são relativos à região por que fui eleito, o distrito de Setúbal, mas também é verdade que alguns resultam

da Operação Integrada de Desenvolvimento da Península

de Setúbal. Penso que são muito importantes para a região, até pelo reforço de verbas: é o caso de Olho de Boi, da zona ribeirinha do Tejo em Cacilhas; do Parque Natural da Arrábida; da Área Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica; da lagoa de Albufeira; da Reserva Natural do Estuário do Tejo e da Reserva Natural do Estuário do Sado.

Embora sejam projectos importantes, que análise faz a Sr.a Ministra da imensidade dos problemas existentes? Vai certamente responder que, com o tempo, veremos, mas permitia-me chamar a atenção para este aspecto porque, na verdade, há grandes potencialidades nesta área que nos obrigam a olhar de forma qualificada para os problemas para tentar resolvê-los.

Sei que as autarquias têm boa vontade e que estão conscientes do problema. Mas que garantias existem de que a execução financeira destes projectos vai mesmo ser uma realidade e que não vão ser «arrastados» para o Orçamento para 1995 por as verbas não serem gastas, quando há essa possibilidade?

A propósito deste programa, gostava de colocar outras questões, uma das quais tem a ver com a nova ponte Alcochete/Sacavém e, particularmente, com o seu impacte na Reserva Natural do Estuário do Tejo. Sem dúvida que vai haver modificações do território, movimentação de terras, um possível crescimento urbano e melhor acessibilidade das populações numa área extremamente sensível, que terá reflexos também no próprio funcionamento daquele ecossistema os quais serão ainda mais sentidos na zona rural bem como nas salinas do Samouco, muito importantes do ponto de vista da fauna.

Gostava de saber se já se encontram concluídos os estudos relativamente ao impacte desta grande infra-estrutura naquela zona. Que medidas, que investimentos estão pensados para atenuar os reflexos e pressões desta grande obra, de forma a serem preservados os valores ambientais e ecológicos desta área?

Sobre o rio Sado, no que diz respeito à área deste rio que banha os concelhos de Alcácer do Sal e de Grândola, não é preciso que chova muito para que o caudal extravase as margens do rio ficando São Romão, por exemplo, imediatamente isolado, pois ninguém pode entrar nem sair da povoação.

Todo o rio está poluído, a fauna piscícola decresce a olhos vistos, obriga a acções de desassoreamento mas também de regularização das margens. Que perspectiva o Ministério em relação a este recurso extremamente importante para várias actividades bem como do ponto de vista ambiental?

A verba inscrita para a Lagoa de Albufeira sofre um aumento relativo, mas a execução do programa prolonga-se até 1998 com a inscrição de verbas anuais de cerca de 25 000, 30 000 contos. Os problemas são de tal forma conhecidos que foram assumidos tanto do ponto de vista

da reconversão dos clandestinos como da protecção ambiental pelo Sr. Primeiro-Ministro que, em visita à zona, anunciou-o, perante a população, como um compromisso

do Govemo para que o problema da lagoa de Albufeira seja resolvido. Que outros projectos nessa área vão ser equacionados e executados por forma a que se verifique não só a recuperação urbanística da Lagoa mas também a manutenção, no fundamental, do coberto florestal e de toda aquela área envolvente que, do ponto de vista ambiental, tem realmente importantes reflexos?

Permitia-me passar à frente sem deixar de assinalar a existência de um compromisso escrito da Secretaria de Estado do Ambiente e do Consumidor relativamente à lagoa de Melides mandatando o Serviço Nacional de Parques e Reservas e a Direcção-Geral de Recursos Naturais para prestar apoio técnico, fazer o levantamento da situação e os estudos para que a lagoa fosse recuperada.

Para a Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina há, sem dúvida, um reforço de verbas. Neste momento, como existe uma comissão de gestão, gostava de saber como vai ela articular-se com alguns documentos importantíssimos que devem ser tidos em conta. Estou a falar, nomeadamente, do PROTALI e dos PDM das autarquias. Em relação a Odemira, a comissão técnica deu parecer mas, por exemplo, Sines tem um PDM aprovado há muito tempo. Gostava de saber como vai compatibilizar-se este aspecto e se esta comissão tem como principal acção e condicionante os instrumentos de planeamento que já estão definidos e aprovados.

Sobre a situação da lagoa de Santo André, que a Sr.a Ministra e o Sr. Secretário de Estado certamente conhecem, a verdade é que há legislação — não digo que obrigue — que remete para a realização de acordos de cooperação técnica e financeira com a autarquia. Até este momento, não foi feito um único acordo, o que não quer dizer que não haja trabalho, até em virtude dos fundos comunitários. Do ponto de vista dessa legislação, que teve a ver com a desactivação do Gabinete de Sines, que acordos vão ser implementados para este fim?

Quanto à vala da Costa da Caparica e aos serviços hidráulicos, não podemos esquecer-nos de que a Costa da Caparica recebe, só na época balnear, 8 milhões de visitas e que essa vala é uma monstruosidade do ponto de vista ambiental. A autarquia está disponível para, juntamente com o Ministério, avançar na cobertura da vala através de uma tubagem. Sei que esta solução não é pacífica mas, então, que estudos existem neste sentido?

Por último, sobre a COPRÓLEO, na Trafaria,... Vejo a Sr.a Ministra sorrir, certamente por perspectivar que este assunto iria ser focado, pelo que deverá estar suficientemente preparada para responder a duas questões. Em primeiro lugar, gostava de saber como vai ser atenuada ainda mais a situação da SILOPOR, porque sem dúvida que as melhoras verificadas não são suficientes para reduzir o impacte ambiental que tem naquela população, já que o ruído e as poeiras continuam.

Em segundo lugar, parece que vai autorizar-se a instalação nessa zona de mais uma fábrica de óleos de soja, tendo a Secretaria de Estado do Ambiente e do Consumidor assumido, a determinada altura, uma posição relativamente contrária e, se for necessário, tenho comigo um ofício comprovativo. Agora, um ofício da Direcção Regional do Ministério da Indústria e Energia vem dizer à câmara municipal que esse projecto já foi aprovado. Pergunto: em que pé está a instalação da fábrica da COPRÓLEO? Se a

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Sr.° Ministra me disser que esse projecto não vai para a frente, bato-lhe palmas!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): — Sr. Presidente, Sr." Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, irei abordar duas questões relacionadas, de uma forma genérica, com a floresta e depois situar-me-ei em problemas mais circunscritos.

Como todos sabemos, a floresta constitui, por um lado, uma componente da riqueza nacional e, por outro, uma vertente importante na área da preservação ambiental. Todavia, ano após ano, assistimos ao drama dos fogos florestais e não se descortina uma política que leve à reposição de importantíssimas áreas ardidas com todas as consequências de natureza ambiental que daí advêm: a erosão das encostas, a escorrência veloz das águas e, naturalmente, o perigo das cheias, o assoreamento das linhas de água, etc.

O Programa de Acção Florestal, vulgo PAF, gerido pelo Ministério da Agricultura, fez alguma coisa, mais propaganda do que obra, e não resolveu nem tende, a meu ver, a resolver o problema.

Sendo, embora, matéria que envolve também o Ministério da Agricultura, a pergunta concreta que coloco a V. Ex.a, Sr." Ministra, é a seguinte: que política tem o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais para esta área?

Situando-me agora na região de Leiria, o Sr. Primeiro-Ministro visitou, em data relativamente recente, as bacias do Lis e do Lena; constatou a desgraça que por ali vai e não se coibiu de fazer promessas tendo falado em milhões de contos. Mais recentemente, a Sr.° Ministra visitou a lagoa de Óbidos, também constatou por certo quão degradada está e, a fazer fé nas notícias da imprensa, fez promessas. Ora, no PÍDDAC regionalizado, não encontramos uma única verba para fazer face aos problemas dos rios Lis e Lena nem, tão-pouco, da lagoa de Óbidos. Que política, que financiamentos, que programas tem concebidos o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais para fazer face aos problemas identificados?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Sr. Presidente, Sr." Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, expressei há dias, a propósito de uma intervenção de um outro Sr. Deputado da oposição, que defendo a existência de um departamento ministerial vocacionado para a defesa do ambiente com verdadeiros poderes e meios adequados. O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem um orçamento parco, Portugal, por certo, vai receber verbas comunitárias e impõe-se que este Ministério seja olhado como um órgão fundamental para o desenvolvimento do País de forma harmoniosa, livre de atentados à saúde pública e ao ambiente em geral e, sem entrar em lugares comuns, todos sabemos que a sua existência é fundamental para o desenvolvimento do País.

£ evidente que as intenções governamentais, nesta área, expressas nas Grandes Opções do Plano e naquilo que a Sr.3 Ministra acabou de proferir na sua intervenção, de uma maneira geral, são positivas; resta saber se será com este orçamento que se atingem os objectivos prosseguidos.

Perante uma tarefa que é ciclópica neste sector, uma vez que, durante dezenas de anos, nada se fez neste país e perdeu-se demasiado tempo nalgumas actuações mais propagandísticas do que de fundo, é claro que este Ministério tem de ser olhado de outra maneira, devendo-lhe ser concedidas verbas suficientes.

Por essa razão, uma vez que estamos a debater, na especialidade, o Orçamento do Estado para 1994, e sem falar, friamente, nos seus números, vou colocar algumas questões que me preocupam.

Assim, Sr." Ministra, existe uma coordenação entre os diversos departamentos ministeriais e o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais para se evitar o que se está a passar um pouco por toda a parte? Cito, por exemplo, o caso de uma fábrica na Trafaria a que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais (MARN) se opunha—já agora gostaria de saber como se encontra esse caso — e que o Ministério da Indústria e Energia aprovava. Ora, parece-me que há aqui qualquer coisa que é errada pois há um Ministério que aprova e só depois é que o MARN é chamado a dar opinião.

Sempre fui contra o princípio do poluidor/pagador pois os indivíduos e industriais sem escrúpulos poluem, destroem fauna e flora e depois pagam pequenas indemnizações porque preferem pagá-las a dotar as suas empresas com os equipamentos necessários. Entretanto, nós assistimos à elaboração de PDM que, aliás, são muito importantes, mas temo que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais dê cobertura a alguns atentados através desses PDM. Sei que os PDM têm de ser aprovados e executados, mas por aquilo de que me tenho apercebido há questões francamente discutíveis e, por isso, gostava de saber qual o papel que o MARN desempenha neste assunto.

Também quero saber com que meios pode o MARN contar para fazer face à agressividade terrível de países ricos que desrespeitando a independência do nosso País, actuam como o fez a Suíça que enviou para Portugal toneladas de resíduos tóxicos. Ou, ainda, como se pensa enfrentar o problema da possível ou eventual — esperemos que não — contaminação de rios através das centrais nucleares espanholas? O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem de desempenhar um papel activo na fiscalização da Central de Almaraz e de Outras centrais nucleares espanholas que possam contaminar os nossos rios.

Ainda há dias tive a oportunidade de telefonar ao presidente da Câmara Municipal de Mirandela alarmado que fiquei com a posssibilidade do possível desvio dos cursos de dois rios no Nordeste Transmontano. O MARN tem meios para prevenir estas situações? Tem tido um papel activo para impedir este tipo de actuações que podem ser gravosas para o nosso país?

Em relação à EXPO 98 sabemos que essa exposição vai proporcionar a limpeza de uma área enorme mas, como também sabemos que haverá um forte impacte ambiental, pergunto: o MARN vai ter um papel imperativo na aprovação de certos projectos que possam ocorrer a propósito da EXPO 98? Como nem tudo o que lá se fará será eventualmente bom, o Ministério tem meios para poder actuar?

Quanto ao que se passa com a lagoa de Óbidos que está poluída e onde parece haver uma guerra entre autarcas, que fará, e com que meios, o MARN?

O programa de saneamento da costa do Estoril, embora esse assunto pertença também a outros ministérios, está gravemente atrasado. Aliás, não se pode falar em despoluição do rio Tejo quando o saneamento da costa do Esto/i) continua por resolver.

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Outro aspecto extremamente preocupante tem a ver com o lançamento de estradas, estradinhas e auto-estradas sem que façam estudos de impacte ambiental. E já agora pretendo ser esclarecido sobre se esses estudos de impacte ambiental passam ou não passam, devem ou não devem passar obrigatoriamente pelo MARN porque têm surgido problemas graves a posteriori. Estou a lembrar-me por exemplo do que acontece com as estradas do Algarve.

Finalmente, a ponta de Sagres. Sr." Ministra, está a cometer-se um verdadeiro crime naquela zona. Poderá dizer--me que esse assunto pertence a outro ministério, que até houve um concurso, que era preciso fazer algo, mas a verdade é que aquela área deve ser rigorosamente defendida. O MARN ainda vai a tempo de poder travar algumas vilanias, para não dizer outra coisa, que estão a ser cometidas sobre aquela ponta de Sagres que, por si própria, já é um verdadeiro monumento e não carece de nenhuma construção nem de melhorias como as que lá estão a ser feitas?

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Morgado.

O Sr. António Morgado (PSD): —Sr." Ministra, duas perguntas muito rápidas. A primeira diz respeito ao projecto de aproveitamento hidráulico da Cova da Beira. Creio que a barragem do Sabugal fez sempre parte deste aproveitamento, e daí a minha pergunta: para 1994 já está previsto o início da construção dessa barragem?

A segunda diz respeito aos prejuízos causados aos lavradores da raia central pelo lobo e pelo javali. Tanto quanto sei o pagamento dos prejuízos está bastante atrasado e pergunto: para o próximo ano está prevista alguma verba para esse efeito?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — Sr." Ministra, a primeira pergunta que lhe quero colocar está relacionada com o novo fundo de coesão. Já tem ideia da fatia desse fundo que vai ser aplicada na área do ambiente para os anos de vigência do PDR? Tem ideia dos projectos de maior envergadura que vão ser co-financiados por esse fundo? E sabe se há a possibilidade de as autarquias locais poderem também apresentar projectos, designadamente na área de protecção da água e do tratamento dos resíduos sólidos?

Outra área a que gostaria que se referisse era ao aproveitamento de alguns dos recursos florestais, designadamente da possibilidade de se produzir energia através da biomassa. Como sabe, fez-se um investimento inicial na Zona Centro do país que se pensou alargar a outras zonas onde os desperdícios da floresta são significativos e, por isso, gostaria de saber se pensam concretizar outros investimentos para esse efeito, pois não vejo tradução orçamental para esse efeito.

Já foi aqui colocada a questão da defesa da costa mas gostaria de saber em que pé é que está a concertação de posições entre o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e o da Defesa que tem os meios de fiscalização da nossa extensíssima zona costeira. E também gostava de saber se os meios de que se falava há tantos anos estarão disponíveis e se serão suficientes para responder às situações de risco que infelizmente existem no nosso país.

Outra questão refere-se ao Vale do Tejo, designadamente à regularização da defesa das margens contra as cheias, e se vai ser possível continuar a fazer pequenas obras porque não vislumbro recursos financeiros que permitam obras de conservação dos diques que, como sabem, ficaram abalados com as cheias de há quatro anos.

Sobre o Alviela estranho muito que o projecto de despoluição acabe em 1994, segundo se pode ler no PJDDAC, com uma verba orçamentada de cerca de 639 000 contos. Conhecendo bem o Alviela, não sei como vai ser possível despoluirmos esse rio e, acima de tudo, recuperarmos o leito e as suas margens desde a nascente até à foz, tanto mais que, como sabe, em orçamentos anteriores, designadamente no do corrente ano, se previa que este projecto, avaliado numa verba muito superior a esta, iria concluir--se para além do ano de 1996. Porquê esta alteração? Há outras fontes de financiamento? Quem vai intervir?

Gostaria também que me dissesse para quando se prevê a despoluição do Nabão porque não há qualquer referência, nem a projectos da responsabilidade do Ministério nem à intervenção da autarquia local por via de algum contrato programa.

O mesmo se passa em relação ao Trancão cuja verba é exígua. Temos a EXPO 98 à porta e gostaria de saber se o investimento para esse programa vai ser da responsabilidade da EXPO 98 ou do MARN. Sendo da responsabilidade do MARN, porque aparece com uma verba tão reduzida?

Relativamente ao plano hídrico espanhol e à possibilidade de haver o desvio de recursos do Douro e do Tejo gostaria de saber em que pé é que as coisas se encontram. Há ou não diálogo entre os Governos Português e Espanhol? Podemos andar mais descansados ou corremos ainda os riscos de que se falava há bem pouco tempo?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): — Sr.° Ministra, as questões que passo a colocar-lhe também têm a ver com outros ministérios, mas cuja quota parte é maioritariamente do MARN. Essas questões ligam-se a dois aspectos extremamente importantes para o Algarve, já que — e sempre o afirmei — o que é bom para o Algarve é bom para o País.

O problema prende-se com os dois sistemas hidráulicos do Algarve: o de Odelouca/Funcho e o de Odeleite/ Beliche. A barragem do Funcho tem sido falada ao longo de muitos anos, e como parece não conseguir andar gostaria de saber o que a Sr." Ministra tem a informar sobre este assunto. É mesmo para avançar ou vai-se continuar a dizer, em determinadas ocasiões convenientes, como se compreende, que há-de avançar, mas depois não arranca mesmo?

Não há dúvida de que sem água não há desenvolvimento e o Algarve, infelizmente, não tem a água necessária e suficiente, e muitas das vezes nem esta tem a qualidade que seria conveniente para o desenvolvimento que se pretende naquela zona.

O sistema hidráulico de Odeleite/Beliche, pelas informações de que disponho e pelo conhecimento de muitos anos, está com um fortíssimo atraso nas obras. Penso que neste momento ainda se está a construir um estaleiro para fabricar a tubagem. Enfim, a obra está de facto atrasadíssima. Começou-se com a construção de uma estação de tratamento, em Tavira, que andou de um lado para o outro sem

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se definir concretamente o local da instalação, que, a determinada altura, foi abandonada, alterações que acarretaram um aumento no erário municipal de milhares de contos. Nem sei por que foi deslocada de um lado para o outro, pois não vi tecnicamente razões plausíveis para essa atitude, pelo que também gostaria de saber a razão. O certo é que o avanço, o andamento daquela obra é, de facto, períclitante. E gostaria de saber se as verbas atribuídas, que são normalmente avultadas, como é evidente, irão ser efectivamente consumidas, já que, na verdade, a maior parte delas não é consumida e as obras não têm o ritmo e a urgência que é necessário ter. Ligado com isto existe toda uma problemática, que é a gestão destes recursos.

Foi constituída uma associação de municípios do Sotavento Algarvio e têm sido estabelecidos acordos por forma a criar-se uma empresa de gestão. No que toca a esta problemática, gostaria que a Sr." Ministra me informasse sobre o ponto da situação.

Um outro aspecto prende-se com o Parque Natural da Ria Formosa. De facto, existem verbas no PIDDAC — não vou dizer se são muitas ou poucas, são as que se encontram inscritas — relativas às ilhas Barreiras. A minha leitura é a de que, para quem tem de consolidar toda esta problemática, estas verbas são insuficientes, deixando-me preocupado. A Sr." Ministra deve ter, com certeza, conhecimento da existência de zonas onde, em face de uma invernia mais acentuada, se corre o risco de amputarmos a própria ria Formosa. Assisti, por diversas vezes, ao galgar do oceano para a ria Formosa, ultrapassando a ilha, não só no caso de Faro mas também junto a Tavira, e a ter de ser colocada areia rapidamente porque, senão, dar--se-ia ali uma catástrofe, com todas as consequências.

Ora, a razão por que estas verbas me deixam preocupado é exactamente por me parecer ser mais um adiar das soluções, que não se compadecem com adiamentos, para um problema gravíssimo, e, se não for atendido com a urgência que o caso requer, nada nos diz que durante este inverno não possa vir a acontecer uma catástrofe naquela zona. E o Governo tem sido alertado para este prob/ema ao longo de muitos e muitos anos.

Quanto às ilhas Barreiras propriamente ditas penso que há a intenção de se fazerem planos de recuperação, devendo ser tida em conta a problemática de algumas construções clandestinas. No entanto, gostaria de saber o que a Sr." Ministra tem a dizer não só sobre este assunto mas também sobre a polémica de se realizar ou não o desassoreamento da ria Formosa: há grande polémica quanto ao local onde se despejam as areias do desassoreamento e se se deve ou não desassorear. Qual a política do Ministério para estes aspectos?

Vejo algumas verbas destinadas ao sapal de Castro Marim, em Vila Real de Santo António, pelo que gostaria de saber quais as obras a que se destinam essas verbas e o que se pretende fazer nessa zona?

Quanto à gestão e ordenamento das bacias hidrográficas da zona costeira do Algarve, estão inscritas algumas dezenas de milhares de escudos, pouco mais de 50 000. Neste ponto, queria deixar uma nota: se a montante não se tomar em consideração determinadas iniciativas nas linhas de águas para corrigir um pouco todos os problemas da erosão, se não se atender a esta chamada de atenção, qualquer dia pode acontecer-nos, talvez com maior gravidade, o que já nos aconteceu em 1989. Ora, isto tem a ver não só com o seu ministério mas também com outros, designadamente o da Agricultura.

O que se pretende não é mais do que aquilo que foi feito há uns anos atrás de colaboração entre o Ministério e as autarquias no sentido de haver uma retenção nas linhas de água quando há enxurradas caudalentas que vêm provocar junto à costa, e designadamente nas zonas ribeirinhas, prejuízos enormes, com situações consideradas mesmo de catástrofe. Pergunto-lhe, Sr." Ministra, se há de facto alguma intenção ou indicação do seu Ministério nesse sentido, apesar de ter verificado — ainda há poucos dias constatei isso, e ainda bem que assim acontece — que se vão limpando as linhas de água da responsabilidade do ministério, dentro de um projecto que foi até consequência daquilo que aconteceu em 1989, quando algumas zonas de alguns municípios foram consideradas de catástrofe, como, por exemplo, o de Tavira, altura em que se tomaram algumas iniciativas nesse sentido. Ainda se vão realizando algumas obras que são consequência, exactamente, dessas situações que existiram.

O Algarve tem, como sabe, condições climatéricas tipicamente mediterrânicas, pelo que aí, por vezes, chove torrencialmente. Ora, se não forem tomadas algumas medidas que dificultem o avanço caudalento dessas chuvas, teremos situações catastróficas. São estas as razões por que apelo para que esta situação seja referenciada.

Uma última questão, que também tem sido levantada ao longo de muitos anos, tem a ver com o que se passa com a tão falada barragem de São Brás de Alportel. Esta barragem não tem só a ver com o município de São Brás de Alportel mas também com tudo o que está a juzante deste município, que é uma zona de grande concentração de chuvas e que se arrastam até ao mar.

Para já, fico por aqui, atento às respostas.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Campos, embora eu pense que já se colocaram todos os problemas possíveis sobre o ambiente...

O Sr. António Campos (PS): — Não é verdade, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Mas terá certamente mais alguns para colocar. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Campos (PS): — Reconheço, Sr. Presidente, que V. Ex.° domina mal o assunto, senão verificaria que há muitas mais questões a colocar.

Sr." Ministra, considero o Ministério do Ambiente decisivo para o mundo rural, pelo que de duas uma: ou ele assume as suas responsabilidades no momento em que vive ou se demite delas. E explico-lhe porquê.

Quando nos integrámos na Comunidade sabíamos que o mundo rural seria completamente desertificado se não houvesse um conjunto de medidas nacionais que evitasse o seu despovoamento. Ora, nós temos uma vantagem comparativa excepcional em relação a uma boa parte do resto da Europa, que é o clima, mas temos de concertar essa grande vantagem com o aproveitamento hídrico nacional. E é estranho que passados sete anos da integração não esteja em execução um plano nacional de aproveitamento hídrico, como grande prioridade de qualquer governo que quer manter alguma estabilidade nacional. Ou seja, é estranho que ainda não tenha sido apresentado um plano nacional de aproveitamento hídrico. Temos recursos disponíveis em grande quantidade, mas iremos ser o país

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do Mediterrâneo com os recursos hídricos menos aproveitados. As vezes rio-me quando se fala de em Espanha se estarem a desviar os rios. Ó Sr. Ministro, por que é que eles não os hão-de desviar? Nós nem os aproveitamos! Não aproveitamos nada, tudo vai parar ao mar! Não temos qualquer plano a andar!

Neste sentido, gostaria de saber como evolui o plano nacional, porque quando, daqui a 30 anos, a barragem do Alqueva estiver a funcionar irá irrigar uma área de 154 000 ha ou 150 000 ha em 3 milhões de hectares existentes no Alentejo, dos quais há, hoje, estudos que, levados à prática, permitem a irrigação de mais 600000 ha.

Como é que está a questão do Vale do Vouga? Suponho que poderíamos juntar a esta zona, de 15 000 ha, o Vale do Mondego, uma grande zona de irrigação com cerca de 40 000 ha, e teríamos assim uma grande mancha de irrigação, o que nos permitira estabilizar a população rural. E, como a Sr.a Ministra compreende, o elemento decisivo de manutenção das pessoas no mundo rural é a água, pelo que se lhe derem água, com o clima que têm, conseguem sobreviver na parte agrícola e se a não tiverem já não é possível, ficando só a parte florestal, que está, como sabe, em crise, pois arde muito mais depressa do que conseguimos replantar. Não há o plano de aproveitamento hídrico para Trás-os-Montes, para a Beira Interior e vão-se fazendo umas barragens aqui e acolá, algumas delas viradas para o aproveitamento energético e não para o aproveitamento dos recursos hídricos a níveis nacional e agrícola.

Nada é lançado de novo e penso que a grande prioridade deste Governo seria a de negociar esse plano. Sendo assim, gostaria que nos desse algumas indicações sobre a possibilidade de, em Portugal, se começar a sonhar em levar esta questão a sério ou se vai ficar tudo parado, como tem estado. Isto porque, como sabe, a barragem do Alqueva é uma jogada meramente de circunstância, que não tem impacte nacional e se o tiver será daqui a 20 ou 30 anos.

Gostaria ainda de lhe colocar uma outra questão, Sr.a Ministra.

Há dias fomos confrontados com a criação de uma empresa pública de caça para umas herdades do Ministério da Agricultura e para uma tapada, que é a Tapada de Mafra. Seríamos favoráveis à criação de uma grande empresa pública de caça para a defesa dos recursos cinegéticos nos parques naturais e até apoiaríamos uma situação dessas, porque também achamos um escândalo o que se está a passar no que toca à defesa dos recursos cinegéticos nos parques naturais, mas, a meu ver, precisaríamos de criar todas as condições de fomento desses recursos. Gostaria que a Sr.a Ministra nos referisse alguma coisa sobre o assunto — tanto mais que nos foi dito que aquela empresa pública foi aprovada em Conselho de Ministros —, ou seja, que nos dissesse como admite que se crie uma empresa pública, com o dinheiro obtido pela venda de seis outras herdades do Estado, para duas pequenas herdades do Estado, não aproveitando essa empresa, para criar e desenvolver os recursos cinegéticos nos parques naturais.

Quanto à zona do Baixo Mondego, devo dizer que este ano houve prejuízos de milhares e milhares de contos, que eram escusados. A estação de bombagem do Arunca está montada, mas nunca funcionou e não percebemos a razão disso, pois evitaria prejuízos aos agricultores de muitas dezenas de milhares de contos. Neste momento, grande parte da cultura do arroz ficou lá e a do milho ainda lá está.

Como é possível, depois da obra feita? Por que razão a estação de bombagem não funciona? Está feita! Custou um milhão e tal de contos! Por que é que aquilo acontece?

Uma outra questão tem a ver com a defesa do ambiente a nível de estrutura de concelho. Há cerca de um ou dois meses foram reformuladas as funções do delegado de saúde, a nível de cada concelho. O delegado de saúde é hoje responsável pela defesa do ambiente a nível concelhio — é a estrutura. Se a Sr." Ministra ler o decreto-lei saído em Setembro, verificará que é ele. Se calhar estou a dar-lhe uma grande novidade — tenho pena de não ter comigo o diploma —, mas, de facto, é o delegado de saúde o responsável pela defesa do ambiente e da saúde pública. Achei estranho, porque, como sabe, há, a nível de concelho, três estruturas que funcionam em paralelo, o chamado veterinário municipal, que também tem essa incumbência, o delegado de saúde e as actividades económicas, que, por aspecto legislativo, também interferem na defesa da saúde pública e do ambiente, e também o Ministério do Ambiente, só que este não existe nas zonas terminais. Isto é, não existem terminais do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais em cada concelho.

Gostaria, pois, de saber qual é a máquina do Estado que existe a nível do concelho, porque muitos dos problemas do ambiente são pequenos, podendo resolver-se com uma actuação imediata, mas desde que haja uma entidade capaz para o fazer.

A pergunta que faço é esta: como é que tudo isto está articulado?

É que as leis saem de cada ministério mas como não têm articulação com os outros ministérios todos tem competências, sendo esta a forma de diluir os poderes e de' ninguém os executar, que é o que se passa hoje, na prática, a nível de cada concelho. Sou, pois, defensor da criação de uma estrutura de acordos a nível local com as câmaras municipais e o Governo central, com alguns poderes e objectivos declarados. Não pode é haver lugar àquilo que existe hoje, em que o delegado de saúde tem funções, o veterinário municipal tem funções, podendo a própria coordenação económica interferir nessas situações, sendo o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais responsável mas não existindo na prática, pelo que, depois, todos reclamam, entrando-se numa «jogatina» entre todos e acabando por não se resolver o problema.

Mas, Sr." Ministra, gostaria que nos falasse, sobretudo, sobre o Plano de Aproveitamento Hídrico Nacional. A única forma de, hoje, fixar as pessoas no interior e de o sector agrícola sobreviver passa por aproveitarmos a grande vantagem comparativa que é o clima e por a concertarmos pela água.

Há um total desleixo, um total desaproveitamento deste governo nesta matéria, e tenho alguma esperança na sensibilidade da Sr.a Ministra para conseguir fazer perceber ao Governo que esta situação do Plano de Aproveitamento Hídrico é uma questão decisiva nacional!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Olinto Ravara, a quem pedia que fosse breve, uma vez que a reunião deverá terminar às 20 horas e ainda gostaríamos de ouvir as respostas da Sr.a Ministra.

O Sr. Olinto Ravara (PSD): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, embora fora do contexto orçamental, queria agradecer pessoalmente à Sr." Ministra e ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente toda a colaboração que deram para a realização do Fórum Ecológico de Aveiro, que foi um su-

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cesso, o que demonstra o interesse da população nesta temática tão importante. Aliás, a Sr.a Ministra disse, e muito bem, que esta temática é um verdadeiro desafio contemporâneo — nós, em Aveiro, assumimo-lo — e nós iremos fazer, de certeza, mais acções no domínio da sua divulgação. Por tudo isso, muito obrigado!

A ria de Aveiro já aqui foi referida mais do que uma vez. Apenas a título de esclarecimento, gostaria de dizer que sou testemunha — digo isto, em particular, ao Sr. Deputado José Manuel Maia — do empenho do Governo na prossecução do plano ambicioso, mas extremamente difícil, de despoluição da ria de Aveiro, o que é muito complicado, porque é uma zona extremamente sensível. Repito que sou testemunha da pressão que o Governo tem exercido junto da Associação dos Municípios da ria, que é a entidade que congrega todas as autarquias da região de Aveiro, que já tem um contrato-programa elaborado, estando, neste momento, com muitas dificuldades, mas a concretizar esse objectivo. Naturalmente que não será com a rapidez que o senhor e eu — que aprendi a nadar na ria de Aveiro — desejaríamos, mas estou convencido de que, com o empenho do Governo, da Associação dos Municípios da Ria e de todas as autarquias envolvidas, lá iremos chegar.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente esteve recentemente na minha zona, pelo que gostaria de perguntar-lhe que plano específico existe para a defesa da costa, nomeadamente da zona que vai de Espinho à Figueira da Foz. Sei que é um problema extremamente complicado, difícil e, por vezes, não é o só o «pôr a pedra» que resolve o problema. Por isso, gostaria que me desse uma perspectiva sobre essa matéria.

Um outro problema que preocupa toda a população de Aveiro é o da recuperação da Pateira de Fermentelos. Como membro da assembleia municipal, já tive oportunidade de alertar a Câmara Municipal para a necessidade de se ser extremamente rigoroso na apreciação dos projectos de investimento para o parque industrial que aquela licenciou. Sempre defendi que nessa zona apenas deveriam ser introduzidas empresas de tecnologias limpas. Tenho receio, até porque já lá vi uma grande empresa de cerâmica, de que a instalação deste tipo de unidades vá causar prejuízos ao frágil equilíbrio ecológico daquela zona. Nesse sentido, gostaria de saber se o Governo tem mecanismos de controlo e de fiscalização para actuar em caso de necessidade (e a necessidade será precisamente o desiquilíbrio daquela zona).

Também gostaria de saber, em traços gerais, que tipo de apoios é que o Governo vai passar a dar às pequenas e médias empresas industriais que lançam os seus efluentes e os detritos sólidos para a ria e para todo aquele espaço. Pergunto isto porque elas não têm capacidade financeira para arcar com um programa de instalação de sistemas de tratamento, pelo que, necessariamente, precisarão do apoio do Goveno.

Por último, gostaria de perguntar se já foi analisada a proposta de rectificação ao traçado do IC 1 na parte que respeita à chamada variante Aveiro-ílhavo, o troço que liga Vagos a Aveiro. Como essa estrada passava por uma zona de abastecimento de água, o estudo e o traçado tiveram de ser corrigidos (e existe uma grande preocupação do Governo nessa matéria) para que, de facto, a obra pudesse ser feita. A minha pergunta é no sentido de saber qual o ponto da situação relativamente a esse traçado.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates, a quem peço que seja breve.

O Sr. José Sócrates (PS): — Sr.° Ministra, ainda bem que cheguei a tempo de participar na discussão do Orçamento do Estado.

Uma das grandes e óbvias prioridades do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem de ser, forçosamente, os investimentos públicos no combate à poluição.

A Sr." Ministra já tomou posse há alguns meses, é membro do Governo com responsabilidades na área do ambiente desde 1991, faz parte do elenco governativo, com poucas interrupções, desde 1985, pelo que chegou a altura de começar a dar algumas explicações ao País sobre todos os investimentos planeados e pensados pelo Governo desde 1985.

Vou recordar-lhe os principais investimentos do Estado em matéria de combate à poluição.

Primeiro, o saneamento básico da costa do Estoril está, como sabe, atrasado cinco anos. Nesta proposta de lei do Orçamento do Estado esse projecto já vem previsto para 1996. A obra já vai em trinta e tal milhões de contos, quando inicialmente estava orçamentada em 5,5 milhões de contos. Este é, pois, um exemplo brutal de catastrofismo na gestão de uma obra, paradigma da incompetência.

Segundo, o Plano Nacional de Resíduos Tóxicos, de que já temos falado, «não ata nem desata», não havendo, desde 1987, nada construído, nada feito (nem sequer a localização, como V. Ex.° sabe).

Terceiro, o Alviela é o paradigma da incompetência do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e envergonha o País! Andamos a dizer, desde 1985, que o Alviela está despoluído, o que não é verdade! Às tantas chegamos à conclusão de que a nossa política de ambiente está ao nível da incapacidade de um país em despoluir um rio! No fundo, isso envergonha o País, porque se alguém de fora olhar para aqui percebe que, apesar dos esforços que andamos a fazer há tantos anos, não somos capazes de despoluir o Alviela!

Quarto, as verbas previstas no orçamento do seu Ministério para o rio Ave são insignificantes para uma obra tão volumosa. Pouco se sabe como é que aquilo tem andado, mas creio que a obra, apesar dos grandes atrasos verificados no passado, continua atrasada.

Em quinto lugar, quanto à ria de Aveiro, é altura de dizer, Sr.a Ministra, o que se passa, porque esse é também um dos programas, um dos projectos lançados pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais que sofreu atrasos brutais, tendo previstas no Orçamento do Estado verbas ridículas! Há mais de três anos que o Sr. Deputado acredita que a Sr." Ministra vai despoluir a ria de Aveiro, mas, francamente, o que se vê é uma coisa que não deixa grande margem para dúvidas quanto à incompetência do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais na promoção daquela obra.

Citei-lhe, pois, cinco casos, Sr." Ministra. Em relação a cada um deles, é altura de perguntar por que é que isto ainda não está feito. Alguns destes projectos têm quase 1.0 anos, outros menos, mas a verdade é que ao fim de todos estes anos nada está feito!

Portanto, o combate à poluição está, de facto, muito atrasado no nosso país e há cada vez menos razões para isso, já que existem fundos comunitários disponíveis.

Constato igualmente, no Orçamento, que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais mudou, em função do Fundo de Coesão e da necessidade de aproveitar os fundos, um pouco a sua política. Anteriormente defendia-se a existência de um pacto ambiental e a necessidade de fazer uma conjugação de esforços entre a administração

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central, as autarquias, a indústria e as empresas, mas a

verdade é que isso está um pouco desvirtuado.

Em primeiro lugar, os contratos-programa com as câmaras diminuíram. Sempre reclamámos uma lei quadro dos contratos-programa para as coisas serem claras e limpídas, para os senhores não andarem a fazer contratos-programa com as vossas câmaras ou com os autarcas que vos interessa proteger. Não estão livres dessa critica, porque, de facto, essas coisas nunca foram transparentes, nunca obedeceram a nenhuma prioridade nacional. Há, pois, discricionariedade do Ministro do Ambiente!

Depois, as verbas diminuem, o que significa que a conjugação entre as administrações central e local vai ficar prejudicada em todo esse esforço brutal que é preciso fazer para a elevação dos níveis de atendimento do saneamento básico e ambiental.

Ao nível da água, os senhores fizeram uma lei não enquadradora das questões da água, mas mais orientada — e é por isso que ninguém vos aplaude! —, para poderem controlar os fundos comunitários. Infelizmente, colocam as câmaras de parte e não sabem o que perdem, pois estão a prestar um serviço péssimo ao País. E digo isto porque, durante muitos anos, as câmaras municipais foram responsáveis pela maior parte dos investimentos ambientais, investindo muito mais do que o Governo. Os únicos indicadores ambientais que melhoraram no passado foram os de saneamento básico ambiental e isso deveu-se a investimentos autárquicos e não a investimentos da administração central. Infelizmente, os senhores, que têm agora acesso aos fundos comunitários, fizeram umas leis sobre a água de modo a retirar essa competência às câmaras municipais e para pôr o Estado e a administração central a gerir essas verbas.

Finalmente, em relação à questão industrial, parece-me que há um desvio da ideia do pacto ambiental e da contra-tualização. É altura de a Sr.a Ministra dizer o que pensa sobre esta questão! Durante os anos de crescimento económico não houve, na política de desenvolvimento e de crescimento económicos, preocupações ambientais, o que levou a um agravamento das situações e a que as indústrias portuguesas não tivessem feito os esforços necessários para se reconverterem ambientalmente. É, pois, altura de a Sr." Ministra explicar como é que, numa altura de recessão económica, vai conseguir levar as indústrias portuguesas a fazer os investimentos ambientais precisos. Recordo-lhe o momento de recessão e também a necessidade que o Estado tem de criar aquilo que existe em todos os países europeus: um quadro de incentivos económicos e financeiros para permitir à nossa indústria atingir, finalmente, perfomances ambientais melhores do que as que tem.

Neste Orçamento verifico que não se aproveitam os fundos comunitários para essa matéria. Fala-se em «melhoria do impacte ambiental na actividade produtiva — FEDER — 0» e vejo uma verba ridícula de 57 milhões de contos (isto no total, mesmo já contando com o investimento privado). Se, durante sete anos, vamos investir 50 milhões, com a crise industrial que para aí vai, não acredito que daqui a uns tempos tenhamos uma indústria capaz.

A não ser, como dizia o meu colega António Campos, que a vossa política ambiental seja dar cabo da indústria. Isso estão a fazer!

Quer dizer, o ar melhorou no Barreiro por causa da indústria química que VV. Ex." destruíram. E estão a destruir muito! Então, as minas!... Estão a dar cabo de toda a indústria extractiva. Mas, sinceramente, a meu ver, a

política ambiental não pode ser conseguida à custa da

desgraça da nossa indústria, temos, sim, de a manter e

melhorar.

Portanto, Sr." Ministra, faça o favor de esclarecer o País quanto aos grandes projectos, quanto i questão da participação das câmaras municipais na melhoria dos níveis de atendimento de saneamento básico e quanto à questão industrial, porque a indústria é a principal poluidora no nosso país, não são os esgotos urbanos mas, sim, a indústria. E ao nível das águas, do solo e do ar, como pretende o Estado intervir neste problema, de modo a ajudar a nossa indústria a atingir níveis ambientais melhores, para que deixemos de pagar a poluição como vítimas e passemos a pagar como contribuintes ou como consumidores?

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr." Ministra do Ambiente e Recursos Naturais. Peço-lhe que seja o mais breve possível, apesar de saber que terá alguma dificuldade em sê-lo, pois são muitas perguntas. No entanto, faça um apelo ao seu esforço nesse sentido.

A Sr.' Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: — Sr. Presidente, desejo, naturalmente, responder às perguntas, mas, como há-de compreender, os Srs. Deputados estão a colocar-me perguntas há uma hora e meia e vou ter muito pouco tempo para responder...

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Nós esperamos!

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr." Ministra, como é evidente, estamos aqui para trabalhar e vamos procurar que tenha o tempo necessário para responder às perguntas dos Srs. Deputados. Não obstante, às 21 horas temos uma reunião com o Sr. Ministro da Justiça e, efectivamente, a Comissão de Economia, Finanças e Plano tem estado aqui a trabalhar permanentemente — não é o caso das outras comissões — e há também alguma exaustão por parte dos Srs. Deputados.

A Oradora: — Muito obrigado, Sr. Presidente, vou procurar ser o mais sintética possível e, naturalmente, teremos outras ocasiões para esclarecer algumas coisas mais pontuais.

Vou começar por responder às questões postas pela Sr.° Deputada Isabel Castro, que se referiu à opção financeira relativa às construções de saneamento básico. Como sabe, em matéria de infra-estruturas, temos um grande atraso, pelo que, a resolução deste tipo de questões é imperativa, é inquestionável. No entanto, estas são iniciativas e obras de avultadas somas e, como temos de lhes dar execução — não está em causa essa execução —, essas somas têm de ser encontradas. Actualmente, temos recursos que provavelmente não voltaremos a ter, pelo menos com esta dimensão, nos anos que se seguem a este Quadro Comunitário de Apoio; por isso, parece-me imperativo atender a este tipo de problemas.

Naturalmente, creio não ser muito produtivo fazer uma análise e uma apreciação meramente aritméticas das opções orçamentais, no caso do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, pois sabemos que há iniciativas e investimentos que, apesar de não terem a mesma tradução em termos de investimento de capital, são igualmente importantes; há coisas que se podem fazer praticamente sem dinheiro. Deste modo, a apreciação aritmética dos valores orçamentais pode levar-nos a conclusões erradas.

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Ainda a propósito do que V. Ex.ª disse, quería falar na questão das ETAR. Pareceu-me que a Sr.* Deputada tinha identificado a resolução dos problemas de saneamento e abastecimento de água com a existência de estações de tratamento de águas residuais. Ora, os investimentos previstos, em matéria de saneamento e abastecimento de água, não se resumem apenas a estações de tratamento de águas residuais, porque o que prevemos é, de facto, a criação de sistemas multimunicipais, sobretudo no caso das grandes concentrações urbanas, que tragam uma economia de escala e uma racionalização destes sistemas, de modo a que sejam mais produtivos.

Além disso, não queria deixar de lhe referir que estes investimentos trazem ainda uma componente de desenvolvimento, na medida em que criam emprego e um novo mercado empresarial, o qual penso ser também importante para o desenvolvimento.

A propósito da criação de emprego, quero esclarecer ainda uma questão, a qual não se relaciona com nada que tenha sido dito hoje mas, sim, com o que foi referido pelo líder da bancada do Partido Socialista, há uns tempos. Ele insistiu, mais do que uma vez e em várias circunstâncias, nesta questão do emprego social. Gostava de ter tido oportunidade de responder, quando estive no Plenário, mas o tempo era curto e não me referi a esse aspecto.

O líder da bancada do Partido Socialista falou no emprego social a propósito da situação de desempregados a quem poderia ser proporcionado trabalho neste âmbito ambiental. A meu ver, essa é uma ideia simpática, porque todas as pessoas que se encontram numa situação de desemprego se sentem mais úteis à comunidade se lhes for dada uma tarefa reconhecida. Mas, com estes investimentos, o que pretendemos é a criação do emprego com carácter permanente e sustentado. Pessoalmente, não gosto muito da designação de emprego social, porque entendo que o emprego não deve ser assim qualificado. O emprego, realmente, é social, mas emprego é emprego e o que nos interessa é criar postos de trabalho permanentes.

O Sr. José Sócrates (PS): — Estão a criar muitos!...

A Oradora: — Penso que estes investimentos podem levar a novas áreas de criação de postos de trabalho. Isto é reconhecido, não apenas por mim mas por todos os países da Comunidade Europeia e está justamente previsto e sublinhado no livro do Sr. Presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, com o qual, certamente, terão afinidades do ponto de vista político, que reconhece ser esta uma área privilegiada de criação de emprego sustentado. Não gostaria de classificar o emprego de social, como não gostaria de classificar o desenvolvimento com qualquer designação, cultural, económica ou outra. O desenvolvimento ou é global ou não o é.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Oradora: — Do mesmo modo, o emprego, ou é sustentado ou não o é. Não quero dar lições ao Partido Socialista, nesta matéria, mas estranhei um pouco a intervenção que referi e o facto de ter sublinhado o emprego social a propósito do ambiente. A verdade é que o ambiente pode criar empregos permanentes, de carácter sustentado, e é isto que estamos a procurar com este tipo de política.

O Sr. José Sócrates (PS): — É melhor o desemprego!

A Oradora: — Sr.° Deputada Isabel Castro, desculpe esta excursão para além das questões que me colocou mas, ainda a propósito, referiu a questão do que se faz a montante das ETAR, falou nos resíduos sólidos urbanos, na ausência de um pensamento estratégico e na inexistência de verbas significativas, neste PIDDAC, para os resíduos de sólidos urbanos.

Sr.* Deputada, não estão previstas verbas para a área de saneamento neste PIDDAC — por isso não as encontra — porque está prevista a criação de empresas do sector privado, com a participação municipal, nas principais áreas urbanas de Lisboa, Porto, Algarve e Coimbra. Como sabe, há associações de municípios que aderiram a esta filosofia e existem verbas do Fundo de Coesão que irão ser afectas directamente a estes quatro grandes projectos, pelo que elas não têm contrapartidas por parte do Orçamento do Estado mas, sim, contrapartidas privadas que as empresas irão trazer, para além dos fundos de coesão que serão canalizados para este efeito. Ou seja, o que o Estado faz é canalizar fundos para estes programas concebidos num plano nacional.

Outra questão que referiu foi a da falta de alteração dos modos de produção, a fim de prevenir as questões da poluição. Naturalmente, essa preocupação existe e, como sabe, a legislação em vigor obriga as empresas a terem determinados comportamentos, existindo, para as que os não têm, a fiscalização adequada. Mas existe também um investimento, que gostava de assinalar, por parte do Ministério da Indústria e Energia, no sentido de desenvolver tecnologias limpas e outras iniciativas, como o rótulo ecológico, que se destina a avaliar os processos de produção de determinados produtos e a classificá-los segundo a sua preocupação ambiental. Existem campanhas em curso relativamente a este aspecto e, portanto, penso que essa é também uma preocupação do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e do Governo.

Colocou ainda uma pergunta sobre as energias alternativas. Neste momento, existem verbas, com algum significado, inscritas no orçamento do Ministério da Indústria e Energia, com o fim de financiar programas de energias alternativas; existem também algumas medidas de carácter fiscal, no sentido de penalizar determinados combustíveis; existem programas de apoio à eficiência energética, também no âmbito do Ministério da Indústria e Energia e existe ainda um projecto importante relacionado com a instalação da rede de gás natural, que virá trazer grandes benefícios do ponto de vista do tipo de combustível utilizado. Este é um projecto ao qual o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais atribui a maior importância, devido às suas repercussões em matéria ambiental.

No que diz respeito ao Ministério da Indústria e Energia — e isto porque perguntou quais as medidas que estavam previstas no âmbito do PEDIP e dos incentivos às indústrias —, irá haver também um novo PEDIP, onde estes apoios a questões de reformulação tecnológica estão previstos. Neste momento, existe um programa de apoio à acumulação dos impactos da actividade produtiva, no âmbito do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, com uma verba significativa, e existe, para além disso, legislação que faz com que as indústrias novas se devam instalar segundo determinadas regras. Os problemas que temos surgem com as indústrias que já estão instaladas, porque, em relação às novas, naturalmente, elas só serão licenciadas se cumprirem determinados requisitos ambientais.

Gostava de sublinhar que a política do ambiente, aqui, não é assumida apenas pelo Ministério do Ambiente e

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Recursos Naturais mas, sim, pela totalidade do Governo e a prová-lo está este tipo de apoios e a preocupação que o próprio Ministério da Indústria e Energia tem tido com estas questões. Gostava de sublinhar também que o Ministério da Indústria e Energia, quando concede apoios às indústrias — e já não só para a sua reconversão tecnológica mas indiscriminadamente —, não o faz sem primeiro avaliar o seu impacte ambiental. Portanto, é um critério permanente que o Ministério da Indústria e Energia integra nos seus procedimentos.

Em relação à questão da fiscalização, o relatório da OCDE refere essas questões com bastante importância e também estamos conscientes de que o reforço da própria capacidade do Ministério, em matéria de fiscalização, é importante. Neste momento, estão previstos programas de instalação de redes de monitorização e fiscalização de determinados sectores e existe também a intenção de reformular as carreiras dos guarda-rios, no sentido de os reequipar melhor. Esta é uma área que, reconheço, deve ser bastante reforçada e é essa a nossa intenção.

No que diz respeito à conservação da natureza, não me parece que as verbas afectas a esta área se possam considerar simbólicas, porque elas, de facto, duplicaram desde o ano passado, sendo o valor de investimento para programas de conservação da natureza de cerca de 4,8 milhões de contos.

A Sr." Deputada diz que estas verbas são simbólicas, mas penso que não é bem assim, porque, na realidade, elas duplicaram. Não tenho tempo para entrar em detalhes, mas terei o maior gosto de lhe dar, posteriormente, mais informações em relação a estes programas e à sua especificação.

Depois, referiu que a responsabilidade pelos recursos hídricos tinha sido entregue ao sector privado, mas penso não ter sido isso o que aconteceu. O que fizemos foi, num sector apenas reservado ao domínio público, dar a possibilidade de as empresas privadas poderem ter a concessão da exploração e a construção de determinadas obras, nomeadamente na área do saneamento. Deste modo, o Estado vai poder usufruir de recursos financeiros adicionais àqueles que, só por si, poderia dispor. Não se trata naturalmente de abandono, mas, muito pelo contrário, da possibilidade de obter financiamentos exteriores. Porém, os contratos de concessão terão de contemplar aquilo que é o interesse público, quer no ponto de vista da qualidade quer no dos preços. Por outro lado, o património não está em causa, porque esse será sempre público; é apenas a gestão que poderá ser concessionada.

O Sr. Deputado Mário Maciel também falou da área da conservação da natureza, referindo a existência de áreas de interesse nacional cometidas aos serviços centrais, mas questionou igualmente sobre o nosso interesse em envolver as autarquias nestes objectivos. Naturalmente que esse interesse é o maior. Por isso, na nova lei quadro está previsto que, mesmo nas áreas protegidas de interesse nacional, as autarquias farão parte dos conselhos directivos destas áreas. Por outro lado, os PDM foram elaborados no sentido de que os objectivos municipais e do concelho possam ser compatibilizados com os valores em presença.

Existe, de facto, uma participação das autarquias, que é indispensável para qualquer iniciativa no âmbito da protecção da natureza, porque são instâncias próximas das populações, no terreno, autoridades eleitas, sendo, pois, a sua participação nesta área absolutamente indispensável e vital. De facto, entendemos que a participação do poder local devia ser valorizada, prevendo-se nessa mesma lei das áreas protegidas—justamente no caso de áreas de

paisagem protegida — a possibilidade de elas serem entregues à responsabilidade do poder local. Isso está, pois, previsto na lei.

Também referiu e questionou quais as acções previstas de divulgação destes parques c áreas protegidas. Ora, está

previsto que nesses parques existam estruturas capazes de acolher escolas de uma dimensão muito alargada, ou seja, prevemos uma intensa participação escolar nas áreas protegidas, que serão usadas como lugares privilegiados de educação ambiental — penso ser essa a melhor opção —, como complemento da ministrada no próprio sistema escolar, através de visitas e sensibilização no terreno.

O Sr. Deputado disse ainda que a área protegida não é um museu, mas um centro de divulgação ambiental. Como lhe disse, estão previstas estruturas de acolhimento não só para escolas mas também para outro tipo de população. Existem também investimentos importantes nessas áreas, não só no aspecto da conservação da natureza como no da própria valorização das populações, das zonas habitadas, através de medidas agro-ambientais. Assim, estão previstos estímulos à fixação das populações, recorrendo a este tipo de financiamento e de programas, e deu-se também importância à questão do turismo ecológico, existindo alguns programas de recuperação de casas para esse efeito. Este tipo de preocupações constam, como instrumentos e objectivos, de um programa que estamos a preparar e que gostaria de oportunamente apresentar à Assembleia, relacionado com os objectivos gerais da conservação da natureza.

Em relação à EXPO 98, também referiu a questão do Tejo internacional, projecto no qual estamos a trabalhar, assim como na tradução para a ordem interna de um compromisso assumido por Portugal com a Comunidade Europeia, que é o da criação das zonas de protecção especial. Nesta matéria está a ser dada prioridade ao estudo e à delimitação dessa área, justamente devido à questão da ponte sobre o Tejo. O estuário do Tejo, como sabe, é também já uma área protegida.

Em relação ao relatório da OCDE, também sou da opinião de que os resultados desse documento são positivos. Não queríamos um instrumento de confirmações, nem de consagração ou de certezas; pretendíamos, sim, um documento crítico e, por isso, recorremos à OCDE como entidade independente e com autoridade reconhecida nesta matéria, sobretudo na área do desenvolvimento sustentado. O nosso objectivo era, pois, o de conseguir uma visão crítica nessa perspectiva da economia de desenvolvimento e da política de ambiente.

Atendendo à transparência com que foi feito esse exame e sabendo de antemão que ele iria ser publicitado, tratou-se, quanto mais não fosse — e foi mais do que isso — , de um exercício de boa fé política por parte do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais o querer submeter-se a esse «olho crítico» público. Por outro lado, penso que esse relatório teve utilidade não só para nós mas também para o público, na medida em que tem uma visão isenta daquilo que está a ser feito.

O Sr. Deputado José Manuel Maia referiu os índices negativos que, neste momento, apresentam, em Portugal, as taxas de população servida por água ao domicílio, efluentes, etc. O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais elaborou estudos — aliás, o relatório é feito justamente pelo Ministério — para calcular aquilo que se pre-^ tenderia obter, do ponto de vista destas taxas, com os investimentos previstos no orçamento. Os elementos que posso dar-lhe são os seguintes: com os investimentos pre-

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vistos no orçamento, pretende-se subir de 77 % para 85 % a percentagem de abastecimento de água e para 74 % a média dos distritos servidos por sistemas de recolha e tratamento de resíduos urbanos. Em matéria de esgotos, também se prevê uma subida bastante significativa desses índices de atendimento.

Naturalmente, para se alcançar estes níveis são necessários investimentos avultadíssimos, que, penso, não podemos deixar de fazer. Em todo o caso, gostaria de dizer que nada disto se faz de um dia para o outro e que não o podemos fazer sozinhos. As câmaras municipais têm aqui um papel importante.

Como alguém disse há pouco, tem havido investimentos importantes por parte das câmaras, mas, infelizmente, eles não tiveram um grande resultado, havendo inclusivamente várias ETAR que não estão a funcionar. Também o avultado volume de investimentos, feito em anos anteriores, não teve melhores resultados. Por isso, estamos a tentar encontrar outras fórmulas.

Assim, ao canalizar os fundos comunitários para as autarquias, procurámos associar uma série de autarquias, que, por si só, provavelmente, não teriam possibilidade de fazer os investimentos necessários. Ou seja, tentámos justamente criar economias de escala, introduzindo aqui um conceito de gestão empresarial e de profissionalização que, em muitos casos, a autarquia não conseguiria alcançar. Isto porque há autarquias de muito pequena dimensão, que muito dificilmente terão capacidade para encontrar as fórmulas de gestão empresarial e os investimentos necessários para resolver os seus problemas.

O Sr. José Sócrates (PS): — Era só dar mais dinheiro!

A Oradora: — Sr. Deputado, não o interrompi. Por isso, peço-lhe que agora também não me interrompa.

A propósito do tempo que estes problemas levam a resolver, assisti, ontem, a uma conferência dada por um professor muito conhecido nesta área do saneamento e do ambiente. Em sua opinião, os problemas complexos, e sobretudo os que foram sendo acumulados ao longo de muitos anos, não exigem soluções simplistas e levam muito tempo a resolver, porque levaram muito tempo a ser criados. Nesta óptica, ele referiu-se a uma atitude que caracterizou de «paciência institucional». Compreendo a nossa impaciência, quer dos cidadãos quer das instituições, mas as soluções apressadas, por vezes, não são as mais eficazes. E pareceu-me curiosa esta expressão «paciência institucional», que, por vezes, existe e é necessária para atender a problemas, cuja complexidade se foi acumulando ao longo dos anos.

Em relação a um outro problema focado pelo Sr. Deputado, a propósito dos riscos nucleares, posso dizer-lhe que existe, no PIDDAC da Direcção-Geral do Ambiente, um programa chamado «Avaliação de impactes e riscos» — não sei se ele está expresso desse modo —, destinado à obtenção de meios informatizados que permitam a expedita avaliação e tomada de decisões em condições de acidente nuclear ou emergência radiológica, a instalação de meios de comunicação e dados à distância, a adaptação a nível nacional de um sistema de base de dados para acidente nuclear ou emergência radiológica, etc. Uma série de acções estão incluídas nesse programa, para o qual estão afectos, num caso, 62 000 contos, noutro, 32 000 contos, e mais 24 000 contos para sistemas de gestão.

Quanto à questão colocada em relação a Espanha — aliás, julgo que por mais um Sr. Deputado —, gostaria

de referir que, neste momento, está prevista, nos acordos em vigor com Espanha, uma moratória, segundo a qual, antes de 1996, não serão promovidos quaisquer estudos relativamente à instalação de depósitos. Por outro lado, o Ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol esteve em Portugal, há cerca de um mês, tendo dito expressamente ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português que nenhum passo seria dado sem consultar Portugal. Mais tarde, ele próprio afirmou o mesmo publicamente, em conferência de imprensa. Não temos qualquer indicação de que estejam em curso outras iniciativas, neste momento.

Em relação à navegabilidade do Douro, penso que esse programa estava inscrito no orçamento do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, entidade que, até agora, tutelava o gabinete da navegabilidade do Douro. De qualquer modo, julgo que as funções inerentes a esse gabinete irão ser mantidas, dado que os objectivos de navegabilidade não foram suspensos...

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Estava no Ministério do Ambiente e Recursos Naturais!

A Oradora: — Então, Sr. Deputado, o que posso dizer-lhe sobre a navegabilidade do Douro é que o Gabinete foi extinto e as suas funções foram cometidas ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, na medida em que o domínio hídrico cabe a esta tutela, e irão ser mantidas todas as funções inerentes ao gabinete, que serão asseguradas, desde já, através da delegação regional do norte do Ministério do Ambiente.

No que se refere às questões orçamentais que me colocou relativamente a algumas acções e programas, cuja execução, aparentemente, tem diminuído de ano para ano, gostava de lhe dar uma explicação numa outra ocasião porque, neste momento, não tenho dados para o fazer.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Sr." Ministra, dá-me licença?

A Oradora: — Faça favor, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Peço ao Sr. Deputado Olinto Ravara, que é membro da Comissão de Economia, Finanças e Plano, o favor de me susbtituir, uma vez que tenho de me ausentar.

Aproveito ainda para informar que a reunião com o Sr. Ministro da Justiça foi adiada para as 21 horas e 30 minutos, a fim de os membros da Comissão poderem estar presentes.

Pode continuar, Sr." Ministra.

A Oradora: — Em relação à Quinta do Conde, devo dizer que a construção da estação de tratamentos de águas residuais está em curso e, segundo penso, agora até está a decorrer em bom ritmo.

A ETAR faz parte do contrato progTama celebrado com a Câmara Municipal de Sesimbra e, por isso, a verba de 25 000 contos que se encontra inscrita no Orçamento do Estado é a participação do Ministério do Ambiente, sendo a outra parte assegurada pela câmara, que, naturalmente, não se encontra aqui inscrita.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Deputado Olinto Ravara.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Mas a questão da Quinta do Conde não se prende só com a ETAR, é mais do que isso!

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A Oradora: — Quanto à valorização de áreas protegidas, pergunta-me V. Ex.a o que tenho a dizer em relação à imensidão dos problemas.

Devo dizer que, como é natural, os problemas são imensos...

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — E a questão das verbas?

A Oradora: — Sr. Deputado, embora existam algumas competências específicas do Ministério do Ambiente, devo dizer que, nestas áreas, este tipo de problemas não podem ser resolvidos apenas por um departamento. Penso que aqui deve existir uma conjugação de esforços não só da administração central como também da administração local.

Enfim, julgo que existem muitas componentes que devem conjugar-se e associar-se no sentido de se atender a estes problemas que estão no âmbito destas áreas protegidas da península de Setúbal, e que são muitíssimos, pois grande parte desta península está, justamente, numa área protegida.

Por outro lado, é óbvio que os problemas não são apenas de natureza ambiental, pois existem outros que também têm de ser atendidos, uma vez que têm repercussões nas questões ambientais. Portanto, deve haver aqui uma conjugação interdisciplinar de esforços.

Penso que esta é a resposta séria a dar à questão que me colocou sobre a imensidão dos problemas que existem.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): —r- Um deles é a questão da ponte.

A Oradora: — No que se refere à questão da ponte, foram tomadas medidas, como sabe, no sentido de criar zonas non aedificandi em torno dos seus acessos e, como disse há pouco, estão também a ser delimitadas zonas de protecção especial nos lugares de amarração, que estavam previstas e sobre as quais existe um compromisso do Governo Português.

O Ministério do Ambiente tem um representante no GATTEL, que é o gabinete que conduz estes trabalhos e, justamente neste momento, estão em curso estudos de impacte ambiental relativamente a este traçado. Por isso, aguardamos esses estudos.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Mas os estudos estão concluídos? ------

A Oradora: — Não estão concluídos, Sr. Deputado. Tanto quanto sei, ainda não estão concluídos.

Em relação à questão da lagoa de Albufeira, existe a intenção de aí criar uma área protegida. Esse projecto estava praticamente concluído, no entanto, pedi a sua suspensão, a fim de podermos pensar numa área maior do que aquela que estava prevista.

Julguei que era chegada a altura de pensarmos toda a zona verde da margem sul do Tejo e da península de Setúbal e, por isso, pedi aos serviços do Ministério do Ambiente e também à Comissão de Coordenação Regional do Ministério do Planeamento e da Administração do Território para, em conjunto, pensarmos numa área de maior perímetro a ser objecto de uma protecção especial.

É isso que, neste momento, estamos a considerar e até já falámos com as câmaras da zona, sobretudo com a de Sesimbra. Portanto, a questão está a ser pensada nestes termos.

Sobre a Lagoa de Melides, não sei responder-lhe porque não conheço a situação; por isso, primeiro, terei de informar-me para lhe dar esses elementos.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — A esse respeito, queria apenas lembrar-lhe que existe um ofício muito importante, que é o n.° 5/91!

A Oradora: — Já tomei nota, Sr. Deputado.

Em relação ao sudoeste alentejano e à forma como se vai articular a comissão de gestão com o PROTALI e com os PDM, devo dizer que temos feito um esforço grande nessa área protegida, no sentido de estarmos atentos àquilo que foi esse programa, e que essa comissão de gestão, através do Ministério do Ambiente, tem tido um papel importante na verificação de determinados parâmetros que o PROTALI consagra neste momento.

Temos estado a trabalhar em conjunto com todas as câmaras envolvidas nesta área protegida, estando em curso o plano de ordenamento da área protegida do sudoeste alentejano e da costa vicentina. Está praticamente concluída uma primeira proposta e, por isso, penso que, no dia 10, irá ser posto à discussão pública esse plano.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Sr." Ministra, a questão que coloco é apenas esta: a comissão de gestão tem poderes para assumir outras posições que não sejam aquelas a que está vinculada pelo PROTALI e pelos PDM que já estão aprovados? Ou seja, pode modificar orientações que, neste momento, estão adquiridas e aprovadas através desses planos de ordenamento?

A Oradora: — Sr. Deputado, neste momento, nem todos os PDM estão aprovados e não sei exactamente...

Os próprios PDM e a lei em geral dizem-nos que, para os licenciamentos em áreas protegidas, a comissão de gestão tem parecer vinculativo. Todavia, podem existir questões consolidadas ou pessoas com alvará, e, nesse caso, como vivemos num Estado de Direito, segundo a nossa ordem jurídica, não podemos exercer acções retroactivas em relação a esses direitos já adquiridos pelos cidadãos.

Já quanto aos novos licenciamentos, a existência do PROTALI não inviabiliza que haja pareceres vinculativos por parte da comissão de gestão e, por outro lado, há também um diploma, publicado não há-muito tempo, que determina a caducidade de todas as licenças, mesmo as já em vigor, que não se compadeçam com os planos regionais de ordenamento do território.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — E está certo!

A Oradora: — Agora, as outras que estão em vigor, que se coadunam com o PROTALI e que já estão adquiridas...

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — O que queremos é que o PROTALI e os planos directores municipais sejam, realmente, instrumentos que vinculem as opções a tomar, para que não apareça uma qualquer comissão a pôr em causa aquilo que já foi aprovado, que é consensual e que são instrumentos legítimos e legais.

A Oradora: — A comissão de gestão acompanha os planos directores municipais e participou no PROTALI, mas não sei se a legislação que foi aprovada faz com que as licenças preexistentes aos planos directores municipais caduquem—julgo que não.

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Mas isso acontece em relação ao PROTALI, isto é, se houver um empreendimento que esteja aprovado mas que não se configure com aquilo que o PROTALI determina, a sua licença caduca automaticamente. Portanto, é essa a situação.

A comissão de gestão dá parecer vinculativo em relação aos novos licenciamentos, independentemente de tudo o resto, e o plano de ordenamento da área protegida irá definir justamente esses critérios, tornando-os objectivos

e públicos.

Não sei se ficou esclarecido ou se queria qualquer outra explicação.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): — Claro que queria, mas estamos condicionados pelo tempo, o que é compreensível, por isso uma resposta mais pormenorizada ficará para outra ocasião.

A Oradora: — No que se refere à Costa da Caparica, terei de ver também o que se passa neste momento, porque não tenho presente a situação.

No que diz respeito à COPROLEO — e aproveito para responder também à questão que me foi colocada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca—, o que se passa é o seguinte: primeiro, tem de existir um estudo do impacte ambiental relativamente a este projecto e só depois é que o Ministério da Indústria e Energia inicia o processo de licenciamento.

O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais considerou que os estudos feitos não davam garantias suficientes em relação à qualidade do projecto e comunicou isso ao Ministério da Indústria e Energia. Houve, no entanto, um equívoco por parte deste Ministério, que contou mal os prazos que o Ministério do Ambiente tinha para se pronunciar e, por isso, entendeu que tinha havido deferimento tácito, quando, efectivamente, não houve. Daí dizer que estavam dados todos os pareceres, quando, de facto, não estavam, o que mais tarde foi clarificado.

Portanto, neste momento, não há qualquer processo de licenciamento em curso e o Ministério da Indústria e Energia afirmou-nos que não concederá qualquer licença contra um parecer do Ministério do Ambiente — isso, aliás, foi público. Já pedimos novos elementos aos promotores, a fim de analisarmos se os parâmetros que desejamos para aquela zona são ou não atingidos por parte deste empreendimento.

Repito, mais uma vez, que, neste momento, não existe qualquer licenciamento e que o Ministério da Indústria e Energia nos comunicou que não iria licenciar qualquer empreendimento contra o nosso parecer. É neste pé que as coisas se encontram.

Consideramos, como é natural, que a situação é muito grave e, por isso, iremos apreciar, com toda a atenção, os elementos que nos chegarem.

Por outro lado, quero sublinhar também que o processo de avaliação do impacte ambiental pressupõe um inquérito público, pelo que estaremos muito atentos àquilo que for a opinião da população em relação a essa consulta.

Sr. Deputado Júlio Henriques, V. Ex." referiu a questão das florestas e do seu impacte na preservação ambiental, dizendo que não via qualquer política de reposição das áreas ardidas.

Penso que, no Instituto da Conservação da Natureza está prevista um programa neste sentido no valor de 300 000 contos, sendo 200 000 para reflorestação de áreas percorridas por incêndios e 100 000 para redes de detecção e vigilância em áreas protegidas.

Por outro lado, foram canalizadas verbas do Fundo de Coesão para este fim e está previsto, no âmbito do PDR, um montante de 3 milhões de contos para acções de reflorestação.

Quanto à lagoa de Óbidos, o que se passa é que houve, entre ambas as câmaras, algumas divergências que foram bem visíveis relativamente ao caminho a seguir.

O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais adjudi-

C0U, há cerca de um mês, um estudo, para se podeT aferiT da bondade da solução que devia ser adoptada. Esse estudo está em curso e, depois, de acordo com aquilo que o estudo nos indicar, existem disponibilidades orçamentais, sobretudo através de fundos de coesão, para atender a estas acções.

O mesmo se passa em relação a Leiria, onde, recentemente, tive uma reunião com os presidentes das câmaras da zona, para a qual estão previstas também verbas.

Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, perguntou se existia uma coordenção entre os outros Ministérios e o do Ambiente e Recursos Naturais e afirmou que, naturalmente, só com este orçamento não se atingirão os objectivos fixados.

Sr. Deputado, espero que sejam atingidos os objectivos que fixámos para a utilização destas verbas mas, evidentemente, os objectivos de desenvolvimento e ambientais, de uma maneira geral, não se atingem apenas através da política levada a cabo pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais. Por isso, referi há pouco que existe coordenação com outros ministérios. A política do ambiente é uma política do Governo e não apenas de um ministério.

Por outro lado, ainda a propósito de coordenação, o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais está sempre presente no Conselho de Ministros para assuntos económicos, ou seja, faz parte dele.

Como referi há pouco, existem programas significativos por parte de outros ministérios, nomeadamente por parte dos Ministérios da Indústria e Energia — já falei sobre eles — e da Agricultura. E, com isto, aproveito para responder já a algumas questões colocadas pelo Sr. Deputado António Campos, nomeadamente às relacionadas com a fixação da população.

O Sr. Deputado falou nessas questões, mas na perspectiva dos recursos hídricos. Parece-me, no entanto, que também aqui existe uma componente de iniciativas, que podem ser instrumentais, no sentido de poder fixar populações na actividade agrícola e em zonas rurais.

Como sabe, existem verbas previstas para estas medidas agro-ambientais, que, penso, serão da ordem dos 35 milhões de contos, em termos de despesa pública. Em relação a algumas delas, de modo concertado com o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, estão já identificadas algumas áreas, sobretudo protegidas e não protegidas, onde estes investimentos irão ser feitos com esse objectivo.

Quanto à questão da COPROLEO, já respondi.,

Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, no que diz respeito à questão do poluidor-pagador, naturalmente que as multas só por si não chegam. Também sou da opinião que não, mas existem multas e multas e nada implica que elas não venham a ser agravadas. O próprio Código PctwA prevê a criminilizaçâo de determinadas infracções em matéria de ambiente e existe um projecto que vai nesse sentido, como sabe.

Para além do princípio do poluidor-pagador, existe um outro princípio, o do utilizador-pagador. Com este princípio pretende-se, no fundo, atribuir um valor económico aos

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recursos e tornar mais directamente responsável pelos recursos quem os consuma, em vez de o serem, indiscriminadamente, os contribuintes.

Sabemos que isso se verifica em matéria de solos, por

exemplo, e não nos choca nada que quem queira tomar

posse ou que use um terreno tenha de o pagar. Porém, já todos acham muito estranho, provavelmente, que a água seja paga ao seu custo real. Penso que, cada vez mais, caminharemos nesse sentido.

Aliás, também foram nesse sentido as recomendações do relatório da OCDE —já referidas por alguns Srs. Deputados —, ou seja, no sentido da sustentabilidade dos financiamentos, de forma a que as políticas ambientais assentem, cada vez mais, no valor real dos recursos consumidos por parte de quem os consome. Tal induzirá a uma certa responsabilização nos comportamentos dos consumos dos recursos. Essa, sim, parece-me ser uma via mais eficaz do que a regulamentação pura e simples.

Creio que já fiz referência à função do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, no que se refere ao acompanhamento dos planos directores municipais, nomeadamente à sua elaboração. Nesse âmbito, há uma componente importante: a da delimitação da REN, que deve ser consagrada pelos estudantes e que cabe ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais aprovar.

Existem áreas protegidas, como também já referi, em que o parecer sobre elas é vinculativo. Para além disso, os planos são aprovados em Conselho de Ministros e, portanto, a sua aprovação envolve toda a Administração.

Claro que concebo que há planos directores municipais que não são aqueles que gostaríamos. Todavia, penso que o esforço que está a ser feito é assinalável. Provavelmente nem todas as câmaras terão a mesma capacidade de produzir planos bem elaborados mas, devo dizer-lhe que o balanço...

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — Câmaras e serviços públicos!...

A Oradora: — Sim, tudo! Câmaras, serviços,... o País naturalmente!

Risos.

Não pretendo dissociar-me, de maneira alguma!

Naturalmente, o resultado final, com todas as responsabilidades incluídas, não será aquele que pretendíamos. Mas, apesar de tudo, o que quero dizer é que o esforço manifestado por todos é assinalável e o resultado final é muito melhor do que aquele que existia quando não havia quaisquer planos.

Já agora, aproveito para dar informações sobre a METALINEX. Desde há algum tempo a esta parte, talvez há cerca de ano ou dois, não sei precisar exactamente quando é que esta questão começou, o Governo Português notificou o Governo Suíço, por ter sido alertado para o facto de escórias de alumínio estarem a entrar no País sobre outra designação, sem que tivesse havido uma informação expressa do Governo relativamente à possibilidade de esses resíduos puderem ser tratados convenientemente em Portugal, o que não era o caso.

Durante bastante tempo, houve um «adormecimento» por parte das autoridades suiças nesta matéria. Porém, há dois ou três meses atrás insistimos e promoveu-se, em Abril ou Maio, uma série de contactos por parte da delegação portuguesa, que esteve oficialmente na Suíça, junto do

Ministério dos Negócios Estrangeiros suíço, precisamente no sentido de chamar a Suiça às suas responsabilidades.

Posteriormente, contactei a Ministra do Ambiente da Suíça, recordando-lhe a promessa oficial que tinha sido

feita, por parte da Suíça, de dar uma resposta ou uma informação sobre quais as reais intenções; mais tarde, há cerca de um mês e tal, o Ministro dos Negócios Estrangeiros português estabeleceu contactos com o Ministro dos Negócios Estrangeiros suíço, confrontando-o com esta responsabilidade. Por parte do Governo Suíço foi dito que, dentro de um mês — prazo que está a terminar agora—, haveria uma informação sobre a sua posição oficial nesta matéria.

Por outro lado, estabeleci alguns contactos com parlamentares portugueses no Parlamento Europeu. Escrevi ao Comissário do Ambiente — e, há cerca de um mês, falei com ele pessoalmente—, alertando-o para esta situação, de forma que a Comissão Europeia tentasse, uma vez que a Suíça tenta celebrar acordos com a Comunidade Europeia, pressionar e condicionar esses acordos ao bom comportamento da Suíça nesta matéria.

Soubemos que, hoje mesmo, o director-geral da Comissão contactou o Ministério do Ambiente suíço, no sentido de lhe pedir explicações sobre esta questão.

Ontem, fomos informados pelo Governo Suíço que o assunto tinha sido, pela primeira vez, tratado pelo Governo Federal, que designou uma delegação para poder negociar esta questão com o Governo Português.

Creio que esta atitude representa uma mudança em relação à posição assumida, há uns meses atrás, pelo Governo Suíço. Todavia, não desistiremos de usar todas as formas de pressão, quer a nível bilateral quer multilateral, de forma a que esta questão possa ser resolvida.

Relativamente à questão das centrais nucleares espanholas, ela já foi referida há pouco.

Um outro Sr. Deputado levantou a questão relativa ao plano hidrológico. Nesse domínio, estão em curso contactos com Espanha; entre hoje e amanhã, está a decorrer uma reunião da Comissão Mista Luso-Espanhola para discussão dessas matérias e não tenho ainda resultados dessa reunião.

Ainda nesse domínio, houve contactos recentes entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Governo Espanhol, que nos informou que nada iria ser feito sem consulta prévia a Portugal.

A nossa proposta, apresentada na reunião que está a decorrer — e que irá ser também apresentada a outro nível — , é no sentido de que o planeamento e gestão de rios e bacias internacionais sejam feitos em conjunto.

Gostaria ainda de referir que estabeleci contactos com a Comunidade Europeia no sentido de que os planos espanhóis com incidências em Portugal sejam avaliados também nessa perspectiva.

Em relação aos estudos de impacte ambiental sobre vias de comunicação, naturalmente existe legislação que refere quais os projectos que devem ou não ser objecto desse tipo de estudos. É claro que alguns desses projectos, aqueles que já existiam antes da directiva comunitária, não necessitam, por lei, desses estudos.

Para além dos estudos que o Sr. Deputado referiu, que eram feitos por outras instâncias e entidades, existe sempre a intervenção de uma comissão para avaliação, feita por parte do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, através de um inquérito público. E como a comissão de avaliação é nomeada, normalmente, no âmbito do Ministério do Ambiente, também aqui existe a nossa intervenção.

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0 Sr. Deputado António Morgado fez-me uma pergunta sobre a questão da Cova da Beira. Essa é uma questão controversa, tão controversa que até hoje ainda não houve uma decisão explícita sobre ela. Confesso que não tenho certezas em relação a esta barragem.

Recentemente, estivemos em contacto com o Ministério da Agricultura no sentido de fazer um ponto da situação sobre esta questão e é nisto que estamos.

Sobre os prejuízos provocados por lobos e do javalis...

O Sr. José Sócrates (PS): — Peço desculpa por a interromper, Sr." Ministra, mas acontece que a Cova da Beira é do meu distrito e, por isso, tenho muito interesse nessa informação.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território disse-nos, numa comissão, que a Sr.° Ministra teria incluído a barragem do Sabugal — não sei se é disso que estão a falar mas presumo que sim — no Quadro Comunitário de Apoio. Isso foi o que nos disse o Sr. Ministro e a Sr.° Ministra acabou de dizer que não tem certezas. Então, está ou não está no Quadro Comunitário de Apoio? Está ou não está englobada neste projecto?

A Oradora: — Sr. Deputado, existem verbas que poderão ser afectas ao início desse projecto...

O Sr. José Sócrates (PS): — Portanto, não está tomada qualquer decisão.

A Orador: — Não tenho qualquer decisão tomada, no âmbito do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, sobre se se deve ou não iniciar imediatamente essa obra. Se for decidido, de acordo com o que está a ser avaliado, que essa obra deve ser iniciada, dispomos de recursos para a iniciar.

Embota haja recursos, não queria partiT para uma coisa destas sem^ter a certeza absoluta.

O Sr. José Sócrates (PS): —óptimo! O que é preciso é sabermos, com certeza, se no próximo ano não avança nem vai ser tomada qualquer decisão. Só depois.

A Oradora: — Não, Sr. Deputado, o que lhe estou a dizer é que não foi tomada qualquer decisão até agora.

O Sr. José Sócrates (PS): — A Sr." Ministra continua com dúvidas.

A Oradora: — Não lhe estou a dizer que, para o ano, não será tomada qualquer decisão. Não é isso que lhe estou a dizer! Estou a dizer que, até agora, não houve qualquer tomada de decisão e que considero que existe necessidade de avaliar ainda, com o Ministério da Agricultura, esse projecto.

O Sr. José Sócrates (PS): — Então, teremos de pedir explicações ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, não é assim?

A Oradora: — Não, o Sr. Ministro do Planeamento não lhe disse...

O Sr. José Sócrates (PS): — Disse-nos o contrário do que a Sr.° Ministra acabou aqui de dizer.

A Oradora: — Não, Sr. Deputado...

O Sr. José Sócrates (PS): — Disse, disse!

A Oradora: — Com isto não vou continuar esta discussão, mas o que o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território disse é que havia verbas e eu confirmo-lhe que as há, para o caso de ser necessário dar início a essa barragem.

O Sr. José Sócrates (PS): — Não, não, disse outra coisa, peço desculpa, e disse-o a um jornal, está escrito! Disse que a Sr." Ministra tomou a decisão.

A Oradora: — O Sr. Deputado António Morgado falou-me também na questão dos danos provocados por lobos e do javalis. Penso que já foram feitos alguns pagamentos em relação a esses danos, mas também me parece que existe a necessidade de clarificar um pouco as regras, de forma a poder controlar á veracidade da atribuição, ao lobo e ao javali, de determinados acidentes e sobre os quais não há bem a certeza de uma atribuição certa.

Em resumo: algumas verbas já foram pagas e existe a intenção de dar cumprimento àquilo que está consignado.

O Sr. Deputado Gameiro dos Santos perguntou-me sobre a «fatia» do Fundo de Coesão. O Fundo de Coesão, atribuído ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, é de 160 milhões de contos para o próximo Quadro Comunitário de Apoio.

Os projectos com maior envergadura que irão ser financiados por estes fundos são, justamente, os de abastecimento de água e saneamento nas grandes concentrações urbanas, conforme está descrito no PDR, e também alguns projectos relacionados com resíduos sólidos.

Ó Sr. Deputado também perguntou se as autarquias podem ou não candidatar-se a estes fundos. A nossa ideia é que as autarquias possam integrar projectos intermunicipais (mais do que uma autarquia), que, pela sua dimensão, justamente porque congregam várias autarquias, possam ser beneficiários destes fundos comunitários.

Portanto, nessa medida, a regra é que as autarquias isoladamente não possam aceder a este tipo de fundos, porque se prevê que seja para programas e projectos de maior dimensão. Não é uma regra absoluta, mas é uma prioridade. De facto, as autarquias têm acesso ao FEDER e a outros fundos que venham a ser constituídos, mas a regra geral é que estes projectos sejam levados a cabo, sobretudo, através da associação de várias autarquias.

Em relação ao Ministério da Defesa Nacional e à sua concertação para a protecção da zona costeira, naturalmente que essa concertação existe. Existe, aliás, um programa chamado «Mar limpo» e ainda recentemente houve um exemplo, penso que bem sucedido, de resolução de um caso de modo muito eficiente, embora os meios de combate não dependam do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais mas, sim do Ministério da Defesa Nacional. Refiro-me a um navio que estava junto à costa, na zona Norte. Isto só para dizer que essa concertação existe.

Quanto ao rio Alviela — e aproveito para responder também ao Deputado José Sócrates —, o que está previsto é a construção de um segundo decantador e a finalização de uma rede de colectores, com cerca de 6 km, que permitirá a ligação à rede de tratamento das indústrias que ainda não estão ligadas. No fundo, é a terceira fase deste projecto, com uma verba prevista de cerca de 1,1 milhões de contos, cuja data de conclusão é 1994.

O Sr. José Sócrates (PS): — Em 1994, vamos todos tomar banho no Alviela!

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O Sr. Gameiro dos Santos (PS): — E as margens e o leito? Fica tudo na mesma?

A Oradora: — As margens serão inscritas noutro programa e há verbas não fechadas que poderão ser afectas, eventualmente, a esse tipo de intervenção, mas de acordo com as prioridadas que vierem a ser encontradas.

No que diz respeito ao rio Trancão, também existem verbas. Certamente, o Sr. Deputado considera-as exíguas, porque são verbas que estão previstas no âmbito do Fundo de Coesão.

Não quero perder tempo à procura desses dados, mas já se candidataram ao Fundo de Coesão alguns troços de projectos relacionados com a despoluição do rio Trancão e existe também uma proposta da ETAR de Frielas, que está também em vias de se candidatar, só que estas são verbas cuja contrapartida está na autarquia e, portanto, não aparecem aqui. Mas em relação à estação de Frielas, pensa-se num montante de 5 ou 6 milhões de contos.

Em relação ao plano hidrológico espanhol, já falei nele.

O Sr. Deputado Fialho Anastácio falou em vários projectos relacionados com o Algarve. No que diz respeito ao Funcho, estão em conclusão acções de impermeabilização e está a avançar-se no projecto adutor Funcho/ Alcantarilha, estando já aprovado este troço de projecto no Fundo de Coesão. A ETA de Tavira está em execução e quanto à ria Formosa vai ser estudada a modalidade de desassoreamento, porque se trata de uma verba avultada e requer estudos mais afinados.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): — Qual a previsão sobre a conclusão da obra de Odeleite/Beliche?

A Oradora: — Sr. Deputado, não tenho aqui a previsão da data. Os dados que tenho são apenas sobre as verbas que estão inscritas, mas poderei dar-lha depois.

Em relação a outros projectos no Algarve, vou pedir ao Sr. Secretário de Estado que refira alguns, que dizem respeito à ria Formosa, à Reserva de Castro Marim e a Vila Real de Santo António.

Quanto à barragem de São Brás de Alportel, julgo que ainda não estão previstas as verbas específicas para ela. Como sabe, há muitos investimentos que estão em curso e, neste momento, este não está ainda em fase de poder avançar imediatamente.

O Sr. Deputado António Campos falou sobre a questão de um plano hidrológico e de aproveitamento hídrico no País. Como sabe, foi recentemente aprovada legislação sobre planeamento que prevê a elaboração de planos de bacias hidrológicas e um plano nacional da água. Estamos, portanto, a trabalhar nisso.

Está também em curso, neste momento, a instalação de unidades de planeamento pelas principais bacias, que a legislação prevê, e, embora exista saber acumulado na Administração relativamente à situação dos recursos hídricos, penso que a existência de planos participados, através de todos os utilizadores potenciais desses recursos, devem ser elaborados. Mas também a participação, neste caso, dos concelhos da CIA me parece que será extremamente importante para conseguirmos planos realistas e correspondam, de facto, às necessidades intersectoriais que o recurso hídrico envoYve.

Não considero que o regadio seja uma condição suficiente para a fixação das populações. Existem muitas situações —: e o Sr. Deputado saberá isso muito, melhor do que eu — em que os regadios existem mas as pessoas não estão lá...

O Sr. José Sócrates (PS): — Se não tiverem os regadios, pior será!

O Sr. António Campos (PS): — Sr." Ministra, dá-me licença?

A Oradora: — Faça favor.

O Sr. António Campos (PS): — Reconheço que houve muitos erros no que se refere aos regadios. Porém, os melhores solos de Portugal não estão irrigados e a grande opção, neste momento, é a da qualidade dos solos.

Chamo-lhe a atenção, por exemplo, para o vale do Vouga. Se fizer o plano do vale do Vouga, não tenha dúvidas que fixa lá as pessoas; mas se fizer o de algumas zonas do Alentejo, vai ter dificuldade, porque as zonas de produção são diferentes. Portanto, a grande opção é a qualidade dos solos.

A Oradora: — Sr. Deputado, gostaria de dizer-lhe que temos tido contactos com o Ministério da Agricultura no sentido de acertar este tipo de prioridades. Reconheço que esse acerto e essa planificação são indispensáveis, não tenho qualquer dúvida sobre isso.

O Sr. Deputado disse: «Quando é que é possível começar a sonhar?» Julgo que o que é preciso é parar de sonhar e, talvez, concentrarmo-nos um pouco mais no terreno.

Quanto à empresa pública de caça, devo dizer que é uma iniciativa do Ministério da Agricultura...

O Sr. António Campos (PS): — É ridícula!

A Oradora: — Mas, como o Sr. Deputado referiu, a questão da caça, no âmbito das áreas protegidas, está regulamentada e, portanto, a protecção está, de certo modo, assegurada.

Sobre o Baixo Mondego, peço ao Sr. Secretário de Estado que lhe responda, porque ele esteve lá e poderá, talvez, informar melhor do que eu sobre essa situação.

Não quero fazer perder tempo, uma vez que ele irá responder, mas julgo que este é um caso de se fazerem obras sem estar, depois, assegurada a forma de gestão do empreendimento. Acho que devemos fazer ao contrário. Sei que há problemas com a construção de bombagens, estamos a atender a isso prioritariamente, mas o problema é muito mais vasto, a meu ver. Já falamos várias vezes sobre isso, a como é que sai o hectare de arroz produzido naquela zona, e não sei se, alguma vez, seria justificável o investimento que já lá se fez. Mas, enfim, não quero entrar por aí.

O Sr. António Campos (PS): — Também a acompanho nisso, mas fizeram a obra!

A Oradora: — O Sr. Deputado referiu aqui a questão da defesa do ambiente e a necessidade de um delegado concelhio. Confesso que não percebi rigorosamente nada daquilo que me perguntou, porque, certamente, a ideia não era ter um delegado em cada concelho. Onde é que íamos parar? Depois, tínhamos um em cada junta de freguesia... Acho que não percebi a sua pergunta, porque aquilo que percebi não pode ter sido certamente o que me perguntou.

O Sr. António Campos (PS): — Sr." Ministra, questionei-a sobre o que vi num decreto-lei, que são as funções do delegado de saúde. Como não há lá um engenheiro do ambiente, pergunto por que é que põem aquilo em diplomas.

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Mas se for ver o diploma que gere a questão do veterinário municipal, verifica que ele também tem esses poderes e não percebo como é que o Estado não é capaz de articular uma função, a nível local, entre o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais — o delegado de saúde tem também a ver com isto, pois o ambiente está ligado à

saúde e, portanto, também tem a ver...

A Oradora: — Sr. Deputado, julgo que isso tem a ver, muito provavelmente, com a questão da qualidade das águas. Deve ser isso! Existem competências discriminadas entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais em matéria de fiscalização e inspecção e, portanto, há uma articulação entre os serviços.

O Sr. António Campos (PS): — Isso era óptimo!

A Oradora: — Mas há! Naturalmente, poderia ser melhor, mas há.

O Sr. António Campos (PS): — Vejo competências para todos os ministérios e depois ninguém cumpre!

A Oradora: — Sr. Deputado, a solução não é arranjar delegados de todos os ministérios em cada concelho. Por amor de Deus, não é isso com certeza.

Sr. Deputado Olinto Ravara, em relação às tecnologias limpas, existem regras de licenciamento que asseguram que certas empresas e indústrias não possam instalar-se sem que determinados requisitos estejam cumpridos. Existe uma acção de fiscalização e as próprias câmaras têm uma palavra a dizer sobre a localização das empresas. Existem estudos de impacte ambiental, enfim, existe um conjunto de regulamentos e precauções, que a lei determina, que faz com que estas questões possam vir a ser acauteladas.

Em relação à capacidade das empresas se poderem ou não renovar e, sobretudo, como disse o Sr. Deputado José Sócrates, numa época de crise e dificuldade financeira, gostaria de dizer que, por exemplo, as empresas novas têm obrigação de fazer, nos seus cálculos, a avaliação da sua capacidade e, portanto, quem não tem competência não se estabelece. Ou seja, quem avalia que não pode dar cumpri-mentro àquilo que a lei exige, é melhor não se estabelecer. Em relação às novas indústrias, os licenciamentos só são feitos quando elas fazem prova de poder cumprir e quando os seus processos de produção são compatíveis com a legislação.

No que diz respeito às empresas já instaladas — e esse é o problema, essa é a zona sobre a qual incide o esforço de incentivos financeiros —, estão previstos, por um lado, alguns tempos de adaptação, como foi o caso de alguns acordo sectoriais que a Administração tem feito com o sector empresaria], e, por outro lado, existe um programa de apoio, quer através do Ministério da Indústria e Energia quer através do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, para estes projectos, com um valor significativo do ponto de vista financeiro.

Naturalmente que os valores que estão aqui referidos, em matéria de financiamento, correspondem à parte de comparticipação da administração central, porque 25 % do investimento é co-financiado e desses 25 % apenas uma parte constitui a iniciativa da administração central, sendo o resto proveniente de fundos comunitários e o grosso do investimento vem das empresas.

Penso que uma verba avultada, cerca de 50 milhões de contos, não é, de forma alguma, tão insignificante como

isso e, naturalmente, que não podemos imaginar que ela não vá ser suficiente.

Tive a curiosidade de ver o que é que se tinha discutido no ano passado e tenho a ideia de que o Sr. Deputado José Sócrates afirmou que seriam necessários cerca de 5

milhões de contos, ou qualquer coisa deste género, para projectos de despoluição. Bom, essa verba existe e é dessa ordem de grandeza, mas...

O Sr. José Sócratas (PS): — Não! Eu posso explicar--lhe!

A Oradora: — Explica-me noutra ocasião.

O Sr. José Sócrates (PS): — Foi uma proposta de alteração ao Orçamento para começar um programa.

A Oradora: — Sr. Deputado, o senhor referiu que eu tenho de explicar ao País os investimentos da Administração, desde 1985, e como não descriminou, presumi que fossem todos, mas não sei será possível...

Tenho dado explicações, mas o Sr. Deputado, depois, volta a fazer-me a mesma pergunta e eu volto a responder-lhe!...

O Sr. José Sócrates (PS): — Até que o País ouça e não vote em vocês!

A Oradora: — Bom, eu não sei quem é que não ouve: não sei se é o País...

O Sr. José Sócrates (PS): — Se o País ouvisse!...

A Oradora: —... se o Sr. Deputado, que não quer ouvir!

Relativamente ao saneamento da costa do Estoril, disse-lhe, na Comissão, que também concordava e que muitas coisas tinham corrido mal. Aliás, recordo que a decisão de iniciar esta obra e o cálculo que foi feito relativamente ao montante que se considerava necessário, é de 1985, num governo em que o PS tinha responsabilidades nesta matéria.

Vozes do PS: — Essa é boa...!

A Oradora: —É boa, sim!

Depois disso, houve responsabilidades de governos PSD, que tomaram este processo, já mal iniciado, mas, seja como for, não quero afastar responsabilidades deste projecto.

Na verdade, as coisas correram mal, a fórmula institucional não esteve suficientemente garantida, as verbas não estavam suficientemente calculadas e, portanto, tudo isto se arrastou lamentavelmente, como já lhe disse na reunião da Comissão, no Plenário e volto a repetir-lhe hoje, e se me continuar a perguntar dir-lhe-ei sempre a mesma coisa!

O Sr. José Sócrates (PS): — Eu não estou a perguntar mas, sim, a afirmar! A Sr.* Ministra vai ouvir isso mais vezes até que o País ouça!

A Oradora: — Então, se é uma afirmação, não vale a pena responder-lhe.

O Sr. José Sócrates (PS); — É que eu disse isso aos seus colegas, tantas vezes!

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A Oradora: — Não tenho a menor dúvida disso, pois se

nas ú)úmas três semanas eu já ouvi isso três .vezes, então,

imagino que se estiver cá mais tempo, ouvirei muitas mais!... Mas eu ouço com toda a paciência institucional, digamos assim, e responder-lhe-ei sempre que me questionar.

Relativamente ao Plano Nacional de Resíduos Tóxicos, como sabe, as coisas também foram feitas mal, porque se organizou tudo menos o essencial, ou seja, a sua localização e era por aí que devíamos ter começado.

Então, neste momento, temos o problema da localização, da sensibilização e da informação, que terão de ser atendidos agora...

O Sr. José Sócrates (PS): — Eu já disse isso tantas vezes!

A Oradora: — Sr. Deputado, mantê-lo-ei informado de todos os passos que formos dando relativamente a esta questão.

Sobre o rio Ave posso dizer-lhe que estão em curso os investimentos que estavam previstos, através dos contratos programa, e existem três estações de tratamento que foram candidatadas ao Fundo de Coesão, em Abril, no valor de 4500 milhões de contos, que foram aprovados.

Neste momento, o contrato está em fase de revisão e estão previstas outras obras, nomeadamente a de três sistemas interceptores e de um sistema de tratamento de lamas, que serão objecto de candidatura.

Em todo o caso, a obrigação da administração central fixou-se em 1,5 milhões de contos e haverá a possibilidade de canalização de fundos comunitários para estes projectos, com as contrapartidas que esses municípios encontrarem.

Sobre a questão de as câmaras ficarem de lado em relação aos fundos comunitários, penso que já respondi, e os fundos comunitários vão para projectos que envolvem as câmaras e que respeitam a responsabilidades destas como, por exemplo, o saneamento e o abastecimento de água.

O Sr. José Sócrates (PS): — São empresas públicas que vão gerir esses fundos?

A Oradora: — Sr. Deputado, as empresas públicas vão gerir sistemas relativamente aos quais todas as câmaras envolvidas — muitas delas são socialistas — subscreveram protocolos de adesão...

O Sr. José Sócrates (PS): — Não têm alternativa!

A Oradora: — Por isso, pergunte aos presidentes das câmaras se estão ou não estão de acordo com este sistema. É que ninguém as obrigou e, inclusive, parecia até que toda a gente...

O Sr. José Sócrates (PS): — Ah, pois!

A Oradora: — Sr. Deputado, o facto de o senhor estar sempre a interromper não permite que eu dê o esclarecimento que pretende obter da minha parte.

O Sr. Presidente (Olintq Ravara): — Sr.a Ministra, desculpe-me interrompê-la mas o Sr. Ministro da Justiça já está lá fora, para começar a sessão que está programada, pelo que peço o especial favor aos Srs. Deputados de, sem pretender acabar com o debate, não entrarem em diálogo com a Sr." Ministra.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da

Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): — Sr." Ministra, muito obrigado pelas respostas que lhe foi possível dar às minhas perguntas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Ministério do Ambiente é um dos mais importantes, bem como o departamento da Cultura. Ora, o tipo de calendarização para o debate do Orçamento do Estado, que é um debate eminentemente político e não apenas uma discussão de números, de verbas, carece de outro tipo de organização, pelo que esperamos que o que se passou este ano não volte a repetir-se, pois não é possível obrigar um ministro a estar aqui duas ou três horas a responder apressadamente a múltiplas questões nem obrigar os Deputados, que pretendem esclarecimentos às suas dúvidas, a ficarem a meio, sem possibilidade de debaterem os problemas com profundidade.

De qualquer maneira, agradeço à Sr." Ministra a boa vontade que manifestou e colocarei outras questões noutra sede parlamentar.

Acrescento ainda que a forma como se tem desenrolado este debate sobre o Orçamento do Estado tem de ser revista, pois todos estamos preocupados com o modo como a discussão na especialidade tem decorrido.

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente (Olinto Ravara): — Sr." Ministra, pretende ainda acrescentar mais alguma coisa às respostas que deu?

A Sr.a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: — Sr. Presidente, dado que não disponho de mais tempo, não pretendo acrescentar mais nada.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está terminado o debate relativo ao orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, pelo que gostaria apenas de agradecer a presença da Sr.° Ministra e lembrar aos Srs. Deputados que nos reuniremos às 21 horas e 30 minutos, com a presença do Sr. Ministro da Justiça.

Está suspensa a reunião.

Eram 21 horas e 25 minutos.

Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Manuel dos Santos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos.

Eram 21 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, vamos prosseguir a nossa reunião com a apreciação, na especialidade, do orçamento do Ministério da Justiça, para o que contamos com a presença do Sr. Ministro da Justiça e do Sr. Secretário de Estado, que estarão disponíveis para responder às questões que os Srs. Deputados queiram colocar.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, como é sabido, houve esta tarde nesta Comissão, a propósito da vinda aqui do Sr. Ministro da Administração Interna, Dias Loureiro, um debate que acabou por ocupar o tempo que estava previsto para a discussão das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1994 no que respeita 30 Ministério da Administração Interna.

Tratou-se de um debate político muito importante para o prestígio desta Assembleia, na medida em que incidiu sobre a actuação, ontem, das forças policiais em frente ao Parlamento, aquando de uma manifestação de estudantes.

Como também é do vosso conhecimento, hoje houve outra manifestação de estudantes e acabou por ser recebida pelo Sr. Presidente da Assembleia da República uma delegação desses estudantes.

Porém, acontece que no Telejornal da RTP 1 foi noticiado que não poderia transmitir quaisquer imagens do que se linha passado no debate desta tarde por, e passo a citar, «a segurança da Assembleia ter desligado os cabos que permitiam o envio dessa mesma reportagem».

Ora, compreenderá V. Ex.a e todos os Srs. Deputados a gravidade desta imputação, que, partimos do princípio, é certa. Nesse sentido, requeiro à Mesa que, de imediato, suspendendo ou não a sessão, deixo isso ao seu critério, avise o Sr. Presidente da Assembleia da República para que este possa, no mais curto intervalo de tempo, se possível amanhã ou ainda esta noite, como entender, averiguar se existe ou não fundamento desta imputação, que é feita pela RTP 1 aos serviços de segurança da Assembleia. Trata-se de algo que, a meu ver, e certamente no de todos os Srs. Deputados presentes, abala profundamente o prestígio da Assembleia. Há que apurar se foram os serviços de segurança — inadvertidamente ou não, pois é isso que tem de ser averiguado — a desligar os cabos que permitem a transmissão para o exterior do que passa nesta Casa.

Assim, solicitava que fossem feitas estas diligências de imediato, para que, amanhã, pudéssemos saber o que se terá passado verdadeiramente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado José Vera Jardim, percebi perfeitamente o sentido da sua interpelação.

Presumo que o Sr. Deputado Rui Rio pretende também falar sobre este assunto. Tem, pois, a palavra.

O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Presidente, quero subscrever integralmente as palavras do Sr. Deputado José Vera Jardim, porquanto parece-me que se trata de uma situação extremamente grave, tanto mais que nem a SIC nem a TVI terão sido prejudicadas.

Portanto, a ser verdade aquilo que a RTP 1 noticiou, é muito grave. Entendo que não é preciso suspender esta reunião, mas solicito à Mesa da Comissão de Economia, Finanças e Plano — porque isso aconteceu durante a sua reunião — que leve o assunto ao conhecimento do Sr. Presidente da Assembleia da República para que se averigúe exactamente o que se passou, de forma a poderem ser atribuídas as devidas responsabilidades.

O Sr. Presidente: — Tem ainda a palavra a Sr.8 Deputada Odete Santos.

A Sr.1 Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, apoiamos inteiramente o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Vera Jardim.

Creio que agora consigo perceber o que encontrei nas escadarias do Palácio, quando, há instantes, depois de ter

saído, regressei à Assembleia. Vi realmente um cabo que estava desligado. Era, então, o cabo de um dos canais de televisão destinado a fazer a cobertura dos acontecimentos pelos respectivos jornalistas. É bom que se averigúe quem o desligou, se houve ou não intenção, porque, de qualquer forma, essa notícia, ao ser propagada, dá uma má imagem da Assembleia e, em minha opinião, temos de garantir que os jornalistas desenvolvam o seu trabalho, porque estão a exercer um dever e um direito, o dever de informar e o direito de informação.

Neste sentido, apoiamos inteiramente o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, ainda sobre o mesmo assunto, gostaria de solicitar à Mesa, sob a forma de adenda — e suponho que será perfeitamente compreensível —, que o que fosse aqui aprovado pudesse ser transmitido de imediato à RTP 1.

O Sr. Presidente: — Congratulo-me com o facto de este incidente, que precede a intervenção do Sr. Ministro da Justiça, ter merecido a unanimidade por parte de todos os grupos parlamentares aqui representados. Compreenderão, no entanto, que a altura em que a questão é colocada complica um pouco as diligências que poderei fazer, na medida em que não sei onde encontrar o Sr. Presidente da Assembleia da República. De qualquer forma, irei tentar encontrá-lo.

Por outro lado, julgo também haver consenso sobre a referência que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues acabou de fazer relativamente à comunicação que deverá ser feita à RTP 1.

No entanto, não vamos suspender a reunião para não prejudicar o debate, até porque está aqui o Sr. Ministro da Justiça e a sua equipa para nos prestarem esclarecimentos.

Dentro das regras habituais, irei dar a palavra ao Sr. Ministro e depois irei solicitar ao Sr. Secretário da Mesa desta Comissão, o Sr. Deputado Manuel Azevedo, para me substituir.

Para uma intervenção, tem então a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me uma primeira palavra para os cumprimentar e uma segunda mais extensa, embora com uma extensão controlada, para fazer uma primeira intervenção, colocando grande parte dos temas que, certamente, serão objecto de discussão entre nós, e depois ficarei à disposição de VV. Ex.05 para responder às questões que me queiram colocar.

Quando apresentamos o orçamento para o Ministério da Justiça, fazemo-lo na perspectiva da continuidade de um conjunto de programas e de uma política global que definimos para a justiça no início da actuação deste Governo, portanto, constante do respectivo Programa, permitindo-nos neste momento referir, com algum agrado, que não Viá motivos especiais para inflectir essa política, nomeadamente para definir o critério que objectivamente traçamos quanto à questão das prioridades.

Como os Srs. Deputados se recordam, dissemos no início que não adoptaríamos uma estratégia de prioridades, na medida em que nos parecia que era importante actuar horizontalmente em todos os sectores da justiça, substi-

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tuindo o espectáculo da grande realização pontual por uma intervenção, evidentemente, menos alardeante de sucessos aparentes, mas mais estruturada, quanto àquilo que era a consolidação de uma recuperação global do sistema de justiça português. É nesse caminho que nos mantemos, podendo agora, através das medidas estruturais que, entretanto, foram sendo adoptadas, começar a extrair resultados que cremos serem claramente visíveis.

Começaria pela parte dos tribunais, fazendo, como disse, uma exposição muito sintética, mais por tópicos do que por conteúdos extensos, sobre a intervenção que poderíamos desenvolver mais detalhadamente.

Como W. Ex." sabem, entrará em vigor, no princípio de Janeiro do próximo ano, o conjunto dos regulamentos e portarias que se sucederam à aprovação por esta Câmara das alterações à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e que vêm, na nossa perspectiva, introduzir a grande mudança que há muitos anos se aguardava nos tribunais portugueses. Esta lei que regulamenta a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais vem permitir, finalmente, uma racionalização em termos de técnicas de gestão de recursos e de meios que, tradicionalmente, não eram adoptadas no sistema judiciário português, permitindo, por isso mesmo, uma intervenção simultânea quer na organização dos tribunais no seu conjunto, quer na organização especializada de tribunais, quer na reorganização do funcionamento das próprias secretarias judiciais.

A partir de agora, como notas essenciais, encontramos em 27 grandes comarcas do País a especialização, que vai até ao seu limite, do mesmo modo que temos a previsão do funcionamento de tribunais auxiliares, a possibilidade de agregação de comarcas e de pôr em funcionamento os tribunais ao fim-de-semana e em dias feriados, para acudir a situações urgentes na área da justiça. Tudo isto compaginado com uma reorganização profunda de serviços na área das secretarias judiciais, que nos permite afirmar como objectivo a atingir — e não como promessa, pois nunca foi feita como tal —, que no prazo de um ano não haverá processos atrasados nas secretarias judiciais, em Portugal.

Quando o fizemos, não tivemos intenção de dizer uma boutade. Há uma projecção dos resultados que permite que esse seja o objectivo a atingir e é para esse objectivo que, denodadamente, vamos trabalhar.

Posso dizer-vos que temos encontrado, da parte da Ordem dos Advogados, o maior acolhimento a este conjunto de alterações, expressas publicamente pela intervenção do seu próprio bastonário, algumas dificuldades que, aqui ou ali, poderiam ter-se encontrado por parte de alguns sectores da magistratura, têm sido progressivamente superados e, neste momento, há um trabalho conjunto entre o Ministério e os conselhos superiores das magistraturas justamente no sentido de permitir uma eficaz entrada em funcionamento desta revolução judiciária que vamos introduzir por esta via.

Posso dizer-vos mesmo que o contacto que tem sido estabelecido com os magistrados, tribunal a tribunal, para garantir o pleno funcionamento da reforma a partir de Janeiro, levou a que, hoje mesmo, em Conselho de Ministros, aprovássemos uma ligeira alteração ao regulamento. Essa alteração refere-se apenas a uma melhor redistribuição dos processos nos tribunais criminais de Lisboa e do Porto; trata-se

de uma pura alteração de natureza formal, porque, em contacto com os magistrados e avaliando a situação, pormenor 3. çarotenor, concluímos que era importante uma ligeira alte-

ração para tomar ainda mais eficiente a reforma que, por esta via, vamos introduzir.

Diria, pois, que este é um marco decisivo para a

concretização dessa política e é evidente que era esta a altura oportuna para o fixar, já que para atingirmos os objectivos era necessário termos conseguido as condições, quer em termos de disponibilidade de recursos humanos, quer em termos de disponibilidade de meios técnicos, quer em termos de qualidade de instalações, que permitissem que esta não fosse uma legislação bem intencionada mas sem meios para poder produzir os seus efeitos. Pelo contrário, é uma legislação que surge no momento adequado, depois de se terem preparado, pelo menos, de forma aceitável, as bases que são o pressuposto para a sua eficácia.

Surge assim este conjunto de diplomas legislativos, enquadrado num outro conjunto aprovados e que entraram em vigor durante o ano de 1993, que agora se apresta para findar. Destacaria como principais, entre vários outros que não valerá a pena destacar aqui: a lei de combate à droga; a lei de recuperação de empresas e de falências; o diploma fundamental que vem rever o regime jurídico da adopção; o termo do quadro legislativo de previsão de apoio às vítimas de crimes violentos e a sua entrada em vigor; alguns diplomas essenciais no caminho da desburocratização, mas já de uma forma mais substantiva, como seja, o da abolição de escrituras na aquisição de casa tributária do crédito bancário, a intervenção no domínio da criação e entrada em funcionamento do notário pivot, a aprovação e a entrada em vigor da Lei Orgânica das Secretarias Judiciárias e Estatuto dos Funcionários de Justiça — este regulamento que acabei de referir —, uma alteração importante ao funcionamento do Centro de Estudos Judiciários, o diploma que vem rever o Estatuto

Jurídico dos Revisores Oficiais de Contas, e agora, muito recentemente, a aprovação de um diploma que vem prever, entre nós, a injunção de pagamento e, portanto, vem desburocratizar e muito a intervenção dos tribunais em determinado tipo de acções de valor relativamente baixo e que podem, por esta via, desburocratizada e desbu-rocratizante, vir a encontrar uma rapidez bastante maior no seu funcionamento.

Na sequência deste quadro e daquilo que foi a definição de uma política global de justiça, prevemos para o ano de 1994: a discussão e aprovação, aqui na Assembleia, do Código Penal. Posso adiantar que é propósito do Ministro da Justiça e do Governo enviá-lo à Assembleia da República para discussão, o mais tardar, durante o próximo mês de Janeiro, sendo pela nossa parte propósito também que durante esse período se reabra e alargue a discussão pública sobre este diploma tão essencial e que deve ser tributário de uma larga discussão e amplo debate, pois, ao contrário do que menos correctamente se disse, sempre foi propósito do Governo promover.

Prevemos ainda, na sequência da aprovação do Código Penal, que sejam feitas algumas alterações de natureza mais pontual, como também sempre foi dito por nós, ao Código do Processo Penal.

Relativamente à revisão do Código de Processo Civil, como os Srs. Deputados sabem, o Governo aguarda até ao final deste mês as respostas que lhe forem enviadas, a partir do debate alargado que se abriu sobre um anteprojecto de revisão do Código de Processo Civil, por um lado, e sobre um outro diploma da iniciativa do Governo, comportando linhas orientadoras da revisão desse Código, por outro. Aguardamos, neste momento, as respostas das variadíssimas instituições que contactámos para que,

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connosco, colaborassem na procura do mais alargado consenso possível nesta matéria, estando mesmo programado, ainda este mês de Dezembro, um outro seminário que, no fundo, seja também ele próprio expressão desse conjunto de respostas que, entretanto, nos sejam dirigidas.

Por outro lado, prevemos também para 1994, com intervenção da Assembleia da República, a aprovação da legislação relativa ao contencioso administrativo e à organização dos tribunais administrativos e fiscais. Estamos, neste momento, a trabalhar já sobre ante-projectos concluídos e também esperamos ter finalizado dentro de pouco tempo o projecto final, para que durante o ano de 1994 seja possível a sua discussão e aprovação.

Do mesmo modo, ultrapassadas as conhecidas vicissitudes, contamos também ter, no início do próximo ano e com a intervenção da Assembleia da República, aprovada a lei de combate à corrupção.

É evidente que outros diplomas serão aqui apresentados pelo Governo, no sentido da concretização e realização dos vários projectos e programas em que se consubstancia a política de justiça traçada pelo Governo. É importante que ela seja compaginada não apenas com este conjunto de alterações legislativas, mas também com vários outros diplomas, como seja, o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados, em discussão na Assembleia e aberto a um possível alargamento de matérias; o Estatuto dos Magistrados Judiciais, que aqui regressará para ser discutido e aprovado, e aquilo que eventualmente venha a decorrer do conjunto de acções e de aplicações que vêm tendo lugar já a partir deste quadro legislativo, que foi sendo traçado, nomeadamente no domínio da desburocratização, pelo que durante o ano de 1994 muitas mais iniciativas vos poderemos apresentar.

Mas para que esta política seja consequente e para que possamos falar de um conjunto alargado de prioridades e não de uma política de prioridades mínimas, é fundamental que ela seja acompanhada por outro tipo de acções, que constituíram, desde o início, propósito fundamental do Ministério da Justiça. Ora, um deles era a recuperação do parque judiciário.

É interessante verificar como, hoje, ainda se vai falando, e bem, de situações que são a demonstração daquilo que não deve ser um Palácio da Justiça ou uma instalação de funcionamento do serviço de justiça. Mas, felizmente, aquilo que era uma crítica global ao parque judiciário português passou a ser substituído por aquilo que são agora as criticas pontuais a exemplos concretos, demonstrativos do que ainda está por fazer.

Como é evidente, aceito a intervenção do Sr. Deputado que, no fundo, vem confirmar exactamente o que eu disse, até pelo próprio modo dubitativo como colocou a questão, já que V. Ex.a disse «a mercearia» e, depois, compreendeu que, como intervenção da oposição, referir apenas um caso era pouco e generalizou para «as mercearias». Como V. Ex." sabe trata-se, de facto, de uma «mercearia» e não das «mercearias», mas alguns outros estarão ainda pior do que essa «mercearia».

No entanto, estamos aqui nesta situação feliz, que é a de ser um membro do Governo a admitir, tranquilamente, que alguns ainda estão piores, porque tem a consciência também tranquila de reconhecer que muitos outros estão hoje imensamente melhores que antes. E V. Ex.M têm-no feito também, numa atitude que é sempre de elogiar, já que nos habituámos nestes debates a que haja sempre uma relação de grande seriedade, quer por parte do Governo quer por parte da oposição, sendo certo que, apesar de

tudo, uma reminiscência arqueológica da «mercearia» acaba ainda por dar algum enquadramento, que tem a ver com o lado humanista do funcionamento da justiça. Porém, gostaria que não caíssemos demasiadamente no domínio dos «hipermercados» judiciários e suponho que não é essa a posição do Partido Socialista. Portanto, é neste balanço entre o que é o espaço físico

e o que é exigência humanizada do seu funcionamento que vamos tentando encontrar justificação para as nossas posições políticas.

Diria, muito rapidamente — e peço a VV. Ex." que aceitem esta indicação apenas como informativa e não com qualquer outro intuito, nomeadamente o de propaganda, que sempre seria deslocado—, relativamente ao parque judiciário, que para lá de tudo aquilo que já está feito e dos 44 novos tribunais inaugurados nos últimos três anos, neste momento estão com projecto em fase de elaboração os palácios da justiça de Vila Franca do Campo, de Alfândega da Fé, da Amadora, de Ancião, do Cadaval, do Barreiro, de Cascais, de Vila Flor, de Condeixa, do Entroncamento, de Ferreira do Alentejo, de Fornos de Algodres, de Loures, de Palmela, de Mafra, de Meda, de Melgaço, de Mértola, de Ponte de Lima, de Portela, da Ribeira Grande, de Sabrosa, de Sátão, de Seia, de Vila Nova de Cerveira, da Vila do Porto, de Sintra, o Tribunal Judicial de Ílhavo, a Cidade Judiciária de Lisboa e Monsanto, as instalações do Conselho Superior da Magistratura, a ampliação e remodelação do Supremo Tribunal de Justiça, os Tribunais de Trabalho de Ponta Delgada e de Santiago do Cacém e a remodelação e beneficiação dos Palácios da Justiça de Olhão, de Santarém, do Cartaxo, de Guimarães e de Lagos.

Trata-se, portanto, em todos estes casos, não de intenções de intervenção mas de projectos técnicos em fase de elaboração.

Estão em construção, neste momento, os Palácios da Justiça de Cantanhede, de Castelo de Paiva, de Faro (o segundo edifício, que inclui os tribunais de trabalho e de círculo), do Funchal (também o segundo edifício, incluindo os tribunais de trabalho e de círculo), de Coimbra, de Monsanto, que está já numa primeira fase de intervenção, de Mação, da Moita, de Ourique, de Ponta do Sol, de Tábua, de Vila Nova de Gaia, de Braga, de Monchique, de Arraiolos, os Tribunais de Trabalho de Portalegre e de Gondomar, a remodelação e beneficiação dos Palácios da Justiça de Barcelos, de Bragança, de Esposende, de Leiria e de Vimioso, do Entroncamento, de Ferreira do Alentejo, de Mafra, de Sabrosa, de Seia, de Matosinhos, de São João da Madeira, do Seixal, do Fundão, de Loulé, de Coruche, o Tribunal Judicial da Marinha Grande e a ampliação e remodelação dos tribunais de Almada, de Fafe, de Viseu, de Vila Franca de Xira e de Viana do Castelo, os Palácios da Justiça de Vila Real de Santo António, de Arouca, de Portimão, de Murça, de Fornos de Algodres.

Com obras a concluir a breve trecho temos os Palácios de Justiça de Cantanhede, de Castelo de Paiva, de Faro, do Funchal, de Mação, da Moita, de Ourique, de Ponta do Sol, de Tábua, de Braga, de Monchique, de Arraiolos, de Gondomar, de Águeda, de Barcelos, de Bragança, de Esposende, de Leiria, do Vimioso, da Marinha Grande, de Almada, de Fafe, de Viseu, de Vila Franca de Xira e de Viana do Castelo.

Como vêem, Srs. Deputados, apenas a título informativo, é tranquilizador, nesta altura, não a situação actual do parque judiciário português mas a sua situação num futuro muito próximo. Prometemos que o recuperaríamos na

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globalidade e ele estará nessa situação a breve trecho. Trata-se de uma acção que todos reconhecemos ser importante e que não deixará, com certeza, de ser aceite a crédito do Governo.

Um outro plano para nós também essencial é o que se prende com o acesso ao direito. Esta tem sido uma matéria recorrente, que nos preocupa a todos e relativamente à qual há ainda um caminho longo a percorrer, embora também alguns passos decisivos tenham sido já dados.

Referiria a título de exemplo — com certeza, voltaremos a este tema —, por um lado, aquilo que significa a consulta jurídica gratuita e o projecto que o Governo adoptou, isto é, pegar no que, em princípio, tinha estagnado à volta dos dois gabinetes de consulta jurídica de Lisboa e do Porto, e lançar um projecto de expansão e de cobertura territorial de todo o País.

Temos, neste momento, já em funcionamento nove gabinetes de consulta jurídica gratuita, estão mais quatro em situação de instalação a muito breve trecho e o projecto continua a ser o de cobertura total do País. Posso dizer-lhes que, por parte do Ministério da Justiça, há condições para instalar e para dar apoio a todos os gabinetes de consulta jurídica gratuita.

Entendemos que este é um projecto bipartido ou tripartido, sempre bipartido entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados, por vezes tripartido entre o Ministério da Justiça, a Ordem dos Advogados e a autarquia local. Neste aspecto, os casos em que não tem havido a intervenção da autarquia local não significa nem menor interesse da autarquia nem alteração àquilo que é a nossa filosofia, mas apenas situações em que é importante que a relação seja apenas bilateral entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados.

A este respeito refiro um caso recente, o de Ponta Delgada, por exemplo, em que, com o apoio do Ministério da Justiça, foi possível não apenas a instalação do Gabinete de Consulta Jurídica Gratuita de Ponta Delgada, mas também a própria instalação do conselho distrital da Ordem dos Advogados em Ponta Delgada. Conseguimos, portanto, ao mesmo tempo, atingir os dois objectivos e, nessa medida, estávamos já numa área de intervenção que escapava àquilo que seria a própria intervenção da autarquia. Mas, desde que haja a possibilidade de instalação também por parte da Ordem dos Advogados e por parte da autarquia, em várias aspectos, estamos em condições de, a muito breve trecho, responder ao projecto ambicioso mas de execução relativamente fácil, que é o de garantir a consulta jurídica gratuita em todo o País.

Posso dizer-vos, a título de informação, que durante o ano de 1993 e até há certa de um mês — ainda não temos os dados do último mês—, foram prestadas 15 000 consultas gratuitas, em números redondos, e foi feito um investimento, por parte do Ministério da Jusüça, em pagamentos de consultas, de cerca de 50 000 contos.

No domínio do apoio judiciário propriamente dito, o diploma que alterou as tabelas, há dois anos, veio permitir a interpretação autêntica do diploma que criava dificuldades nomeadamente às defesas oficiosas em processo penal e alguns passos importantes se deram.

A este respeito, posso dizer-vos que alguns atrasos de pagamento que surgiram ultimamente não resultavam de falta de financiamento disponível por parte do Ministério da Justiça, mas de dificuldades com alguns tribunais que, esgotado o plafond de que dispunham, não pediam atempadamente o respectivo reforço. Estava-se, portanto, numa situação desagradável a todos os títulos e para to-

das as partes: para os advogados, que não recebiam; para o tribunal, que dava a imagem de não ter disponibilidade; para o Governo, que podia também dar a imagem de não ter essa disponibilidade.

Essas situações foram ultrapassadas, pois tratava-se apenas de uma questão de circuito interno de informação. Agora, quando houver demora no pagamento, o que importa é que essa informação seja estimulada para que os reforços dos orçamentos dos respectivos tribunais sejam garantidos.

E porquê em termos de reforço? Porque, tratando-se este ano de 1993 do primeiro ano de aplicação total das tabelas, era importante termos uma primeira possibilidade de acompanhamento daquilo que, para cada um dos tribunais, significava a aplicação das novas tabelas e não estar a fazer uma previsão perfeitamente no vago, visto que não havia qualquer tipo de referência anterior para se saber qual era a verba que cada tribunal devia prever nos seus orçamentos para este tipo de pagamento.

Por outro lado, é necessário — e estamos a trabalhar nesse sentido, já que o Gabinete de Estudos e Planeamento está a desenvolver um estudo que, uma vez concluído, será tornado público e ficará imediatamente acessível à Assembleia da República — um estudo global sobre o apoio judiciário em Portugal. De facto, o apoio judiciário carece ainda de algumas melhorias, mas não temos a quantificação nem a noção exacta do que ele significa, não temos ainda, pela via da intervenção, por exemplo, do Ministério Público em matéria de direito laboral, para saber o que ela significa em termos também de apoio judiciário nesse sentido, não temos a própria quantificação estatística do número de defesas oficiosas e não temos mesmo a quantificação estatística do patrocínio judiciário em concreto. É importante que possamos fazer um estudo alargado que nos permita ter os números exactos para ficarmos, também aí, com a noção exacta do que significa o apoio judiciário em Portugal neste momento e, portanto, também por essa via, o acesso ao direito.

Por outro lado ainda, neste domínio, o desenvolvimento das acções do Programa Cidadão e Jusüça vai continuando a fazer — e bem — o seu caminho. Posso dizer-vos que, o ano passado, o número de chamadas telefónicas recebidas na Linha Recta rondou as 14 000 e que, este ano, já ultrapassou as 30 000. Trata-se de uma realidade já fixada e que já entrou no hábito dos nossos cidadãos.

Além disso, continua a proliferação da documentação e dos elementos que são distribuídos em vários locais, tendo sido ensaiado já este ano o primeiro contacto directo com o público nas ruas. Inicialmente, pareceu-nos que isso não devia ser feito, mas como nesta altura era importante testá-lo, fizemo-lo e com êxito. Vamos prosseguir nesse caminho, estando também previstas algumas acções de outra natureza, como sejam sessões pública de esclarecimento sobre o funcionamento dos vários sistemas e subsistemas de justiça.

Ainda no domínio do acesso ao direito, mas agora já não na perspectiva do acesso directo ao funcionamento da máquina nem no acesso da informação, mas no domínio da participação interna no funcionamento do próprio sistema de justiça, caminhámos também de forma interessante em alguns sectores, seja, por um lado, no apoio invisível do Ministério da Justiça ao sector da arbitragem e, sobretudo, à arbitragem do conflito de consumo, em Lisboa, em Coimbra, no Porto e no Vale do Ave e, por outro lado também, onde o concurso de várias vontades manifesta a intenção de vir a criar estruturas que possam funcionar de

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acordo com a intervenção da arbitragem, não como forma alternativa de justiça, mas como forma diversificada dela, numa visão mais alargada e menos estanque do sistema de justiça no seu conjunto, que comporta, enquanto mesmo sistema, diversificações de intervenção.

Temos assim a justiça do Estado, mais clássica, mais tradicional e este tipo de intervenção directa do cidadão na administração da justiça, o mesmo acontecendo nomeadamente no domínio das comissões de protecção de menores, 44 das quais se encontram já instaladas e em funcionamento, num processo que também prevê o preenchimento de todo o território e cujo sucesso progressivo e gradual, visto que se trata, também aqui, de uma revolução, embora de uma revolução tranquila e pouco expressiva aos olhos de quem está mais atento a intervenções espectaculares, se vai fazendo com segurança e tranquilidade. Trata-se de uma matéria que, como sabem, também envolve algum melindre, sendo por isso importante que a sua expansão se faça com atenção, com avaliações sucessivas, com as aproximações correctivas que cada situação venha a justificar. No entanto, não temos hoje nenhuma dúvida que o projecto está já consolidado e que a sua instalação em todo o País acontecerá, se quisermos fazer um cálculo um pouco grosseiro, com certeza, num prazo máximo de três anos. Se, num ano e pouco, temos 44 comissões de protecção de menores instaladas — e o seu número total será de 305 ou, pelo menos, o número total de concelhos —, é possível prever que, no prazo máximo de três anos teremos todo o País com as suas comissões de protecção de menores instaladas e a funcionar.

Não vou, com certeza, passar aqui em revista todas as áreas do Ministério da Justiça, mas ainda em tópico — e sempre em tópico — referirei mais duas ou três áreas essenciais e que também têm, por um lado, a progressão das melhorias que lhe foram sendo introduzidas, mas, ao mesmo tempo, também ainda alguma preocupação, que é conhecida de todos.

No domínio da investigação criminal, independentemente das visíveis melhorias de articulação que um sistema complexo como o nosso, mas correcto, tem sempre de suscitar-nos, há intervenções importantes em áreas que ainda há pouco tempo eram consideradas críticas.

Recordo, por exemplo, o que se passou tanto nos debates que aqui fizemos como recorrentemente na comunicação social, quanto às deficientíssimas condições, quer de instalação, quer de trabalho, quer de pessoal do DIAP de Lisboa e dos Tribunais de Instrução Criminal do Porto.

Como os Srs. Deputados terão tido já a ocasião ver

— ou como terão ocasião de fazê-lo, no caso de ainda o não terem feito—, quer o DIAP quer o TIC de Lisboa encontram-se hoje instalados num edifício magnífico, construído exactamente para esse efeito, com condições técnicas excelentes e com quadros de pessoal dimensionados para as exigências dos respectivos serviços.

Trata-se de uma recuperação espectacular, visto que

— e certamente todos se lembrarão disso — ainda em Julho passado se dizia que havia 100000 processos parados no DIAP em Lisboa e neste momento há menos de 50 000. Isto significa que, em três meses, se recuperou mais de metade do conjunto de processos que estavam atrasados e significa também que todo o conjunto de medidas que foram adoptadas permitem a resposta adequada às preocupações existentes neste tipo de intervenção.

Por outro lado, também as melhorias que vêm sendo introduzidas na dotação de equipamentos e pessoal da Polícia Judiciária vêm permitir este reforço de qualidade.

Refiro, por exemplo, o que, em geral, foi feito na globalidade da Polícia Judiciária e, muito particularmente, a reestruturação do departamento que se dirige ao combate à droga. Os resultados estão à vista e eu aproveitava a ocasião para fazer um pequeno esclarecimento relativamente a uma notícia que foi, há dois dias, publicada nos jornais portugueses. Sei que os Srs. Deputados estão dentro destes assuntos e entendem o que quis dizer. Como é

óbvio, não disse que já não entrava droga em Portugal. Aquilo que disse — e vinha dito como devia ser, só que a interpretação podia ser errada — foi que Portugal não era, neste momento, uma rota da droga, o que é uma coisa diferente. Por isso, o nosso país não é uma porta privilegiada de entrada, embora se tivesse pensado que seria e houvessem estratégias para que o fosse. Neste momento não é — e não temos garantias de que um dia não volte a ser — rota de entrada estratégica definida. Isto não quer dizer, evidentemente, que não continua a entrar droga em Portugal.

Infelizmente, continua, mas, felizmente, já não entra como sendo uma rota privilegiada de entrada, visto que o conjunto das acções desenvolvidas não apenas pela Polícia Judiciária mas, em grande parte, pela Polícia Judiciária e coordenadas por ela, permitiram dar a garantia de que por aqui não vale a pena estabelecer rota de entrada, uma vez que o sucesso foi muito pequeno para aqueles que o tentaram fazer.

Estamos, neste momento, a trabalhar também no redimensionamento do departamento do combate à corrupção. Os Srs. Deputados sabem que se trata de um departamento que, na nossa perspectiva, está dependente do que vier a ser a aprovação da lei do combate à corrupção, mas nada impede que os trabalhos vão sendo desenvolvidos até termos depois a concomitância da publicação dos dois diplomas.

Posso dizer-vos que, nesta altura, foi já adquirido um edifício que permite a instalação imediata, em condições de grande qualidade, de todo este departamento da Polícia Judiciária, o que permitirá depois o reforço de meios humanos e técnicos, uns na decorrência da lei que venha a ser aprovada e outros no desenvolvimento das acções que já estão a ser implementadas neste momento.

Isto permite concluir que, no plano da investigação criminal, onde há ainda um caminho importante a percorrer, com aquilo que tem como cabeça ou como vértice o novo Código de Processo Penal e com o conjunto de diplomas de desenvolvimento que foram publicados, bem como com as acções de organização e de reorganização que pudemos fazer intervir, existe uma situação que nos permite ter, também aqui, um ganho de causa significativo.

É óbvio que, neste momento, temos de nos voltar para outro tipo de preocupações, como, por exemplo, a instalação do DIAP no Porto, que conhece uma situação, felizmente, não tão preocupante como era a de Lisboa mas que exige também uma intervenção urgente. Estamos a procurar instalações físicas para reproduzirmos, no Porto, a solução que adoptámos para Lisboa, existe uma instalação provisória que permite uma melhor intervenção durante esse tempo, mas, obviamente, não é essa a nossa pretensão absoluta.

De qualquer modo, também aqui, sem qualquer demagogia e com a tranquilidade e a serenidade com que temos acompanhado este processo, cremos que a melhoria é significativa, embora ainda distante do ideal pelo qual todos lutamos, como é evidente.

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Outro sector, onde a mesma seriedade impõe que se diga que muito tem sido feito, mas onde bastante preocupação existe ainda, é o do sistema prisional. Trata-se de Uma questão relativamente à qual, entendo que, necessariamente, tem de ser debatida entre nós não apenas aqui, nesta reunião, mas — até na linha do que já foi acordado por nós — no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Uma vez que hoje não temos apenas uma abordagem, do ponto de vista da política de justiça, para o sistema prisional, não temos apenas uma análise do que é, em concreto, o funcionamento do sistema prisional, temos de ser nós, a Europa, no seu conjunto, ou se quisermos, todo o mundo — mas talvez a Europa nos chegue —, a fazer uma reflexão acerca do modo de intervenção sobre o fenómeno da criminalidade na sua globalidade, fazendo incluir também nessa reflexão aquilo que pretendemos que seja o sistema prisional.

Neste âmbito, e aqui, sim, houve, necessariamente, uma inflexão de oportunidade, mas apenas de oportunidade, no programa definido pelo Ministério da Justiça para o sistema prisional.

Como os Srs. Deputados se recordarão, criámos um programa que intitulámos «Nova Vida na Vida Prisional», no qual confiamos, programa esse que tinha e tem como objectivo essencial o de caminhar no sentido de uma política de diversificação do próprio sistema prisional, designadamente de diversificação de espaços, de níveis de disciplina e de qualidades de intervenção, através da diversificação do próprio tipo de recluso.

Esse programa, obviamente, mantém-se — é essa a intenção do Ministério da Justiça —, simplesmente, em termos de oportunidade, o Ministério foi «atropelado» por um problema novo, que não era previsível, na quantidade em que se verificou, que é o da actual superlotação das prisões portuguesas. E esse problema não era previsível, porque, no fundo, a superlotação não resulta do aumento da criminalidade ou, melhor, resulta minimamente desse aumento. É importante que isso seja retido, isto é, não há uma relação de causa/efeito entre o aumento da criminalidade e o aumento significativo do número de reclusos, ela tem algum contributo, evidentemente, mas esse era previsível e, inclusivamente, está aquém da própria previsão.

Na verdade, o problema da superlotação resulta também de duas outras previsibilidades: a da maior rapidez de funcionamento dos tribunais judiciais em matéria de aplicação do direito penal e a da maior eficiência da Polícia Judiciária no combate à criminalidade. Aí, tenho de reconhecer que não fui tão optimista como costumo ser, pois não esperava que os resultados fossem tão bons, que, tão depressa, tanta qualidade acrescida pudesse chegar aos tribunais e à Polícia Judiciária e que, portanto, pela intervenção mais célere destes sectores, viéssemos a ter de receber um número maior de reclusos.

No entanto, e esta é uma questão que, no fundo, se prende muito mais-com-a nossa posição relativamente a uma política criminal, continuo a crer que ainda hoje se recorre exageradamente a penas de prisão, sobretudo a penas curtas de prisão.

De qualquer modo, essa questão será, porventura, objecto de um debate mais alargado que teremos aqui, aquando da discussão do Código Penal, relativamente ao qual não tenho qualquer dúvida de que, muito alargadamente, nesta Assembleia da República, será um debate despido de qualquer demagogia.

Como W. Ex." sabem, tem-se tentado fazer crer que vamos apresentar um Código Penal despenalizador tout court. Ora, todos sabem que isso não é verdade. Aliás, uma das grandes razões que justificaram a revisão do Código

Penal foi exactamente a de uma maior penalização de crimes mais graves, de crimes violentos, de crimes contra as pessoas.

Por isso, quando se fala de uma intervenção no sentido daquilo que, impropriamente, se pode chamar despenalização, porque nem nesses casos o será, está a falar-se, como é evidente, da pequena criminalidade e da média ou baixa criminalidade. Aí, o debate é realmente fundamental, para sabermos até que ponto vai a nossa visão relativamente à legitimação da intervenção punitiva do Estado e não para resolvermos o problema da superlotação das cadeias. É importante que isso fique claro, para não estigmatizar negativamente o futuro debate sobre o Código Penal, pois nunca um Código Penal será uma forma estratégica de resolver um problema técnico de superlotação de prisões. Mas uma coisa é isso e outra coisa é também essa causa estar na origem da superlotação, quando não deve estar nem enquanto causa, nem enquanto forma de resolução dos problemas da superlotação.

Em todo o caso, Srs. Deputados, houve um salto quantitativo enorme, pois tínhamos uma previsão que, no limite, rondaria os 9000 reclusos, a previsão inicial era de 8500, e temos, neste momento, cerca de 11 000 reclusos.

Isto impôs que fizéssemos uma paragem na evolução do programa Nova Vida na Vida Prisional, tal como ele estava concebido, para termos, neste âmbito, uma intervenção próxima de uma intervenção de crise.

Nessa medida, decidimos construir 19 novos pavilhões para reclusos em regime aberto, relativamente aos quais posso dizer-vos que já foram todos adjudicados e as suas construções estão para muito breve, pois está previsto para cada um deles um prazo de seis meses de construção.

Por outro lado, está para entrar em funcionamento, próximo do mês de Fevereiro, o novo Estabelecimento Prisional do Funchal, que passará a ser o estabelecimento de maior qualidade em todo o País.

Também por essa altura, porventura um mês depois, entrará em funcionamento o novo grande pavilhão de Santa Cruz do Bispo, que vai ser incorporado num dos melhores estabelecimentos prisionais que temos, o de Santa Cruz do Bispo, e é também a alternativa de pavilhões dessa natureza que estamos a projectar construir, em 1994, porventura em Pinheiro da Cruz e em Alcoentre, mas, relativamente a esses, ainda há, neste momento, uma indefinição quanto ao espaço concreto para a sua instalação.

Tudo isto conduziu a uma retracção, para já, quanto ao Estabelecimento Prisional do Algarve, por uma razão muito simples: é que o estabelecimento prisional do Algarve, no máximo, no limite, comportará 500 reclusos e, neste quadro, entendemos importante não proceder ao total investimento nem a uma carga de investimento de trabalho num estabelecimento que apenas reterá 500 reclusos.

Portanto, os Estabelecimentos Prisionais do Algarve, de Viseu, para a comunidade prisional jovem, e de São Fiel, para a comunidade prisional integrada, recuam nas prioridades, para podermos atacar com este outro tipo de intervenção tendente a resolver o problema da superlotação.

Simultaneamente, far-se-á o ajustamento ao sistema prisional de um ou outro estabelecimento de reeducação de menores, visto que nessa área, hoje, há uma opção por lares limitados no espaço e na sua contextura física, para aproximação de equipas de intervenção familiar, e não pela

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grande instituição, uma vez que a nossa perspectiva é exactamente a de largar a tese da institucionalização tradicional clássica pesada e caminhar para a diversificação de estrutura celular familiar.

É evidente que esta questão arrasta outro tipo de problemas, mas é óbvio que os Srs. Deputados, com certeza, não deixarão de os suscitar no período de perguntas e, portanto, fico-me por aqui quanto à análise dos problemas do sistema prisional. Se os Srs. Deputados, eventualmente, não os referirem, terei ocasião de o fazer.

Também no domínio dos registos e notariado, temos, hoje, claramente definida uma política de intervenção. Na sequência daquilo que, em termos de recuperação horizontal, vinha sendo feito, estamos agora numa fase de demonstração, de apresentação ou de visibilidade pública dessa recuperação.

Evidentemente, existe ainda uma outra fase de com-pletude de estudos quanto à intervenção mais radical, à reestruturação mais radical que tenha a ver directamente com os estatutos, mas há aspectos que são, claramente, inovadores e que começam a produzir os seus efeitos.

Já vos referi há pouco algumas intervenções legislativas e basta compulsar as estatísticas para ver a enorme recuperação que se tem verificado em vários sectores, desde o registo comercial ao registo predial e ao próprio notariado, quer em Lisboa, quer no Porto, e, portanto, em zonas que eram zonas de bloqueio. Embora ainda existam algumas situações de dificuldade, aquilo que se fez até agora permite, com optimismo, aceitá-las como recuperáveis a mais breve prazo.

Por outro lado, verifica-se também uma reestruturação enorme, que está já numa fase avançada de implantação, no que se refere à emissão descentralizada do bilhete de identidade.

Neste Verão, tivemos, uma vez mais, em Lisboa, o espectáculo pouco edificante das filas para o bilhete de identidade, mas temos a firme convicção de que este terá sido o último Verão com esse espectáculo.

De qualquer modo, este era também o último Verão negativo, porventura um dos mais negativos, uma vez que a reestruturação tinha de ser implementada gradualmente e era óbvio que na rectaguarda, neste caso, em Lisboa, estava prevista uma repercussão negativa.

Neste momento, e até ao fim deste ano, ou seja, dentro de dias, todos os distritos terão a emissão do bilhete de identidade descentralizada a nível do concelho capital de distrito, passando-se, então, à fase da descentralização a nível da globalidade do concelho. A expectativa, neste âmbito, é a de que no próximo ano, no Verão, em Lisboa, já tenhamos também, finalmente, regularizado a emissão do bilhete de identidade.

Como W. Ex.M sabem, não se trata de uma reforma de menor porte, visto que nos casos onde a descentralização já está a operar conseguimos que a espera pelo bilhete de identidade passasse de três meses para apenas três dias, o que é, de facto, uma modificação importante e significativa.

Outras áreas se seguirão, nomeadamente as que têm a ver com a maior rapidez com que também já está consolidado o sistema do registo nacional de pessoas colectivas, onde os atrasos já não se verificam, e também aquelas em que se verificam as recuperações mais notáveis, como, por exemplo, o registo comercial; no Porto, designadamente o registo comercial propriamente dito, conseguiu-se, como já se vinha conseguindo gradualmente, uma recuperação de cerca de seis meses para 8 a 15

dias, o que significa que o caminho que se tem seguido também é o caminho adequado.

Estamos agora em condições de colocar a grande questão que é a de saber se lubrificado o sistema e a funcionar, ele deve ou não ser alterado do ponto de vista estatutário.

Foram desenvolvidos estudos nesse sentido, que estão já numa fase avançada, o que permitirá que o ano de 1994 seja o ano das grandes opções neste domínio, opções essas que, obviamente, serão apresentadas a VV. Ex.", Srs. Deputados.

Finalmente, e independentemente de outros sectores, relativamente aos quais estarei disponível para trocar impressões com os Srs. Deputados, em 1994, operaremos também uma alteração na Lei Orgânica do Ministério da Justiça.

É importante alguma modificação na textura interna do Ministério e é exactamente porque queremos que ela aconteça que alguns departamentos vêm sendo reapreciados no seu funcionamento e na sua organização, para que, em 1994, possamos ter a reorganização global do Ministério da Justiça e, na decorrência dessa reorganização, a reorganização dos vários departamentos.

Em todo o caso, não deixo de chamar a atenção para o facto de o Ministério da Justiça ser aquele cuja reorganização interna é, porventura, a menos significativa, já que é no plano da reorganização externa que a acção deve ser conduzida.

Para terminar como comecei, lembro, uma vez mais, a reorganização dos tribunais, que não é, obviamente, uma reorganização interna do Ministério da Justiça, mas que, sendo da sua responsabilidade e da responsabilidade da sua tutela, é fundamental e surge como uma das pedras angulares da concretização da política de justiça que tive ocasião de apresentar aqui, há dois anos, e de ver sufragada com algum entusiasmo por todos vós e com um entusiasmo acrescido pela bancada que apoia o Governo.

O Sr. Presidente (Manuel Silva Azevedo): — Sr. Ministro da Justiça, muito obrigado pela sua intervenção minuciosa, como convém a uma discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado. Foi uma intervenção clara, como é seu timbre e como lhe é habitual.

Habitual também, depois das intervenções do Sr. Ministro, é o Sr. Deputado Alberto Costa interrogá-lo.

Tem a palavra, Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): — Sr. Presidente, também quero saudar o Sr. Ministro da Justiça e os Srs. Membros do Governo presentes, mas quero dizer que não é habitual eu contraditar o Sr. Ministro da Justiça nesta cerimónia. Aliás, parece-me que é apenas a segunda vez que o faço, embora seja a quarta vez — e quero sublinhar isso aqui —que o Sr. Ministro da Justiça traz boas noticias

à Assembleia da República, por esta ocasião.

Em anos anteriores, é habitual haver uma certa diferença de leituras acerca do estado da justiça. De um lado, há uma leitura preocupada, muito preocupada, da parte da oposição, de outro lado, há sempre uma leitura mais tranquilizante do estado da justiça. E utilizo este adjectivo, porque foi um dos que V. Ex.a utilizou em determinado momento.

Aproveitando esta oportunidade, também estava para apresentar, como intróito a esta troca de impressões, alguns traços conclusivos sobre o estado da justiça. No entanto, há POUCOS dias, para perplexidade minha, lí um texto

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de um membro da comissão política nacional do PSD com um diagnóstico sobre o estado da justiça de que, num minuto ou dois, gostaria de reproduzir algumas ideias não

porque concorde com todas elas mas até para fazer o seu contraponto. Faço questão de referi-lo para que não fique

a ideia de que o discurso Catastrofista OU negativista é monopólio da oposição, como frequentes vezes ouvimos

dizer nesta Casa.

Nesse texto do membro da Comissão Política Nacional do PSD diz-se o seguinte: «Os tribunais demoram um tempo infindável a decidir [...] A justiça que os tribunais nos dão, quando chega, vem tarde e geralmente já para pouco serve [...] As pessoas cujos direitos são agredidos começam a sentir a tentação de fazer justiça pelas próprias mãos, é o princípio da justiça pública que está já a ser posto em causa. As pessoas que contactam com os tribunais estão profundamente desagradadas [...] As partes já começam a não acreditar que o recurso aos tribunais sirva para alguma coisa. Os advogados já não sabem justificar a necessidade da sua intervenção e a utilidade da sua profissão. Os juízes estão assoberbados de processos e cansados de passar fins-de-semana e feriados a minutar despachos saneadores e sentenças. De muito má que já era, a situação da justiça tornou-se insustentável. Há conflitualidade dentro do sistema e acabam por opor-se magistrados a advogados, Polícia Judiciária a Ministério Público, Ministério a juízes e todos ao Ministro da Justiça [...] O aparelho da justiça não resistiu [...] O Ministro da Justiça, hoje, só manda nas instalações dos tribunais [...] A pulverização actual de poderes, a sua descoordenação e conflitualidade na prática impedem a definição e implementação de uma política de justiça que permita atacar com eficácia os grandes males que afectam os cidadãos.»

Creio que, nalguns aspectos, o artigo exagera e é injusto para com V. Ex.a e, por causa dele, não gostaria de, neste momento, fazer uma leitura negativa da realidade hoje existente em Portugal. Penso que se justifica um certo compasso de espera para que possamos apurar qual das leituras da realidade — esta é, a meu ver, muito injusta para com V. Ex." — prevalece na área política do Governo.

O meu juízo é distinto sobretudo em relação à afirmação de que o Ministro da Justiça, hoje, só manda nas instalações dos tribunais, porque baseia-se numa avaliação própria desta realidade em virtude de acreditar em V. Ex.a Em 1990, na Assembleia da República, o Sr. Ministro disse peremptoriamente: «Há hoje finalmente a possibilidade de definir e de traçar uma verdadeira política de justiça para Portugal.» Não creio que as condições institucionais se tenham alterado desde então até porque, em 1992, afirmou:

«Está concebida uma política de justiça para Portugal,

lançadas as suas bases e iniciadas as acções que a concretizarão.» Também nessa altura disse tratar-se da «primeira política de justiça que se concebeu para Portugal», o que já é, evidentemente, um juízo um pouco polémico, mas estas afirmações constam do Diário da Assembleia da República, que, para este efeito, fui consultar.

Acredito, portanto, ao contrário do que pensa o membro da Comissão Política Nacional do PSD, que existam condições institucionais plenas para definir uma política de justiça e que V. Ex.a tenha traduzido ao longo destes quatro anos algumas intenções de uma política de justiça traçada.

Mas, passando os olhos por estes quatro anos, parece--me que já não podemos esperar, perante o discurso de V. Ex.a, boas notícias sobre a revolução judiciária que se

avizinha, sobre o Código de Processo Tributário e o contencioso administrativo, ou seja, já não podemos ter o

estado de espirito que seria legítimo nos anos anteriores.

E esse é o grande problema!

Reflectindo um pouco sobre a prestação de contas anual

neste quadriénio, interroguei-me sobre a particularidade do

destino da acção política na área da justiça e devo dizer,

Sr. Ministro, com toda a estima e consideração pessoal que tenho por V. Ex.", que há três pontos conclusivos que me propunha, de seguida, desenvolver.

Em primeiro lugar, para além da morosidade da justiça — aspecto focado anualmente e a que também se refere o cronista —, há sobretudo um aspecto que me parece relevante que é o da morosidade da prestação legislativa nas áreas mais influentes da justiça.

O segundo aspecto tem, em minha opinião, a ver com uma certa variação de opções em domínios relevantes, não em todos, gerando alguma dificuldade de percepção dos destinatários sobre a consistência desses objectivos, logo, alguma desconfiança.

O terceiro ponto que me parece resultar dessa análise diz respeito a uma frustração muito elevada de expectativas de diálogo, bem como de sustentação de um certo número de processos de participação que V. Ex." publicamente alimentou e que depois não se concretizaram.

Estes três aspectos resultaram muito nítidos porque não há dúvida de que, na área da justiça (irei referir-me apenas a esta área e, muito lateralmente, a uma outra), é há vários anos consensual que as disciplinas processuais e as leis orgânicas são fundamentais para introduzir factores de aceleração e de qualidade na resposta da justiça. É, pois, perfeitamente nítido que V. Ex.a não manda apenas nas instalações e que o cronista não tem razão. V. Ex.a detém uma alavanca fundamental no domínio destas reformas e beneficiou do privilégio de uma maioria política pronta a aprovar as propostas que, nesse sentido, propusesse no Parlamento.

Tentando demonstrar as ideias que avancei, em 1990, V. Ex.a falava na perspectiva de um Código de Processo Civi". mãe que seria acompanhado de um Código de Processo Civil facultativo, de aceleração, traçando um conjunto de considerações sobre esta distinção.

No programa do Governo correspondente a esta Legislatura dizia-se que este processo estava em fase de conclusão e, apesar de conhecer as suas peripécias, gostava de contar o filme para podermos dele ajuizar. Em Fevereiro de 1992, V. Ex.° dizia que seriam discutidas as orientações e passar-se-ia depois a uma fase de elaboração técnica, e cito, «sendo previsível que, até ao fim do ano de 1992, possa estar concluído». Em 30 de Outubro de 1992, o Sr. Ministro admitia em sede de Comissão a possibilidade de ser elaborado um diploma intercalar, pelo menos, o Diário da Assembleia da República assim o reza. Depois, em 15 de Dezembro do mesmo ano, aquando do debate, na especialidade, do Orçamento do Estado, portanto, há cerca de um ano, o Sr. Ministro dizia: «Em Janeiro próximo, terão aqui as grandes linhas de uma reforma diferente relativamente ao processo civil, porque o Governo quer sustentar o debate prévio na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.» Previa-se uma discussão até Junho, o que, dois anos antes, também já tinha sido previsto.

Chegámos a Dezembro de 1993 com a situação do Código de Processo Civil, depois destes antecedentes, no ponto em que se encontra e, pelo menos neste caso, pode falar-se de morosidade e de variação de propósitos da prestação legislativa num domínio essencial.

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Mas não só neste domínio isso sucede, pois a revisão do Código de Processo Penal também se previa no programa do Governo. Em Fevereiro de 1992, o Sr. Ministro ia dizendo o que seriamente era possível anunciar nessa altura e que, até ao fim do ano, seria apresentada à Assembleia da República a revisão do Código de Processo Penal. Como o ano de 1992 passou, estamos no final de 1993 e essa reforma é agora anunciada para 1994, o Sr. Ministro compreenderá que, quando o ouvimos falar, o nosso estado de espírito não seja exactamente o mesmo com que o escutámos em Fevereiro de 1991

Já em 1990, o Sr. Ministro falava da reforma do contencioso administrativo e incluiu essa matéria no programa do Governo dizendo que ia ser prosseguida porque já tinha sido iniciada. Em Novembro de 1992, anunciou por duas vezes — no Plenário e na Comissão de Economia, Finanças e Plano — que, em 1993, proceder--se-ia à revisão das leis do contencioso administrativo.

Esqueço o que foi dito em relação ao processo do trabalho e ao direito adjectivo na área comercial para que, nomeadamente, V. Ex." também propôs uma verdadeira revolução, o que cria um sentimento negativo em relação ao anúncio de novas revoluções, porque essa já foi anunciada em 1990.

Se passarmos da área dos direitos adjectivos para a da orgânica dos tribunais, encontramos um panorama incrivelmente semelhante e vou referir-me apenas às últimas cenas do capítulo da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. V. Ex.° propôs, em Fevereiro de 1992, na Assembleia da República, alterações à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais; anunciou, no debate do Orçamento do Estado, bem como na reunião plenária em que foi discutida a proposta de lei respeitante a esta matéria, que tinha a intenção de remeter ao Parlamento não apenas a proposta de lei mas também o projecto de decreto-lei que a regulamentaria com a finalidade de atingir o máximo de consenso. Na altura, estava a pensar na Assembleia da República, no Conselho Superior da Magistratura, na Procuradoria-Geral da República e na Associação Sindical dos Magistrados Judiciais.

A Assembleia da República aprovou esta lei em Maio de 1992 e a regulamentação, apesar de anunciada por duas vezes, não chegou a ser-lhe enviada. No final de 1992, mais concretamente, em 15 de Dezembro, voltou a falar-se desse assunto, nomeadamente, da implementação da lei que, nessa altura, estava em défice absoluto, pelo menos, do ponto de vista da regulamentação, e V. Ex.° reafirmou a ideia de que, embora o regulamento não tivesse de passar por este órgão, teria todo o gosto em estar presente na Comissão para conversar sobre a estratégia então já absolutamente definida, em concreto, para o ano de 1993.

O ano de 1993 decorreu e estas possibilidades de consensualização não foram exploradas, por um lado, na Assembleia e, por outro, goraram-se perante outras entidades. Só em 15 de Setembro é que V. Ex." pôs cá fora — passe o plebeísmo — a regulamentação anunciando esses efeitos fantásticos para o próximo ano, deixando dúvidas generalizadas sobre a concretização dessas expectativas e, pelo menos, grandes frustrações em relação ao objectivo de consensualização e discussão pelo caminho da regulamentação e estratégias que efectivamente não se verificou.

Não quero dizer que V. Ex." seja o único responsável por esta falta de consensualização e sustentação dos processos de diálogo que chegaram a ser encarados, mas, na realidade, há uma enorme frustração em todo este cami-

nho, que é lento demais com diálogo a menos e, porventura, com resultados mais distantes do que aqueles que seriam esperados há algum tempo atrás.

No que toca aos tribunais de execução das penas, falou-se várias vezes, ao longo deste debate, em diplomas em estado adiantado de preparação e em reestruturações previstas para 1992, mas, apesar da sua grande importância, foram matérias sobre as quais não ouvimos mais notícias.

Quero destacar a matéria da revisão da lei orgânica dos tribunais administrativos e fiscais, não pela importância quantitativa dos processos, que se sabe serem em número muito menor do que noutros tribunais, mas por esta ser uma justiça altamente representativa da estima que o Estado tem por aspectos básicos do Estado de direito, já que é nesta justiça que o Estado se senta no banco dos réus e vê a legalidade dos seus actos examinada.

Portanto, pode repetir-se o que um autor do passado disse: «Diz-me que tribunais administrativos tens e como é que cumpres as sentenças deles, dir-te-ei que Estado de direito tens.» Ora, neste domínio, temos exactamente uma série de promessas, mais uma vez, não concretizadas.

Toda esta matéria está mencionada em muitos documentos anteriores: está no Programa do Governo, em Outubro de 1991, como estando em fase adiantada de preparação; em Novembro de 1992, num debate correspondente a este, V. Ex.1 disse que, em 1993, se procederia à revisão das leis orgânicas dós tribunais administrativos e fiscais. Estamos nos finais de 1993 e ainda não temos propostas, com a agravante de ter havido, entretanto, uma operação de microcirurgia neste domínio para eliminar um grau de recurso, quando deixámos quietos uma série de problemas e condicionamentos, que fazem com que hoje existam coisas absolutamente insuportáveis.

Sr. Ministro, é insuportável que o Supremo Tribunal Administrativo publique agora uma sentença, ou melhor um acórdão, que nem é o acórdão final, porque, depois, haverá liquidação em execução de sentença que levará anos, versando factos de 1975, uma acção que tem, pelo menos, 16 anos de tribunal. Isto é absolutamente incrível, porque, se a máxima latina diz «o que não está no processo não está no mundo», um processo que se ocupa de coisas de 1975 já não está no mundo. A história já passou e a justiça ainda se está a fazer, pois é mais lenta do que a própria história.

É incrível que os advogados estejam a introduzir recursos em processos com 10, 12, 13, 14 anos. O que se passa nesta matéria é dramático. Não queria batalhar muito nesta matéria, mas é altamente incompreensível que, num domínio tão sensível, numa área tão nevrálgica, todas as expectativas tenham sido goradas.

Em relação à morosidade do Código Penal, sobre o qual um dos meus colegas irá fazer uma referência mais detalhada, devo dizer que ouvimos V. Ex.a com expectativa e, em vários aspectos, estamos de acordo com as perspectivas apresentadas neste domínio. Já em Fevereiro de 1992 V. Ex." disse aqui, e está nas actas: «O Governo apresentará à Assembleia da República, entre Abril e Maio de 1992, a proposta de lei que consubstanciará o novo Código Penal.» Isto, certamente, atenta contra a nossa melhor expectativa em relação à promessa do Sr. Ministro, de que é agora que o Código vem aí. Mas agora já não podemos ter a mesma atitude que tivemos da primeira vez.

V. Ex." diz: «O DIAP tem finalmente o problema resolvido.» Mas V. Ex.1 já disse aqui, em finais de 1990, que «no prazo de um ano estará concluído e em funcío-

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namento o edifício para os TJ.C e para o DIAP». Portanto, há um grande arco temporal entre uma coisa e outra, que em política é extremamente importante, porque a morosidade da justiça é também, e muito, a morosidade das reformas influentes na acção da justiça.

Gostaria, portanto, de obter um comentário do

Sr. Ministro sobre estas observações, que decorrem de uma tentativa de compreensão de uma grande crise de expectativas, que, hoje, é inegável e que o artigo, que tomei a iniciativa de ler, de alguma maneira ilustra.

Quero referir também o aspecto do combate à corrupção, relativamente ao qual, segundo me parece, ficaram ilustradas algumas das características gerais, a meu ver criticáveis.

Em 1990, V. Ex." tinha ideias sobre o combate à corrupção e apresentou-as aqui. Apresentou vários caminhos, vários quadros, referiu hipóteses de colaboração com o Banco de Portugal, com o Ministério das Finanças, com as direcções-gerais e as inspecções-gerais do Ministério das Finanças. Eram perspectivas frutuosas se tivessem sido implementadas, se não tivesse havido aqui um jus variandi excessivo neste domínio. Talvez se tivesse podido prevenir algumas práticas de grande gravidade que hoje se desenvolvem.

Mas, na realidade, tanto quanto sei, essas medidas não foram implementadas. Voltamos a ouvir falar delas no Programa do Governo, como prioridade; em Setembro de 1992, foi anunciada uma proposta de lei, que viabilizámos, aquando do seu debate na generalidade em Março de 1993, admitindo que não era tudo mas que, ao ser melhorado, era um contributo importante nesse domínio, que também consideramos prioritário. E o que se verificou, Sr. Ministro, foi a falta de flexibilidade, aquando do exame na especialidade, para melhorar uma série de disposições dessa proposta de lei, que, no final, acabou por ser efectivamente uma lei.

Em relação às matérias que nos ofereciam resistências de vária natureza, conjecturamos diversas alternativas, algumas das quais passaram no exame teórico, junto do Prof. Costa Andrade — seja-me lícito referir assim um colega Deputado—, e não houve qualquer abertura, que, a ter existido, podia ter salvo a lei do impasse em que se encontra por virtude do juízo de inconstitucionalidade proferido.

Ora, o que se passou é que houve, por um lado, a variação e, por outro, a inflexibilidade e a não sustentação de processos de diálogo, mesmo quando nos dizem: «Essa solução é aceitável, teórica e academicamente, só que politicamente é inegociável.» Quando nos dizem isto, pensamos que o processo de diálogo neste domínio chegou ao fim.

Portanto, não nos sentimos co-responsáveis do fracasso desta lei, que tínhamos viabilizado na generalidade. Entendemos, com toda a franqueza, Sr. Ministro, repetindo a estima e a admiração que tenho por si, que V. Ex." é o único responsável por esta lei, desde o momento em que passou na Assembleia da República até agora, de estar como está, de ter tido este destino, assim como por estarmos, desde Agosto até hoje, à espera de novas propostas, de novas sugestões, para ultrapassar esta dificuldade, a do caminho escolhido.

Portanto, Sr. Ministro, para isto ter aquele ar parlamentar de perguntas, gostaria de saber notícias, por um lado, sobre a forma como o Ministério vai ultrapassar este impasse, que não é nosso, e, por outro, sobre a forma de agota nos podermos entusiasmar com os propósitos que W. Ex."5 já anunciaram em 1993, 1992 e 1991.

Vozes do PS: — Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Manuel dos Santos.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao

Sr. Ministro da Justiça, para responder, gosiariâ de dar

algumas informações à Comissão.

Em primeiro lugar, encontram-se inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Margarida Silva Pereira, Vera Jardim e Odete Santos.

Em segundo lugar, quero informar os Srs. Deputados e, nomeadamente, aos responsáveis pelas diversas bancadas que procedi às diligências que as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Economia, Finanças e Plano, reunidas em conjunto, por unanimidade, me encarregaram de fazer.

Nestes termos, contactei o Sr. Presidente da Assembleia da República, o Sr. Comandante da Segurança e a Radiotelevisão Portuguesa. O assunto está a ser averiguado, havendo ainda algumas zonas de indefinição sobre o que realmente se passou. Vão permitir-me que não elabore muito sobre esta matéria, porque há ainda algumas contradições entre os relatos que pude apurar. No entanto, e isso é que é importante, há o sentimento claro, por parte do Sr. Presidente da Assembleia da República, de esclarecer tudo isto, pelo que se comprometeu comigo, amanhã mesmo, a informar a Câmara do que, efectivamente, se passou nesta matéria.

Por outro lado, eu próprio, seguindo o vosso requerimento, tomei a iniciativa de dizer à televisão que essa averiguação se encontrava em curso, embora não saiba se ela irá ou não fazer uso dessa informação, pois depende do seu critério, mas está ciente disto.

De todo modo, fui também informado, pela televisão, de que a cassette, onde estão gravadas as peças fundamentais e que acabaram por não ser transmitidas pelas razões aqui referidas, já está a ser transportada de táxi, e não por cabo ou feixe hertziano, para, presumo — mas continua a depender do critério da televisão, predominantemente o jornalístico —, ser transmitida no 24 Horas.

Quanto à questão essencial, como tive oportunidade de dizer, o Sr. Presidente da Assembleia da República, depois de averiguar definitivamente o que se passou, embora já tenha algumas averiguações preliminares feitas, informará amanhã a Câmara. Portanto, considero encerrado este assunto.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, apesar de esta ser a segunda vez que nos encontramos nesta Comissão, devo dizer que já consolidei o prazer de ouvir as questões criticas colocadas por V. Ex." e o de dar as respostas de manutenção ensaiadas, normalmente, por mim. E o mesmo acontecerá desta feita, em que V. Ex." coloca as suas questões num quadro de interrogação sobre a globalidade do próprio sistema de justiça, o que me parece mais propício àquilo que possa ser uma fundamentação mais adequada a uma ideia política geral sobre esta matéria.

Ora, foi justamente por isso que pedi ao Sr. Presidente para responder já, utilizando um sistema que, suponho, não repetirei, ou seja aguardarei o conjunto das outras questões, que irão ser colocadas pelos outros Srs. Deputados, a não ser que também sejam excessivamente longas — não «excessivamente» enquanto adjectivo mas enquanto

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quantificação—, por forma a não me possibilitar a sua retenção, para responder simultaneamente.

Há, na sua intervenção, três ou quatro pontos que me parecem essenciais e que permitem que tenhamos aqui um diálogo interrogativo e não aquele que, muitas vezes, é apenas uma aparência de agressões recíprocas. E sou o primeiro a dizer-lhe que, eu próprio, se estivesse sentado nessa bancada, teria, com certeza, colocado exactamente as mesmas questões e nos mesmos termos.

V. Ex." disse no princípio que esta era a quarta vez que eu aqui vinha com boas notícias, embora, depois, tenha feito uma extrapolação para quatro anos. Ora, não são quatro mas três anos, o que me dá uma margem, de um ano, a meu favor, visto serem três e não quatro anos de responsabilidades, mas é de facto a quarta vez, porque houve uma coincidência com a primeira intervenção relativamente ao início de funções no Governo.

Disse também que a oposição continua preocupada e que eu continuo tranquilizante, o que me parece significar o normalíssimo funcionamento das instituições. É bom ver a oposição preocupada e o Governo tranquilizante, desde que a preocupação e a tranquilidade sejam sérias. E como o é em ambos os casos, podemos desde já garantir que, estando perfeitamente lubrificado o tipo da nossa intervenção, cada um assume as funções que lhe cabe e, como ambos o fazemos com seriedade, vejo que, por este caminho, chegaremos, com certeza, mais longe e mais depressa aos objectivos que nos são comuns.

V. Ex." fez uma referência politicamente inteligente, deixe-me dizer-lhe assim, sem querer assumir para mim qualquer direito de julgar a qualidade da intervenção, mas a verdade é que é politicamente inteligente, no que toca a um texto recentemente publicado por um distinto membro da comissão política do PSD. E, como calcula, gostaria de reagir ao seu estilo de inteligência, tentando exercitar um pouco alguma que ainda me resta.

Sr. Deputado, o que interessa — e suponho que estamos todos de acordo com isso — não é tanto a utilização inteligente que V. Ex." fez deste texto nem aquilo que, eventualmente, podia ser uma resposta inteligente da minha parte.

Não tenho qualquer dúvida de que há questões extraordinariamente sérias na globalidade do funcionamento institucional e da justiça em Portugal, questões essas que não coloco em termos de oposições político-partidárias nem de estratégias políticas stricto sensu de intervenção neste domínio.

Creio que há um debate por fazer, com grande elevação e com grande serenidade, acerca do modo como funciona o sistema de justiça em Portugal, desde a sua perspectiva constitucional à sua concretização no terreno, sem que daqui resultem quaisquer crispações de quem quer que seja — seja de quem tem uma perspectiva crítica, seja de quem, eventualmente, não tem essa perspectiva. E se continuarmos a recusar a elevação e a seriedade de um debate dessa natureza podemos estar a prestar um péssimo contributo à consolidação e à estabilidade do Estado de direito e da democracia entre nós, não porque haja alguém apostado em pô-lo em causa — não é a esse nível que estamos — mas, sim, porque pode haver o resvalar de um funcionamento inadequado de determinado tipo de instituições que um dia pode cair em mãos que já não são sequer controladas por nós, do ponto de vista da influência política que possamos ter, e vir a enquadrar situações que, na minha perspectiva, se anunciam como extraordinariamente preocupantes.

Não quero sequer tocar nesse ponto mas basta, por exemplo, ler o jornal diário de hoje e ver algum tipo de críticas e de reacções que começam a surgir a um sistema de justiça que tem de intervir sempre com a total cobertura do poder político, na minha opinião. Ou seja, é fundamental que tenhamos a garantia de que os tribunais actuam com independência e com a cobertura política do poder político. Isto é essencial que aconteça! Estamos todos de acordo, não estou a dizer nada contra a opinião de VV. Ex.", pelo contrário!

Estamos, pois, todos de acordo quanto a este ponto, mas temos de ter a noção exacta de que podemos deixar resvalar o sistema para suspeições relativamente ao próprio sistema de justiça e que, se isso chegar a acontecer e se se avolumar, podemos cair num estádio de grande gravidade do funcionamento do próprio sistema.

Portanto, creio que é de uma importância decisiva a reflexão ao nível constitucional e institucional, desde que estejamos claramente coincidentes em pontos que para mim são óbvios, como o são para VV. Ex.", como seja o da garantia da independência e da noção de que a independência tem contornos que podem ser discutíveis através das estratégias para a sua garantia, e é isso que, no fundo, pode estar em causa!

Se aceitarmos esse debate de mãos limpas, tranquilamente, sem preconceitos, sem pré-juízos cumprimos uma exigência fundamental do Estado de direito e da democracia; se não o fizermos, se estivermos sistematicamente a introduzir «grãos de areia» nesse debate podemos estar todos a contribuir para uma situação que eu gostaria que não se verificasse entre nós.

É evidente que o Ministro da Justiça não é apenas responsável ou não manda apenas nas instalações dos tribunais. Digo isto, porque não tenho, confesso — e se isso é pressuposto da actividade política, esse pressuposto falha--me razoavelmente —, grande jeito para mandar. Não poderia nunca ser ministro em regimes totalitários nem em Estados ditatoriais.

No entanto, já o sou, com todo o gosto, num Estado democrático, porque tenho a ideia de que não se pede aos ministros que mandem mas, sim, que coordenem, que dirijam, na medida em que têm a responsabilidade política para o fazer, mas não se lhes pede, repito, que mandem. Portanto, na qualidade de Ministro, sinto-me tranquilo, porque não tenho de mandar, mas se tivesse ficava um pouco preocupado!...

Creio — isso sim — que é possível definir uma política de justiça para Portugal e que essa política deve ser definida pelo Governo, com a colaboração apoiante, pelo menos maioritariamente, da Assembleia da República. Por outro lado, tenho a noção de que essa política foi definida e devo dizer que não tenho, pessoalmente como Ministro da Justiça, a ideia de que o Ministro deva intervir, enquanto dirigente, em mais áreas do que aquelas onde intervém neste momento, pois não creio que seja este o caminho e continuo a entender que falta fechar o sistema português, o que, a meu ver, nunca aconteceu.

Trata-se de um sistema de autonomias sem cúpula e sem coordenação e, não havendo essa coordenação, podemos deixar aberta uma brecha importante para a questão que coloquei há pouco, que nada tem a ver com o problema da independência, com o funcionamento do sistema, com a intervenção do poder político sobre o sistema judiciário, mas, sim, com a verticalidade da resposta dos sistemas àquilo que é a base comum, que é o cidadão, e não com a horizontalidade das respostas dos sistemas para dentro

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de cada um dos próprios sistemas, e é isso que me preocupa, particularmente neste momento.

Portanto, é possível definir uma política e por isso mesmo é possível que o Ministro seja responsável pela política que define e pela sua capacidade de contribuir ou não para a concretização dessa política.

Fico-lhe grato por considerar que algumas críticas ao funcionamento da justiça, embora por alguém que está politicamente mais perto do Ministro da Justiça, sejam

consideradas injustas por um legítimo representante da oposição, o que significa que, também por alguma leitura exagerada daquilo que tem sido o discurso da oposição, é reconhecido, desde logo, pela oposição, como sendo também injusto para o próprio Ministro da Justiça e eu agradeço a sinceridade e a seriedade com que V. Ex." o disse.

Passando os olhos por estes três anos, o Sr. Deputado aponta na minha intervenção morosidade na prestação legislativa, variação de opções e frustração na expectativa de diálogo. Eu comungo com V. Ex.* a frustração na expectativa de diálogo, porque também estou francamente frustrado com a expectativa de diálogo que tinha inicialmente.

Quanto à morosidade na prestação legislativa, há duas coisas que me parecem essenciais relativamente à sua intervenção. Em primeiro lugar, V. Ex.a apontou, e bem, pois esse é o papel da oposição, aquelas situações em que, tendo havido compromisso da parte do Ministro de que no período tal ou no ano tal aconteceria tal resultado, do ponto de vista legislativo, isso não aconteceu. Bom, evidentemente, V. Ex.a não tinha de fazer — nem eu estava à espera que o fizesse — a leitura cruzada de tudo aquilo que foi feito nos prazos que tinham sido perspectivados e até, inclusivamente, coisas que foram feitas sem terem sido antecipadamente prometidas mas que a pressão do tempo nos obrigou a fazer.

Sr. Deputado, em primeiro lugar, não há recuo em nenhuma dessas opções e, em segundo lugar, na generalidade dos casos que referiu, os diplomas elaborados pelo Ministério da Justiça estavam concluídos no prazo, e aqui entronca a morosidade com o diálogo. É que em alguns casos o Ministro da Justiça tem esperado mais de um ano para que lhe respondam com sucessivas solicitações de adiamento e, então, a questão que se põe, no fundo, é esta: ou eu tenho diálogo e tenho de pôr em causa o compromisso que assumi no sentido de apresentar numa determinada data um diploma, ou apresento nessa data o diploma, porque ele está concluído da parte do Ministério da Justiça e não tenho diálogo.

Ora, como pretendo o diálogo, isto é, como eu quero que um diploma seja discutido, na perspectiva de ele poder ser modificado na sequência dessa discussão, eu aguardo e continuarei a aguardar, criando, por vezes, situações que são claramente insustentáveis, de tal maneira que mesmo aqueles que pedem o adiamento na resposta es-quecem-se de dá-la, esquecem-se do próprio diploma e até dizem que não foram ouvidos acerca dele.

Na verdade, situações, como esta, como sabe, não são raras, sobretudo quando se pretende demonstrar a inexistência de diálogo por parte do Ministro.

Quando se chegou ao ponto surrealista de se dizer que não se tinha, por exemplo, pedido a opinião sobre o projecto do Código Penal, quando a verdade é que se tinha o projecto na mão há mais de um ano com duas insistências do Ministro para que essa opinião fosse dada, o Sr. Deputado compreenderá a dificuldade que o ministro tem em cumprir os prazos que quando acredita de boa fé no diálogo apresenta aqui à Assembleia da República.

Devo dizer que num caso ou noutro essa responsabilidade é interna do Ministério da Justiça — é interna mas é assumida e por uma razão muito simples, e dou-lhe o caso típico do Código de Processo Civil: houve a probabilidade de este Código estar pronto — e, inclusivamente, se quiséssemos tínhamos um código pronto para apresentar à Assembleia da República e podíamos tê-lo feito, até sem o apresentar à Assembleia da República, porque bastaria retirar três ou quatro artigos, que dependem de autorização legislativa, ttazê-los aqui e fazer publicar por decreto-lei o Código de Processo Civil.

Porém, não é isso que queremos, não é isso que quer a oposição, não é isso que quer o Governo, não é isso que quer o partido que apoia o Governo! Nós queremos um Código de Processo Civil que seja o mais consensual possível e que reforme, realmente, o processo civil.

Sabemos o tempo que demorou a reforma do processo civil nos países que assumiram profundamente essas reformas, nomeadamente na Alemanha. Daí que não vamos chegar aqui, apenas para cumprir um prazo, que era definido de boa fé, nessa altura e, portanto, com probabilidade de ser cumprido, pois não o queremos fazer, entendendo que é preferível não cumprir essa promessa mas ter um Código de Processo Civil que seja estável, que seja de mudança e que permita a transformação que se exige hoje no funcionamento da justiça portuguesa.

E posso dizer-lhe, Sr. Deputado — e esta é a garantia que posso dar, é a segurança que posso dar à oposição — que nunca, para cumprir politicamente um prazo que eu previ, eu violarei coisas mais importantes, como seja a qualidade do instrumento legislativo que faz com que haja intervenção no sistema. Portanto, prefiro suportar o ataque politicamente legítimo de quem diz: «O senhor prometeu e não cumpriu», do que cumprir à pressa, sabendo que tenho hipóteses de cumprir mais tarde, mas melhor, e nos termos em que é exigível que se faça.

O Sr. Alberto Costa (PS): — Sr. Ministro, por que é que, por exemplo, quanto à lei dita contra a corrupção, relativamente à qual não havia nem um prazo nem uma promessa, não houve um período mais alargado...

O Orador: — Já lá vou, Sr. Deputado!

O Sr. Alberto Costa (PS): — É que aí a «receita» não funcionou.

O Sr. José Magalhães (PS): — É a excepção que confirma a regra!

O Orador: — Sr. Deputado, estou a tentar responder pela ordem cronológica pela qual V. Ex.a colocou as questões e, felizmente, a corrupção só surgiu no fim e eu ainda estou na introdução, quando V. Ex.° anunciou os três temas: morosidade, variação de opções e frustração da expectativa.

Quanto à variação de opções, Sr. Deputado, como não se trata nunca de qualquer variação de fundo eu diria que as variações de opções que, repito, nunca foram de fundo, resultam...

Bom, uma coisa que aprendi quando comecei a falar de democracia, de diálogo entre as várias partes e de procura de consenso, foi de que no meio disso tudo vinha essa ideia de variação de opções, que é uma coisa que eu acho que é co-natural a quem exerce o poder numa perspectiva democrática, isto é, não cristaliza nas opções, e se

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a variação de opções não é essencial, não é sobre coisas essenciais, o que também não significa que ela não exista, se for caso disso, mas quando não é sobre coisas essenciais, repito, a variação de opções é quase tão natural como a circulação do sangue democrático nas artérias do sistema.

Portanto, as pequenas variações de opções serão apenas um documento que junto para provar, se for caso de ter de fazê-lo, a democraticidade da minha acção no Governo.

Quanto à frustração da expectativa de diálogo devo dizer ao Sr. Deputado que também tenho alguma frustração quanto a isso, não, evidentemente, com a Assembleia da República nem com a oposição, embora como calcula também gostasse que a minha participação na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias fosse sugerida pela própria Comissão — e como sabe, algumas vezes, tive a iniciativa de o fazer e vim, mas gostaria que a Comissão também solicitasse a minha vinda para falarmos, em termos gerais dos problemas de justiça, dos subsistemas de justiça, etc, pois estou aberto a fazê-lo, e muitas vezes apenas problemas de agenda determinarão que não se venha na data desejada mas noutra que se encontrará sempre, uma vez que é com o maior gosto — como, aliás, se vê — que dialogo com VV. Ex." sobre todas as matérias relacionadas com o sistema de justiça.

Internamente o diálogo, como V. Ex." sabe, e bem, tem de ser em Democracia, sobretudo quando há acções a desenvolver, estimulante e conduzir a soluções e progressos nas acções que estamos a desenvolver. Sr. Deputado, sou, por definição dialogante — e creio que não é preciso dizê-lo, porque as pessoas vão-se conhecendo ao longo da vida, não apenas enquanto estão na política, e não é com a idade que tenho (e gostaria que ela fosse menor) que deixaria de sê-lo, se o fui até aqui.

Portanto, se fosse possível pedir algum benefício de dúvida, pelo menos, a meu favor, e se, em situações em que não há diálogo, se perguntasse por que razão é que não há esse diálogo e não imputar sistematicamente ao Ministro da Justiça a inexistência de diálogo.

Porque, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, estou permanentemente aberto, em todas as circunstâncias, para todo o diálogo que seja positivo, construtivo, que seja, no fundo, para se procurar ou um consenso possível ou um consenso à volta da ideia de inexistência de consenso, que é uma coisa que em democracia também pode, legitimamente, acontecer.

Mas, por outro lado, estou completamente fechado para uma aparência de diálogo, para um diálogo que não faça avançar, para um diálogo de obstrução, para um diálogo que apenas serve como pretexto para a criação de factos políticos, que não são minimamente desenvolvidos no sentido dos projectos que estão a tentar levar-se por diante.

E devo dizer que se eu assumo que grande parte das opções legislativas não são concretizadas porque, no fundo, esse diálogo é um diálogo estranho, pelo menos — eu não gostaria de qualificá-lo de outro modo—, também entendo que não devo deixar para lá da Legislatura que este tipo de situação se verifique. Há opções que são fundamentais, que têm e devem ser feitas na aceitação dos resultados do diálogo e não na ideia de que o diálogo só existe quando uma parte impõe à outra a sua perspectiva.

Tenho já exemplos concretos de mudança, tenho, inclusivamente, suportado a crítica política que se consubstancia na frase «de que as leis do Ministro da Justiça nunca acabam como começam»... Bom, devo di-

zer que este é um dos elogios que tenho considerado a meu favor, porque não sei onde é que pode haver aí afirmações de prepotência, de arrogância, de aproveitamento de uma maioria absoluta, enfim.

O facto é que se uma lei, como projecto, começa com uma determinada configuração, ela terminará, na minha perspectiva, com a que eu entender que resulta do enriquecimento do debate e do diálogo e não através da teimosia— e, depois, já abordaremos o exemplo que referiu —, de levar por diante a versão original, própria, do Ministro da Justiça.

Não entendo que detenha a verdade toda, muito particularmente em diplomas tão importantes como os que estão a ser elaborados. Ninguém tem a verdade toda e é na procura das várias verdades que chegamos à formulação definitiva. É para esse fim que o diálogo e o debate devem servir e não para tentar impedir essa formulação definitiva, como em alguns casos aconteceu, quando, por não se concordar com uma de entre uma dezena de opções, se propunha, pura e simplesmente, que a lei parasse, que se não andasse, apenas para discutirmos, para as calendas, uma opção específica que estava em jogo.

Diálogo deste tipo não, porque vai entorpecer, gera uma atitude pantanosa relativamente ao sistema e, nesse sentido, com certeza que esse diálogo não existe.

Daí que, Sr. Deputado, com toda a franqueza — e sabemos ambos que estamos a falar não em termos de críticas recíprocas (não estamos a falar do Partido Socialista, do PSD ou do Governo) mas, sim, de acções trilaterais, nesta matéria —, há áreas de diálogo para as quais estou sempre aberto, excepto quando for apenas um pretexto formal para que se não adquira o ritmo que achamos importante para a mudança. Muito desse tipo de diálogo está na origem do atraso com que este regulamento à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais foi publicado, exemplo típico do muito diálogo que houve e precedeu a sua elaboração.

Muito disto servirá para responder ao que foi dito sobre as leis processuais e o próprio contencioso administrativo.

No que respeita ao código de contencioso administrativo, eu tinha-o pronto no final de 1992, princípio de 1993, e podia tê-lo apresentado à Assembleia da República. Todavia, entendi que não devia fazê-lo, porque, a meu ver, era importante ouvir, de uma forma profunda, nomeadamente os magistrados e os advogados. Dessa audição resultaram várias críticas à formulação inicial. A comissão encarregada da elaboração do código tem, agora, na mão todas essas críticas que lhe foram enviadas, pelo que há boas expectativas de, durante o ano de 1994, termos um código de contencioso administrativo e a reorganização dos tribunais administrativos e fiscais.

No entanto, eu podia perfeitamente ter cumprido a promessa. Tinha, formalmente, ouvido as pessoas durante 15 dias — evidentemente, em 15 dias não havia tempo para fazer uma crítica segura! — e, depois, diriam que eu não dialogo. Mas nada perdia com isso, porque, agora, dizem também que não dialogo. Se o tivesse feito, tê-lo-ia apresentado aqui e, certamente, com o apoio da maioria, teríamos hoje um código de contencioso administrativo. Eu tinha cumprido a promessa! Teríamos um bom código de contencioso administrativo? Talvez não, Sr. Deputado! Prefiro não cumprir a promessa e ter um bom código de contencioso administrativo.

Do mesmo modo que, relativamente ao Código Penal, prefiro o mesmo procedimento. Todos conhecem as vi-

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cissitudes por que passou o Código Penal. Não seria particularmente difícil aprovar rapidamente o Código Penal e trazê-lo aqui. Não era particularmente difícil.

O Sr. José Magalhães (PS): — Não era?! Mas o Ministro Dias Loureiro disse que era absolutamente contra o Código e que ele era fácil!

O Orador: — Sr. Deputado, como calcula, estando numa relação entre a Assembleia da República e o Governo, é natural que um Deputado, sobretudo com a responsabilidade e responsável como V. Ex.°, não tome a opção do Ministro Dias Loureiro por aquilo que lê na imprensa mas, sim, por aquilo que sabe dele. Se perguntar ao Ministro Dias Loureiro qual é a sua posição relativamente ao Código Penal, verá que ela não tem coincidência com o que a imprensa diz que o Ministro Dias Loureiro afirma relativamente ao Código Penal. A imprensa, para nós, membros do Governo e Deputados, é um estímulo que nos sugere perguntas, mas não é, evidentemente, a consagração definitiva das nossas opções.

O Sr. José Magalhães (PS): — Deo gratias! Mas, então, qual era a causa do bloqueamento?

O Orador: — Sr. Deputado, não estou a dizer que não haja opções contrárias, no seio do Governo — que foram conhecidas—, ao Código Penal. Uma vez que V. Ex." referiu o Ministro Dias Loureiro, digo que ele não tem essa posição. Houve opções que são perfeitamente naturais.

Sr. Deputado, temos de assumir claramente uma posição política que, acho, deve servir para a legislatura e, de duas uma, ou isto é um governo arrogante, apoiado por um partido arrogante, ou não é. Se, no seio do Governo, há posições diversificadas relativamente a um diploma como é um Código Penal, devo dizer-lhe que, independentemente da minha posição quanto às posições apresentadas criticamente ao Código Penal, isto só me agrada do ponto de vista democrático.

Mais uma vez, entendo que é muito mais importante um código que seja claramente discutido, até com agressividade na argumentação, se for caso disso, do que um Código que o Ministro Laborinho Lúcio, inspirado numa comissão constituída de pessoas, cuja qualidade se não discute, apresentou à Assembleia da República. É muito mais importante que seja assim e, portanto, não há qualquer preocupação significativa no tipo de discussão que se gerou no seio do Governo. Exactamente porque é assim, porque alguma desta discussão vem enriquecer a própria formulação definitiva do código, ele está praticamente concluído no que presumo ser a versão a apresentar ao Conselho de Ministros. Então, ficarei à aguardar a posição do Conselho de Ministros, esperando que seja de apresentação à Assembleia da República e, depois, aqui o discutiremos.

Agora, relativamente ao código penal, é fundamental — e isto foi algo que eu disse sistematicamente — o facto de ele ser, porventura, de todos os diplomas legislativos, o que mais se prende com a atitude profunda de cada um de nós. Se assim é, é extremamente fácil para cada um de nós a discussão acerca do Código Penal. Se é uma discussão poliücamente difícil, é uma discussão humanamente fácil. Essa relação entre a facilidade com que humanamente se discute e a dificuldade da sua discussão política só vai enriquecer a qualidade do debate.

Mais uma vez, não faria finca-pé para apresentar o Código apenas porque me comprometi que ele seria apresentado até determinada data. O Código será discutido e aprovado nesta legislatura — espero bem que o seja brevemente! —, é essencial para que se intervenha neste domínio e espero que seja essencial para que a intervenção neste domínio seja feita como deve ser. Até porque me parece que essa intervenção é mais urgente, porque continuo a verificar — e ainda hoje tive ocasião de o constatar — que se continua a brandir o código penal como instrumento privilegiado para garantir a segurança dos cidadãos. Creio que é perigosíssimo continuar neste sentido, pelo que aqui estarei com o Código Penal...

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Quem? Quem?

O Sr. José Magalhães (PS): — Quem? Só se for um membro do Governo!

O Orador: — Não ouvi — nem hoje nem noutra altura — um membro do Governo dizer isso. Tenho ouvido, sim, alguém tentar aproximações a membros do Governo, para que eles digam isso, mas não são estes que o dizem. Aliás, foi um membro do Governo que não teve qualquer dificuldade em, publicamente, assumir a responsabilidade de trazer, num momento importante para a discussão pública, a diferença entre ideologia de liberdade e ideologia de segurança e devo dizer que não vi que essa diferença tivesse tido o eco que eu esperava que tivesse na altura em que foi proferida e em que me parecia importante para a garantia de valores essenciais à democracia e a uma relação humanizada do poder com os cidadãos. Foi um membro do Governo quem o fez e não teve qualquer dificuldade, na altura em que considerou ser importante. Evidentemente, não o fazia contra outro membro do Governo mas, isso sim, contra outra perspectiva política do mundo e da vida. Isto é, foi feita por um membro do Governo...

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Isso nada tem a ver connosco!

O Sr. José Magalhães (PS): — Hoje à tarde, estivemos a discutir com ele as bastonadas!

O Orador: — Eu sei que isto nada tem a ver com W. Ex." Era o que faltava! Mas, Srs. Deputados, ainda há pouco fiz o elogio da inteligência do Deputado Alberto Costa e, evidentemente, esse elogio é extensível à bancada do Partido Socialista. Em circunstância alguma, precisava de dizer que me estava a referir a VV. Ex." Aliás, não me estou a referir a forças políticas, em especial. Agora, há algo que é importante dizer e é fundamental que isso seja dito: todos já sabemos, obviamente, que Marx e Sartre morreram, mas Le Pen não morreu. E bom que tenhamos, de facto, essa consciência. Sei, evidentemente, que W. Ex." a têm.

A Sr." Odete Santos (PCP): — O Le Pen é que está morto! O Marx está vivo!

O Orador: — Sr.° Deputada, vá por aí, vá, e depois queixe-se.

A Sr.° Odete Santos (PCP):—Não vou, porque não gosto do derrotismo do José Régio. Sei que não vou por aí!

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O Orador: — Sr." Deputada, não quero falar sobre a manutenção e a vivência de Marx, agora que o Le Pen está vivo, isso está!

A Sr." Odete Santos (PCP): — O Sr. Ministro é que chamou o Marx aqui!

O Orador: — Chamei, exactamente, porque me disseram que ele estava morto e, segundo a informação histórica que tenho, isso confirma-se.

A Sr." Odete Santos (PCP): — E acreditou?!

O Orador: — Acreditei, sim. Numa atitude biológica, como é evidente. Mas não vale a pena continuarmos essa discussão.

A Sr." Odete Santos (PCP): — Mas ele volta!

O Orador: — Sr." Deputada, não tenho qualquer dificuldade em que Marx seja o D. Sebastião de V. Ex."

O Sr. José Magalhães (PS): — Então, e o que estávamos a discutir?!

O Orador: — Sr. Deputado, peço imensa desculpa, mas posso dizer-lhe que o Sr. Ministro Dias Loureiro não tem qualquer posição contra o Código Penal. Aliás, ele próprio já o disse em entrevista pública, televisiva, e, portanto, não há...

O Sr. José Magalhães (PS): — Portanto, trata-se de uma conversa abstracta!

O Orador: — Sr. Deputado, acho que este tema é aliciante e tenho imenso gosto em abordá-lo. V. Ex.° compreendeu perfeitamente — pois tem sempre esta possibilidade de me dar a hipótese de relevar a capacidade de apreensão que sempre teve — que é evidente que as medidas adoptadas, num determinado momento e em função de determinadas circunstâncias, foram correctas e adequadas. A própria oposição fez uma «beliscadela» aqui ou ali, mas, na globalidade, aceitou-as e entendeu que elas deveriam ser adoptadas. Portanto...

Vozes: — Quais medidas?

O Orador: — As medidas, relativamente recentes, adoptadas no contexto da intervenção na área da segurança. O Sr. Deputado conhece as medidas, a época em que elas aconteceram e o período em que fiz a intervenção sobre a distinção entre ideologia de liberdade e ideologia de segurança.

O que eu disse, e repito — e foi dito numa perspectiva que tenho confirmada ser a posição do Governo —, foi que o importante não era discutir as medidas concretas com as quais estava de acordo mas, sim, que se não gerasse a ideia de que elas foram adoptadas numa ideologia de segurança mas, antes, adoptadas numa ideologia de liberdade. VV. Ex." conhecem bem o que significa esta distinção, não preciso de explicá-la enquanto ideologia e plano de discussão em que elas se situam.

No entanto, sucede que havia, ou podia haver, aproveitamentos no sentido de fazer caminhar a ideia do regresso a uma ideologia de segurança em função daquilo que

gerava insegurança, na opinião pública. Esse é que seria o perigo e era importante que ele não existisse. Era fundamental que alguém dissesse que não podia existir.

A meu ver, não é mau que isso tenha sido dito pelo Ministro da Justiça, que continua a entender que deve ser o ministro dos direitos, das liberdades e das garantias. Isso foi dito, não como oposição, como dúvida, relativamente às políticas assumidas pelo Governo — que o próprio Ministro da Justiça também votou e apoiou — mas, sim, relativamente ao que seria o aproveitamento ideológico dessas medidas e o que poderia ser a transmutação da criação, ainda que inconsciente, na opinião pública, da assimilação de uma ideia de ideologia de segurança, que essa, sim, seria preocupante. É isto, é apenas isto, é suficientemente importante para ser isto, é suficientemente desinteressante para ser alguma quesília interna no seio do Governo! Continuo a dizer: foi pena ter-se privilegiado mais o que poderia ser uma quesília interna (que não existia) e não se ter privilegiado o que era, num momento decisivo, uma intervenção importante para que se não deixasse resvalar as regras e os valores essenciais de uma democracia e de um Estado de direito. Eu, pelo menos, fiquei feliz por ter assumido isso, porque me pareceu ser importante fazê-lo.

Quanto aos tribunais administrativos, Sr. Deputado, partilhamos a mesma preocupação. Referiu-me um processo que tem 14 anos. Por um lado, isso deixa-me intranquilo quanto aos anos de duração do processo; por outro, deixa-me relativamente tranquilo, porque, uma vez que sou Ministro da Justiça há três anos, V. Ex.a verá que há algumas dificuldades próprias do sistema, o qual é necessário tentar modificar a partir de uma intervenção determinada. Repare que este processo, antes de eu ser Ministro da Justiça, tinha 11 anos, o que já era excessivo. Por isso, não há aqui como que uma relação de causa-efeito entre a incapacidade de cumprimento das promessas do Ministro e o alongamento, em 14 anos, deste processo pendente no Supremo Tribunal Administrativo.

Sr. Deputado, é evidente que estas situações têm de ser ultrapassadas, têm de ser superadas, mas, sendo situações de tão longa duração, também é óbvio que não se podem ultrapassar de um momento para o outro. Por exemplo, V. Ex.a sabe, com certeza, até melhor do que eu, que há uma significaüva recuperação dos tribunais administrativos de círculo, que tinham, também eles, muitos processos em atraso. Essa recuperação foi conseguida. Obviamente, a alteração legislativa, no domínio do contencioso administrativo e da organização dos tribunais administrativos e fiscais, vai intervir agora no funcionamento do Supremo Tribunal Administrativo, que tem uma organização obsoleta, reconhecida por todos. Justamente por isso estamos a rever o contencioso administrativo e o funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais.

Sr. Deputado, quando vemos em vários processos — e, infelizmente, há mais do que um com esta duração,...

O Sr. Alberto Costa (PS): — Sr. Ministro, isso vem publicado no último número da Revista de Legislação e Jurisprudência!

O Orador: — Não estou a dizer que não seja verdade. A única coisa que digo é que tenho uma responsabilidade de ponta, sou responsável petos três últimos anos dos 14 anos do processo, mas não sou responsável pelos 11 anos anteriores. Porém, não quero com isto alijar responsabilidades, como é evidente. Quero, antes, dizer que

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existem vícios estruturais do sistema. É evidente que esses vícios têm de ser ultrapassados, porque não gostaria que, daqui a 14 anos, um qualquer Ministro da Justiça venha aqui dizer que eu é que fui o responsável pelos 10 anos do processo, que ele detém já na parte final, como resposta da responsabilidade para os três anos em que ele será, então, nessa altura. Ministro da Justiça. Portanto, não é a definição de uma «responsabilidade em comboio» que quero trazer.

Sabemos, evidentemente, que há muitas situações que funcionam mal na justiça portuguesa, mas também sabemos que muitas dessas situações já estão recuperadas. Temos, agora, de recuperar as restantes.

Srs. Deputados, não gosto muito de falar de estatísticas, mas, às vezes, também falo delas e, quando tal acontece, normalmente, não gostam que o faça, porque as pessoas preferem falar nos processos de 14 anos. Porém, acho bem que se fale, não faço qualquer crítica a isso. No entanto, não há dúvida de que, com um enorme crescimento do número de processos nos tribunais portugueses, com um salto que eleva quase para o dobro o número de processos entrados, a pendência não aumentou e a duração média dos processos diminuiu relativamente, encontrando-se muito aquém do que entendemos ser o ideal nessa diminuição. Mas, com um aumento quase para o dobro do número de processos entrados, se não tivéssemos adoptado medidas estruturais, estávamos numa situação de ruptura total. E não estamos! Estamos, ainda assim, em recuperação, embora muito mais lenta do que a que gostaríamos de atingir se não tivesse havido essa enormíssima sobrecarga de processos nos tribunais.

O Sr. Alberto Costa (PS): — Por isso é que o artigo me parece injusto!

O Orador: — Como calcula, fico feliz com a sua preocupação, mas não costumo reagir à justiça ou à injustiça dos artigos, porque tem havido imensos artigos injustos, alguns dizendo mal, outros bem, mas todos injustos, porque normalmente dizem sempre mal demais ou bem demais. Sinto-me um pouco no meio, não porque entenda que no meio é que está a virtude mas porque a minha virtude não tem capacidade para ir além do meio. As minhas qualidades refiro-as, pois, nessa perspectiva. Portanto, não me estimula o facto de ele ser.injusto ou justo — é um artigo que leio; aquilo que me parece ser valioso do ponto de vista crítico assimilo e o resto coloco no «livro de recordações».

Agora, o que parece importante é que, de facto, há uma recuperação. E, mais do que isso, quando aqui sou optimismo crítico e ponderado, é porque me parece importante haver essa recuperação. Não podemos deixar crescer na opinião pública a ideia de que está tudo um desastre no funcionamento da justiça, que não se pode confiar na justiça, porque há um aspecto que todos temos — e os Srs. Deputados sabem-no bem — de salvaguardar: as pessoas acreditam na justiça por uma relação de fé e não por uma relação de racionalidade; não se acredita na justiça por uma relação contratual de racionalidade.

0 Sr. José Magalhães (PS); — De fé?! Já chegámos a isso?!

O Orador: — Felizmente, já, Sr. Deputado! O Sr. José Magalhães (PS): — Só por fé?!

O Orador: — Admito que V. Ex." possa lá chegar por uma questão de racionalidade, não sei se por falta de treino em matéria de fé... — não tenho nada a ver com isso. Mas por uma questão de racionalidade também é possível lá chegar.

Agora, aquilo que quis dizer — e V. Ex." compreende-o — é que a relação entre o cidadão e a justiça é uma relação de confiança, que não releva da racionalidade. Aliás, isso é do conhecimento de todos e já muitos o escreveram, pelo que não estou a dizer nada de novo. Perguntar-me-á onde quero chegar. Apenas aqui: se essa relação se corta, dificilmente se reconstitui e isso é que é perigoso. Ou seja, a reconstituição dessa relação é muito difícil se se corta. Assim, uma manutenção de confiança no funcionamento da justiça — evidentemente, desde que não seja incorrecta do ponto de vista ético e mentirosa do ponto de vista da argumentação — é importante para a estabilidade do próprio sistema. E isto, sobretudo, se o sistema está em recuperação e não em inflexão negativa, como todos sabemos estar.

Srs. Deputados, quanto à lei do combate à corrupção, já afirmei publicamente e quero voltar a fazê-lo, aceitando aquilo que me foi dito pelo Sr. Deputado Alberto Costa, que, na parte em que a lei foi considerada inconstitucional — porque na qualidade da lei, naquilo que ela tem

de positivo, é uma lei da Assembleia da República —, sou o único responsável. Assumo essa responsabilidade isolada.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Já sabia!

O Orador: — Estou ciente de que o Sr. Deputado já o sabia, mas, como V. Ex.a também sabe, a confissão do arguido, mesmo nos casos em que a prova está feita,...

O Sr. José Vera Jardim (PS): — A confissão é sempre atenuante!

O Orador: — Sobretudo, Sr. Deputado, porque demonstra a dimensão ética do arguido quando confessa.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sobretudo, Sr. Ministro, porque não foi arrancada à força!

O Orador: — E não foi extraída à força, Sr. Deputado.

Como W. Ex.35 vêem, cada vez vos é mais difícil ter alternativa para o Ministro da Justiça, porque com estas qualidades, repetidamente afirmadas, começa a ser difícil encontrá-la.

A Sr." Odete Santos (PCP): — Temos um Ministro da Justiça perpétuo!

O Orador: — Isso não, Sr.° Deputada! Que para mim nem penas, quanto mais ministros!

Agora, Srs. Deputados, com a mesma sinceridade com que alterei o Código Penal, nas partes em que, penso, devia tê-lo feito, com que altero o Código do Processo Civil e o Código do Contencioso Administrativo, se for caso disso, e com que aceito a inconstitucionalidade do Estatuto dos Magistrados Judiciais, embora não concorde, continuo a entender — e chamem-lhe teimosia, se quiserem — que esta lei não é inconstitucional. Evidentemente que, do ponto de vista da relação institucional, se o Tribunal Constitucional assim o decidiu, ela é-o, mas, do ponto de vista da argumentação, continuo a entender que ela é constitucional. E a dificuldade na alteração reside exactamente

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nisto: é que tenho alguma dificuldade em tornar constitucional um artigo que penso já o ser. Portanto, estamos a fazer um esforço no sentido de constitucionalizar algo que julgamos já o ser, de modo a que, no fundo, não perca aquilo que era a sua dimensão e que é fundamental — aliás, situações posteriores demonstraram-no bem —, mas, evidentemente, não vamos fazer aqui uma guerrilha institucional com o Tribunal Constitucional. Por outro lado, a minha teimosia tem, pelo menos, o apoio de três ilustres juízes conselheiros do Tribunal Constitucional e apenas a contradição de quatro deles, havendo, portanto, somente um que julga fazer a diferença, mas é assim que formalmente as coisas funcionam. Portanto, digamos que é uma teimosia com a qual convivo com alguma tranquilidade, apesar de lamentar que o caminho tivesse sido esse.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Ministro, há réus que vão para a cadeia por serem dois contra um!

O Orador: — Não neguei isso, Sr. Deputado! Nem estabeleci qualquer contradição relativamente a isso. E considero obviamente que, do ponto de vista formal, a lei é inconstitucional, tendo o Ministro da Justiça, nessa perspectiva, sido «condenado» à inconstitucionalidade daquele artigo. Está obviamente fora de causa o meu desrespeito — era o que faltava! —pela decisão do Tribunal Constitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): — O problema é a reincidência!

O Orador: — Qual reincidência, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): — A reincidência da inconstitucionalidade!

O Orador: — V. Ex." acha que nós vamos voltar a fazê-la inconstitucional?

O Sr. José Magalhães (PS): — Espero que não!

O Orador: — Também espero que não!

O Sr. José Magalhães (PS): —(Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço-lhes que falem para o microfone, porque, sendo estas sessões gravadas, elas perdem muito do seu interesse se não for registado o produto da gravação.

O Orador: — Aliás, Sr. Presidente, estava a responder a cada um dos apartes, mas com um pouco de receio de que alguns deles não ficassem gravados.

O Sr. Presidente: — Claro, Sr. Ministro. Penso que V. Ex.a está mesmo a terminar a sua resposta ao Sr. Deputado Alberto Costa.

O Orador: — Estou, sim, Sr. Presidente.

Sr. Deputado, apesar de tudo, não há aí reincidência, porque, em minha opinião, a vida não se distingue numa linha de fronteira entre o crime e o não crime. De facto, há uma zona cinzenta em que não há crime em circunstância alguma e é nessa zona que vamos actuar, não havendo, pois, reincidência.

O Sr. Deputado conclui, perguntando: «Como podemos entender-nos?» Da seguinte forma, Sr. Deputado: como até agora. V. Ex." critica como entende e eu respondo às críticas que V. Ex.° faz. De que melhor maneira quer que nos entendamos, Sr. Deputado?

Agora, relativamente às posições de futuro, o que posso dizer-lhe é isto, Sr. Deputado: quando o Ministro da Justiça apresenta aqui uma opção ou uma orientação, quando indica uma acção que vai desenvolver, essa opção, essa orientação ou essa acção estão nos seus propósitos e vão ser executadas. Pode, eventualmente, haver disfunção temporal nessa execução, porque há por detrás um trabalho — e, hoje, prevejo-o mais alargado do que inicialmente — que não depende minimamente do Ministro da Justiça, com prazos que ele não pode controlar em circunstância alguma e que não quer ultrapassar. Gostaria, por exemplo, de não apresentar aqui diplomas que tenham a ver directamente com as magistraturas, sem ter, nomeadamente, a resposta do Conselho Superior da Magistratura. Não quero nem devo fazê-lo, embora formalmente o pudesse. Situações deste tipo acontecem. Portanto, pode haver disfunções no momento da apresentação, mas não as há quanto às opções e, se as houvesse, evidentemente que também havia a assunção por parte do Ministro da Justiça das razões pelas quais essa opção tinha sido alterada.

Um outro aspecto que, já agora, referiria a V. Ex.a, para que nos entendamos reciprocamente é o seguinte: é que, a despeito do diagnóstico feito por V. Ex.a, mais pelo lado negativo, e do meu, mais pelo lado positivo, creio estarmos todos de acordo — e por aí entender-nos-emos — em que muito se modificou já e muita realidade diferente há no funcionamento da justiça, em Portugal. E é isso que mudou, bem e de fundo, que me estimula a continuar a fazer o discurso tranquilizante — embora não o seja o de quem está sossegado com o que está feito — que assenta na qualidade do que se fez e que permite garantir a recuperação global do sistema nessa linha de evolução. Sei que VV. Ex.M também concordam com isto e é por aí que nos entenderemos com facilidade.

O Sr. Presidente: — Como já tive oportunidade de dizer, peço que sejamos, na medida do possível, sintéticos, não tanto por mim mas pela Sr.a Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, cuja resistência me impressiona, não tendo faltado uma única vez a estas reuniões. Como sabem, por vezes, não tenho estado presente, nomeadamente esta tarde, porque foi uma sessão muito cansativa. No entanto, a Sr." Secretária de Estado nunca faltou e, amanhã, tem de voltar a cá estar, às 10 horas, preparada para a longa votação, na especialidade, do Orçamento de Estado para 1994, que vamos iniciar às 22 horas.

Assim sendo, sem prejuízo, obviamente, do debate e da colocação de todas as questões — aliás, também é muito interessante para os Deputados da Comissão de Economia, Finanças e Plano ouvir falar sobre esta matéria, até porque, como disse no início, também estão em apreciação as Grandes Opções do Plano e não só a perspectiva orçamental —, peço aos Srs. Deputados que, na medida do possível, sejam mais concisos nas vossas perguntas e, igualmente, ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado, que queiram intervir, nas vossas respostas.

Vou dar agora a palavra à Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, para, em primeiro lugar, dar a voz ao representante de cada um dos três partidos aqui presentes;

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depois então, de entre os membros mais ligados à Comissão, falará o Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo.

Tem a palavra a Sr." Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr." Margarida Silva Pereira (PSD): — Sr. Presidente, vou procurar responder ao seu apelo, sendo muito sintética, não sem antes reverter ao ponto inicial da intervenção do Sr. Deputado Alberto Costa para muito sinceramente felicitá--lo pela referência feita a uma discussão, que é ampla e que comporta várias opiniões dentro do partido que aqui represento.

O artigo que referenciou colhe, em alguma medida — muito parcimoniosa —, o meu próprio sufrágio. De qualquer maneira, estou, no essencial, de acordo com as palavras de isenção, de rigor e de justiça que utilizou para com ele e penso que a essas palavras de rigor, de isenção e de justiça — que são também no essencial o sufrágio de muitas das coisas que têm sido feitas pelo Governo que apoiamos em política de justiça—, não será com certeza alheio o grande debate que acabámos por desenvolver em tomo destas questões do Estado de direito.

Muito concretamente, tocando nas questões que gostava de colocar ao Sr. Ministro da Justiça, aflorava justamente uma, que foi «quente» aqui há poucos minutos atrás, ou seja, o Código Penal. Não tenho qualquer pretensão de ser original nem iconoclasta; de qualquer maneira, Sr. Ministro, nesta altura dos acontecimentos, preocupa-me muito menos o passado do que o futuro, isto é, preocupa-me muito menos saber em que circunstâncias exactas aconteceu um debate, que ficou nascituro, acerca dos grandes problemas da liberdade e da segurança e do binómio que aí se desenrola, do que saber como vai colocar-se o binómio liberdade/segurança, a cultura de liberdade e de segurança, uma vez entrado na Assembleia o projecto e, sobretudo, eventualmente, uma vez

entrado em vigor.

E concretizo: nós vamos ter uma revisão do primeiro Código Penal da democracia em circunstâncias que são ímpares relativamente aos códigos congéneres a este. Todos os outros códigos apareceram revistos na Europa em épocas de relativa quietude criminal e de relativa quietude política; não tanto assim desta vez. As políticas de prevenção especial e o Programa de Marburgo, aparentemente «enterrado» em 1919, mas nem tanto assim, que esta revisão vai consagrar, aparecem-nos numa altura em que, mais do que em tempos passados, Portugal está a defrontar-se com a questão do combate à violência E, sobretudo, numa altura em que os portugueses estão a representar com uma maturidade nova as estratégias de política criminal a adoptar. O País é nesta matéria também de grandes costumes: abolimos cedo a pena de morte e nunca aculturámos muito profundamente as grandes estratégias modernas, que o Código Penal em vigor já sufraga.

Ora, o problema que vai colocar-se é justamente este: vamos, pela primeira vez, defrontarmo-nos com essas grandes questões numa época de convulsão em toda a Europa?

Era talvez interessante saber da disponibilidade do Ministério da Justiça para colaborar num trabalho que, nesta matéria, vai ser essencialmente pedagógico.

Concretamente, gostava de saber se o Programa Cidadão e Justiça vai poder comportar as componente de diálogo com os cidadãos e de pedagogia quanto às políticas criminais.

O Sr. José Magalhães (PS): — Não tem dinheiro para isso!

A Oradora: — Acabo de ouvir, com algum espanto, este aparte do Sr. Deputado José Magalhães e devo dizer que

tenho algumas dúvidas sobre isso, porque, tanto quanto os números me dizem, o Programa Cidadão e Justiça, no último ano, foi frutífero em matéria de resposta à opinião pública.

No seu primeiro ano de vigência, foram atendidas, salvo erro, 14 000 chamadas e dadas respostas personalizadas a todos quantos se lhe dirigiram. Neste momento, tenho a noção de que o Programa já vai com um atendimento de mais de 30 000 chamadas.

Portanto, tenho a sensação de que está a haver um nexo

de adequação entre as solicitações dos cidadãos...

O Sr. José Magalhães (PS): — Pergunte ao Ministro quais as dificuldades que existem a propósito deste programa!

A Oradora: —... e aquilo que o Programa está a fazer.

Parece-me que, num programa tão dialogante e activo junto da sociedade civil como este, é bem mais importante ter o aferimento da maneira como a opinião pública reage do que propriamente de quaisquer outras prospecções ou fantasmas que nos possam estar a toldar as ideias em qualquer momento.

De. facto, preocupa-me o momento concreto em que o novo Código Penal possa entrar em vigor e, por isso, gostava de saber qual a estratégia do Ministério da Jusüça para responder a questões que podem ser bastantes disfuncionais em relação à filosofia do Código.

A segunda questão que lhe levanto — e não resisto em fazê-lo, embora sinta que é um pouco periférica em relação à substância deste debate — tem a ver com a política comunitária de justiça.

O Sr. Ministro, já por várias vezes, tem dito que entende que essa política deve transcender em muito os objectivos do terceiro pilar comunitário, mas, em todo o caso, gostava que me dissesse se, face às últimas evoluções europeias, entende que Portugal ainda tem condições para continuar a fazer propostas no sentido de unificações legislativas, não tanto no âmbito do direito privado, porque aí elas parecem revelar-se bastante pacíficas, mas, sobretudo, no campo do direito público, dos direitos dos cidadãos, do núcleo essencial dos direitos penais e, eventualmente, de uma adesão da

Comunidade à Convenção Europeia.

O Sr. Presidente: — Para formular a sua pergunta, tem a paiavra a Sr.° Deputada Odete Santos.

A Sr." Odete Santos (PCP): — Sr. Ministro da Justiça, tentarei ser breve, porque algumas das questões já aqui foram debatidas e, por isso, não irei repeti-las em pormenor.

Ao longo dos anos, temos travado vários debates sobre a política de justiça e creio que ninguém pode negar que, por detrás das palmas de uma parte desta Assembleia, ouvimos sempre lá fora o coro das pessoas que querem utilizar a máquina da justiça, dizendo: «Estamos à espera de Godot.»

Continuamos, nos finais de 1993 e depois de debatidas aqui muitas questões necessárias a uma política de reformas estruturais da justiça, à espera de Godot!

O Sr. José Magalhães (PS): — Isso foi um lapso!

A Oradora: — O artigo que foi lido pelo Sr. Deputado Alberto Costa, talvez em traços muito caricaturais quando diz que o Sr. Ministro da Justiça manda nas construções, quer dizer—eu, pelo menos, interpreto assim — que falta à política da justiça aquilo que irá terminar verdadeiramente com os seus bloqueios, porque a máquina da justiça continua a

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ser morosa e, hoje, talvez se sinta mais essa morosidade do que há alguns anos atrás, porque já é insuportável. Depois de tanto tempo, continua a ser morosa e a haver os conflitos que ouvi referidos.

O número de funcionários de justiça, se consultarmos as últimas estatísticas disponíveis, não aumentou, mantendo-se o mesmo, por isso estes passam o dia inteiro a fazer chamadas para julgamentos e só têm tempo disponível para fazer actas e cumprir despachos a partir das seis da tarde. Isto passa-se assim, mesmo em edifícios novos, como o Palácio da Justiça de Setúbal.

Quando reclamávamos instalações condignas para os tribunais do País inteiro, e não só para os de Setúbal, também reclamávamos outras coisas.

E já que falamos de estatísticas — o Sr. Ministro também falou nelas, se analisarmos as últimas disponíveis em relação, por exemplo, à justiça laboral, verificamos que se acentuam as morosidades, porque há um avolumar de processos nos tribunais de trabalho.

Apesar de ter havido um aumento de processos entrados nos tribunais de trabalho, não houve um correspondente aumento de juízes e por isso o seu quadro é insuficiente para responder a estes números que aqui estão e que se avolumaram de 1992 para cá.

Se analisarmos as últimas estatísticas referentes aos Tribunais da Relação e ao Supremo Tribunal de Justiça, podemos verificar que também aí a morosidade se tem vindo a acentuar. Temo que isto sirva para, depois, aumentar outra vez as alçadas dos tribunais, para que ás pessoas não possam recorrer para os tribunais superiores, mas não resolve o problema!

Já aqui foram referidas as medidas necessárias à resolução deste problema. Nomeadamente, em matéria de processo civil, para além da sua desburocratização, é necessário que ele sirva para aplicar uma justiça material e não uma justiça meramente formal.

Embora os tribunais, porque sentem a injustiça de algumas normas, tenham vindo a interpretar de outra forma o que é o questionário e a especificação, dizendo que, afinal, a especificação já não será tanto especificação e que, por isso, poderá ser alterada, a verdade é que o Código que temos e que já anda em revisão há longos anos, como foi referido, não proporciona a justiça material.

No ano passado, durante o debate na especialidade do orçamento do Ministério da Justiça, lembro-me de ter perguntado ao Sr. Ministro se as verbas para o Instituto de Reinserção Social eram suficientes. Na altura, foi-me dito que sim, mas continuo a dizer que não me parecem suficientes.

Por acaso — e isto prende-se com a questão dos menores —, como V. Ex." falou nas comissões de protecção de menores, verificamos que há, numa região muito crítica, que é a de Aveiro, um colégio chamado Alberto Souto, dependente do Instituto de Reinserção Social, que tem 84 crianças e jovens — é muito pouco e essa é outra questão — que, precisando de um mínimo mensal de 1500 contos, de Janeiro a Setembro deste ano, apenas recebeu 3000 contos e, por isso, há trabalhadores com salários em atraso, instalações degradadas por um incêndio, etc.

V. Ex." dirá que se trata de um caso pontual, mas não é, porque se formos consultar o orçamento do Ministério da Justiça no que se refere à Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores, verificamos que o crescimento, tal como aconteceu no ano passado, é muito pequeno.

V. Ex.", no ano passado, entregou-nos, em relação à execução do PJJDDAC de 1992, um volume que, aliás, contin-

ha muitas notas críticas do próprio Ministério da Justiça em relação aos próprios serviços tutelares de menores, que o deste ano não tem, porque foi corrigido, apesar de a verba ser insuficientíssima para responder às suas necessidades.

Assim, não basta criar comissões de protecção de menores. Elas são muito úteis, mas queixam-se de falta de meios.

Assisti a um colóquio que V. Ex." fez em Setúbal, já há uns largos meses, em que o curador de menores de Setúbal, como deve recordar-se, colocou a questão de não ter meios para resolver os problemas de menores, pois não tinham onde os colocar, e isso não acontece apenas em Setúbal mas por todo o País.

Queria ainda perguntar-lhe o que é feito do Programa Cidadão e Justiça, porque também não vi uma referência especial nos documentos que V. Ex." nos entregou, ao contrário do que aconteceu no ano passado, em que reconheceu que era um programa que não tinha conseguido atingir os seus objectivos. Será que este ano se atingiram os objectivos, para além das tais chamadas, etc?

Creio que o melhor programa cidadão e justiça seria conferir celeridade à organização judiciária, mas—e não vou entrar em profundidade neste ponto, porque temo-lo debatido muitas vezes — as leis da organização judiciária, sucessivamente retalhadas e retocadas, etc, não trouxeram qualquer aproximação da justiça em relação aos cidadãos mas, antes, morosidades e convulsões.

Receio muito que aquilo que vai passar-se a partir de 1 de Janeiro do ano que vem, ao invés de ser uma revolução — e uma revolução é uma coisa positiva; aliás, foi nesse sentido que V. Ex." utilizou essa palavra —, venha a ser uma convulsão e venha a trazer novos atrasos aos processos. É esse o receio que tenho!

Não me irei deter no Código Penal, pois a apreciação preliminar que fizemos da reforma penal — e é necessário fazer essa reforma —, foi mais positiva do que aquela que faço agora. Numa segunda' leitura, devo dizer que uma das coisas positivas que o Código actual tem na parte geral, que é a questão do regime de prova, desaparece. Chamam-lhe isso, mas já não é.

Na parte especial, os enunciados progressistas que o Código Penal tem não correspondem, algumas das vezes, aos seus conteúdos e há um desajustamento ainda entre os escalões das penas, mas teremos oportunidade de debater isso em pormenor. ,

O Código Penal não deve ser visto como um instrumento para garantir a segurança dos cidadãos, rejeitamos isso. A garantia da segurança dos cidadãos e o combate à violência e à criminalidade passam principalmente por outras medidas de fundo na sociedade portuguesa, como o emprego, etc.

Quero aproveitar a presença da Sr." Secretária de Estado, que, segundo creio, esteve, recentemente, numa reunião do Conselho da Europa que tratou das questões da violência em relação às mulheres, nomeadamente à necessidade de medidas preventivas, para colocar, mais uma vez — e já lá vão mais de dois anos! —, ao Sr. Ministro a seguinte pergunta: para quando, de facto, a regulamentação da Lei n.ª 64/ 91, de 13 de Agosto, salvo erro, que trata dos temas tratados na Resolução do Conselho da Europa e que continua, há mais de dois anos, sem regulamentação? Isto não obstante o Programa Cidadão e Justiça incluir uma parte dessa regulamentação, conforme nos foi dito, no ano passado: a da regulamentação e criação do gabinete de apoio às mulheres e crianças violentadas. Estamos em finais de 1993 e a tal lei continua por regulamentar!

Finalizaria, dizendo que muito me agradou ouvir o Sr. Ministro da Justiça dizer que a questão da indepen-

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dência dos tribunais não estava em causa. Enfim, deve ter sido atoarda aquilo que foi propagado por aí que tinha sido encomendado, pelo Governo, à Faculdade de Direito de Lisboa um estudo sobre os limites da independência dos tribunais. Fico muito satisfeita com isso.

O Sr. José Magalhães (PS): — Cuidado, essa alegria pode ser breve!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, já ouvimos os representantes dos três partidos e, por isso, insisto na ideia de sermos ainda ligeiramente mais rápidos, apesar de estas últimas intervenções terem correspondido ao apelo que fiz.

Entretanto, inscreveram-se mais três oradores: os Srs. Deputados José Vera Jardim, Manuel Silva Azevedo e José Magalhães.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, por ser meia-noite, a solicitação de V. Ex." tem um peso enormíssimo! Para não falar do peso que já vai na cabeça de todos nós e do aspecto de da Sr.° Secretária de Estado, que causa a todos muita pena.

Sr. Ministro da Justiça, fiquei um pouco peocupado com algumas das respostas dadas por V. Ex.ª e, sobretudo, com o clima de certo desencanto que perpassou nalgumas das suas afirmações. Refiro-me, essencialmente, à fase em que V. Ex.a pôs em confronto o diálogo e a eficácia. E fico preocupado porque V. Ex." tem, certamente, a consciência — e disso já deu aqui testemunho — de que tem sido acusado de pouco diálogo.

Esse certo desencanto manifestado preocupa-me no que diz respeito, quer ao relacionamento futuro — e não de agora — de V.Ex." com a Assembleia da República, designadamente com a comissão, quer ao desenvolvimento futuro das relações de V. Ex." com os vários interventores no seu sector, designadamente còm os magistrados judiciais e do Ministério Público.

Por outro lado, fiquei a saber que a experiência que V. Ex.a tem adquirido ao longo destes anos, como Ministro da Justiça, já lhe permite ser bastante mais cuidadoso e passar a distinguir entre os objectivos e as promessas. Mas, permita-me que lhe diga, Sr. Ministro, penso que os políticos quando enunciam objectivos assumem, automaticamente, promessas, e V. Ex.a ao responder ao meu colega de bancada Alberto Costa teve de concordar que muitos dos objectivos a que se tinha proposto não foram atingidos.

E precisamente por aí que queria começar, embora com uma brevíssima intervenção, visto que já houve ocasião de discutir longamente os atrasos e as frustrações — para citar o diálogo anterior — no que diz respeito ao panorama legislativo. Essa área causa-nos preocupações de vária ordem ou índole, Sr. Ministro.

Em relação ao Código Penal, praticamente subscreveria a intervenção da Sr." Deputada Margarida Silva Pereira. Não sei até que ponto a sua intervenção é representativa do ambiente da sua bancada ou se é uma intervenção a titulo pessoal; se é uma intervenção a titulo pessoal não tem o peso que teria se fosse suficientemente legitimada, por traduzir o pensamento comum da bancada do PSD.

Sr. Ministro, a verdade — que V. Ex.1 não pode nem pretende esconder — é que há forças poderosas de vários durantes, que não o nosso, insisto, que não o nosso, que têm transparecido em várias intervenções políticas e que transpareceram, certamente — embora percebamos que V. Ex.a não possa abrir aqui o jogo e pôr as cartas na mesa; estas coisas têm os seus limites—, no tal debate, longo e aguerrido segundo a imprensa, do Conselho de Ministros.

A esse respeito, cito uma frase sua, de hoje, que nos causa preocupação: «Alguma desta discussão virá a ter consequências na formulação definitiva do Código Penal.» E, naturalmente, assim será! Não acreditamos que V. Ex.a tenha horas de discussão no Conselho-de Ministros e depois saia cá para fora e diga: «É este e é este!» Porque, então, V. Ex.a teria de tomar outras posições que, obviamente não tomou, e com certeza com toda a legitimidade.

Mas, como dizia, estamos um pouco preocupados porque o ambiente que se vive hoje na sociedade portuguesa deixa transparecer, de muitos lados e até de alguma comunicação social — temos de o aceitar, é a realidade —, que há, efectivamente, concepções muito secuntarias do papel do Código Penal: há concepções de agravamento das penas que acreditam que, efectivamente, é através da via desse agravamento que se traz mais segurança

Com efeito, tememos que, perante o silêncio de V. Ex." nestes últimos meses, o Ministério da Justiça não tenha — interrogação que deixo — o peso suficiente para levar por diante uma reforma que globalmente, como V. Ex." sabe, mereceu e continua a merecer o apoio da nossa bancada. E hoje satisfez-me bastante ouvir o apoio, pelo menos, de alguns Deputados do PSD.

A Sr.1 Margarida Silva Pereira (PSD): — Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?

O Orador: — Faça favor, Sr.a Deputada.

A Sr.a Margarida Silva Pereira (PSD): — Muito obrigada por me permitir esta interrupção, Sr. Deputado.

Suponho que aquilo que a minha intervenção terá traduzido foi uma coisa tão cândida, linear e transversal a todas estas bancadas quanto isto: estamos seguramente preocupados com aquilo que possa ser a aceitação de uma alteração legítima, e do meu ponto de vista correctíssima, à legislação penal, a partir do momento em que ela entrar em vigor.

Antigamente — nos meus velhos tempos de menina e moça—, passava na televisão um anúncio engraçado, que dizia: «Eu nunca fui ao futuro.» E é um pouco disso que se trata.

Suponho que terei frisado também com algum cuidado que esta alteração ao Código Penal vai acontecer num momento diferente daqueles em que ocorreram alterações congéneres.

Agora, colocar-me-ia numa situação relativamente difícil, pela pouca expressividade da representação da minha bancada aqui, à meia-noite, que não fará circunstância de ter dito apenas uma evidência. De facto, se a minha intervenção divergiu profundamente de algo, foi, com certeza, da opinião da sua bancada que estava obcecada com o passado! Ou seja, estava obcecada com qualquer coisa que terei dito, ainda há pouco: de este ser um debate que não passou de «nascituro» ou, eventualmente, de «concepturo».

Num debate sobre as grandes linhas inspiradoras das molduras penais que, efectivamente, precisam de ser alteradas, o que me dói e preocupa como cidadã, como jurista e, eventualmente, como Deputada é o facto de verificar que ainda a oposição se situa, fundamentalmente, em fazer as actas desse debate «concepturo», sem se preocupar com uma coisa que é evidente: no dia em que o novo Código Penal entrar em vigor as forças que suscitará serão as próprias de toda a sociedade civil — de toda a sociedade civil interessada nestes assuntos —, que vai ser convocada a intervir e a opinar sobre esta matéria.

E sobretudo isso que me preocupa, Sr. Deputado! E isso é algo que, felizmente, nos transcende; é algo que, infeliz-

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mente, não está nas mãos de nenhum Ministro da Justiça nem de nenhum Governo resolver por via de qualquer varinha mágica. Suponho que nenhum de nós tem essa pretensão nem essa ingenuidade.

O que podemos perguntar — e eu fi-lo ao Sr. Ministro da Justiça — é apenas da possibilidade de dispor e utilizar alguns meios para obviar a uma situação que pode ser difícil, estimulante com certeza, mas, repito, difícil.

Nesse sentido, penso que esta intervenção foi prospectiva, contrariamente a tudo aquilo que estava a ouvir ser dito pela sua bancada.

O Orador: — Muito obrigada, Sr." Deputada, mas a minha preocupação põe-se um bocadinho mais atrás: que Código Penal vamos ter aí, daqui a dois meses? É evidente que também tenho essa outra preocupação, mas ela situa-se um bocadinho mais atrás, pelas razões que indiquei e que parecem muito claras para todas as pessoas e intervenientes.

Portanto, Sr. Ministro da Justiça, sobre o novo Código Penal deixo-lhe esta preocupação, que penso legítima.

Sobre outros diplomas, Sr. Ministro, compreendo perfeitamente — aliás, penso que todos compreendemos, nesta bancada — as dificuldades que existem para, por exemplo, «pôr cá fora», passe o termo, um novo Código de Processo Civil. Não é simples!

Mas, arriscava-me a perguntar-lhe o seguinte, Sr. Ministro: dado que passaram todos estes prazos e dado que já houve «nados-mortos» no meio deste processo, não seria de avançar, desde já, e terminar com algumas situações, nomeadamente com aquelas em que há um enorme consenso por parte de todas as pessoas que conhecem este processo, no sentido de terminar com elas?

Compreendo que V. Ex." não nos possa aqui prometer ou ter como objectivo, conforme pretenda ou escolha, um código de processo civil para daqui a três meses. Se V. Ex." o dissesse, não acreditaríamos nem V. Ex." poderia acreditar nisso! Agora, a questão que lhe coloco é esta: não será possível ter um diploma intercalar que venha acabar com situações limite, que todos reconhecem estar a mais, a menos ou incorrectamente no actual Código de Processo Civil?

Uma outra questão, para não falarmos de muitos mais diplomas, diz respeito ao seguinte: se bem me recordo, no ano passado V. Ex.a prometeu-me que este ano seria elaborado um novo Código das Custas. Contudo, penso que ainda não estão sequer realizados quaisquer trabalhos nessa matéria. Ora, perguntava-lhe para quando o início dos trabalhos— penso que também deverão, iniciar-se desde já — para acabar com esse monstro burocrático, que é o actual Código das Custas, e com essas monstruosidades e iniquidades de que ele está cheio, tais como os inventários obrigatórios pagarem custas e, enfim, por aí fora... V. Ex." conhece-as tão bem como eu!

Entrava agora numa outra questão: a desburocratização. Sr. Ministro da Justiça, já temos discutido esta questão várias vezes no Parlamento, em diversos momentos... Já agora, gostava que a Sr." Secretária de Estado pudesse ouvir, pois suponho que esta matéria lhe diz mais directamente respeito.

Com efeito, o Ministério da Justiça é responsável por uma enorme burocracia, extremamente pesada e cara ao limite da iniquidade, e V. Ex.° não conseguiu até agora senão fazer-se ultrapassar por outros intervenientes no processo político, que impuseram que as escrituras nos bancos deixam de ser escrituras.

Uns Deputados apresentaram, há uns tempos, um projecto modesto, mas que tinha muita coisa de útil. Alguém o

mandou «chumbar». Não sei quem foi, mas certamente não terá sido V. Ex." nem ninguém do seu Ministério, visto que foi a bancada da maioria que o «chumbou», sempre com a promessa de que, designadamente, está a caminho a grande reforma.

Ora, a gente sabe que tudo isso anda «embrulhado». A reforma do notariado não se faz, obviamente, com os notários. Quando V. Ex." põe uma data de notários a fazer a reforma do notariado é para não a fazer.

Quanto à reforma dos registos, há algumas coisas melhoradas, mas já tive ocasião de contar a V. Ex.° a tal história do ministro que foi fazer o registo predial, se pôs na «bicha», perguntou quanto demorava e disseram-lhe que demorava nove meses. Não se trata de V. Ex.a, mas de um ministro abstracto. Nunca mais aconteceu nada. Nesta matéria só há promessas, nem sequer havendo objectivos. São promessas que W. Ex.M já vêm fazendo desde o longínquo termo do Programa do Governo e que todos os anos vamos ouvindo.

De repente, vem um outro ministro de outra pasta e diz que nos bancos as escrituras acabaram. É o que consta, mas V. Ex." na sua resposta...

Refiro-me, em especial, ao notariado, às conservatórias e ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

O Sr. Ministro da Justiça: — Mas o Sr. Deputado sabe que nessa área não está tudo como dantes. Há ainda muita coisa a fazer nesse domínio, mas não está tudo como dantes.

O Orador: — Está tudo por fazer, Sr. Ministro!

O Sr. Ministro da Justiça: — Não está, não, Sr. Deputado!

O Orador: — No que respeita ao acesso ao direito, pergunto a V. Ex." que verbas estão previstas para o acesso ao direito e, simultaneamente, quais as verbas previstas, com compromisso, para a formação dos jovens advogados no estágio da advocacia.

Sabe V. Ex." que esta é hoje uma questão muito grave com que se defronta a Ordem dos Advogados. São milhares os advogados estagiários candidatos à advocacia e a Ordem tem meios em nada condizentes com a tarefa a que tem de lançar mão. Sei que V. Ex." conhece o problema, mas ele não se soluciona só com os etemos fundos comunitários, que não são eternos. Efectivamente, estarmos a fazer a formação dos advogados portugueses à conta do Fundo Social Europeu é — convenhamos — um pouco ridículo, para não dizer outra coisa.

Quero, finalmente, referir-me às questões da investigação criminal e das prisões. A verdade é que ainda há três dias o Sr. Procurador-Geral da República se mostrava mais uma vez—já deve ser a sexta ou a sétima vez ao longo destes últimos meses — preocupado com a falta de meios para a investigação criminal, designadamente no que diz respeito à criminalidade organizada e à criminalidade económica. Há várias promessas de V. Ex." para combater o problema e sei que tem sido feito algum esforço, mas penso que esse esforço tem sido muito limitado. Poderá V. Ex." dar-nos algumas informações sobre medidas, próximas no tempo, que se destinem a habilitar quer a Procuradoria-Geral da República quer a Polícia Judiciária com os meios técnicos adequados a uma investigação cuidada, correcta e rápida nesse tipo de criminalidade?

Nas prisões, Sr. Ministro, a situação 6, como V. Ex."aqui disse, grave e preocupante. Começamos a temer que um dia

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destes aconteça algum acidente numa prisão portuguesa. Todos nós certamente desejaríamos que nunca ocorresse tal coisa, mas a verdade é que os exemplos que partem de outros países europeus que se debatem com o mesmo problema, como a Inglaterra e a França, são no sentido de que a sobrepopulação prisional, sobretudo nos grandes estabelecimentos prisionais, é propícia à ocorrência de acidentes gravíssimos que se têm verificado ultimamente. Começamos a temer que isso possa um dia destes passar-se nalgum dos nossos estabelecimentos prisionais.

V. Ex.a anunciou aqui um programa praticamente de emergência, que compreendemos e, obviamente, apoiamos, mas, ao mesmo tempo, o problema das prisões, como aliás foi enunciado por V. Ex. não se limita, a meu ver, à sobrepopulação, mas a repensarmos todo o sistema penitenciário. Como V. Ex." sabe, é um problema que está hoje na ordem do dia por toda a Europa, questionando-se, designadamente, para que servem as prisões, que tipos de prisões queremos e até aonde vai a eficácia ou ineficácia do sistema prisional.

Nos últimos tempos, não tenho ouvido V. Ex." falar sobre as reformas a introduzir no direito prisional. Apesar de o nosso direito prisional não ser dos piores, muito pelo contrário, penso que muitas reformas seriam urgentes também nesse campo. Segundo as informações que temos, o clima nas prisões é de molde a causar preocupação a V. Ex." e a nós.

Questionei-o e mandei-lhe um requerimento, suponho que há cerca de um ano, mas ainda não respondido, sobre os casos de sida e hepatite nas prisões portuguesas, que julgo tratar-se igualmente de um problema que começa a ser alarmante. Gostaria que V. Ex.a, se possível, me fornecesse algumas indicações — hoje ou numa ocasião próxima, pois admito que V. Ex." não tenha aqui esses dados à sua disposição — sobre as situações de sida e hepatíte B nas prisões portuguesas, que sei tratar-se de um problema preocupante, mas que gostaria de ver mais concretizado.

Termino com uma pergunta concreta: para quando, Sr. Ministro, a Lei Orgânica do Ministério da Justiça? Continuaremos durante anos e anos à espera da Lei Orgânica e a ter, por exemplo, a Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores, juntamente com o Instituto de Reinserção Social, à espera dos tão propagandeados, propalados e prometidos serviços de intervenção social de justiça?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo.

O Sr. Manuel Silva Azevedo (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, temo que esta intervenção não se enquadre naquilo que tem vindo a ser discutido até agora, mas devo salientar que, a não ser uma ou outra referência esparsa, não se tem falado aqui do Orçamento. No entanto, congratulo-me por ter aprendido tanto de há três horas a esta parte.

Reconheceu V. Ex.a, com uma nobre humildade, que o estado da justiça nos Açores suscitava grandes preocupações, apesar de nos últimos anos algumas coisas terem sido feitas positivamente, sobretudo no capítulo dos edifícios. Disse-o em Ponta Delgada, onde se deslocou na semana passada para inaugurar o nono de várias dezenas de gabinetes de apoio jurídico aos cidadãos de fracos recursos, congratulando-me eu por, nesse aspecto, nós, açorianos, termos tido prioridade.

Nessa visita, foi mais uma vez alertado para a exiguidade das instalações do Tribunal de Ponta Delgada, que parece ir ter solução à vista com as obras de remodelação do edifício onde serão instalados o tribunal do trabalho e os registos e notariado. Isto suscita-me, no entanto, a seguinte

questão: é que no PIDDAC se prevêem para esta obra 170000 contos para os próximos três anos, mas só 8000 contos para 1994. Tanto quanto relata a imprensa, o seu gabinete terá informado que estas obras poderiam iniciar-se já no início de 1994. Gostaria que me esclarecesse, se possível, algo neste sentido.

Foi ainda alertado para as deficientíssimas instalações dos Tribunais da Ribeira Grande e de Vila Franca do Campo. Tenho de salientar, a este propósito, que as verbas que já no ano passado se encontravam inscritas no PIDDAC foram diferidas no tempo.

Faço aqui um parêntesis para sublinhar que todas estas afirmações que estou a produzir se baseiam na imprensa, porque não tive acesso a outra informação acerca dessa visita a Ponta Delgada que não fosse através da imprensa.

Tais verbas foram, como disse, diferidas no tempo. Pelo menos num caso, diz-se que esse facto se deveu ao facto de a Direcção-Geral do Património do Estado ainda não ter resolvido o problema da cedência de um dos terrenos. Neste caso, estranho que isso aconteça porque a Direcção-Geral do Património do Estado tem ultimamente sido muito lesta, relativamente aos Açores, em atribuir terrenos a entidades, para logo depois, daí a alguns dias, «dar o dito por não dito».

Foi também alertado para a falta de pessoal que se verifica nalgumas comarcas. Cito-lhe, a título de exemplo, a Procuradoria da República da Horta, que só tem um funcionário. Tanto quanto sei, tem sido pedida sistematicamente a colocação de um escriturário, que sistematicamente tem sido negada.

Congratulo-me por finalmente, no próximo mês de Dezembro, passarmos a ter a emissão dos bilhetes de identidade nos Açores. A este respeito, perguntaria: e os registos criminais? Sei que a sua emissão está pendente da completa informatização das secretarias judiciais. Pode o Sr. Ministro dizer-me para quando?

No que respeita à Polícia Judiciária, quero realçar mais uma vez, como o fiz aqui no ano anterior, o óptimo trabalho que tem desenvolvido nos Açores em diversos aspectos, sobretudo na área da detecção de redes de tráfico de droga. Creio, porém, que mais pessoal ajudaria, atendendo à apetência dos traficantes pela rota dos Açores.

Acerca deste assunto, referiu na sua intervenção, segundo creio, que Portugal já não estaria na rota da droga ou qualquer coisa desse género — solicitar-lhe-ia o favor de me esclarecer sobre a sua afirmação, pois já não me recordo das palavras exactas que utilizou. Pergunto-lhe se tal afirmação inclui também os Açores. Portugal inclui, obviamente, os Açores, mas, como os Açores constituem um arquipélago completamente aberto, gostaria de saber se estaria na sua mente incluir também os Açores na sua afirmação.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): —Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, sinto-me confortado pelo facto de só neste momento usar da palavra, porque tive ocasião de mandar um fax ao Sr. Ministro em que lhe transmiti um elenco de cerca de 46 questões. Não tenho qualquer esperança em que lhes responda agora— a algumas já foi respondendo —, mas tenho a esperança de que não transforme este debate no debate único, que tem sido o nosso hábito destes últimos anos, ou seja, o de fazermos este debate e verdadeiramente, padecendo de indigestão, não fazermos qualquer outro. O Sr. Ministro reescalona as suas promessas e todos o> anos nos apresenta um novo calendário.

Acho que todos merecemos mais...

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O Sr. Ministro da Justiça: — Se V. Ex." quiser, posso já acordar em duas ou três datas alternativas para vir à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a partir do princípio de Janeiro.

O Orador: — Faça favor, Sr. Ministro!

Admitindo esse cenário de Janeiro, creio que isso seria muito positivo e muito concreto. De contrário, faremos, em vez de, um debate que efectivamente não substitui coisa nenhuma.

Gostaria, pois, que respondesse as perguntas muito concretas que lhe dirijo, entre as quais as seguintes: qual é o número de gabinetes de apoio? Quais são os quadros de pessoal? Quais são as verbas? Qual é a lotação das prisões? Quantos presos de um tipo e presos de outro existem numa prisão? Por que é que não foi tomada dada medida e foi tomada outra diferente?

Esse grau de concretude é absolutamente fundamental para que V. Ex." possa, por um lado, prestar à Câmara informação fidedigna e, por outro, para que não floreteemos elegantemente fazendo padecer de sono os nossos colegas.

Esqueci-me de juntar a essa lista...

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Deputado, recebi o seu fax anteontem ao fim do dia e é evidente que lhe vou responder, ponto por ponto e por escrito, dado que a sua questão vem na sequência de uma sugestão minha em comissão para que pusessem por escrito as questões. Responder-lhe hoje talvez seja excessivo mas, se quiser...

O Orador: — Sr. Ministro, seria excessivo e por isso peço à Comissão que autorize que as perguntas sejam intercaladas na acta e de imediato faço entrega do texto dispensando V. Ex.* de lhes responder. Dou as perguntas por reproduzidas mas gostaria de dizer que certas questões sobre o sistema prisional não deveriam ser deixadas passar sem referência apesar de não ter incluído duas ou tres áreas que provavelmente deverão merecer reflexão ulterior.

Primeiro, o uso de novas tecnologias por parte do Ministério, designadamente na área informática. Não vou aludir ao processo em concreto, pois merece missa maior e melhor, mas há uma coisa que me intriga: qual a razão da insistência no uso do programa de tratamento de texto WP4, que é um verdadeiro horror, assusta os juízes, os funcionários, toda a gente, está ultrapassado pela própria companhia multinacional, é um dinossauro do passado, afugenta os desgraçados que têm necessidade de se iniciarem na informática? No entanto, é o software oficial de tratamento de texto do nosso Ministério e a empresa em causa tinha obrigação de os substituir porque já o substituiu em toda a parte. Pelo menos isto deixo averbado na acta.

Uma palavra ainda em relação à reestruturação financeira do Ministério e à reestruturação orgânica uma vez que é preciso evitar a repetição do que aconteceu no ano passado que deixou toda a gente inquieta e redundou no adiamento da reforma, como era de recear.

A última pergunta é curiosidade não patológica. V. Ex." fez algumas reestruturações em matéria de quadro de funcionários mas gostava de saber se temos funcionários para fazer notificações porque admito que nem todas podem ser feitas pelo telefone e via postal. Com que funcionários é que vamos fazê-las e como é que V. Ex.' se reestruturou, adequou e articulou com o seu estimado colega Ministro da Administração Interna nessa matéria crucial?

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado José Magalhães, se bem percebi, V. Ex.° requereu que constasse da acta o texto que vai entregar. Assim se fará.

Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): — O Sr. Ministro, na sua resposta, minimizou um pouco a imputação de variações de opções que tinha referido na intervenção inicial mas creio que a dúvida que hoje existe — e seria importante eliminá-la — é que algumas das suas concepções de fundo se poderiam ter modificado. E aproveito para mencionar dois pontos.

O Sr. Ministro aparece ultimamente a falar de um conselho superior de justiça ou algo de equivalente, mas há três anos V. Ex.° falava também num conselho superior de justiça, totalmente regulado num diploma que estaria pronto (pelo menos assim reza a imprensa) e que teria uma concepção e uma função completamente distinta da que aparece ultimamente no seu discurso. Este é um aspecto importante para ver como é que hoje o titular da pasta da Justiça concebe, nesse domínio, um órgão com as funções que normalmente são associadas no direito comparado e na nossa experiência a esse tipo de concepção.

O segundo ponto diz respeito à própria concepção do Ministério Público. Algumas das suas declarações mais recentes suscitaram dúvidas, de que nos apercebemos no trato quotidiano, sobre uma mudança na sua concepção acerca do figurino constitucional nessa matéria. Essa dúvida está hoje instalada quer queiramos quer não, e a instalação de dúvidas, sobretudo quando não têm fundamento, é muito perigosa.

O último ponto tem a ver com variações e opções. Examinámos o Estatuto dos Magistrados Judiciais há alguns meses atrás e nada fazia supor que o pensamento governativo, que o pensamento da maioria nessa altura quisesse inserir nesse estatuto a ideia de um controlo público da riqueza, à semelhança do que acontece com os titulares dos cargos políticos. No entanto, a existir um pensamento consistente nesta matéria parece que era aí que ele deveria ter um registo ou um sinal adequado já que quando os magistrados e a própria Assembleia da República discutem o Estatuto dos Magistrados Judiciais esse seria um ponto de relevo particular até porque tem a ver com a aproximação entre estatuto de titulares de órgãos do maior relevo público. Só que nessa altura nem a maioria nem o Governo pensavam nessa matéria.

Posteriormente a proposta chega-nos e penso, Sr. Ministro, que era importante saber se o seu pensamento coincide com a correcção desta proposta que hoje está na Mesa, pois penso que no passado não foi suficientemente audível a sua posição sobre alguns pontos. Por isso, Sr. Ministro, penso ser importante, agora que essa matéria está na Assembleia de República, que traduzisse o seu pensamento sobre esse ponto.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, começaria por responder às questões suscitadas pelo Sr. Deputado Alberto Costa, sublinhando o facto de serem questões que eu próprio gostaria de repetir na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias com mais tempo, com mais tranquilidade e não apenas para responder em termos de variação ou não variação de opção mas para podermos falar em termos de opções, minhas e vossas também.

Relativamente ao conselho superior de justiça, ele de alguma maneira não é diferente do outro conselho superior de justiça que eu tinha concebido há salvo erro dois anos, só que tem uma diferença. É que enquanto esse outro conselho superior de justiça actuava dentro do quadro

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constitucional, este pressupõe revisão constitucional se nós lá chegarmos e se quisermos lá chegar.

O que aconteceu foi mais um exemplo típico daquilo que no fundo tem sido também recorrente nesta nossa discussão. Esse conselho superior de justiça propunha um órgão informal de coordenação de acções que teve o apoio claro da então bastonária da Ordem dos Advogados, da justiça administrativa e fiscal, alguma reserva do Sr. Procurador Geral da República que todavia não negava a possibilidade de ele vir a ser constituído e a oposição dos sindicatos e do Conselho Superior da Magistratura.

Uma vez que se tratava de um órgão que teria de ter uma base informal, embora fosse criado por despacho ou até mesmo por um decreto, de qualquer maneira assentava muito no que era (aí, sim) uma consensualidade total para que pudesse funcionar como órgão de coordenação, desistiu-se de caminhar por aí uma vez que havia oposição de elementos que eram essenciais quanto à sua composição e à sua participação nesse conselho.

Este conselho superior de justiça será porventura uma proposta apresentada em fase de preparação de uma possível revisão da Constituição. Srs. Deputados, devo dizer-vos que quando estas questões são discutidas em termos de independência dos tribunais eu navego numa total tranquilidade e só não digo que não recebo lições de ninguém porque recebo lições de toda a gente sobre tudo. Mas, se quisesse usar essa frase, este era um ponto onde eu dizia que não recebo lições de ninguém, com essa ressalva de que recebo sempre lições de toda a gente.

Creio mesmo, com toda a franqueza, que discutir este assunto em Portugal do ponto de vista de ser ou não ser, de querer ou não querer, é uma discussão espúria, pois não passa pela cabeça de ninguém pôr em causa a independência dos tribunais, não faz nenhum sentido que isso aconteça.

Portanto, esta é uma discussão espúria que retira à independência muito daquilo que ela tem e que é também o lado instrumental para que os tribunais funcionem efectivamente ao serviço dos cidadãos e dos seus direitos, liberdades e garantias. E pode eventualmente inquinar-se essa discussão a ponto de se tomar a independência como que um direito próprio dos tribunais quase como que alguma coisa objecto de uma propriedade intrínseca dos tribunais o que seria profundamente errado. E sei que esta

preocupação é tanto minha como do Grupo Parlamentar do PSD, como é de certeza do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, dado que no fundo estamos a discutir a essência do que é, passe a redundância, essencial num Estado de direito e numa democracia. E a independência dos tribunais constitui uma pedra angular mas não é a essência, é um instrumento essencial para se chegar à essência e, portanto, é inimaginável pô-lo em causa. Mas não se esgota aí porque o Estado de direito não existe para a independência dos tribunais mas é a independência dos tribunais que existe para o Estado de direito e para a garantia desse Estado de direito.

E há um aspecto hoje que é estrutural e estruturante do funcionamento da justiça e que aqui foi trazido várias vezes, ou seja, a garantia de que a eficiência do sistema de justiça tem hoje de constituir um valor. E não vale a pena tentar inquinar esta afirmação dizendo que se trata de uma perspectiva tecnocrática pois não é verdade. É que, se assim fosse, quando a oposição critica o Governo por ainda não ter respondido às exigências de celeridade da justiça está a colocar-se também numa postura tecnocrática da justiça e da concepção tecnocrática sobre justiça.

Nós sabemos todos hoje que a eficácia e a eficiência são claramente valores das democracias modernas e eu próprio tenho defendido que devem ser valores a incorporar na própria concepção do direito e na própria dogmática do direito. Até que ponto é que podemos dizer, como depois da guerra se dizia, que um direito injusto não é direito, que um direito ineficaz não é direito na medida em que ele também tem a face instrumental para a realização e satisfação de interesses legítimos dos cidadãos.

Ora, se quisermos fazer predominar — e eu quero — a estrutura do sistema institucional que construimos, e em cuja colaboração também participei activamente, seja no domínio da autonomia do Ministério Público, seja no domínio do autogoverno das magistraturas — e não nego aí a minha perspectiva institucional e de consagração institucional —, creio que o sistema não só se não completou totalmente como nunca mais se abriu, como sistema novo que é, àquilo que resulta das pontuais mutações de um sistema novo em concretização e, portanto, em aperfeiçoamento.

E o que vejo hoje e que, com toda a franqueza, me preocupa é um tabu absoluto sobre esta matéria. Ninguém aceita discutir estas matérias, sempre em nome da independência dos tribunais. Isto é para mim profundamente demagógico e profundamente errado em termos de consolidação do Estado de direito e de resposta das instituições aos interesses legítimos dos cidadãos. E aí, embora sabendo que é excessivo dizer isto, do ponto de vista da tutela da independência dos tribunais não empenho apenas a minha opção mas também a minha honra, porque essas são matérias que relevam também da essência da personalidade de cada um de nós e eu, nessa matéria, repito, empenho a minha honra.

Agora, no que não empenho a minha honra é numa série de clichés sobre a independência dos tribunais, que fazem com que, muitas vezes, o sistema não funcione e não responda aos interesses fundamentais dos cidadãos. Hoje, há situações de entropia do sistema, exactamente porque se não pretende aperfeiçoá-lo, nem abri-lo a uma concepção que entendo mais alargada na co-responsa-bilização do funcionamento da justiça.

Quando, a propósito do conselho superior de justiça, disse que esse concelho seria ou poderia ser um verdadeiro conselho de Estado para a justiça, evidentemente que não estava já a perspectivar o modo como ele será constituído na sua totalidade, porque entendo que esta é uma

questão que só será resolvida através de uma revisão constitucional, tendo, portanto, de passar por um debate criativo, construtivo e de consenso, nomeadamente com o PS.

Portanto, não faz sentido que o Ministro da Justiça apareça com um projecto acabado e definitivo, dizendo «é isto», mas, sim, abrir um espaço de reflexão que passe por uma concepção que, no fundo, não venha tornar as magistraturas dependentes umas das outras, como já se pretendeu dizer, porque é evidente que concebo um conselho superior de justiça com secções próprias para cada um dos sectores de intervenção e essas secções não ficarão com certeza muito afastadas daquilo que são hoje cada um dos conselhos superiores, não se tratando, portanto, de criar aí situações de subordinação.

Do mesmo modo, quando falo da permeabilizaçâo de carreiras, não estou a falar da anulação da autonomia das magistraturas, uma em face da outra, porque essa autonomia é uma coisa e a permeabilizaçâo de carreiras é outra e todos conhecemos, nomeadamente, o sistema francês — que é aqui o mais conhecido — que, desde logo, serve aqui como contraponto para demonstrar que não é isso que se pretende fazer.

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O que está aqui em jogo é uma exigência de coordenação e de responsabilização e uma exigência de descorporativização — no sentido negativo do termo — dos conselhos superiores, que desde sempre tenho assumido

Entendo que temos de ser capazes de assumir — e de assumir com as dificuldades políticas que daí podem resultar em situação conjuntural — que o conselho superior tem de ser um conselho de Estado, representativo do Estado e com uma legitimação de Estado, e não com uma legitimação vertical e corporativa que só é democrática no nome e não na essência. Sabemos que todos os regimes totalitários têm corpos que se auto-elegem e que daí não resulta qualquer democraticidade do próprio regime.

Estas são áreas que, creio, têm de estar abertas à discussão e que não inquinam em nada as opções que sempre tive nesta matéria, que são justificadas pelo facto de eu entender que, ao fim de mais de dez anos de experiência, é importante reflectirmos, corrigirmos o que está errado e aceitarmos que o sistema de justiça também tem, ele próprio, na sua concepção institucional, entropias, que não lhe permitem, só por si, responder ao conjunto de exigências que estão aqui em causa.

Relativamente à autonomia do Ministério Público, que era, no fundo, a questão que resultava da intervenção de V. Ex.", disse claramente que sou favorável a essa autonomia. Aí também não tenho tergiversasões e o que disse foi apenas isso — se me permitem a ausência de pedantismo, estava a fazer uma intervenção de natureza teórica.

O que eu disse foi que a autonomia do Ministério Público não tem de ser constitucionalizada, porque isso não está na natureza das coisas. Enquanto que a independência dos tribunais está na natureza das coisas e tem, portanto, de ser sempre constitucionalizada, a autonomia do Ministério Público não tem necessariamente de o ser — o que não quer dizer que deixe de o ser —, pois isso resulta da opção do legislador em cada momento. Mas daqui não se conclua que quero desconstitucionalizar a autonomia do Ministério Público para, depois, assumir a opção legislativa de a retirar.

Certamente que a questão é-me colocada partindo do princípio que o Ministro responde a partir da sua convicção e a minha convicção é essa. É importante que tenhamos as referências teóricas do sistema e, uma vez que a questão me é colocada, respondo que não há necessidade de ela ser constitucionalizada. Cria-se a ideia de que um Ministério Público não autónomo é uma expressão de um Estado antidemocrático ou uma negação do Estado de direito, o que não é verdade, pois todos sabemos que há muitas opções de Estado de direito e de Estado democrático cujos ministérios públicos não têm autonomia. Ora, não podemos, aí, criar confusões de concepção e, se formos claros nas concepções teóricas, com certeza que saberemos extrair as decorrências práticas com maior facilidade.

Quanto ao controlo dos rendimentos dos magistrados, posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que, eu próprio, há muito tempo coloquei essa questão à associação sindical e devo dizer-lhe que nunca fui estimulado para tratar desta matéria do estatuto dos juízes, talvez por uma questão de preconceito inconsciente ou de prejuízo inconsciente. Entendi que esta era uma matéria para tratar ex professo, em sede de controlo de rendimentos dos titulares de cargos públicos e não no estatuto de cada profissão e não é por uma opção em concreto que a não incluo no estatuto dos magistrados.

O que entendo — e os próprios Magistrados manifestaram-me abertura nesse sentido — é que, dadas as razões

pelas quais se julga dever proceder-se ao controlo dos rendimentos dos titulares de cargos públicos, nada impede que também se proceda ao controlo dos rendimentos dos magistrados. E gostaria muito que se evitasse o caminhar de suspeição em suspeição até que, um dia, se chegue também à suspeição dos magistrados.

Assim, entendo que, nesta matéria, mais vale prevenir do que remediar e, dado este não ser um controlo repressivo sobre os títulares de cargos políticos, não vejo qualquer impedimento a que os magistrados não estejam também sujeitos a esse controlo — e, pelos vistos, eles próprios também assim o entendem.

O Sr. Alberto Costa (PS): — Sr. Ministro, permite-me uma pergunta adicional?

O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): — Quando o Sr. Ministro se refere aos magistrados está a pensar em magistrados judiciais e do Ministério Público ou, neste ponto, está a pensar em seccionar essa realidade da magistratura?

O Orador: — Sr. Deputado, com toda a franqueza, acho essa opção menor. Se se quiser optar por referir os titulares de órgãos de soberania, evidentemente que o magistrado do Ministério Público não é titular de um órgão de soberania. No entanto, essa é uma opção que, neste momento, não me parece ser nem uma opção de fundo nem particularmente importante.

Se se quiser limitar esta medida a titulares de órgãos de soberania e o diploma for relativo a esses, essa distinção terá de ser feita. Mas se não se quiser ir por aí, não vejo que haja uma absoluta necessidade de o fazer. Suponho que é apenas nesta referência teórica que se encontrarão as respostas para a questão que V. Ex." acaba de colocar.

Passaria agora às intervenções anteriores, tentando ser o mais breve possível.

A Sr." Deputada Margarida Silva Pereira colocou aqui uma preocupação que, no fundo, é de todos nós e que vai, com certeza, encontrar resposta, pois temos sempre a garantia de serem encontradas respostas adequadas às preocupações universais.

No entanto, devo dizer-lhe, Sr.a Deputada, que continuo a entender que, quando — e não é com certeza o seu caso —, perante preocupações que resultam de algumas mutações no domínio da criminalidade, consideramos que o Código Penal surge como um instrumento para responder a esse tipo de preocupações, enquanto preocupações de segurança e de garantia de segurança, damos sempre um mau passo relativamente àquela que venha a ser a configuração final do Código Penal.

Evidentemente que o Código Penal tem também a sua função em matéria de segurança e tem-na no domínio da prevenção especial, da prevenção geral, da própria função ético-retributiva e, muito, no domínio do que se diz hoje ser a prevenção geral positiva, ou seja, na garantia da afirmação da norma e de que a norma funcione. Nesse caminho não temos nenhuma razão específica que nos leve a mudar a estrutura cultural da legislação penal portuguesa e é também aí que de alguma forma me inscrevo. Ou seja, não estamos perante uma situação de crise que justifique uma modificação estrutural da posição cultural face à intervenção criminal, a não ser que essa situação de crise fosse tal que todos os instrumentos e respostas seriam instrumentos de crise. Nao é claramente o caso.

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Em toda a parte, há um aumento da criminalidade e Portugal tem um aumento percentualmente menor do dos outros países europeus. Há aumento da criminalidade violenta e, curiosamente, em Portugal, nem aí se pode falar de aumento de criminalidade. Se há nível onde a criminalidade estabilizou, foi no plano da criminalidade violenta; haverá, com certeza, alguma previsibilidade no sentido de um aumento desse tipo de criminalidade, mas, ainda assim, absolutamente controlado e todos sabemos que não é com um aumento de penas significativo nestes domínios que conseguiremos resultados positivos.

Mas há aqui um aspecto fundamental e, de facto, a Sr." Deputada tem razão quando fala na possibilidade de divulgar, de discutir e de fazer passar esta mensagem, porque é facílimo dizer que é aumentando as penas que as pessoas se tornam insusceptíveis de cometerem crimes.

Do mesmo modo, entendo que é necessário fazer passar a mensagem óbvia de que a reinserção social não é nada que se tenha inventado a favor dos criminosos, mas alguma coisa que se inventou a favor da defesa social e relacionar outra vez estes temas com as respectivas matrizes, explicando o que eles significam, e é fundamental não discutirmos estes temas na linguagem — retomando o tema da mercearia— do «toma lá mais um ano», «dá cá mais um ano».

Se, no fundo, um dos objectivos da revisão do Código Penal, todos o sabem, era a elevação das penas dos crimes contra as pessoas, gostaria que, depois, não viéssemos a cair na discussão de quem ganhou e de quem perdeu e de que se ganhou porque se aumentaram mais três anos ou de que se perdeu porque aquele não teve x anos. O que está aqui a discutir-se, em núcleo, são questões fundamentais, tais como liberdade condiciona], limite máximo de penas, alternativa da prisão e da multa e suspensão das penas, e não saber se tal crime pode ter uma pena de mais ou menos dois anos. Se isso for importante, não há qualquer problema, pois, aí, ninguém discute nem ninguém tem a ciência úlüma de saber qual deverá ser o limite máximo das penas. Não é, portanto, aí que a questão se coloca.

Ná essência, creio termos um esforço a fazer no sentido de trabalhar um código penal nestes termos, sem deixar fugir a ideia de que, para responder a esse tipo de preocupações, há que intervir no plano da criminalidade, aumentando a segurança e outros tipos de intervenção por via de uma maior eficácia das próprias instituições, garantindo-se uma maior rapidez na resposta dos próprios tribunais nesta matéria.

Sabemos — e hoje isso está claramente adquirido — que a grande prevenção se faz mais pela rapidez das condenações do que pela «quantidade» da condenação. As pessoas deixam de cometer crimes porque sabem que são julgadas, mas não deixam de os cometer por saberem que são julgadas severamente — isto está claramente assumido e toda a gente que quer saber estas coisas sabe que é assim.

Quanto ao Programa Cidadão e Justiça, devo dizer que percebo a intenção da questão da Sr." Deputada. Gostaria que não houvesse proselitismo por parte do Ministério da Justiça na defesa do Código, isto é, que este não fosse considerado como alguma coisa que esse Programa vai «vender aos cidadãos». O que haverá, sim, é uma enorme intervenção, por exemplo, por parte do Centro de Estudos Judiciários e através de outras organizações do Ministério.

Eventualmente, poderão ser feitos folhetos desse programa, mas não gostaria de «encomendar» ao Programa Cidadão e Justiça o objectivo de fazer passar a mensagem do Código. E, uma vez que falamos deste programa, dir-lhe-ei, Sr> Deputada—e direi também à oposição—, que «ele está bem e recomenda-se». Ainda não é o grande Programa Cidadão e Justiça que queremos que seja, mas ainda bem que o não é porque estas coisas devem levar o seu tempo a cres-

cer e este Programa vai crescendo gradualmente, sem dificuldades preocupantes relativamente ao seu funcionamento — vai crescendo sempre mais e melhor e é esse o caminho que continuamos a traçar para ele.

Quanto à política comunitária de justiça, continuo a entender — e creio termos hoje bons instrumentos nesse sentido— que, na situação actual, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht e com a crescente afirmação de uma cidadania europeia para lá do que deriva imediatamente e apenas da livre circulação, a ideia de que a cidadania europeia vai ser uma conquista de fora para dentro relativamente ao Tratado e não uma interpretação do mesmo para os cidadãos, ainda está viva e com possibilidades de se desenvolver.

Evidentemente que estamos, agora, numa primeira fase de organização do terceiro pilar, que é uma fase importante e é bom que ela fique estabilizada em termos do conhecimento perfeito dos circuitos, das representações e das partilhas de competências.

Como sabe, toda a organização do Comité K4, dos grupos directores e do modo como estes se vão articular com as outras instituições comunitárias é a fase imediata, mas, já dentro dessa fase, há um estilo, que, posso dizer-vos, resulta, por exemplo, da própria documentação distribuída para a próxima Conferência de Ministros da Justiça e da Administração Interna, que vai ocorrer na próxima semana, em que vem a indicação da presidência portuguesa e da reunião do Funchal como sendo a primeira que abriu um espaço significativo ao novo papel da justiça nesta área, através do trajecto para as harmonizações legislativas.

Neste aspecto, estamos a trabalhar em áreas diferenciadas, comunitarizáveis umas, intergovernamentais outras, e o caminho para a harmonização legislativa ainda não está sequer iniciado, mas, por exemplo, fomos nós quem lançou a primeira pedra no sentido de se trabalhar numa possível harmonização legislativa no que concerne ao sistema penal de protecção das fraudes financeiras que tenham a Comunidade como vítima — é uma hipótese e um caminho a desenvolver e tomámos essa iniciativa.

Um dos temas que vai também ser abordado já na próxima conferência, embora ainda não para uma tomada de posição definitiva, a não ser que haja uma unanimidade absoluta, é, justamente, a questão da adesão ou da não da Comunidade à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

É evidente que essa não é uma questão de opção política, mas de opção de técnica de representação, no sentido de saber se a representação da Comunidade pela Comissão anulará a representação de cada Estado no âmbito do próprio Conselho da Europa e no plano da Convenção, sendo essa questão da técnica de representação política que está, de alguma forma, a atrasar o processo e não alguma dificuldade política por parte da Comunidade.

No entanto, agradeço que tenha colocado a questão porque, hoje, não há dúvida nenhuma de que um dos instrumentos decisivos para a construção da União Europeia é o terceiro pilar e, portanto, o papel que a justiça e a administração interna aí têm a desenvolver, não apenas, no que diz respeito a Portugal, no domínio do combate à criminalidade organizada, do tráfico de droga, etc., mas também no domínio da cooperação judiciaria em matéria civil e penal.

Quanto à questão colocada pela Sr.a Deputada Odete Santos, partilho, com certeza, de algumas das suas preocupações e até diria que partilhava de todas, embora em «quantidades» diferentes.

Há dois aspectos que V. Ex." conhece e que reconhece, pois sabe que se há área onde uma maior celeridade da justiça teve uma expressão significativa foi na justiça laboral. Isto aconteceu por duas razões e não quero assumir, por parte

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do Governo, toda a responsabilidade positiva, mas a verdade é que foi muito do trabalho desenvolvido nesse sector, que durante tanto tempo esteve abandonado, que permitiu essa recuperação.

A Sr.a Odete Santos (PCP):—Não, não, ultimamente não há recuperação. Só houve por causa dos contratos de trabalho.

O Orador: — Evidentemente que há uma maior carga de peso sobre os tribunais de trabalho e V. Ex." encontra reflexos dessa maior carga na estatística que leu há pouco. Mas V. Ex." só leu uma parte da estatística, só leu que há mais processos pendentes nos tribunais de trabalho, não a leu toda. Não leu que, embora com mais processos pendentes, eles são julgados em menos tempo e continuam a sê-lo, que é o que me preocupa.

Devo dizer-vos (se me permitirem dizer isto, com a boa--fé dos ouvintes que sois) que não estou nada preocupado com o número dos processos pendentes nos tribunais portugueses, o que me preocupa é o tempo da duração de cada processo. O número de processos pendentes não me preocupa nada, tanto me faz 10 00, como I milhão, como 3 milhões, o que eu quero é ter todos a andar depressa. O número deles não me preocupa nada!

Se, neste momento, há uma maior entrada de processos nos tribunais de trabalho mas, ainda assim, a resposta permite ganhar um mês em relação ao ano anterior, isso deixa-me feliz, Sr.* Deputada, porque significa que o sistema não só está em condições de responder mais depressa, como também está em condições de responder mais depressa a uma maior sobrecarga de trabalho. E nos tribunais de trabalho não é fácil responder mais depressa porque já se responde bastante depressa na justiça laboral. Tomaríamos nós ter toda a justiça a responder ao ritmo a que responde a laboral!

Posso dizer-vos — não foi boutade, embora V. Ex.a possam tomar como tal — que, ainda há pouco tempo, num discurso público aquando da inauguração de um tribunal do trabalho, foi pedido «tão depressa, não»! Não é pedido a que eu dê grande atenção...

A Sr.a Odete Santos (PCP): — Qual tribunal?

O Orador: — Foi em Guimarães, Srs.1 Deputada. Embora eu não dê grande atenção a esse pedido, ele tem algum significado.

Portanto, neste aspecto, a área que V. Ex." escolheu não foi muito feliz. Mas sei que V. Ex." o fez com boa intenção e não vou assacar qualquer segunda intenção a essa questão.

A Sr.a Odete Santos (PCP): — V. Ex.a talvez não tenha a experiência de trabalhar nos tribunais de trabalho, mas eu tenho. E o que eu disse, e repito, é que, ultimamente, se acentua a morosidade dos processos nos tribunais de trabalho. Houve, há algum tempo, há cerca de dois anos, uma recuperação, mas isso foi à custa dos contratos a prazo, porque os trabalhadores, nessa altura, até deixaram de recorrer aos tribunais. Neste momento, há acções nos tribunais de trabalho que estão a ser julgadas em mais tempo do que antes.

O Orador: — Sr." Deputada, a estatística que tenho, e que foi a que V. Ex." leu, diz isto: «As durações médias dos processos de trabalho findos em 1992 foram as seguintes: acidentes de trabalho, 12 meses (13 meses em 1991); acções de contrato individual, 15 meses (19 meses em 1991); acções educativas, 18 meses (19 meses em 1991); processos de transgressão, 13 meses (17 meses em 1991)».

A Sr." Odete Santos (PCP): — Os processos de transgressão diminuem porque a Inspecção do Trabalho nunca foi lá! V. Ex.a não vê a diminuição dos autos de transgressão!

O Orador: — Sr." Deputada, são todos. V. Ex.° ouviu--me ler todos e não é esse o problema! Se me disser que eu ainda quero que eles sejam mais rápidos, que 13 meses ainda é demais, muito bem, mas agora são 13 meses e há pouco tempo falávamos em quatro ou cinco anos, pelo que estamos a recuperar!

Evidentemente que há um peso maior, que esta recuperação é feita com uma maior entrada de processos e não está em causa tudo o que significam os aspectos sociais, profundamente preocupantes, da justiça laboral, porque tudo isso é reconhecido. Aquilo de que estamos a falar é da morosidade e da recuperação e não podemos inverter a situação.

Há situações em que não conseguimos ainda dar resposta e eu assumo claramente isso. Mas não vamos estar a utilizar os números apenas para aquilo que nos interessa. Temos uma maior pendência, de facto, mas não temos maior tempo de duração desses processos.

Relativamente às verbas do IRS e, sobretudo, à situação de Aveiro, pediria ao Sr. Secretário de Estado que respondesse a esta questão.

Passaria agora ao Programa Cidadão e Justiça e diria que os objectivos vêm sendo progressivamente atingidos. Este programa não tem os seus objectivos esgotados, como é evidente, e vamos institucionalizá-lo. Hoje, temos a noção de que ele deve ser institucionalizado porque deve ser permanente, faz sentido que exista sempre, diferentemente do que prevíamos aquando do seu lançamento, em que púnhamos a hipótese de ele funcionar apenas durante um ano, pelo que terá autonomia nesse sentido. Tem crescido com a dimensão que achamos correcta e adequada para que se não perca nessa margem de crescimento.

Há pouco, tive ocasião de dizer que passámos de 14 000 chamadas, no fim do ano passado, para mais de 30 000, já nesta altura. Temos assistência permanente, através de consultas escritas que são respondidas — não consultas jurídicas mas consultas de informação —, temos atendimento directo ao público e temos acções de rua, que experimentámos pela primeira vez este ano. Continuam a proliferar os elementos de pormenor, elementares, que são distribuídos pelo público, e temos um aumento dos projectos de adesão, que têm trabalhado em vários sectores, em várias associações, em algumas rádios locais, etc, além de um programa piloto com a emigração, que tem tido um êxito assinalável. E este o caminho que vamos continuar a desenvolver.

As verbas que temos disponíveis para o Programa Cidadão e Justiça são suficientes e não têm sido esgotadas, sequer, em cada um dos anos em que o Programa tem funcionado.

A Sr.' Odete Santos (PCP): —Isso é estranho!

O Sr. José Magalhães (PS): — É estranho, é!

O Orador: — O que é que é estranho, Srs. Deputados?

O Sr. José Magalhães (PS): — O não esgotamento das verbas!

O Orador: — O que posso dizer-lhe é que, no primeiro ano, a verba disponível era de 55 000 contos; no segundo era de 70 000 e para o próximo ano será de 90 000 contos. Isto porque vamos progredindo em projectos, em programas e em lançamento de programas.

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Quanto à independência, Sr.* Deputada, quando V. Ex.* diz que se pretende pôr em causa a independência dos tribunais pelo facto de o Ministro da Justiça solicitar a uma Faculdade de Direito que faça um estudo e uma investigação académica sobre a independência dos tribunais...

A Sr.ª Odete Santos (PCP):—Eu não disse isso! Eu até

pensei que isso fosse uma atoarda!

O Orador: — Uma atoarda? O quê? Pedir um estudo?

A Sr.* Odete Santos (PCP): — Dizerem que tinha pedido o estudo!

O Orador: — Sr.a Deputada, por amor de Deus! Julgava que V. Ex.a já admitia que se fizessem estudos!

A Sr." Odete Santos (PCP): — E admito, mas dentro dos limites!

O Orador: — Então e a independência demais também não tem limites, Sr.a Deputada?! É a própria Constituição que o diz! Valha-nos Deus!

Mas primeiro, aquilo que V. Ex." não admite é que se estudem os limites da independência dos tribunais, o que já é uma limitação à independência dos tribunais! Suponha que os limites devem ser mais alargados do que o que são actualmente? Porque é que não podemos enveredar por aí?

A Sr." Odete Santos (PCP): — Estamos a desconversar!

O Orador: — Não estamos a desconversar coisa nenhuma, Sr." Deputada! Quando V. Ex.a diz que é ilegítimo pedir um estudo a uma faculdade sobre os limites da independência dos tribunais...

A Sr." Odete Santos (PCP): — Eu não disse nada disso!!

O Sr. José Magalhães (PS): — Sempre é mais subtil do que a teoria das forças de bloqueio!

O Orador: — Sr. Deputado, francamente, não o via a aderir ainda a esta última intervenção da Sr." Deputada Odete Santos!

O Sr. José Magalhães (PS): — Aguarda-se a resposta, Sr. Ministro! Sobre os limites!

O Orador:—Sr. Deputado, como sabe, a perversão é um conceito mais biológico do que psicológico e tem a capacidade de oscilar de pessoa em pessoa e de espaço em espaço. Tem sobretudo a grande hipótese de estar, umas vezes, do lado de quem diz e, outras vezes, do lado de quem ouve — neste caso, está francamente do lado de quem ouve. Não tenho qualquer dúvida sobre isso.

O Sr. Deputado José Vera Jardim referiu o meu desencanto quanto à relação diálogo/eficácia. Devo dizer-lhe que, como sabe (inclusivamente porque tem uma experiência política mais longa do que a minha), o encantamento político pressupõe alguns desencantos episódicos e conjunturais. Se não houvesse nenhum desencanto, nunca se tinha consciência, do encantamento, como é evidente, e é um desencanto episódico e conjuntural que me leva a reflectir sobre os novos caminhos do diálogo, que nunca, em circunstância alguma, porão em causa a relação com a Assembleia da República e com a Comissão, a que tantas vezes vou, com gosto, para dialogar convosco.

Direi que algum desencanto externo é sempre compensado pelo encantamento do diálogo, aqui, com a Comissão e com W. Ex." Agora, esse desencantamento é bom que exista quando tem de existir, para podermos ter a noção do que está por detrás dele e quais são as razoes que levam a que ele aconteça.

Posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que, muitas vezes, a falta

de diálogo está mais da parte daqueles que acusam dessa

falta de diálogo do que da parte daqueles que são acusados,

até porque, quando se vem dizer publicamente, de forma tonitruante, que não há diálogo, é muitas vezes para se impedir que, do outro lado, se tome a iniciativa de revelar essa verdade e essa realidade.

Pela minha parte, Sr. Deputado, haverá sempre diálogo mas não haverá a «batota» da aparência do diálogo. Diálogo, sempre! De resto, tenho muito que fazer... e isto não tem nada a ver com a Assembleia da República, não tem nada a ver com a relação futura com a Assembleia da República, que quero que seja cada vez mais estimulante, nem tem a ver, pela minha parte, com a relação com outras instituições.

Mas, Sr. Deputado, posso dizer-lhe que houve uma estrutura (e só não a indico expressamente porque não quero que fique em acta, para que haja hipótese de o diálogo continuar a abrir-se) que iniciou as relações comigo dizendo: «Sr. Ministro, tudo o que nos disser é de má-fé, até prova em contrário, que lhe cabe a si!» Como compreende, como abertura de diálogo, não é o mais estimulante.

Quanto à relação entre objectivos e promessas, V. Ex.a diz que os objectivos e as promessas, num político, coincidem e são a mesma coisa. Eu digo que não, Sr. Deputado, por uma razão muito simples.

0 Sr. José Vera Jardim (PS): — Mas há objectivos

anunciados!

O Orador: — Sim, mas mesmo os objectivos anunciados. E eu digo isto não para me defender mas por uma razão muito simples: muitas vezes, o cumprimento de uma promessa pode vir a inquinar a realização de um objectivo. E já o demonstrei aqui. Isto é, não cumpri, no tempo, algumas promessas exactamente para não pôr em causa o objectivo. Quando vi que o cumprimento, no tempo, da promessa punha em causa o objectivo, optei pelo objectivo e não pelo cumprimento da promessa.

O Sr. Deputado verá que, no quadro da legislatura, a globalidade dos objectivos a que nos propusemos será cumprida. É possível que algumas promessas não sejam, oportunamente, pontualmente cumpridas, como aprendemos no direito civil, não no sentido do tempo mas no sentido do ponto por ponto, mas é evidente que, se o objectivo for o ponto final, então é preferível que ele não seja substituído por algum ponto intermédio que não tenha, apesar de tudo, grande interesse.

Não tenho nenhuma interpretação securitária do Código Penal, embora obviamente também não se possa cair no extremo oposto, dizendo que ele não tem qualquer efeito sobre a criminalidade. É óbvio que tem e é esse um dos seus objectivos, mas não tenho interpretação securitária. E, como digo, Sr. Deputado, estou perfeitamente à vontade porque esta é das tais situações que tem a ver com o que há de essencial na personalidade e na atitude perante o mundo e a vida E a atitude perante o mundo e a vida, nestas matérias, não se muda por circunstância nenhuma, nem que seja por boas circunstâncias de natureza política.

Quanto ao processo civil e aos diplomas intercalares, como sabe, Sr. Deputado, vamos ter as respostas ao debate que abrimos até ao final deste ano e não está excluída a possibilidade de virmos a optar por alguns diplomas inter-

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calares, tudo vai depender daquilo que nos for trazido. Se chegarmos à conclusão de que estamos em condições de avançar para o articulado do Código, com certeza que o faremos; se chegarmos à conclusão de que ainda há um debate alargado, que há discussões grandes, que há pontos de divergência significativos, caminharemos por aí.

Posso anunciar-lhe, todavia, que pelo menos um diploma está em fase final de elaboração e é, justamente, aquele que vai determinar a intervenção no domínio dos inventários obrigatórios, aliás, na sequência de uma reforma sobre a qual já tivemos ocasião de conversar. Em termos grosseiros, direi apenas que vem propor a substituição do inventário obrigatório pelo inventário oficioso, permitindo que muitos deles não cheguem a ter de ser instaurados, por desnecessidade, no sentido de se obterem os resultados que com ele se pretendem.

Do mesmo modo, também o diploma sobre injunções de pagamento, de alguma maneira, pode ser considerado como diploma intercalar relativamente à reforma do processo civil. E se entendermos que alguns outros se justificam, com certeza que não deixaremos de os fazer, embora, na minha perspectiva, essa reforma, a fazer-se por diplomas intercalares, deva ser feita sempre não com diplomas que o código virá revogar para ter outra alternativa mas com diplomas que sejam a antecipação daquilo que virá a ser o código, para entrarmos numa segurança jurídica e sabermos aquilo com que poderemos contar em termos de futuro.

É justamente também por isso que a dependência do Código das Custas se mantém, como tive ocasião de dizer no ano anterior, o que é importante mas na sequência do Processo Civil. Pode haver, aqui ou ali, alguma alteração a fazer, mas é importante sabermos qual é a estrutura do Processo Civil que queremos para sabermos de que modo e por que lado devemos ir no Código das Custas Judiciais.

Acerca do sector da desburocratização, peço à Sr.a Secretaria de Estado que me dê algum apoio, de natureza intelectual, política e física, para eu poder descansar um pouco enquanto a Sr." Secretaria de Estado responde a esta matéria.

Quanto ao acesso ao direito, posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que, sendo certo que aqui há um trabalho a fazer — e estamos a fazê-lo directa e empenhadamente com a Ordem dos Advogados —, há alterações qualitativas importantes e que aqui são quantificáveis. Isto não significa que são importantes apenas por serem quantificáveis, mas são. Por um lado, está bastante menos mal a situação das defesas oficiosas em processo penal e isso é reconhecido por todos, embora tenhamos que introduzir aí alterações, se calhar até no plano do estatuto, sendo nisso que estamos a trabalhar com a Ordem dos Advogados.

Hoje, temos, por exemplo, para o apoio judiciário, uma verba disponível de 800 000 contos e para a formação de advogados temos, para este ano, uma verba de 100000 contos. E devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que nunca houve apoio por parte do Estado à formação de advogados. Fomos nós que introduzimos esse apoio, com 35 000 contos no primeiro ano, com 55 000 no ano a seguir, com 100 000 para o próximo ano, e com um investimento de 300 000 contos para a cedência de instalações para a formação dos advogados no Porto e outros apoios financeiros para as instalações em Coimbra e Faro. Portanto, trata-se de mais uma área de inovação na gestão que temos trazido para a política de justiça. O que está aqui é significativo e extremamente palpável.

Para além destes 800 000 contos destinados ao apoio judiciário, temos ainda as verbas previstas para outras áreas que, de alguma forma, se prendem com o apoio judiciário. E o caso dos gabinetes de consulta jurídica, para os quais eslá prevista um verba de 65 000 contos; para o Programa

Cidadão e Justiça, a previsão é de 90000 contos e para o apoio à vítima de crimes, 250000 contos, na sequência do que já foi pago de indemnizações este ano, sendo esta, como é óbvio, mais uma das inovações importantes nesta área da justiça.

Quanto à investigação criminal, também é reconhecido que a mudança tem sido largamente positiva, pois registavam-se, neste domínio, situações muito negativas e as ultrapassagens que vimos fazendo são significativas, quer no domínio dos meios concedidos ao Ministério Público, quer no domínio dos meios concedidos à Polícia Judiciária. Claro que ainda há carências, como é óbvio, mas essas carências, hoje, também podem ser mais rapidamente supridas, justamente porque aquilo que foi feito já é o mais significativo e o mais pesado.

Estamos à procura, como disse, da solução para a instalação física do DIAP, no Porto, e também vai ser adjudicada, até ao fim deste mês, a obra da instalação da Directoria da Polícia Judiciária, no Porto, que é mais uma obra de vulto, necessária devido à expressão física muito significativa que a Polícia Judiciária tem na cidade.

É esse o caminho que vamos continuar e, como disse, já temos edifício para transferir imediatamente o Departamento de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, o que vem na sequência das medidas de política que se sucederiam à aprovação da lei de combate à corrupção. Estamos a trabalhar nos regulamentos, que serão depois discutidos com W. Ex.K, para ampliação do quadro, mas temos já o espaço físico, que é, como calculam, em termos de investimento, o mais difícil e está conseguido. Vamos nomear o director respectivo dentro de pouco tempo e instalar o departamento ali.

Do mesmo modo, estão previstas instalações para o Ministério Público nesse departamento e estou a trabalhar directamente com o Sr. Procurador-Geral da República e com o Sr. Director-Geral da Polícia Judiciária no sentido de conseguir um reforço de meios imediato. Posso mesmo dizer que o Sr. Procurador-Geral da República, quando há dias emitiu uma nota oficiosa, falou, de raspão, na falta de meios porque tinha a minha informação, já com despacho, de que estou à espera da sugestão que ele me queira apresentar para que esses meios sejam reforçados.

No que se refere à questão das prisões, devo dizer que a reforma do direito penitenciário envolve dois aspectos: por um lado, a própria reforma da Lei Orgânica do Ministério da Justiça, e, portanto, da Lei Orgânica dos Serviços Prisionais, e, por outro lado, naquela que vier a ser a alteração, ou alterações, a introduzir no domínio dos tribunais de execução de penas, que serão sequenciais, ou contemporâneos, pelo menos, ao Código Penal e à alteração ao Código de Processo Penal, para fecharmos totalmente o quadro de intervenção legislativa neste sector.

É evidente que o sistema prisional, como tive ocasião de dizer há pouco, cria preocupações, mas também é evidente que nós, pelo que conheço, fomos, na Europa, o País que mais imediatamente encontrou soluções de crise e que já está a intervir sobre elas.

Posso dizer-vos que nesta altura, por exemplo, a Suíça, que julgamos ter todo o seu sistema a funcionar à cadência de um relógio, tem o seu sistema prisional em total ruptura. E quando aqui falamos num aumento de cerca de 8000 para 11 000 presos, o que é muito, podemos fazer uma comparação com a situação na Itália, onde se verifica que estabelecimentos prisionais previstos para 2000 comportam 8000 presos!

Quanto ao sistema francês, ele está como sabemos. Bom, temos, ainda, as soluções alternativas, como a holandesa, que é óbvio que não passa pelo nosso espírito de português, pois, no fundo, trata-se da criação de listas de espera.

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Como calculam, se algum Ministro da Justiça, em Portugal, trouxesse ao Parlamento uma proposta de lei para criar listas de espera, onde se prevesse a hipótese de dizer ao arguido «V. Ex.a está condenado, faça favor de ir para casa e daqui a um ano receberá a notificação para se apresentar na prisão», suponho que seria interessante, mas com um destino relativamente conhecido.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Há a solução dos barcos!

O Orador: — Exacto.

O Sr. José Magalhães (PS): — Há também a solução das tendas de campismo!

O Orador: — Sr. Deputado, as soluções de crise são sempre as soluções que qualquer governo de qualquer partido adoptaria e que qualquer oposição de qualquer partido contestaria

Creio que não será necessário chegar à solução das tendas, por uma razão muito simples...

O Sr. José Magalhães (PS): — Nunca diga «desta água não beberei»!

O Orador: — Exactamente por isso é que disse que «creio que não será necessário». Há aqui a cautela que o Sr. Deputado José Vera Jardim há pouco reconheceu, dando já um estatuto de maioridade no meu discurso político.

Mas, suponho, Sr. Deputado, que não vamos chegar aí, porque o modo como estamos a responder a estas dificuldades demonstra que temos capacidade de resposta rápida e, portanto, não vamos com certeza chegar a esse ponto.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — V. Ex.° tem capacidade de resposta rápida!

O Sr. José Magalhães (PS): — E labial!

O Orador: — Ela deve começar por ser labial, para lhe dar sentido, e depois física, para lhe dar concretização, como é evidente, Sr. Deputado. Aliás, nunca daria uma resposta sem antes a anteceder da resposta labial, que é aquela pela qual posso ter diálogo com W. Ex." Se W. Ex.05 colocam dificuldades numa resposta labial, lá estamos outra vez a inquinar o diálogo, mas aí com a vossa responsabilidade, como seria evidente.

Esta resposta está a ser dada com a rapidez que todos conhecem. Não se constrói um pavilhão prisional como se constrói um tribunal, por exemplo. W. Ex.M sabem disso e se não soubessem ficaria também preocupado quanto a uma eventual futura alternativa. Mas sabem e, portanto, não há qualquer motivo de preocupação.

. Já não sou tão bem humorado quando falo do problema da sida e do problema da hepatite B. E não o sou sem que signifique ter menos consideração por outro tipo de problemas, ou que eles possam despertar algum humor como estratégia de intervenção, mas, enfim, há, apesar de tudo, alguma possibilidade optimista de os considerar que neste caso não existe, por uma razão muito simples: hoje, temos elementos seguros que nos dizem, não que há aumento de hepatite B ou de sida nas prisões—e é bom também desligarmo-nos dessa leitura, que é completamente errada—, mas que há um aumento de entrada nestas. Temos dados que nos permitem concluir que não há potenciação da doença no interior da prisão, mas também temos dados que nos permitem concluir que há aumentos importantes já na sua entrada na prisão, o que é também perfeitamente natural.

Normalmente, as pessoas que entram na prisão são pessoas que, no fundo, na sua vida livre, estão muito mais em contacto com este tipo de situações e que, ao serem conde-

nadas ou ao serem presas preventivamente, transportam essas situações para o interior da prisão. E isso determinou já uma série de acções que estão a decorrer.

Posso dizer-vos. Srs. Deputados, que, neste momento, a assistência médica prestada aos reclusos em nada é inferior à assistência médica prestada no exterior, quer pela capacidade de resposta das estruturas internas dos serviços prisionais quer através do conjunto de protocolos que estão celebrados e que permitem que as estruturas externas dos serviços de saúde actuem no interior do sistema, indo lá ou recebendo os reclusos no exterior.

Não estamos nada inclinados a fazer aquilo que algumas situações pretendem que se faça, ou seja, começar a criar segregações internas. Não é para aí que aponta, sequer, a Organização Mundial de Saúde nem o Conselho da Europa. O importante é dar condições internas de interacção aos reclusos, que eles próprios aceitem, desde que, evidentemente, estejam garantidas condições de higiene e outro tipo de condições básicas no funcionamento interno das prisões.

Temos trabalhado muito seriamente nesse domínio e os Srs. Deputados, quando quiserem — é evidente, não preciso de o dizer, mas é bom que de qualquer forma deixe isso claro —, podem visitar os nossos estabelecimentos prisionais. Vão encontrar situações extremas, negativas, que nos preocupam e nas quais estamos a intervir, mas vão encontrar também um conjunto de surpresas positivas, que, no fundo, são do agrado de todos nós, porque creio que não é no sistema prisional que se faz política de oposição ou de afirmação de propaganda. E aí também não posso deixar de relevar o modo sério e sereno com que o Partido Socialista aqui colocou esta questão do sistema prisional. Estamos a trabalhar com aspectos que são extremamente preocupantes, do ponto de vista humano, e acho muito bem que seja este o tipo de aproximação às soluções destes problemas.

Há uma série de questões que foram colocadas pelo Sr. Deputado José Magalhães no seu texto, a que terei imenso gosto em responder. O Sr. Deputado requereu que o texto fosse junto à acta e eu pediria que, depois, a resposta também o pudesse vir a ser — imediatamente ou por adenda posterior, visto que é possível que só possa responder dentro de 8 a 10 dias, pois tenho de me ausentar para uma reunião de Ministros da Justiça.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, vai responder directamente ao Sr. Deputado José Magalhães, ou vai mandar resposta para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias?

O Orador: — Mando a resposta para onde me solicitarem que a dirija, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:—Peço ao Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Deputado Guilherme Silva, que quando receber esta resposta que o Sr. Ministro referiu agora, às perguntas do Sr. Deputado José Magalhães entre em contacto comigo, para articularmos a forma de a integrar na acta desta reunião, como anexo.

O Sr. Guilherme Siva (PSD). — Sim, sim!

O Sr. Presidente: — Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

Ò Orador: — Quanto à Lei Orgânica do Ministério da Justiça, Sr. Deputado, já tive opinião de dizer, há pouco, que a nossa expectativa é a de que ela seja revista este ano de 1994, com as alterações pontuais que se foram introduzindo em alguns diplomas orgânicos, para depois alterar na globalidade a lei orgânica do Ministério e, no fundo, tornar

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juridicamente previsto o que agora já vai funcionando em termos de interacção entre os serviços tutelares de menores e o Instituto de Reinserção Social.

Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo, gostava de lhe responder com todo o rigor, mas receio não ter os elementos todos para o poder fazer. De qualquer maneira, quando vou aos Açores e digo que a situação do funcionamento da justiça ali ainda me preocupa, digo-o também com a tranquilidade de já se ter feito nos Açores muito que não se fazia há décadas. E, como sabe, há já modificações significativas nesse funcionamento, mas ainda há outras para fazer, as quais valorizo muito, pelo que é nessa medida que digo que ainda se verificam aí preocupações.

Efectivamente, vai verificar-se a transferência dos registos e notariado para o novo edifício, onde se instalará também o Tribunal de Trabalho, o que permitirá a expansão do actual Palácio da Justiça. Está prevista uma verba e a obra iniciar-se-á este ano. Contudo, se puder iniciar-se mais cedo, os 8000 contos não serão suficientes, mas há sempre a possibilidade de se fazer uma transferência de verba que permita que a obra não se atrase por causa desta situação.

Quanto ao pessoal da Polícia Judiciária, há um descongelamento que foi conseguido há relativamente pouco tempo. É óbvio que a Inspecção dos Açores será beneficiada também com esse descongelamento em tempo oportuno.

Ao referir a questão da «rota da Europa», não me estava a referir aos Açores mas à fronteira externa europeia e não quis deixar os Açores fora de Portugal.

Repito, estava a referir-me apenas à fronteira externa e, relativamente a esta, Portugal não é rota no sentido técnico. Na verdade, é rota de toda a droga que entrar na Europa, mas não é rota predefinida, como caminho aberto ou porta de entrada. Não o é, embora tenha estado para o ser e nem sequer se pode dizer que os Açores o sejam, nessa perspectiva Porém, os Açores podem é vir a sê-lo, ou podem vir a ser «placa giratória», que não tem apenas a ver com a Europa, pelo que é importante que, também aí, tenhamos capacidade de resposta. Neste momento, não são, podem, eventualmente, vir a sê-lo, como todo o Portugal, e daí que tenhamos que reforçar a nossa intervenção neste domínio.

Sr. Deputado José Magalhães, além das questões a que terei o gosto de lhe responder fora do quadro desta intervenção — e quanto à uma primeira pediria ao Sr. Secretário de Estado que lhe respondesse — posso adiantar-lhe já que quer o software, quer algum algum hardware, que está ligado à questão que colocou, está a ser alterado ou substituído, pelo que o caminho que V. Ex.a aponta já o estamos a seguir.

Quanto à reestruturação financeira do Ministério da Justiça, enfim, vou repetir-lhe aquilo que tive ocasião de dizer na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ou seja, estamos a trabalhar nesse sentido e V. Ex.a sabe por que razão vieram para o exterior algumas contestações a uma intenção que o Ministério da Justiça nunca teve. Isto é um bom exemplo do que pode ser a perversão do diálogo, mas não vale a pena estarmos a ir longe demais nesse sentido porque, apesar de tudo, prefiro salvaguardar o diálogo do que mostrar que tenho razão para que não haja diálogo. Portanto, repito, prefiro, apesar de tudo, ganhar o diálogo a mostrar que está do meu lado a razão quando ele não existe. Daí que não vá muito mais longe.

No que se refere à possibilidade de os funcionários fazerem notificações, a minha posição é de anuência. Aliás, dentro desta estrutura e desta revisão, um dos aspectos que estão previstos é exactamente a possibilidade de criação de centrais de notificações utilizando os funcionários. Posso dizer-lhe que fizemos uma experiência com serviços externos, que durou dois meses e que não só não produziu resultado como justificava um investimento brutal, que não era minimamente compatível com a eficácia. Portanto, procuraremos

outro tipo de alternativas, pois esse sistema não é suficiente para funcionar aqui.

Cremos também que as alterações legislativas no domínio do Processo Civil irão permitir que muitas das notificações que hoje são feitas ainda de forma convencional passem a ser feitas de forma diferente, pelo que podemos ter ganhos de causa nessa matéria.

Peço agora ao Sr. Secretário de Estado, se o Sr. Presidente assim o permite, que intervenha nas matérias relativas às verbas para o IRS, questão que foi colocada pela Sr.a Deputada Odete Santos, salientando eu, mais uma vez, que há um aumento, desta vez superior a 8 %, nas verbas para o Instituto de Reinserção Social.

Quanto à questão relativa ao Instituto de Alberto Souto, o Sr. Secretário de Estado irá responder e quanto à questão da informatização, a resposta é esta, não há que ir mais longe aqui.

Depois, em relação à questão da desburocratização, pedirei à Sr." Secretária de Estado que responda.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao Instituto de Reinserção Social, o orçamento previsto para 1994 vem na linha do que acontece com este serviço do Ministério da Justiça, que tem crescido de uma forma bastante acentuada.

Refira-se que, em 1987, o orçamento do Instituto de Reinserção Social montava a cerca de 300 000 contos; para 1994 monta a 3,199 milhões de contos, pelo que se verifica um crescimento de 1000 % num prazo de seis anos, o que significa também que houve uma projecção a nível da implantação do Instituto de Reinserção Social no todo nacional, que passou de uma estrutura mínima, em 1987, para uma cobertura de todo o País, como ocorre neste momento.

Portanto, considerámos que o acréscimo da verba para o Instituto de Reinserção Social de 1993 para 1994, que monta a cerca de 500 000 contos, é suficiente para o Instituto continaur a exercer bem as suas funções.

Relativamente à questão pontual que a Sr.a Deputada Odete Santos colocou sobre o Colégio de Alberto Souto, recordo que o Ministério da Justiça tem alguma responsabilidade nesse Colégio, pelo facto de ter assinado um protocolo com a extinta assembleia distrital de Aveiro, tendo ficado apenas encarregue da parte do imobiliário do edifício.

Mas, não obstante, esse protocolo, o certo é que até ao momento o Ministério da Justiça tem assegurado a gestão desse imóvel com as 90 crianças que tem no seu seio e o Ministério não gastou, como a Sr." Deputada disse, 3000 contos mas, sim, 32 823 contos — aliás, podia até dizer-lhe as fracções onde está explicitado este montante.

Por outro lado, a situação do pessoal está resolvida. Requisitámos pessoal ao QEI, para onde foram destacados o pessoal da assembleia distrital, e temos consciência de que a situação do Colégio de Alberto Souto é transitória, porque estamos em vésperas de poder alterar o diploma orgânico da Direcção-Geral do Serviço Escolar e do Instituto de Reinserção Social para que este Colégio seja mais um instituto de reinserção do Ministério da Justiça.

Portanto, aquando da reorganização dos serviços teremos, de uma forma já institucionalizada, mais um centro de reeducação, que será este Colégio, que funcionará de forma idêntica a todos os outros centros de reabilitação do Ministério da Justiça.

A Sr.a Odete Santos (PCP): — Sr. Secretário de Estado, esses 32 000 contos que o senhor referiu foram gastos durante este ano?

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O Orador: — Só este ano, Sr.ª Deputada.

A Sr.a Odete Santos (PCP): —Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Secretária de Estado da Justiça.

A Sr.0 Secretária de Estado da Justiça (Maria Eduarda Azevedo): — Sr. Deputado José Vera Jardim, parafraseando um seu colega de bancada, não pretendo provocar-lhe uma indigestão, nem a si nem aos demais Deputados presentes, porque seria provocar-lhe uma indigestão falar-lhe da política de desburocratização que o Ministério da Justiça tem vindo a desenvolver no âmbito do registo e notariado. De facto, isso seria como que servir um cozido à portuguesa rico a esta hora, mas dado o adiantado da hora penso que talvez seja aconselhável uma refeição mais leve.

Nessa perspectiva, aconselho o Sr. Deputado, se me permite, a seleccionar melhor as suas fontes de informação, porque elas não serão totalmente fidedignas e isto comprova-se pela desinformação que o senhor tem relativamente à matéria de escrituras. A este propósito, permita-me fazer um parêntesis e deixe-me que lhe diga que — e os números não são meus mas, sim, da Associação Portuguesa de Bancos — já 600 pessoas, num espaço de cerca de dois meses, utilizaram este mecanismo que, ao que parece, foi bem introduzido e no momento correcto, estando a generalidade da banca que presta crédito à habitação a praticá-lo.

Outra das desinformações que detectei na exposição que o Sr. Deputado fez respeita aos atrasos nas conservatórias e cartórios. Que existem, isso é verdade, quase diria que é o mesmo que acontece com as bruxas, mas uma coisa é certa: os atrasos estão a ser reduzidos de tal maneira que se percorrer os cerca de 800 cartórios e conservatórias espalhados pelo País constatará que, em termos de registo notarial, os maiores atrasos cifram-se em cerca de dois/três meses, o que é preocupante mas não é escandaloso — e isto verifica-se em dois ou três casos —, e que, em termos de predial, também se encontra uns quatro ou cinco casos em que os atrasos se cifram em cinco ou seis meses.

Não estou satisfeita com a situação, porque essa só a encontrarei quando o serviço for feito em dia, ou seja, quando à entrada corresponder o registo — e disso ainda estamos um pouco longe—, mas não estou escandalizada nem numa situação de pensar que não há um cenário promissor em termos de futuro.

Já agora uma outra coisa incorrecta, qué tinha até um toque corporativo, que me preocupou profundamente, e que respeita à afirmação que fez de que a reforma do notariado era feita pelos notários.

Sr. Deputado, o Código do Notariado está a ser revisto por uma comissão que se pretende, acima de tudo, ecléctica, constituída por dois notários, dois advogados, indicados pela Ordem dos Advogados, ainda no tempo da Sr.° Bastonária, e presidida por um magistrado. Portanto, há uma composição ecléctica e claro que, depois, o Código será posto à discussão de um leque bem alargado de agentes da justiça e de intervenientes no processo.

Bom, agora gostaria de passar a algo concreto, porque lhe disse que não ia fornecer-lhe um prato muito substancial, mas, de qualquer modo, não resisto a uma pequena ceia e digo-lhe que o Ministério da Justiça tem a perfeita consciência de que os> TC^jstos e notariado constituem um pilar do sistema legal, que configura e corporiza o funcionamento de uma moderna economia de mercado. Claro que estou a falar de todos os registos, exceptuando o registo civil, mas lá irei também.

Relativamente aos registos em geral, e porque já falámos dos atrasos, poderei dizer que o que tem contribuído larga-

mente'para essa redução dos atrasos, que eram, e enfatizo a palavra eram, sistemáticos e proverbiais — aliás, citou um exemplo, fazendo uma graça fácil, do tal ministro que pediu um registo e que ao fim dos nove meses não o conseguiu... Bom, penso que isso era uma graça fácil e jocosa.

O que é verdade é que, e voltando ao que estava a dizer, o que tem contribuído largamente para a diminuição dos atrasos é a mformauzação. É que os registos e notariado têm sido até há algum tempo, verdadeiramente, aquilo a que podemos chamar trabalho intensivo e agora estão a transformar-se em capital intensivo, julgo que com o agrado de todos nós.

Ora bem, a informatização é importante, quer no predial, quer no comercial, quer nos automóveis e até — e muitas vezes numa certa gíria ele é considerado um parente pobre, e incorrectamente como é óbvio — no registo civil. Digo ' incorrectamente, porque por lá passa a vida de toda a população portuguesa, aliás, como por vezes costumo dizer, com algum pretenso humor, os meus clientes ao nível do registo civil são só 10 milhões de portugueses...

Ora bem, o registo civil passou a estar também irtforrriatizado, até por força da rede nacional de emissão descentralizada de bilhetes de identidade, que, como sabe, a partir de há algum tempo é já atribuição das conservatórias de registo civil e que estará concluído em termos de primeira fase—e o Sr. Ministro disse-o há pouco — até ao fim do presente ano e terá a segunda fase concluída no decurso do próximo ano.

Mas quem fala na informatização fala também, necessariamente, na microfilmagem, na leitura óptica e, no fundo, na utilização, de modernas tecnologias. Evidentemente que os equipamentos por si só não bastam, por isso temos apostado e apostaremos no próximo ano na formação, estando consagrada em termos orçamentais uma verba muito significativa para formação profissional, quer ao nível daquilo que podemos chamar os gestores das conservatórias e cartórios—conservadores e notários—, quer ao nível dos outros funcionários.

O Sr. Deputado falou ainda no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC). Bom, para lá da resposta que o Sr. Deputado conhece, inclusive enquanto advogado, posso dizer-lhe que, desde que o processo entre correctamente no RNPC, a resposta é dada em três ou cinco dias no máximo, pois foi viabilizado o acesso à base de dados do RNPC através de protocolos, o que aligeirou, de algum modo, a carga do RNPC em termos da concentração de pedidos, e veio, por outro lado, mostar um aspecto muito importante da reforma, que o senhor também por falta de informação, obviamente, mencionou não existir, mas que penso que é mais falta do conhecimento do que outra coisa. Bom, mas dizia eu que um dos aspectos mais importantes dessa reforma é a sua articulação com os agentes sociais e económicos.

Um outro aspecto que não gostaria de deixar passar em claro respeita a uma profunda alteração que se vai produzir em termos da Administração Pública Portuguesa e que será, sem sombra de dúvidas, um gérmen para uma actuação subsequente em termos de alargamento, que é a introdução do conceito do interlocutor único. Reporto-me a algo que não é inovatório nas administrações modernas, que foi introduzido nos países da CEE por força de um grande impulso da tosk force da Comunidade Europeia e nós temos por exemplo, desde já, um notário pivot, que o Sr. Deputado não mencionou mas que lhe estava no espírito.

Gostaria ainda de falar da liberalização do notariado que, sem sombra de dúvidas, irá criar condições muito proveitosas para uma nova forma de provisão do serviço de notariado, que está em estudo, porque uma reforma desta natureza, como bem calcula e sabe, não se faz em cima do joelho, pelo que está a ser amadurecida e o próximo ano será o da visibilização dessa reforma.

Bom, muito mais haveria para dizer e se quiser poderei esclarecer mais algum aspecto.

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27 DE NOVEMBRO DE 1993

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Finalmente, gostaria de dizer que no cômputo global da intervenção do Sr. Deputado só não percebi um paradoxo que existiu, pelo menos para mim, entre duas afirmações que fez: a dado momento, disse que algumas coisas melhoraram e depois, na parte final, concluiu, não sei se para aliviar a sua consciência se para me preocupar ou pesar a minha, dizendo que está tudo na mesma! De facto, não percebi esta diferença de posição entre o início e o fim da sua Intervenção.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Era só para sossegar a Sr." Secretária de Estado quanto às minhas fontes de informação.

Fiquei muito preocupado com as suas e agora vou ter um pouco mais de trabalho a enviar algumas provas concretas daquilo que disse.

V. Ex.a tem as suas fontes de informação que lhe dão as informações oficiais, e eu tenho as informação do terreno: é essa a pequena divergência que existe entre as nossas fontes de informação.

Em segundo lugar, gostaria de dizer-lhe que reformas de fundo no notariado e nos registos são igual a zero! Reformas no sentido de as coisas, em alguns sítios, poderem andar um pouco mais depressa? Certamente! Quando, efectivamente, no Porto, ainda há poucos meses atrás, demorava entre seis e oito meses, não é difícil agora tê-lo melhor. Pior do que isso não poderia ser!

Sr." Secretária de Estado, o que disse pode ser confirmado por qualquer pessoa que tenha o mínimo contacto com esse tipo de serviços. Refiro-me, em especial, aos serviços do notariado e dos registos comercial e predial. De facto, há ainda conservatórias de registo predial, neste país, e posso até dar-lhe a conhecer alguns casos concretos, que demoram entre seis a oito meses para fazerem os registos. E não são apenas duas nem três conservatórias. Portanto, V. Ex." reveja as suas fontes de informação, porque fiquei um pouco desassossegado quanto às informações que lhe têm dado.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.a Secretária de Estado da Justiça.

A Sr.° Secretária de Estado da Justiça: — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, tenho todo o prazer em confrontar as minhas fontes com as suas, sem ter sequer a pretensão de dizer que as minhas são oficiais e as suas oficiosas.

Mas já agora, e uma vez que o Sr. Deputado referiu que não havia uma política, aproveito para lhe dizer que existe uma política com objectivos estratégicos e eixos de intervenção. Desculpar-me-á até a impertinência tão afirmativa, mas não me venha dizer que, realmente, não há reformas de fundo, quando falamos em reformas legislativas. Essas são estruturais!

O Sr. Presidente:—Para uma intervenção final, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em poucas palavras, gostaria de dizer que fiquei um pouco preocupado com a intervenção do Sr. Deputado José Vera Jardim, sobretudo, quando falou na inexistência de reformas de fundo. Voltamos outra vez à questão da relação entre os objectivos e a forma estratégica de os atingir.

Quando V. Ex.° diz, e bem — felizmente que o reconhece, porque é evidente que não vou pensar, aliás, como nunca o fiz, que houve da sua parte qualquer intenção menos boa—, que ainda há relativamente pouco tempo era inadmissível que, no Porto, um registo comercial demorasse entre seis a oito meses e agora demore três a quatro dias, não tenho interesse em saber se isto acontece por ter ou não existido

uma reforma de fundo, o que quero saber é que se atingiu um objectivo de fundo. Isso é que é fundamental. Sr. Deputado, muitas vezes, fazemos reformas de fundo quando não sabemos fazer mais nada.

Ora, não estou preocupado em fazer reformas de fundo apenas para poder dizer que as apresentei, pois estou, sim, preocupado em fazer funcionar os sistemas a favor dos cidadãos. E é isso que estamos a fazer!

Evidentemente, existem sectores onde as reformas estruturais se justificam. Mas há outros, onde antes de se fazer a reforma estrutural é importante saber se têm condições próprias para funcionarem bem ao serviço dos objectivos que são essenciais.

Para terminarmos esta reunião com algum bom humor, gostaria só de recordar ao Sr. Deputado um projecto do Partido Socialista, apresentado numa anterior legislatura, que visava a privatização dos serviços do notariado. Ora, temos de reconhecer, Sr. Deputado, que era uma reforma para o fundo, porque todas estas matérias têm de ser estudadas com outra profundidade, com muito cuidado e em função dos objectivos de fundo.

Com efeito, quer nos serviços de registo, quer nos do notariado também temos vindo a conseguir realizar os objectivos de fundo, embora muitos outros estejam ainda por conseguir. Foram dados muitos exemplos do que já conseguimos e muitos outros exemplos poderiam ser acrescentados, pois demonstram perfeitamente as nossas realizações.

A pouco e pouco, vamos atingindo os objectivos e depois, se for caso disso, então, preocupar-nos-emos com as reformas!

0 Sr. Presidente: — Muito obrigado Sr. Ministro e Sr.a Secretária de Estado.

Srs. Deputados, a nossa próxima reunião terá lugar amanhã, às 10 horas, para análise do orçamento atribuído ao Ministério da Agricultura.

Está encerrada a reunião. Era 1 hora e 45 minutos.

Documento enviado à Mesa da Comissão, para publicação, sob o título de «Esclarecimentos a prestar pelo Sr. Ministro da Justiça no decurso do debate do orçamento do Ministério da Justiça».

Consoante aventado no debate preparatório decorrido na 1." Comissão, formula-se um elenco de questões cuja aclaração no âmbito da discussão orçamental se afigura relevante (sem prejuízo do normal exame de diversas grandes orientações e prioridades da política de justiça, não comtempladas na lista em causa).

1 — Sobre a política de acesso ao direito:

Qual é a posição do Ministério quanto à legislação que regula as tabelas de apoio judiciário? Qual é o balanço que faz da aplicação do Decreto-Lei n.° 102/ 92? È favorável à reclamada revisão do diploma? Em que termos?

Quanto à rede. de gabinetes de apoio jurídico: quais os efectivos do pessoal que presta consulta jurídica nos existentes, número de consultas, avaliação da qualidade do serviço proporcionado, montantes dispendidos, calendário previsto para a anunciada expansão da rede («em todo o País», segundo as GOP), prioridades e suporte orçamental para os projectos em causa;

Medidas previstas para pôr cobro à crise do patrocínio judiciário em processo penal;

Medidas previstas para evitar denegação de justiça nos tribunais administrativos em processos de asilo (face à

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II SÉRIE-C — NÚMERO 5

expansão do entendimento segundo o qual só podem requerer apoio judiciário estrangeiros residentes).

2 — Quanto aos meios afectos ao-combate à criminalidade:

Medidas previstas para superar a actual ruptura do Laboratório de Polícia Científica;

Idem quanto aos institutos de medicina legal;

Quais as reformas legislativas e meios previstos para o reforço do necessário combate à corruppção?

Quais os equipamentos disponíveis na Polícia Judiciária para escutas telefónicas electrónicas, para intercepção de faxes e transmissões telemáticas de dados e para localização da origem de chamadas telefónicas?

Perspectivas e meios referentes aos institutos de criminologia;

Medidas previstas para a criação no aparelho policial dependente do Ministério da Justiça e no aparelho judicial das condições necessárias à entrada em vigor da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen;

Soluções encaradas para pôr cobro ao bloqueamento da aplicação da nova legislação sobre droga (v. g. decorrente da não definição dos limites legais de peso necessários à distinção de situações de ilicitude e da impossiblidade prática de decretar suspensões, para além dos que resultam da crise do Laboratório de Polícia Científica).

3 —Crise da justiça administrativa e fiscal:

Medidas previstas no tocante às condições de trabalho dos conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo (instalações, meios, pessoal de apoio);

Calendário da reestruturação do contencioso administrativo;

Medidas para superação dos actuais bloqueios à execução das sentenças dos tribunais administrativos (e designadamente para obstar a que sejam lesados por falta de cobertura orçamental os titulares de direito

a indemnização).

4 — Situação do sistema prisional:

Lotação máxima legalmente prevista dos estabelecimentos prisionais/lotação actual;

Medidas a tomar face à mistura indevida entre rec/u-

sos sujeitos e regimes prisionais distintos, em infracção à lei;

Situação em matéria de mortalidade prisional (designadamente decorrente de suicídio e homicídio), medidas adoptadas, seus resultados, perspectivas;

Situação sanitária: incidência de doenças altamente contagiosas; evolução dessas situações; incidência de doenças do foro psiquiátrico ou outras de saúde mental; medidas previstas;

Actividades laborais em meio prisional: extensão do fenómeno; número de reclusos envolvidos; estatuto jurídico; condições de intervenção de entidades privadas; regime de segurança social; regras em matéria de acidentes de trabalho; estatísticas de acidentes de trabalho; estudos existentes sobre a protecção social de acidentados;

Avaliação do actual sistema de funcionamento dos tribunais de execução de penas;

Ratio guardas prisionais/número de presos nos estabelecimentos prisionais centrais; medidas orçamentais para corresponder às soluções legais que prevêem a protecção face ao risco.

5 — Parque judiciário:

Informação sobre os casos em que os espaços físicos e instalações para os tribunais, cuja «instalação» foi decretada para vigorar a partir de 1 de Janeiro de 1994, correspondem aos projectos originários; quais as medidas previstas para a adaptação dos que não comportavam originariamente as funções visadas agora; calendário dessa adaptação.

O Deputado do PS, José Magalhães.

A Divisão de Redacção e Apoio Audivisual.

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