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14 | II Série C - Número: 055 | 14 de Maio de 2007

Portanto, acho que a avaliação das escolas deve incluir parâmetros sobre este trabalho e sobre a eficácia da escola na intervenção que tem nesta área.
E passando, agora, à segunda parte, que tem que ver com a escola em contexto de perigo social, acho que a teoria só nos serve para nos ajudar na prática. Vou, em dois minutos, falar daquilo que acho que é fundamental para compreendermos o perigo social ou, pelo menos, a missão em que a escola está quando está inserida no meio.
Este autor, Bedard, define o perigo social como «esta pobreza crónica e global que humilha a pessoa e que lhe retira a dignidade humana de tal forma que a pessoa contribui, de uma forma activa, para um ciclo vicioso de exclusão social». E, então, ele diz que este ciclo é um bocadinho como o ciclo da água, quer dizer, a pessoa é a mesma mas entra num estado diferente. E como é que se entra nesse estado? Demora gerações e, quando vamos aos bairros, vemos isso, não é? Agora, como é que se chega ali? É engraçado porque ele diz que qualquer um de nós, qualquer pessoa escolhida ao acaso, se for colocada numa situação de pobreza extrema, em que não é respeitada e em que não tem apoio de ninguém, em que todos desviam o olhar e em que se sente completamente só, ele dá entre seis meses a dois anos para duvidar do mais ínfimo valor, duvidar de si próprio e, portanto, entrar neste ciclo. É o que ele chama «a pessoa a aluir por dentro». E, então, ele diz que, no fundo, se calhar, há circunstâncias em que as pessoas, que se encontram em isolamento social, acabam por reagir de uma forma inadaptada a certas circunstâncias. Mas, naturalmente, se a pessoa não manda os filhos à escola, se tem uma gravidez em que não vai ser seguida no hospital, vai ser criticada, aumenta o stress da família, as famílias reagem de uma forma antagónica, podendo ser de uma forma agressiva ou passiva, e a passiva é a daquela família que têm toda a gente a trabalhar à volta delas e quem menos faz é a família, isto é, as assistentes sociais, enfim, toda a gente se interessa, menos ela, até que se chega a uma fase de instalação em que há, de facto, um desmoronar da auto-estima, uma aparente e, se calhar, real resignação à situação e, depois, aparecem os tais sintomas a que ele chama «os processos de automutilação familiar», como o aparecimento de violência, de incesto, de álcool e outros sintomas.
Muitas vezes, quando aparece uma criança, existe uma esperança: «é agora, é o meu filho, vai ser diferente», mas, na verdade, nós não podemos dar aos nossos filhos aquilo que não temos e, aqui, acontece a mesma coisa. Portanto, acabamos por chegar à situação em que há crianças negligenciadas. E esta dificuldade de relação com a criança baixa a auto-estima dos pais, e leva, de facto, a essa situação e, depois, começa a haver aqui o tal problema na escola: problemas de desenvolvimento físico, psicológico, social e escolar.
Portanto, a criança vai para a escola, não aprende, porta-se mal, bate no professor e pode acabar por ser expulsa. E, depois, passados cinco ou seis anos, temos o tal adolescente fora de órbita, que tem fracas probabilidades de âmbito escolar e, logo, não arranja um bom emprego, e, logo, é pobre, não tem dinheiro, tem uma fraca capacidade económica e isola-se, já vive isolado, cada vez mais isolado, é o sítio onde se sente seguro e, portanto, vai procurar uma pessoa que tem a mesma vida, possivelmente dentro do mesmo bairro. E nós estamos assim a reproduzirmos, de geração em geração, uma situação que tem estas três vertentes: a tal pobreza económica, a pobreza social e um auto-encaminhamento activo para a solidão, as pessoas isolam-se, não saem do bairro e, depois, temos aqui a escola, a fraca escolaridade. E, neste contexto, tudo o que acontece na escola tem que ver com o que se passa aqui.
É por isso que este autor diz — e as pessoas no terreno sentem — «que não basta dar dinheiro às pessoas para sair deste ciclo». Portanto, a pobreza económica está aqui, mas não é só aqui que tem que se actuar, pode actuar-se aqui, na escola. Mas se há um isolamento e se há uma debilidade financeira, também não chega e, portanto, é preciso actuar a estes três níveis.
Portanto, o êxito escolar ou a disciplina escolar ou a erradicação da violência escolar passa não só pela escola, passa por isto tudo e, portanto, a escola é mais um elemento aqui, que pode fazer a diferença mas que tem que trabalhar em rede, necessariamente, porque a situação é demasiado complexa para ser só dentro da escola e não digo que seja só o aluno mas que seja a comunidade. Vou dar um exemplo: eu, há 15 anos atrás, trabalhei neste Bairro da Boavista, que é um bairro de realojamento dos anos 60, mais ou menos. Aqui está Monsanto e, portanto, estamos a ver o isolamento do bairro. Neste lado, está Monsanto e, portanto, as pessoas não saem por aqui, o bairro está numa ponta da cidade e os poucos acessos que havia para sair a pé foram cortados por uma via rápida, a CRIL. E, então, neste momento, para sair do bairro, ou se sai de autocarro ou de carro porque, a pé, não dá porque são vias rápidas. Ora, isto vem aumentar o tal gueto ou o tal isolamento, que é uma das componentes para manter esta exclusão social. E aqui, no meio, está uma escola, ou pelo menos estava, onde os pais, realmente, entram e as mães entram em camisa de noite e batem nas professoras. E eu vi porque trabalhava na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Bom, aqui, o que se pretende é que os miúdos vão à escola e já é muito bom porque muitos não vão, e, portanto, quando eles vão à escola — e, para eles irem à escola, é preciso trabalhar em conjugação com a polícia, eu vou lá bater à porta mas tenho que levar o polícia comigo porque, se não, também posso levar um tiro —, os miúdos que acabam a quarta classe vão para uma escola em Benfica. Mas eles nunca saíram do bairro, sentem-se inseguros fora e os seus pais também e os seus avós também. E isto porque já estamos na terceira ou na quarta geração no Bairro da Boavista. E o que é que acontece? Os miúdos do Bairro da Boavista são o terror das escolas de Benfica e, portanto, lá, acabam por se portar mal, por bater, por ter