O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SEPARATA — NÚMERO 3

26

últimos anos, a Europa tem assistido a uma liberalização dos horários de trabalho, levando, por exemplo, à

maioria dos espaços comerciais a funcionar até mais tarde e a abrir ao domingo. Este prolongamento dos

horários não pode deixar de ser problematizado. Entre outras consequências sociais, ele comporta custos

elevados na dinâmica social e familiar dos trabalhadores. Em Portugal, a trivialização das autorizações para a

laboração contínua têm permitido uma expansão muito pouco criteriosa de regimes de trabalho que passam

por horários cada vez mais alargados.

Como têm demonstrado investigações de âmbito académico (nomeadamente da autoria de Isabel Soares

da Silva1, da Universidade do Minho), o horário de trabalho por turnos, especialmente quando envolve a

realização de trabalho noturno e/ou períodos muito valorizados familiar e socialmente pode representar para

o/a trabalhador/a dificuldades acrescidas do ponto de vista biológico, psicológico e/ou familiar e social. Boa

parte das dificuldades experienciadas resulta, por um lado, da necessidade de inversão do ciclo sono-vigília

(i.e., ter de dormir de dia e de trabalhar à noite) e, por outro, do desfasamento entre a estruturação do tempo

social e certos horários de trabalho, donde se salienta os períodos ao final do dia e aos fins de semana.

Embora os diferentes efeitos tendam a interrelacionar-se, podem ser agrupados em três grandes dimensões:

saúde (perturbações na saúde física e psicológica, incluindo perturbações nos ritmos circadianos); efeitos

sociais (interferência na vida familiar e social) e ocupacionais (em especial, as perturbações circadianas do

desempenho e a sua relação com a segurança ocupacional).

Diversos estudos científicos sobre a realidade do trabalho por turnos e o trabalho noturno têm dado um

contributo inestimável para um mais profundo conhecimento deste fenómeno e das suas consequências

humanas (designadamente, perturbações do sono, gastrointestinais, cardiovasculares, do humor, fadiga

crónica, problemas metabólicos, sociais e familiares, acidentes de trabalho por vezes mortais e catastróficos,

absentismo, diminuição da capacidade laboral e envelhecimento precoce). Por isso mesmo, esses estudos

têm vindo a interpelar os poderes públicos sobre a necessidade de uma maior regulação desta modalidade de

organização do trabalho. Apesar de as empresas garantirem que cumprem a lei, verifica-se, por exemplo, que

aspetos básicos da regulação do trabalho por turnos, como o intervalo de pelo menos 11 horas nas mudanças

entre os turnos, como recomendado na Diretiva Europeia 93/104/CE, não são, de facto, respeitados. Assim,

tem vindo a ser sugerido, nomeadamente pela equipa de Isabel Silva, que se intervenha com vista a garantir

(i) a contratação de recursos humanos suficientes para impedir a sobrecarga horária; (ii) a disponibilização de

um serviço de cantina noturno para assegurar uma alimentação saudável; (iii) a cedência de transporte,

sobretudo em horários muito matinais; (iv) a autorização a realização de sestas durante a noite sobretudo em

horários noturnos longos, como acontece no Japão; (v) o envolvimento dos trabalhadores na seleção dos

turnos, apoiando-os aquando da «troca de horários»; e (vi) a aposta no aconselhamento personalizado

tendendo a aumentar o bem-estar destes funcionários.

A negociação e a contratação coletiva são um espaço privilegiado para regular estas matérias. Sucede que

as sucessivas revisões do Código do Trabalho em matéria de negociação e contratação coletiva,

nomeadamente pela imposição da sua caducidade, tiveram como efeito desequilibrar, a favor do patronato, a

legislação laboral, diminuir a capacidade de negociação dos sindicatos, reduzir a abrangência das convenções

e individualizar as relações laborais. No campo da organização do trabalho por turnos, noturno e em folgas

rotativas, este processo de individualização e precarização tem feito da entidade empregadora o único

determinante na relação laboral, proliferando situações de desfavorecimento do trabalhador. Por isso mesmo,

sem prejuízo da regulação de aspetos específicos que deve ser feita em cada setor e atendendo às suas

particularidades por instrumentos de regulação coletiva de trabalho, a lei geral tem o dever de definir

patamares mínimos para todos os trabalhadores.

Na anterior Legislatura, o Bloco de Esquerda apresentou um projeto de lei sobre o trabalho por turnos, ao

qual se juntaram outros projetos, e foi criado, no âmbito da Comissão de Trabalho e da Segurança Social, um

Grupo de Trabalho para apreciar essas iniciativas. Foram realizadas, nesse âmbito, dezenas de audições a

diversas entidades, tendo sido de reconhecimento geral a necessidade de melhorar o enquadramento

normativo desta forma de organização do trabalho. Contudo, contrariamente aos sinais dados publicamente

1Silva, I. S. (2012). Trabalho por turnos. In A. L. Neves & R. F. Costa (Coords.), Gestão de recursos humanos de A a Z, Lisboa: RH Editora, pp., 619-622.