Portanto, isto parece-me completamente inaceitável, tal como me parece inaceitável - esta é outra questão concreta relativamente às competências legislativas das regiões que gostaria de colocar-lhe - que o PS não avance para resolver o problema das autorizações legislativas.
Sr. Deputado Medeiros Ferreira, como V. Ex.ª bem sabe, as autorizações legislativas que putativamente estão inscritas no texto actual da Constituição relativamente às regiões autónomas são perfeitamente fictícias e ilusórias, porque não se trata de quaisquer autorizações legislativas. E a prova disso é que, ao longo dos anos que esta norma leva de vigência, nunca qualquer região autónoma, quer com governos do Partido Social Democrata, quer com governos do Partido Socialista, pediu qualquer autorização legislativa à Assembleia da República. E não pediu, porquê? Não pediu porque isto não são pedidos de autorização legislativa, isto é a mesma coisa que apresentar uma proposta de lei, o que as assembleias legislativas, isso sim, têm feito, e têm-no feito com alguma regularidade.
O legislador constituinte deve olhar para esta ficção, que foi criada, numa redacção enviesada, pelo anterior legislador constituinte a fingir que era uma autorização legislativa, porque não se trata de qualquer autorização legislativa, e resolver o problema de uma de duas formas: ou criando, de facto, uma verdadeira autorização legislativa, que é o que, manifestamente, do meu ponto de vista, e presumo - é a questão que lhe deixo - também do ponto de vista do Partido Socialista, deve existir sem qualquer tipo de complexo, porque, se é evidente para todos nós que devemos restringir o âmbito de competência legislativa material das regiões autónomas a tudo o que não seja matéria reservada aos órgãos de soberania, maxime à Assembleia da República, também é evidente que para haver alguma excepção a essa matéria ela terá de vir através do mecanismo da autorização legislativa. Aliás, o próprio Partido Socialista prevê que haja matérias que podem ser sujeitas a autorização legislativa, embora de uma forma muito tímida, a meu ver - mas essa é uma matéria a tratar aquando da discussão na especialidade.
Portanto, o que lhe pergunto, agora que estamos a tratar apenas dos projectos na generalidade, é se, genericamente, o Sr. Deputado pensa ou não que a questão das autorizações legislativas deve ser resolvida de forma a que, a existirem autorizações legislativas, elas sejam autorizações legislativas reais e verdadeiras, e não aquela forma imperfeita, para ser soft, que vem no texto actual da Constituição e que verdadeiramente, todos o sabemos, não é autorização legislativa alguma, e exactamente por isso é que nunca, ao longo dos muitos anos de vigência desta norma, qualquer assembleia legislativa regional, fosse com maiorias de um partido fosse com maiorias de outro, apresentou qualquer pedido de autorização legislativa. De facto, não se trata de uma autorização legislativa.
Portanto, é esta segunda questão relativa à matéria das competências legislativas que lhe deixo, que me parece que é, de facto, bastante importante.
Quanto à matéria relacionada com a lei eleitoral a que o Sr. Deputado fez referência, gostava de colocar-lhe a seguinte questão, apenas no plano dos princípios: o Sr. Deputado considera eticamente aceitável que, num Estado de direito como o nosso e num Estado de direito que, sendo um Estado unitário, é também um Estado regional, a Assembleia da República possa, por absurdo, de hoje a amanhã, alterar a lei eleitoral das regiões autónomas, que é uma questão nuclear em termos de vivência democrática dos povos e das populações, sem, previamente, elas se terem pronunciado sobre a matéria?
É que o que está em causa relativamente à concessão ou não de um estatuto estatutário - passe o pleonasmo -, ou seja, à inclusão ou não dos princípios do sistema eleitoral como matéria estatutária, tem a ver exactamente com a iniciativa propulsiva por parte das próprias regiões para a respectiva alteração, sendo, embora, certo que a Assembleia da República será sempre soberana relativamente ao contorno e ao figurino dessas alterações.
Agora, o que me parece - e é a questão que lhe coloco - eticamente impensável é como é que, num Estado de direito democrático como o nosso, se pode conjugar a aceitação da autonomia regional das regiões autónomas como forma estruturante da organização do Estado democrático com a retirada total da matéria eleitoral dos princípios estruturantes do estatuto autonómico, porque, de facto, se a matéria eleitoral não é matéria de natureza estatutária, então, é o próprio sistema democrático das regiões autónomas que está fora da matéria estatutária!
Do meu ponto de vista, com toda a franqueza, é isto que se passa, independentemente, que fique claro, de a competência final para a aprovação das leis eleitorais nunca poder caber senão à Assembleia da República. Isso está fora de causa.
Sr. Deputado Medeiros Ferreira, não sei se V. Ex.ª tem ou não uma posição algo diferente da posição de alguns outros Srs. Deputados da sua bancada, mas gostava de ouvir a sua opinião relativamente à inclusão de uma norma constitucional que venha a permitir que as leis eleitorais das regiões autónomas possam contemplar a participação dos seus emigrantes, que são muitos.
Como o Sr. Deputado sabe, seguramente melhor do que eu, quer a Região Autónoma dos Açores quer a Região Autónoma da Madeira têm um património social e humano extraordinário, que são os seus fluxos migratórios, que saíram quer dos Açores quer da Madeira, mas que mantêm laços tremendamente fortes não só familiares mas também de vivência pessoal à vida dos arquipélagos, sendo que, normalmente, encaram a emigração como um período transitório da sua vida, para se desenvolverem profissionalmente e enriquecerem o seu património, e, sempre que possível, retornam às suas terras.
Pergunto-lhe, portanto, se encara ou não com abertura a possibilidade de inscrevermos uma norma na Constituição Portuguesa que, sem qualquer tipo de entorse, porque já o fizemos - e o Sr. Deputado e a bancada do PS também participaram activamente nisso -, relativamente à eleição para o Presidente da República, abra a porta a que as leis eleitorais das regiões autónomas possam conter mecanismos que permitam a participação dos emigrantes que saem das regiões autónomas, mas que com elas mantenham laços muito fortes de ligação, porque me parece que esta é uma questão politicamente estruturante relativamente àquilo que pretendemos que venham a ser as autonomias regionais depois desta revisão constitucional.
Espero que, desta vez, de uma forma definitiva e amadurecida, se resolva o que, sucessivamente e em pequenos passos, se tem vindo a fazer nas revisões constitucionais, isto é, a natureza autonómica dos arquipélagos dos Açores e da Madeira inscritos no nosso Estado de direito democrático.