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vas na posse do agricultor. A extincção dos vinculos assignala uma epocha nova na historia economica do paiz.

«Agora é mister caír sobre o baldio. Por causa d'elle ainda está inculta a maior parte da provincia do Minho, com ser a mais cultivada de Portugal. Tem este districto não menos de 235:000 hectares, dos quaes apenas 36:000 ou 37:000 estarão empregados em cereaes e legumes, a julgar pelas sementes que as diversas camaras em 1861 diziam necessarias para as culturas annuaes. É menos da sexta parte. É verdade que o resto não jaz todo por cultivar. Extensões consideraveis têem pinhaes e matos semeados, mas uma parte muito maior está visivelmente sem cultura nenhuma.

«Tal estado é calamitoso e requer providencia.

«Não queremos que o legislador venha lavrar-nos a terra; pedimos-lhe apenas que no-la deixe aproveitar.

«Deixará, se revogar a lei ou leis que tributam os aforamentos.

«Ha quem falle contra os aforamentos, e ainda ha mais quem defenda os baldios. A favor d'estes dizem que são bons para darem mato e apascentarem o gado.

«Todavia, não ha pratico intelligente que não saiba que o mato em terreno aberto gasta cinco e seis annos para chegar ao estado roçadouro, ao passo que tapado não gasta senão tres, e sendo semeado apenas dois, dando então muito maior abundancia. Logo, deixem vidar e semear, e ahi têem duplicada e triplicada a sua riqueza.

«Quanto aos pastos, para refutar o argumento basta olhar para o concelho da Maia, um dos bons concelhos pecuarios de Portugal, apesar da sua pequena area (8:000 a 10:000 hectares), no qual, se exceptuarmos duas ou tres freguezias do nascente, apenas haverá um metro de terreno baldio. A maior parte da sua superficie está occupada com pinhaes e matos cultivados.»

Não tenho por ora a acrescentar nada a esta lucida e profunda opinião, e limito-me a declarar que combato a existencia dos baldios como nociva ao progresso da agricultura.

É sabido de todos que, não obstante o grande melhoramento e progresso da nossa industria, nós não somos um paiz manufactor e fabril, mas sim um paiz essencialmente agricola (apoiados).

Voltemo-nos pois para a agricultura; é este o meu pedido. Não apresento uma lei para que se reforme desde já, para que se desamortise de todo o baldio, mas peço á camara que considere este assumpto na sua profunda gravidade. Não é uma lei que possa taxar-se de um expediente financeiro o que proponho, mas é um pensamento franco e sincero de cuidar com desvêlo do engrandecimento agrario da nossa terra.

Reduzamos o baldio á cultura, façamos com que elle entre no commercio, e que se dê a propriedade d'elle a quem o cultive e trabalhe seriamente, e os baldios darão só em impostos mais e muito mais do que hoje dão em todos os seus productos; darão convertidos em matas, por exemplo, em lenhas, em desbastes, em podas mais e muito mais do que hoje dá o mato que se rossa, ficando sempre a grande riqueza de boas matas. Estamos a toda a hora queixando-nos da fugida dos nossos braços mais válidos para o Brazil, para os grandes tratos de terra que a America do Sul offerece a explorar; braços que podiamos ter no nosso paiz a cultivar o nosso solo, e não buscamos por este meio evitar essa emigração fazendo que elles convirjam todos para o trabalho das nossas terras.

Eu creio que a minha moção de ordem não é d'aquellas que têem de ir á commissão, e que affectam essencialmente o projecto apresentado; é uma proposta que a camara póde de prompto resolver; se julga que os baldios não devem ser considerados e devem continuar a existir como actualmente existem, rejeita-a; se julga que póde fazer com os baldios uma boa parte da sua gloria, como a camara passada fez á extincção dos vinculos, approva-a.

Não emitto a minha opinião sobre as bases em que devem modificar-se os baldios, deixo isso completamente á commissão; mas digo que é grave o assumpto e que é digno de ser tratado por esta illustrada camara. Para então, no caso da commissão ser nomeada e a proposta discutida, reservo as considerações que agora seriam talvez impertinentes em meio da presente discussão. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

A proposta é a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que esta camara eleja uma commissão especial para apresentar um projecto de reforma de toda a legislação de baldios, maninhos, praias do mar e logradouros communs, a fim de que todos esses vastos terrenos incultos possam convenientemente aproveitar-se e entrar no commercio. = Dr. Ayres, deputado pelo Porto.

Foi admittida.

O sr. Luciano de Castro: — Eu não sei a ordem que v. ex.ª quererá seguir na discussão, mas parece-me que esta proposta não póde seguir o mesmo caminho que têem seguido as outras apresentadas.

Parece-me que a proposta do sr. Ayres de Gouveia póde ser considerada pela camara, mas julgo que seria melhor que a camara approvasse o § 1.° do artigo 6.°, em que são exceptuados os terrenos baldios, que constituem logradouro commum dos municipios e parochias, continuando a existir a legislação em vigor.

O sr. Ayres de Gouveia propõe a nomeação de uma commissão especial para reformar este ramo de legislação, mas seria muito conveniente que o § 1.° do artigo 6.° fosse approvado, antes de qualquer deliberação da camara, parecendo-me que a camara póde tomar em consideração a proposta, no seu logar competente, sem comtudo prejudicar a discussão d'este projecto.

V. ex.ª fará o que entender melhor, mas o que eu supponho é que a proposta do sr. Ayres de Gouveia deve ser tomada em consideração separadamente da parte do projecto, porque diz respeito a um assumpto inteiramente differente.

Agora responderei a duas perguntas que me dirigiu o sr. Ayres de Gouveia.

Emquanto á extensão que tem o § 1.° do artigo 6.°, devo dizer que não são comprehendidos na disposição d'esta lei os baldios, que constituem logradouro commum dos municipios e parochias, e é claro que a commissão se refere unicamente aos baldios que estiverem n'este caso, porque ha baldios que são dos municipios e parochias, e logradouros communs; a commissão refere-se aquelles baldios que constituem logradouro commum, porque os outros são comprehendidos na desamortisação.

Emquanto aos baldios, que s. ex.ª disse serem propriedade particular de algum povoadores ou moradores, responderei que elles não constituem propriedade de nenhuma das corporações a que se refere o artigo 6.° d'esta lei; não estão comprehendidas portanto na desamortisação essas propriedades particulares, e não podem ser incluidas na proposta de lei de que se trata.

Emquanto ás coutadas, declaro francamente a v. ex.ª que não sei bem o que esta palavra significa na actual organisação economica do paiz. Tenho ouvido differentes explicações a alguns illustres deputados; mas reservo-me, para quando se tratar da proposta mandada para a mesa pelo sr. D. José de Alarcão, a este respeito, e que talvez seja hoje á noite, receber dos meus amigos da commissão, que tiverem conhecimento d'esta materia, explicações que habilitem, a commissão a tomar uma resolução segura a este respeito, sabendo-se se a palavra coutada tem ou não alguma analogia com os baldios, que constituem logradouro commum e que eram das parochias ou concelhos.

Emquanto ás praias, a que s. ex.ª se referiu, parece-me que o illustre deputado labora n'um equivoco. As praias de mar não podem ser sujeitas á desamortisação, porque não estão no mesmo caso das propriedades a que se refere o artigo 6.°, são propriedades nacionaes.

Torno a renovar o pedido, que hontem fiz a v. ex.ª n'uma proposta, para que os srs. deputados hajam de mandar para a mesa as suas propostas, a fim de se tomar uma resolução sobre ellas.

Agora a proposta mandada para a mesa pelo sr. Ayres de Gouveia...

O sr. Lavado de Brito: — Se está em discussão a proposta, peço a palavra.

O sr. Presidente: — Esta discussão corre alguma cousa confusa.

Foi hontem approvada a proposta do sr. José Luciano, para se convidarem os srs. deputados a mandarem para a mesa todas as emendas que tenham a offerecer aos diversos artigos d'este projecto, para irem á commissão. Em consequencia d'esta proposta ser approvada, alguns srs. deputados têem apresentado emendas ao artigo 6.°, não fallando nos artigos 3.°, 4.° e 5.°, nem deixando votar o artigo 2.°, que é o que estava em discussão; porque tambem decidiu a camara que todos aquelles, a que os srs. deputados mandassem emendas, ficassem adiados para depois da commissão dar o seu parecer (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Agora o sr. Ayres de Gouveia mandou para a mesa uma proposta, que foi admittida á discussão, para se nomear uma commissão especial, e eu não posso deixar de a submetter a uma votação da camara, mesmo porque não tem connexão immediata com o artigo em discussão; póde a camara approvar o § 1.° do artigo 6.°, e póde tambem approvar a proposta do sr. Ayres de Gouveia, que uma cousa não prejudica a outra.

O sr. Luciano de Castro: — O que me parecia mais conveniente era não se tratar agora da proposta do sr. Ayres de Gouveia, para não a confundir com a discussão do projecto.

O sr. Presidente: — Se a camara consente fica esta proposta para segunda leitura (apoiados).

Continua pois a discussão do projecto.

O sr. Alves do Rio: — Cumprindo o regimento começo por ler a minha moção de ordem (leu).

Desde que a camara deliberou hontem que a sessão de hoje fosse destinada para a apresentação das propostas que tivessem a offerecer-se a este projecto, entendo que servirá tambem de muito, para esclarecer as illustres commissões, as representações que em numero valioso foram remettidas á camara transacta sobre este mesmo assumpto.

Creio que esta lembrança teve iniciativa na misericordia de Evora; rasão mais forte que me obrigou a tomar esta resolução; e depois foi este exemplo seguido por outras misericordias.

Estas representações foram remettidas alternadamente ás commissões de fazenda e de administração publica. Dou estes esclarecimentos para que melhor se saiba aonde se hão de ir buscar.

Entendo que este meu requerimento não precisa de discussão da camara; basta só que a mesa faça esta recommendação á secretaria. O que julgo em todo o caso indispensavel é que estas representações vão ás commissões reunidas, para mais facilitar o seu exame.

A minha proposta vae tambem assignada pelos srs. Coelho do Amaral e D. José de Alarcão.

Leu-se na mesa e é a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que sejam mandadas com urgencia ás commissões collaboradoras do projecto de lei sobre desamortisação todas as representações dirigidas pelas misericordias do reino a esta camara, na legislatura passada, tendentes a que na lei que se confeccionasse sobre este assumpto fosse

consignada a disposição de ficar ao arbitrio das respectivas administrações inverter os valores provenientes da desamortisação, ou em inscripções ou em contratos de mutuo celebrados com todas as cautelas estabelecidas nas leis. = Manuel Alves do Rio = D. José Manuel de Menezes de Alarcão = Bernardo Coelho do Amaral.

O sr. Presidente: — Não ha difficuldade nenhuma em que a mesa mande que pela secretaria estas representações sejam enviadas ás commissões, sem ser preciso para isso resolução da camara.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

Esta discussão vae já longa, e no decurso do debate tem-se dito tudo quanto é possivel dizer-se sobre a materia. Eu podia apresentar a minha proposta e desacompanha-la de considerações. Mas como esta parte da materia é a que tem sido mais questionada; e como me coube a honra de abrir a discussão nesta camara; como fui eu que levantei esta questão, não devo deixar de fundamentar a minha proposta, o que farei em poucas palavras.

Quando pela primeira vez pedi a palavra sobre esta materia, ergui a minha voz, fraca como é, em favor das misericordias e hospitaes. Perguntei ao sr. ministro do reino que dados estatisticos tinha s. ex.ª colligido, que informações tinha alcançado, quaes eram os rendimentos d'estes estabelecimentos, qual era o seu estado de administração, e se esta administração era boa ou má, prospera ou decadente; se s. ex.ª tinha chegado ao convencimento de que não tinha meio de fazer administrar os bens das misericordias senão tirando-lhes a terra e dando-lhes papel.

O sr. presidente do conselho levantou-se e respondeu-me: «O governo não precisou de grandes investigações para propor esta lei; o governo viu que a desamortisação dos bens das freiras tinha sido boa, e applicou-a ás misericordias e hospitaes».

Eu pasmei quando ouvi dizer ao sr. ministro do reino que = o governo não tinha precisado de investigações para dar este golpe fatal n'estes estabelecimentos! = Pasmei e corei pelo meu paiz, quando vi que o governo se apresentava n'esta camara tratando com tal leveza medida tão importante, dizendo que = assim como se tinha applicado esta medida aos bens das freiras, se applicava tambem ás misericordias e hospitaes =. Isto será tudo, mas não é serio, não é governar, não é esta a maneira por que o governo se devia apresentar n'uma questão d'esta ordem, diante da representação nacional.

Os hospitaes e misericordias são em geral bem administrados. As pessoas mais honradas e intelligentes de cada localidade tomam parte na gerencia d'estes estabelecimentos.

(Interrupção de um sr. deputado que não se ouviu.)

O Orador: — O illustre deputado póde pedir a palavra e usar d'ella quando lhe competir, mas eu não costumo nunca interromper ninguem.

Esta é a minha opinião; eu já tive occasião de praticamente conhecer a administração de muitos hospitaes e misericordias, e achei que em geral são os homens mais capazes e abastados de cada localidade os que exercem a administração d'estes estabelecimentos, e muitas vezes quando escasseiam os meios de occorrer ás despezas os seus administradores fazem lhes adiantamentos do seu proprio dinheiro.

Isto é o que eu em geral tenho observado, isto é o que tenho visto praticado na maior parte das terras que conheço. E quando, como auctoridade administrativa, procurei melhorar o estado de administração de algum d'estes estabelecimentos, nunca encontrei resistencias, antes fui zelosamente coadjuvado pelas administrações das misericordias, e applaudido pelas povoações onde ellas se achavam estabelecidas.

Ao governo incumbia provar o contrario do que deixo dito, e convencer da necessidade da medida, e não se limitar ás rasões que deu aqui o sr. presidente do conselho.

Mas supponhamos nós que ha misericordias mal administradas, que ha hospitaes mal administrados, de quem é a culpa? Não estão esses estabelecimentos debaixo da tutela do governo, e as suas administrações não têem de formular orçamentos e de prestar contas? E não é o governo e os seus agentes que approvam e rejeitam as suas contas e orçamentos? Não está o governo, pelo codigo administrativo, auctorisado a dissolver as administrações d'estes estabelecimentos quando ellas não marchem convenientemente? Não tem o governo a faculdade de nomear commissões da sua liberrima escolha para melhorar a administração de um hospital onde se notaram abusos?

Portanto não se lancem suspeitas de má administração sobre estes estabelecimentos, quando aquelles que as lançam são os proprios que, pelo seu desleixo, têem dado causa a ella.

O sr. presidente do conselho falla pouco é verdade, mas n'esse dia apartou-se um pouco do seu systema, e foi fallar de mais. S. ex.ª quasi sempre é mais forte pelo que cala do que pelo que diz, mas n'esse dia estava em veia de fallar.

Eu tinha dito — se ás camaras municipaes, por falta de pagamento de juros das inscripções, faltassem no futuro meios de occorrer ás suas despezas, as camaras municipaes tinham na sua propria organisação meios faceis e promptos para occorrer a essas despezas, lançando tributos; por exemplo, uma percentagem sobre as decimas, ou tributos sobre consumo. Mas o que disse o sr. presidente do conselho, e o que me respondeu? Disse: «Não sei que haja differença nenhuma entre administração das camaras municipaes, misericordias e hospitaes; não sei que as camaras municipaes (formaes palavras de s. ex.ª) tenham alguma varinha de condão para crearem recursos de prompto, que não possam crear as misericordias e hospitaes».

Custa ouvir dizer isto ao sr. ministro do reino, e ter que