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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cousa alguma com o facto a que se referia o procedimento criminal, que haviam sido escriptas em epochas muito anteriores, e que por isso não aggravavam nem diminuiam a culpa do homem. Como quer que fosse, condemnado o réu em conselho de guerra, subiu o processo ao supremo tribunal de justiça militar que pronunciou o seu juizo.

Aqui está o accordão d'este tribunal, que peço licença á camara para ler:

«Ordem n.º 58 de 3 de dezembro de 1871. — Alvaro Augusto Teixeira Pinto, furriel n.º 5 da 3.ª companhia de cavallaria 3, accusado do crime de injurias e offensas graves contra alguns seus superiores do regimento de cavallaria n.º 7 por meio de imprensa. Annulam (em sessão de 19) tudo quanto foi processado tanto no conselho de investigação como no de guerra, e mandam que desde o principio se instaure novo processo, comprehendendo toda e qualquer prova que seja ou haja sido co participante no crime imputado ao réu, e como tal responsavel pela violação dos preceitos e regras do disciplina militar.»

Tínhamos, portanto, uma sentença do supremo tribunal de justiça militar a que dar execução, nada mais e nada menos. Mas como isto era um trabalho que fazia qualquer ministro da guerra por antiguidade, e s. ex.ª o sr. ministro tinha subido ao poder por merecimento (riso), entendeu que devia proceder de outra maneira, avocou a si o processo, e sentenciou que estava expiada a culpa com o tempo de prisão que o furriel soffrêra.

Dir-se-me-ha que o crime era insignificante. Ainda mesmo que o fosse! Mas será crime insignificante insultar os seus superiores? (Apoiados.)

O nobre ministro da guerra poderia consentir que algum inferior seu o insultasse? Ainda mesmo nos paizes mais liberaes e em que mais plenamente se usa da liberdade de imprensa, é reputado um crime para os militares publicar pela imprensa injurias contra os seus superiores. O codigo penal disciplinar dos Estados Unidos impõe a pena de prisão por um anno em praça de guerra a qualquer militar que escrever contra os seus superiores na imprensa.

Havia cartas juntas ao processo, em virtude das quaes se suspeitava que o furriel era instrumento de um certo official; e no entretanto, o furriel foi mandado para o mesmo corpo onde estava esse official que se suspeitava de que se servia d'elle como de instrumento para perturbar a disciplina de um corpo, a que ambos haviam pertencido; parece impossivel, e realmente tenho difficuldade em contar á camara, mas é a verdade. Esse furriel não faz serviço! (Vozes: — Ouçam.) Todos os outros que cumprem e cumpriram sempre os seus deveres são castigados porque fazem serviço, o seu, e o que competiria a esse mau camarada; este, que deixou de cumprir os seus, que os violou, que se cunduziu pessimamente faltando ao respeito aos seus superiores, que é um dos crimes mais graves que posso conhecer na vida militar (apoiados), é premiado, anda passeiando, recebe os seus vencimentos, e será tambem promovido ou condecorado! (Apoiados.)

Outro facto ainda, que tambem é notavel. Havia um corpo em Lisboa onde, segundo consta de um accordão do supremo conselho de justiça militar já citado, nem o commandante, nem os membros do conselho de administração cumpriam os seus deveres. V. ex.ª comprehende, assim como a camara, que a administração d'aquelle corpo era deploravel. O resultado d'este lastimoso desgoverno foi o seguinte.

Peço licença a v. ex.ª para ler o accordão do supremo conselho de justiça militar, que mais eloquentemente do que eu póde fazer ver a monstruosidade (permitta-se-me a palavra) do facto que vou narrando:

«Ordem do exercito — Secretaria d'estado dos negocios da guerra — Direcção geral—5.ª Repartição. — Accordam os do supremo conselho de justiça militar, etc.

«Que confirmam a sentença da 1.ª instancia que julgou provada e procedente a accusação intentada contra o réu

Theodosio José Ignacio de Sampaio, capitão quartel mestre do batalhão n.º 2 de caçadores da rainha, por haver dissipado e distrahido em proveito proprio a quantia de 1:63$873 réis pertencente ao estado, a qual, no decurso do anno do 1869 e principio de 1870, recebeu da pagadoria militar, com destino ao pagamento do pret ás praças do indicado batalhão, por meio de requisições ou recibos interinos por elle passados e assignados pelos vogaes do conselho administrativo do batalhão, que os assignavam sem ler nem verificar, como lhes cumpria, a sua exactidão e conformidade com as requisições parciaes dos commandantes das companhias, d'onde resultou poder o réu, durante vinte mezes, receber a mais do que devia e de que era preciso a quantia supra indicada de 1:634$873 réis.

«Não julgam procedente a accusação, e revogam a sentença na parte que é relativa ao extravio de 708$000 réis recebida sob o pretexto de que era destinada para o pagamento das praças contratadas, porque, a respeito d'esta quantia, a prova dos antos não convence o accusado de prevaricação; e

«Attendendo que para o extravio da quantia já indicada de 1:634$873 concorreu tanto a malicia e a fraude empregada pelo accusado, como a incuria e a negligencia dos officiaes que constituiram o conselho administrativo do corpo, e assim tambem o atraso na indispensavel fiscalisação superior das auctoridades em quem a lei incumbe este dever;

«Attendendo á vida militar do accusado, sem nota;

«Visto o artigo 28.° dos de guerra, de 18 de fevereiro de 1763, que diz assim: — todo o official de qualquer graduação que seja, que se valer do seu emprego para tirar qualquer lucro por qualquer maneira que seja, e de que não poder inteiramente verificar a legalidade, será infallivelmente expulso:

«Condemnam por isso o réu mencionado Theodosio José Ignacio de Sampaio, capitão quartel mestre a ser expulso do exercito. Assim confirmada, revogada e alterada a sentença da 1.ª instancia, mandam que a pena julgada seja imposta ao réu.

«Lisboa, 31 de maio de 1872. = A. R. Graça = Palmeirim = Visconde do Pinheiro = J. B. da Silva = Barros e Sá, vencido quanto á pena por ser contra a expressa e clara disposição do artigo 313.° do codigo penal. — Fui presente, Camarate, tenente coronel, promotor.»

Vê v. ex.ª, portanto, que se tratava de um homem que por effeito da «incuria e negligencia dos officiaes que constituiram o conselho do corpo», conseguiu durante vinte mezes consecutivos roubar a fazenda publica. O regulamento disciplinar é bem explicito a este respeito, e diz (leu).

Havia pois negligencia no cumprimento das ordens dos seus superiores, a menos que o sr. ministro da guerra se não queira considerar inferior aos seus subordinados. Havia uma relaxação inqualificavel, e o resultado foi o que a camara viu pelo accordão que acabei de ler. Cumpria ao governo fazer applicação do artigo do codigo penal que tambem li, e castigar aquelle official e todos os co-participantes do crime, os membros do conselho administrativo, pela responsabilidade criminal que lhes resultava da negligencia manifesta no cumprimento das ordens superiores. Revelava o commandante d'esse corpo, por este facto, a sua incapacidade completa para uma administração tão simples como é a de um batalhão de caçadores.

Havia aqui um facto verdadeiramente grave, que nenhum militar conscienciosamente disciplinador, como o sr. ministro da guerra diz ser, permittiria que passasse impune; havia um extravio de dinheiro da fazenda publica; e eu declaro, e a camara póde convencer-se de que, se esse homem não conservasse, no fundo do abysmo a que o levou o seu crime uns vislumbres de probidade, podia imputar ao commandante e aos membros do conselho de administração a responsabilidade criminal do extravio do dinheiro roubado, porque elle, segundo a lei, tinha apenas obrigação