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6 DE MAIO DE 1988 251

que com esta formulação, "tem o direito de ver comunicada a sua detenção a pessoa de confiança", esse direito fica imediatamente na disponibilidade do titular. Portanto, ele tem a faculdade de o vir ou não a exercer.

Creio que poderíamos aqui configurar um caso em que o titular do direito, ou seja o detido, não teria na sua inteira disponibilidade a possibilidade de o exercer. É que a imputabilidade jurídico-criminal adquire-se a partir dos 16 anos. A possibilidade de as pessoas disporem totalmente da sua pessoa e dos seus bens adquire-se a partir dos 18 anos. Vamos imaginar a seguinte situação: um menor de 18 anos e maior de 16 anos é detido. O direito de ele ver ou não comunicada a sua detenção, por exemplo, aos pais como se configura? Entendo que aqui não haverá uma inteira disponibilidade da parte do menor, no sentido de ele não exercer esse direito. Há aqui até a questão da comunicação aos pais em virtude do poder paternal? Esse é um exemplo que se pode dar. É um exemplo um tanto escasso, que na prática não se verifica muitas vezes, mas que, pelo menos, demonstra que nem em todas as situações há a inequívoca possibilidade de o detido exercer o seu direito e, neste caso, mais concretamente, a possibilidade de ele o não exercer. A formulação proposta tem aqui uma aplicação inequívoca e universal? Ela está, neste caso, condicionada à própria menoridade da pessoa detida? É uma questão de capacidade de exercício de um direito fundamental em relação com o pátrio poder. Não há uma inteira disponibilidade sobre a comunicação ou não comunicação. Isto é uma possibilidade, é uma hipótese possível que se pode colocar, é o problema do não exercício possível do direito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - A Sra. Deputada Assunção Esteves tem, por vezes, esta enorme capacidade de nos surpreender com as suas metafísicas constitucionais. A Sra. Deputada está a trabalhar em sede de direitos fundamentais. Se essa sua objecção tivesse alguma validade, então teria de a estender à possibilidade e à capacidade de exercício de todos os direitos fundamentais. Seria uma embrulhada de tal ordem que depois não haveria possibilidades de sair dela. É melhor abandonarmos já a sua objecção.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, reconheço o sentido da sua objecção. O que digo é que V. Exa. não pode argumentar assim, aduzindo que o titular, se quiser, não exerce o direito. É que há casos em que ele não tem essa disponibilidade ou em que ela é, pelo menos, problemática.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Voltamos ao mesmo, Sra. Deputada. O direito fundamental não está condicionado pela capacidade de exercício em termos de maioridade civil. Penso que era melhor abandonarmos essa lógica de objecção. É que outras objecções já se fizeram e essas, a meu ver, com grande fundamento.

Gostaria de salientar algumas objecções que me parecem bastante pertinentes.

Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Costa Andrade disse aqui que a consagração do direito qua tale pode vir a criar algumas perturbações em matéria de garantias de investigação. Designadamente, o Sr. Deputado Vera Jardim exemplificou algumas situações em que esse efeito perverso poderá verificar-se. Por outro lado, o Sr. Presidente admitiu o seguinte: se se consagrasse apenas o direito, sem a contrapartida do ónus, essa disponibilidade de exercício na esfera provada do indivíduo poderia revelar-se muito menos eficaz do que aquilo que pressuporíamos e poderia ser muito difícil de fazer a prova se o detido intentou exercer o direito ou não. Portanto, ele poderia acabar por não ter uma tutela razoável e suficiente.

Pelo que, sem abandonar o núcleo das preocupações iniciais que nos conduziram a essa reflexão, me permitia fazer uma segunda sugestão que tentaria integrar estas diversas preocupações e objecções e que, nesse sentido, procuraria fazer a síntese entre o actual n.° 3 do artigo 28.º e o conteúdo útil da proposta que a ID nos apresentou e a minha formulação, também ela sujeita a novas correcções. Essa proposta seria a seguinte:

Todo o indivíduo sujeito a privação de liberdade tem direito, sem prejuízo das garantias de investigação, a que da sua situação seja dado conhecimento a parente ou pessoa indicada da sua confiança, devendo ser sempre comunicada a decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade.

Portanto, conjugar-se-ia a garantia do direito com a salvaguarda das garantias de investigação e, simultaneamente, com a manutenção do ónus à entidade judicial para que a tutela tivesse, de facto, eficácia e não pudesse ser iludida em significativa parte dos casos. Penso que esta seria uma redacção mais equilibrada. Todavia, é uma sugestão que fica aberta a melhor ponderação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, penso que a intervenção da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves colocou em jogo toda a discussão que travámos até agora. A Sra. Deputada entende que em matéria de direitos fundamentais é aplicável a capacidade de exercício prevista no Código Civil?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.- Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, Sr. Deputado Vera Jardim, não estou a tentar misturar a capacidade de exercício do Código Civil com o problema dos direitos fundamentais. Só digo que ponho em dúvida que um menor de 18 anos detido possa, efectivamente, não exercer o direito de ver comunicada a sua detenção. Não é o problema do exercício que está aqui em causa, mas sim o do não exercício.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Pode, por sua decisão própria.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Talvez, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a sugestão do Sr. Deputado Jorge Lacão parece-me uma base de trabalho. É excessivamente longa, tem uma redacção extremamente minuciosa, mas é seguramente susceptível de ser trabalhada de acordo com os parâmetros de concisão e de contenção que devem caracterizar o texto constitucional, tanto nesta esfera como em outras.