processo de construção europeia, através da transposição de directivas, como referi há pouco a propósito do artigo 112.º, ou estando representadas nas instâncias comunitárias competentes.
Propõe-se ainda no n.º 3 deste artigo 227.º que os órgãos de soberania possam transferir ou delegar competências nas regiões autónomas. Ora, através desta proposta entendo que se estreitam os laços de cooperação e de confiança mútua entre órgãos de soberania e órgãos de governo próprio, que considero serem dois valores fundamentais para diluir o embate da dialéctica poder central/poder regional. A proposta está formulada de modo a acautelar todos os aspectos da delegação, porque não só confere a possibilidade de delegar como também estabelece que em cada caso se faça a transferência de meios financeiros, assim como os mecanismos de fiscalização que ao Estado caibam.
No artigo 228.º (Autonomia legislativa e administrativa), o n.º 1 proposto define este conceito por exclusão de partes, compreendendo todas as matérias não reservadas à competência própria dos órgãos de soberania, em geral, e as constantes dos estatutos, em especial. E no n.º 2 estabelece-se que nas leis de bases devem estar explicitados os princípios fundamentais a que se deverá subordinar a legislação regional. Este ponto parece-me muito importante para evitar a querela jurisprudencial que normalmente suscita a referência, pura e simples, a princípios fundamentais, sem se dizer concretamente quais são eles.
O n.º 3 do artigo 228.º do nosso projecto de revisão contém uma cláusula geral de supletividade do direito nacional em relação ao regional quando este seja omisso. Parece-me que esta é uma norma importante na medida em que, como sabem, uma das características do sistema jurídico é a plenitude e, por consequência, entende-se que o sistema jurídico deve ser, em cada momento, capaz de dar resposta a todas as situações da vida real que tenham relevância jurídica. Ora, esta cláusula geral de supletividade vem precisamente satisfazer esse desiderato do sistema jurídico português.
No artigo 230.º, a proposta da maioria clarifica o sistema de governo nas regiões autónomas. É o Presidente da República que nomeia o presidente do governo regional e os restantes membros do governo e o governo regional é politicamente responsável perante a assembleia legislativa regional e perante ela toma posse.
Ora, esta proposta do PSD e do CDS-PP é uma proposta muito importante no sentido de uma apropriada configuração do sistema político das regiões autónomas. Vem, por um lado, dar uma especial dignidade aos órgãos de governo próprio, por outro, envolver na realidade política das regiões autónomas um órgão de soberania com a representatividade do Presidente da República e, por outro ainda, vem também tornar claro o que na prática já era evidente, que o governo é politicamente responsável perante a assembleia legislativa regional e perante ela toma posse.
O n.º 2 deste artigo, na proposta do PSD e do CDS-PP, ocupa-se do exercício do direito de voto dos não residentes, cuja regulação, avisadamente, remete para a lei eleitoral.
O n.º 7 do artigo 230.º, na proposta do PSD e do CDS-PP, consagra a competência exclusiva do governo regional, que é também um preceito inovador e que clarifica o sistema de governo nas regiões autónomas.
O artigo 231.º, na proposta da maioria, apenas contém alterações sistemáticas e terminológicas.
Penso que está, finalmente, formado o consenso necessário, suponho mesmo que existe unanimidade de todos os projectos de revisão, para fazer desaparecer o artigo 234.º da Constituição da República Portuguesa.
Ora este artigo 234.º, que tem por epígrafe "Dissolução dos órgãos regionais", além de ofensivo para os portugueses das regiões autónomas, é, sob vários aspectos, absurdo.
Primeiro, prevê a dissolução do governo, que é uma figura que, do ponto de vista da ciência política e do direito, me parece totalmente inexplicável e insusceptível de concretização.
Depois, tal como está configurada esta figura da dissolução, ela pode pôr em cheque o Presidente da República. Imaginemos, por exemplo, uma situação em que os titulares dos órgãos dissolvidos três meses depois venham a ser reeleitos - com que cara é que ficaria o Presidente da República? Os mecanismos democráticos que regulam a vida política da região autónoma permitem esta hipótese, já que na lei nada impede que os titulares dos órgãos dissolvidos concorram às eleições subsequentes. Eu pergunto com que cara é que ficaria o Presidente da República se, depois de dissolver a Assembleia Legislativa Regional da Madeira ou dos Açores e o respectivo governo, nas eleições subsequentes tivesse de dar posse, por si ou através do seu representante, às mesmas pessoas que ele tinha "dissolvido". É, de facto, uma situação que me parece caricata.
Finalmente, este artigo põe o Ministro da República a governar uma região autónoma, solução que eu penso que é digna do que poderíamos chamar um passado imperial. Mesmo nesta circunstância excepcional e concreta não pode deixar de ser uma figura digna de um passado imperial.
Nas várias revisões constitucionais, mesmo na de 1982, questionámos este poder do Presidente da República e, desde então, advogamos a sua eliminação pura e simples. O facto de hoje se ter formado consenso a este respeito é a prova de que tínhamos razão e de que a persistência é compensadora.
Aliás, o artigo em causa, numa perspectiva meramente técnico-jurídica, já caíra em desuso, porque este artigo, em quase três décadas de vigência, nunca foi aplicado, nunca houve razão para ser aplicado. Portanto, este parece-me ser o melhor argumento a favor da sua inutilidade.
Mas devo recordar aos Srs. Deputados que, na formulação inicial do preceito, falava-se em actos contrários à Constituição e não em actos graves contrários à Constituição. Ora, isto quer dizer que, na versão originária da Constituição, a feitura de um decreto legislativo inconstitucional, portanto acto contrário à Constituição, seria fundamento para a dissolução dos órgãos de governo próprio. É uma interpretação literal, mas não deixa de caber no figurino constitucional que estamos a considerar. Daí que se passasse para a exigência de que os actos fossem graves - enfim, dependeria do conteúdo do decreto legislativo em causa.
Chegamos, finalmente, ao artigo 233.º que se ocupa, na nossa proposta, do representante da República. Penso que o que aqui propomos equivale à extinção da figura do Ministro da República. Como alguns autores referem, numa expressão que considero adequada e com alguma razão de ironia, também eu refiro a figura comissarial do Ministro da República. O Ministro da República é uma figura comissarial, segundo parte da doutrina.
Ora, o que é que aconteceu e o que é que acontece em relação ao Ministro da República? Este é um ponto que gostaria de referir numa análise meramente política e jurídica da instituição Ministro da República, se é que de instituição se pode falar, e sem qualquer conotação - quero que isto fique absolutamente claro - com a pessoa daqueles que, ao longo dos anos, exerceram o cargo de Ministro da República. Quero que isto fique bem claro, porque já houve vários Ministros da República, tanto na Madeira como nos Açores, cada Ministro teve o seu estilo e a sua maneira de actuar, uns foram melhores e outros piores, segundo a perspectiva de cada um.
Neste momento, na Região Autónoma da Madeira, as funções de Ministro da República têm sido exercidas pelo Juiz Conselheiro Monteiro Dinis, que se tem revelado uma