256 II SÉRIE - NÚMERO 10-RC
jurídicos ou eminentemente democráticos consagram um princípio da oportunidade sem limites. É o caso do ordenamento francês e dos anglo-saxónicos, nos quais o Ministério Público decide o que quiser. Trata-se, pois, de uma questão que não está ainda clarificada e decidida. Em Portugal optou-se, através da legislação processual penal, por uma solução moderada.
Entretanto, a proposta de aditamento ao artigo 29.9 da Constituição apresentada pelo PCP vai no sentido de ficarmos nesse ponto. Perante isto, embora não queira citar Hamlet, sempre direi que pode haver mais coisas na experiência do direito do que as que agora sejamos capazes de antever. Portanto, talvez não devêssemos querer limitar o princípio da oportunidade a um certo ponto. É por isso que a intenção última da proposta de aditamento do PCP não nos parece, neste momento, de aprovar, porque, de facto, parte do princípio de que não se deve passar para além de um certo limite. Penso, porem, que devemos deixar evoluir as coisas, pois parece-me que o problema da obrigatoriedade ou não de deduzir acusação por parte do Ministério Público é um grave problema em termos que colocam em causa as nossas instituições jurídico-processuais penais. Talvez numa próxima revisão constitucional se justifique uma maior limitação ao princípio da oportunidade. Aliás, lembro a V. Exa. ê que a França, a Holanda e os países anglo-saxónicos não têm quaisquer limites ao referido princípio. Já os países socialistas tendem a dividir-se nesta questão, pois uns consagram um princípio da legalidade de modo estrito e outros um princípio da oportunidade abertíssimo, como é o caso da Polónia.
Perante isso, não se justifica para já em termos constitucionais essa clarificação, mas o mesmo já não direi em termos de direito ordinário. De facto, o direito constitucional tem um horizonte com outro âmbito temporal, o que nos deve levar a não fechar de imediato o ciclo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou também formular uma questão ao Sr. Deputado José Magalhães. Ela vai no sentido de saber o que é que V. Exa. pretende dizer quando se refere à não implicação de direitos civis ou políticos. De facto, sei o que significa a expressão "direitos políticos". Porém, a outra expressão pode ter diversas interpretações.
Assim, pergunto-lhe se a expressão "direitos civis" abrange aquilo que Jellinek chamava o status negativo ou status libertatis. Será que ela incluirá status activos que não sejam considerados como participação política? Ou V. Exa. e quer pura e simplesmente significar direitos, regulados no Código Civil ou na lei civil, de natureza patrimonial?
De facto, os direitos civis opõem-se muitas vezes a direitos de natureza administrativa ou interesses legítimos. Noutros casos, eles traduzem os direitos dos cidadãos ou, então, têm um significado mais restrito, como aquele que referi há pouco. Daí que se á expressão não for explicitada pode ter uma restrição tão ampla que não se saiba bem a conduta que deva ser indicada, porque ela, em qualquer circunstância, há-de revestir-se de natureza restritiva em alguma coisa, como há pouco V. Exa. mencionou. Ela precisa, pois, de ser clarificada.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que quanto à observação feita pelo Sr. Deputado Costa Andrade a propósito do conceito de pena maior devo dizer que é perfeitamente razoável. De facto, quando apresentámos a nossa proposta não tínhamos a questão equacionada em termos similares àqueles que decorrem do debate que agora fizemos sobre essa matéria. E, evidentemente, deveria, nesta sede, receber-se a conclusão do debate anterior, qualquer que ela venha a ser, sobre um normativo deste tipo.
Ora, das observações feitas pelos Srs. Deputados Rui Machete e Costa Andrade retiro uma conclusão que me parece de ressaltar nesta sede. Na verdade, não temos em relação à questão das excepções ao princípio da legalidade uma posição fechada, mas temos naturalmente um conjunto de preocupações face ao debate que em data anterior foi realizado sobre a matéria, designadamente no quadro da elaboração do novo Código de Processo Penal.
Aliás, o Sr. Deputado Rui Machete é um precursor das excepções ao princípio da legalidade. Sabemos até que esse princípio foi objecto de algumas, muitas e velhas, perversões práticas antes do Código de Processo Penal. E quanto aos caminhos legais de excepcionalmente houve vários: alguns até nem foram legais em termos objectivos. Refiro-me, por exemplo, à famosa circular n.° 11/82, de 26 de Fevereiro, da Procuradoria-Geral da República, com algumas instruções quanto à não oposição pelo Ministério Público a certos processos de infracções fiscais.
Em matéria aduaneira há também alguns precedentes. Aliás, na área jurídico-penal e preventiva o Sr. Deputado Rui Machete, como evoquei há pouco, é o responsável pelo Decreto-Lei n.° 430/83, de 13 de Dezembro, relativo ao consumo e tráfico ilícito de drogas, no quadro do qual se previu que o arguido pudesse ser beneficiado pelo exercício da acção penal pelo Ministério Público desde que se verificassem cumulativamente três requisitos, ou seja: o arguido ser menor; tratar-se de um processo instaurado por factos da natureza que acabei de referir e, finalmente, o comprometimento do arguido, por declaração proferida nos autos e lida perante o magistrado, a não repetir factos desse tipo.
Ora, não verberámos na altura a adopção de providencias dessa natureza, mas pelo contrário, até as saudámos como uma via que poderia ser aconselhável, sobretudo por se tratar de jovens. Não nos parece que o resultado tenha sido excessivamente encorajador e não temos informação adequada sobre o grau de êxito atingido na aplicação desta cláusula.
Em todo o caso, isso não nos fez bradar aos céus. O que nos preocupa é que isto seja ilimitadamente aplicado, porque pode conduzir a situações que se inserem num quadro que o Sr. Presidente verberou, e que motivou apreensões do PSD quanto à consagração de outros institutos. Refiro-me, naturalmente, ao quadro decorrente da natureza real, neste momento, das criminalidades nos diversos países, designadamente naqueles que são plataformas para os fluxos das delinquências entre continentes.
O nosso país, por graça ou desgraça geográfica, é-o. Como tal, o facto de termos aberta a porta da justiça, negociada - quanto a nós não o está, mas tem sido entendida como tal pelo legislador ordinário -, não e bom; pode ser mau.
Em conclusão, a preocupação de não "fechamento" referida pelo Sr. Deputado Costa Andrade - se agora se estabelecer a fasquia nos crimes de gravidade, tal como se encontram delimitados na lei ordinária - parece-me compreensível, mas talvez excessiva, porque podemos encarara revisão constitucional nos termos em que o Sr. Deputado fez, e nós encaramo-la assim muitas vezes. Ou seja, fica para a próxima. Creio, porém, que, neste caso, a deveríamos encarar ao contrário. Isto e, se porventura se verificasse que uma fasquia como esta estava incorrecta, então