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8 DE JUNHO DE 1995

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É certo que os Estados modernos sempre quiseram intervir como reguladores da violencia e, nos limites últimos das suas finalidades, procuraram para si o monopólio do uso da força sobre os outros, criando uma ética da violência. A violência «boa» que procura estabelecer a ordem jurídica, política e administrativa e a violência «má» que perverte as sociabilidades, põe em causa a ordem, subverte as estruturas dos sistemas.

Trouxemos aqui esta reflexão a propósito do homicidio, da natureza das motivações que o determinam e de como através da sua análise podemos compreender como a intervenção policial permite uma compreensão complexa das sociabilidades das diferentes comunidades nacionais e põe a claro como no quadro da violência «má» este crime é um indicador dos níveis de violencia que existem na sociedade portuguesa.

2.2 — A variação e natureza do homicidio:

Ao longo do ano de 1994 foram participados 288 homicidios simples ou qualificados, houve 119 homicídios tentados, 57 por negligência, 21 envenenamentos e 8 infanticídios, representando uma descida de 2 % em relação ao ano anterior.

Estes processos e outros que vieram do ano anterior determinaram a prisão preventiva de 123 homens e de 19 mulheres entre 358 arguidos.

Lisboa e Porto (Directorías de) foram palco de dois terços dos homicídios, encontrando-se os restantes espalhados . pelos outros departamentos, tendo Coimbra o terceiro e Funchal o quarto lugares.

Em Lisboa, a arma mais utilizada para a prática do crime foi a pistola, seguida da faca ou punhal e pela caçadeira (v. gráfico), tendo ocorrido 60% durante a noite e apenas 18'% nas zonas rurais desta Directoria.

Foram as rixas que contribuíram para o maior número de mortes, seguidos do roubo e pelos crimes passionais.

O mesmo se passou no Porto e em Coimbra. Porém, ao analisarmos os homicídios cometidos noutros departamentos, percebe-se uma alteração significativa na razão que determinou o assassínio. O roubo passa para último lugar, . dando lugar a desavenças familiares, a razões passionais e a rixas, "onde as tabernas têm um papel importante.

É curioso notar que, a nível nacional, 72 % dos homicídios ocorreram durante a noite e 65 % dos que tiveram por móbil o roubo aconteceram durante o dia e atingiram predominantemente uma população da faixa etária superior aos 45 anos, sendo as mulheres as vítimas privilegiadas (88 % do total).

'No que respeita aos agressores a relação é inversa. São' raras as mulheres que matam e os números mais significativos surgem quando se trata dos crimes de infanticídio e envenenamento. Registe-se a este propósito que um dos infanticídios cometidos em Coimbra foi por afogamento, prática muito corrente na primeira metade do século e que nos últimos anos havia caído em desuso.

Se quisermos perceber a variação das motivações para o cometimento do homicídio, temos necessariamente de compreender as especificidades culturais, urbanísticas, só-cio-antropológicas que caracterizam as comunidades que estão sob a competência territorial dos diferentes departamentos da PJ.

A maioria dos crimes de morte que se registam fora de Lisboa e do Porto acontecem no interior da rede de sociabilidades em que agressores e vítimas são conhecidos, onde o .

grau de violência varia na razão directa da proximidade afectiva entre os dois antagonistas. A análise do fenómeno mostra que quanto mais estreita é a relação, sobretudo quando a agressão se inscreve na órbita da família, mais violenta é a acção homicida.

As emoções passionais, as rixas de taberna, as disputas familiares, as discussões sobre partilhas de bens são alguns dos contextos onde se desencadeiam os comportamentos que vão determinar a morte de outro.

Da percepção deste fenómeno extraem-se múltiplas consequências. O estudo das comunidades locais ou regionais tem mostrado que na organização das sociabilidades, na padronização de comportamentos e, até, na defesa de uma moral dominante, a violência surge como factor de coesão e de defesa do grupo. Valores ético-morais socialmente tidos como bons, nomeadamente a honra, a virtude, o valor da justiça social, são julgados, sentenciados e reparados a golpes de navalha ou a tiro de caçadeira. De certa forma o exercício da justiça privada nas comunidades rurais surge como um substituto da justiça institucional e reproduz uma ideia de ordem social que assenta em práticas ancestrais e rotinas multisseculares.

Estas características homogeneizadoras das sociabilidades locais apresentam desde logo uma consequência policial. Os homicídios que se geraram nestes contextos são na sua generalidade cometidos por conhecidos e daí que a maioria destes crimes nem chegue ao conhecimento da PJ e, quando chegam, obrigam a menores investimentos humanos e materiais na sua investigação.

Em Lisboa e no Porto, a situação criminal, no que respeita ao crime de homicídio, apresenta peculiaridades diferentes. A emergência do roubo associado ao homicídio é, num modo geral, uma conduta cujos autores são desconhecidos.

Tal situação obriga a maior mobilização de meios e esforços humanos, amplia as dificuldade para a identificação dos autores e perturba socialmente os quotidianos. A cidade quebra os laços de vizinhança, as fortes concentrações demo-urbanísticas conduzem à emergência de comportamentos anónimos e a ideia de justiça privada típica das comunidades rurais é substituída por motivações de ordem só-cíc-económica.

O homicídio associado ao roubo, o assalto à mão armada são correlatos de formas de organização urbanas fortemente concentradas e densamente povoadas.

2.3 — O assalto à mão armada:

Tal como referimos para 0 homicídio, os números absolutos do assalto à mão armada estão a,baixar, apresentando uma quebra de. 14,6% em relação a 1993. Diminuíram os assaltos a bancos e outras instituições de crédito, subiram os assaltos a postos de venda de combustível e a estações de correios.

Lisboa apresenta o maior número de assaltos à mão armada com 251 participações, o que representa 56 % do total, logo seguido pelo Porto e Coimbra com 22 % e 8 % do total. Quer isto dizer que as três grandes cidades do País detêm 86 % do conjunto dos assaltos à mão armada.

É curioso referir um dado que já havíamos constatado quando examinámos a situação da criminalidade violenta durante a época estival. Há uma certa distribuição geográfica deste tipo de crime em função dos objectivos. De Lisboa, pelo litoral em direcção ao Norte, evidenciam-se os assaltos