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II SÉRIE-E — NÚMERO 23

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PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

DESPACHO N.º 44/XVI

PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO QUANTO À POSSIBILIDADE DE

SOLICITAR, A PESSOAS SINGULARES, DETERMINADO TIPO DE COMUNICAÇÕES

No passado dia 15 de julho de 2024, o Grupo Parlamentar do Chega apresentou um requerimento, ao abrigo

do n.º 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (RJIP), solicitando ao Presidente da

Assembleia da República os seus bons ofícios para requerer à Presidência da República, se possível em suporte

digital, o registo e/ou cópia de todas as comunicações (nomeadamente, cartas, mensagens escritas por

meio de telemóvel ou via internet – Whatsapp, Messenger, Telegram e mensagens de correio eletrónico)

referentes ao processo das gémeas luso-brasileiras Maitê e Lorena Assad, com a expressa advertência de

que, por imperativo legal, o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito

(CPI) no exercício das suas funções constitui crime de desobediência qualificada, para os efeitos previstos no

Código Penal (cfr. INT_CPIGTMZ/2024/17).

Não se ignorando que o Ex.mo Sr. Auditor Jurídico da Assembleia da República, com base na sua legítima

opinião jurídica e liberdade interpretativa, tenha emitido parecer jurídico nos termos do qual concluiu não se

divisar impedimento para notificar os detentores da correspondência, emails e mensagens escritas pretendidas

para procederem à sua entrega à Comissão, sob pena de cometerem crime de desobediência qualificada, ciente

de que compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização, vigiar pelo cumprimento

da Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da Administração, pelo Despacho n.º 40/XVI/1.ª

explicitámos as razões pelas quais o pedido formulado nos suscitava dúvidas quanto à sua sustentação jurídico-

constitucional.

Com efeito, embora o artigo 13.º, n.º 1, do RJIP prescreva que as comissões gozam dos poderes das

autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados, esta equiparação não significa,

porém, esquecer o que já antes se disse: as comissões não são tribunais, não exercem o poder

jurisdicional, apresentando-se fundamentalmente como órgão político, não como autoridade judicial.

A investigação por elas levada a cabo situa-se num plano político e não judicial, sendo distintos os fins

prosseguidos: enquanto os tribunais visam determinar a responsabilidade jurídica (civil, penal ou administrativa),

as comissões apenas procuram apurar a responsabilidade política ou simplesmente realizar uma tarefa de

informação do Parlamento.

Por outro lado, como oportunamente se referiu, sendo os preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e

garantias diretamente aplicáveis e vinculativos para todas as entidades públicas e privadas, nos termos do artigo

18.º, n.º 1, da Constituição, no exercício dos seus poderes de investigação próprios das autoridades judiciais,

as CPI não poderão deixar de ter em atenção, designadamente, que a todos os cidadãos é reconhecido

o direito ao bom nome, reputação e reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1) e

que o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são

invioláveis (artigo 34.º, n.º 1, todos da CRP), os quais constituem direitos fundamentais dos cidadãos

que, mesmo em investigação criminal, não podem ser afetados senão por decisão de um juiz.

Por conseguinte, a excecionalidade das restrições constitucionalmente autorizadas implica que as restrições

legais e as intervenções restritivas decididas ou autorizadas por um juiz estejam sujeitas aos princípios jurídico-

constitucionais das leis restritivas referidas no artigo 18.º da CRP (necessidade, adequação, proporcionalidade,

determinabilidade).

De acordo com o entendimento vertido no nosso Despacho n.º 40/XVI/1.ª, o potencial ablativo de liberdade

e a gravidade da intromissão na esfera privada – e até na esfera íntima – da pessoa que decorre da simples

visualização da respetiva caixa de correio eletrónico são, pois, de tal forma significativos, que devem mobilizar-

se, neste campo, as mais intensas garantias que a Constituição confere à inviolabilidade das

comunicaçõese à privacidade dos dados pessoais no domínio da informática.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei

n.º 68/2019, de 27 de agosto, decidiu-se solicitar ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da

República a emissão de parecer sobre a legalidade e legitimidade do pedido formulado ao Presidente da