podemos ler "princípios fundamentais das leis gerais da República", que são uma "mão cheia de areia atirada ao motor da autonomia".
Na verdade, o cotejo sistemático e permanente entre a legislação regional e as leis gerais da República pode traduzir-se, que é o que tem acontecido na prática, numa considerável restrição do poder legislativo das regiões e num entrave à actuação dos seus órgãos.
A alteração que resultou da revisão de 1997, segundo a qual a conformidade deixa de ser com as leis gerais da República para passar a ser com os seus princípios fundamentais, apesar das esperanças com que foi encarada (eu próprio, ingenuamente, também encarei essa alteração com alguma esperança), na prática não resultou devido à manifesta indeterminação do conceito. Pode dizer-se que tudo ficou na mesma.
A própria justiça constitucional contornou o problema e passou a agarrar-se fundamentalmente à falta de interesse específico para declarar a inconstitucionalidade dos diplomas regionais.
No entanto, na revisão de 1997, ocorreram duas alterações negativas para a região autónoma. Por um lado, ao conceito de lei geral da República, constante do n.º 5 do artigo 112.º, acrescentou-se a expressão "e assim o decretem".
Aproveito para recordar que esta noção de lei geral da República que se encontra no artigo 112.º da Constituição é a transcrição da alínea a) do n.º 2 do artigo 26.º do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, na qual se estatui que "são leis gerais da República as leis e os decretos cuja razão de ser envolva a sua aplicação sem reservas a todo o território nacional.". E o que constava do n.º 5 do artigo 112.º da Constituição era o seguinte: "São leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional". Era esta a redacção que vigorava antes da revisão de 1997 e, nessa altura, fez-se o acrescento: "e assim o decretem". Foi pior a emenda do que o soneto, pois, com este acrescento, ficou aberto o caminho para uma maior arbitrariedade na qualificação das leis como leis gerais da República.
Os órgãos com competência legislativa, isto é a Assembleia da República e o Governo, deixaram de se preocupar com a verificação do efectivo e substantivo carácter geral da lei, limitando-se a pôr a chancela "lei geral da República" - penso que até havia um carimbo para o efeito. Foi assim com a maioria das leis entretanto aprovadas pela Assembleia da República e tem sido assim com um significativo número de decretos-leis aprovados pelo Governo.
Ora, com o novo conceito de leis regionais por nós proposto este problema ficará definitivamente erradicado do nosso ordenamento constitucional.
O segundo aspecto negativo da revisão de 1997 foi a introdução de um novo número no artigo 112.º, o n.º 9, que estabeleceu que "A transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica interna assume a forma de lei ou de decreto-lei, conforme os casos."
Aproveito não para esclarecer ou corrigir o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, porque tenho muito respeito pelo seu saber e pela sua inteligência, mas apenas para recordar o seguinte: antes da revisão de 1997 era pacificamente aceite que esta transposição poderia fazer-se por decreto legislativo regional, porque a Constituição nada dizia a este respeito. Ou seja, a transposição poderia ser feita por lei da Assembleia da República, decreto-lei do Governo ou decreto legislativo regional. Foi o novo n.º 9 do artigo 112.º que retirou às assembleias legislativas regionais essa possibilidade, daí que tenhamos de considerar este número como um recuo em relação aos poderes das assembleias legislativas regionais. Por isso, queremos atribuir agora, explicitamente, essa competência às assembleias regionais, incluindo, no n.º 8 do artigo 112.º, a lei regional.
Ainda gostaria de fazer uma referência en passant a outras questões que, embora não sejam decisivas, considero relevantes. É o caso da proposta que apresentamos relativamente ao artigo 113.º (Princípios gerais de direito eleitoral) em termos de recenseamento. Nesta matéria, estabelecemos uma disciplina que ressalva o exercício do direito de voto dos cidadãos não residentes nas regiões autónomas.
As alterações propostas em matéria de reserva absoluta e relativa da competência legislativa da Assembleia da República têm apenas um efeito clarificador.
Já se revestem de maior importância as propostas relativas aos artigos que se inserem no capítulo específico da autonomia regional.
Começando pelo artigo 226.º, que se refere à matéria dos estatutos, gostaria de dizer que o PSD propõe que os estatutos fixem o sistema eleitoral para as assembleias legislativas e as bases e os princípios fundamentais das finanças regionais.
Esta proposta tem interesse e parece viável, ou melhor, aceitável, na medida em que, por um lado, mantém intacta a competência da Assembleia da República em matéria estatutária, porque quem discute e vota os estatutos das regiões autónomas é a Assembleia da República, embora a iniciativa legislativa seja exclusiva dos parlamentos regionais; por outro lado, ganha-se em estabilidade, porque os estatutos das regiões autónomas gozam de uma estabilidade e de uma permanência no tempo que não é apanágio de qualquer outra lei. Esta proposta tem em vista obter essa estabilidade, impedindo que maiorias conjunturais possam pôr em causa os direitos das regiões autónomas.
A propósito dos poderes das regiões, o artigo 227.º consagra uma substancial ampliação dos poderes legislativos autonómicos, conseguindo-se, finalmente, uma formulação, a meu ver, correcta. Talvez preferisse a do Bloco de Esquerda… Mas, de qualquer maneira, considero que o projecto de revisão constitucional da maioria PSD/PP foi suficientemente pensado e, portanto, tenho de me conformar com ele - perdoe-se-me o aparte.
Na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º do projecto de revisão da maioria pode ler-se o seguinte: "Legislar em matérias que digam respeito às Regiões Autónomas expressas no respectivo Estatuto, ou do seu interesse, que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania;" - a tentação é tão grande que ia ler o texto do projecto de revisão do Bloco de Esquerda, mas fiz a inflexão adequada e li o projecto do PSD/PP…
Risos.
O texto proposto para a alínea l) do n.º 1 do mesmo artigo 227.º pretende acabar com o regime de incerteza e de certo favor em que se encontram as regiões autónomas no que toca à representação de Portugal no Parlamento Europeu, tendo-se em vista a criação de um círculo próprio para a eleição de Deputados ao Parlamento Europeu.
Anoto com grande satisfação que na intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins - ouvi-a com toda a atenção, de tal maneira que fixei todos os seus pormenores, incluindo o que vou referir, que é mais do que um pormenor, é uma tomada de posição que registamos com muito agrado, por a considerarmos muito positiva - foi admitida a hipótese de analisar mais profundamente a proposta de criação de um círculo eleitoral para o Parlamento Europeu em cada região autónoma.
No texto proposto pela maioria para a alínea z) dá-se um enfoque especial à participação das regiões autónomas no