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SEPARATA — NÚMERO 48

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coletiva e de socialização dos trabalhadores. No caso das mulheres, particularmente, o controlo sobre o tempo

pode ser bastante exíguo, dados os constrangimentos familiares e domésticos que conduzem à «invasão» do

tempo noturno pelo trabalho, para aproveitar o sono das crianças, com o desgaste da vida pessoal daí

resultantes.

A difusão do teletrabalho veio confrontar-nos com a necessidade de novas respostas para algumas das

questões fundadoras do próprio Direito do Trabalho. Uma das mais importantes é, sem dúvida, a do tempo de

trabalho, cuja limitação está na origem do movimento operário e se encontra consagrada, por exemplo, na

primeira Convenção da Organização Internacional do Trabalho, de 1919, que limitava o tempo de trabalho

para as 8 horas diárias e as 48 horas por semana, na indústria. Ao diluir as fronteiras tradicionais entre a vida

profissional e a vida pessoal, entre o espaço da empresa e o espaço privado, o teletrabalho faz com que a

prestação do trabalho como que «acompanhe» o trabalhador onde quer que ele esteja, potenciando a ideia de

uma conexão permanente, de uma escravização pela hiperdisponibilidade para responder às solicitações do

empregador mesmo, eventualmente, no seu tempo de repouso. Ora, a garantia da limitação do tempo de

trabalho é uma questão imperiosa. No debate sobre a delimitação da exploração, sobre a segurança e saúde

no trabalho, sobre a sinistralidade laboral ou sobre a partilha de emprego, a fixação de um limite máximo da

duração do trabalho é fundamental. Curiosamente, o Código do Trabalho parece estabelecer uma

sobreposição – do nosso ponto de vista equívoca e perigosa – entre a figura da «isenção de horário»,

regulada pelo artigo 218.º, e o teletrabalho, ao referir que aquela se aplica a quem esteja a prestar atividade

neste regime.

No ordenamento jurídico português, o teletrabalho é já regulado e disciplinado pelo Código do Trabalho. O

Acordo Europeu sobre o Teletrabalho, que data de 2002, estabelece múltiplas disposições, transpostas para a

lei portuguesa a partir de 2003. Entre essas disposições europeias destacam-se: a atribuição aos

teletrabalhadores de proteção semelhante à dos trabalhadores que exercem a sua atividade nas instalações

do empregador; a regulamentação das suas condições de trabalho, saúde e segurança, formação e direitos

coletivos; o carácter voluntário do teletrabalho (que deve ser uma escolha não apenas do empregador mas,

principalmente, do trabalhador); e o princípio da reversibilidade (que significa que a opção pela prestação em

teletrabalho deve poder ser reavaliada, permitindo-se ao trabalhador recuar e voltar a trabalhar nas instalações

da empresa).

Atualmente, o regime jurídico do contrato de trabalho subordinado à distância encontra-se regulado pelos

artigos 165.º e seguintes do Código do Trabalho. Na nossa lei, o teletrabalho implica a combinação de um

elemento geográfico (o trabalho é realizado à distância) e de um elemento tecnológico (o recurso a tecnologias

de informação e de comunicação). Assim, distingue-se o teletrabalho do mero trabalho no domicílio. De resto,

o teletrabalho pode desenvolver-se no domicílio do teletrabalhador, mas também em centros satélite,

comunitários, numa modalidade móvel ou «nómada», não tendo necessariamente de ser executado em casa.

O que o distingue é ser feito fora das instalações da empresa e mediante o recurso a tecnologias de

informação e de comunicação.

No plano das relações individuais de trabalho, a legislação portuguesa prevê que o «trabalhador em regime

de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores» (formação e promoção ou

carreira profissional, limites do período normal de trabalho, segurança e saúde no trabalho, reparação de

danos emergentes de acidente ou doença profissional, etc.). Além disso, para evitar o seu isolamento,

prevêem-se contactos regulares do teletrabalhador com a empresa e com os demais trabalhadores. A lei

estabelece, ainda, que cabe ao empregador facultar os instrumentos de trabalho e assumir as despesas

relacionadas com a sua manutenção, cabendo ao trabalhador o dever de acautelar a sua conservação.

Todavia, têm surgido muitos problemas quer na aplicação efetiva das normas existentes, quer na

interpretação sobre o alcance de algumas delas. Numa fase inicial da pandemia, foram suscitadas dúvidas

sobre o pagamento do subsídio de alimentação quando o trabalhador se encontra a trabalhar em casa, o que

motivou um esclarecimento do Governo, e continua ainda hoje a não ser garantido o pagamento, pelo

empregador, dos custos fixos decorrentes do teletrabalho. Têm sido discutidas múltiplas interpretações sobre

o que deve entender-se por «instrumentos de trabalho» (um computador, seguramente é-o; mas uma

secretária e uma cadeira, por exemplo, não devem também ser incluídos neste conceito?). Surgiram casos

flagrantes de violação dos direitos dos trabalhadores através da instalação, nos instrumentos de trabalho

(computadores e telemóveis), de programas informáticos que permitem a reprodução total do que o